Discurso no Senado Federal

PROTESTOS DAS ENTIDADES SOS VIDA-MG E ASSOCIAÇÃO DOS TRABALHADORES, APOSENTADOS E PENSIONISTAS DA INDUSTRIA DA CONSTRUÇÃO DO MOBILIARIO DE MINAS GERAIS, CONTRA A FALTA DE EMPENHO DO GOVERNO FEDERAL A SITUAÇÃO DE DESAMPARO DAS POPULAÇÕES INDIGENAS BRASILEIRAS.

Autor
Junia Marise (PDT - Partido Democrático Trabalhista/MG)
Nome completo: Júnia Marise Azeredo Coutinho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • PROTESTOS DAS ENTIDADES SOS VIDA-MG E ASSOCIAÇÃO DOS TRABALHADORES, APOSENTADOS E PENSIONISTAS DA INDUSTRIA DA CONSTRUÇÃO DO MOBILIARIO DE MINAS GERAIS, CONTRA A FALTA DE EMPENHO DO GOVERNO FEDERAL A SITUAÇÃO DE DESAMPARO DAS POPULAÇÕES INDIGENAS BRASILEIRAS.
Publicação
Publicação no DSF de 14/03/1998 - Página 4165
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • REGISTRO, RECEBIMENTO, OFICIO, ASSINATURA, ANTONIO CARLOS TEODORO DE AGUIAR, PRESIDENTE, COMISSÃO BRASILEIRA, VITIMA, ERRO, OMISSÃO, MEDICO, DELITO, TRANSITO, ABUSO, CRIANÇA, ADOLESCENTE, JAIME CAETANO DE SOUZA, DIRIGENTE, ASSOCIAÇÃO DE CLASSE, TRABALHADOR, APOSENTADO, PENSIONISTA, INDUSTRIA, CONSTRUÇÃO CIVIL, PROTESTO, FALTA, QUALIDADE DE VIDA, COMUNIDADE INDIGENA, RESERVA INDIGENA, PROVOCAÇÃO, SUICIDIO, INDIO, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), REIVINDICAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, RECUPERAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, DESTINAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DO INDIO (FUNAI), MELHORIA, ATENÇÃO, ASSISTENCIA, SETOR.
  • ANALISE, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, RESERVA INDIGENA, COMUNIDADE INDIGENA, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), RESULTADO, INVASÃO, FAZENDEIRO, PROVOCAÇÃO, CONFLITO, MORTE, FOME, INSUFICIENCIA, ATENDIMENTO, ASSISTENCIA MEDICA, EMBRIAGUEZ, AUSENCIA, ADOÇÃO, PODER PUBLICO, PROVIDENCIA, DEFESA, INDIO, REGIÃO.

A SRª JÚNIA MARISE (Bloco/PDT-MG. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, tenho em mãos ofício de duas entidades mineiras que, reportando-se ao noticiário do Jornal Nacional, da TV Globo, editado no mês passado, protestam contra a situação de desamparo em que se encontram as populações indígenas brasileiras, a tal ponto que dezenas de índios, especialmente dos povos Guarani, tenham-se suicidado nos últimos anos.

Somente no ano passado, foram registrados 30 suicídios de índios, sem que o Poder Público se tenha empenhado em remover as causas dessa tragédia. A falta de empenho de nossas autoridades nessa questão pode ser verificada de várias maneiras. Entre elas, a mais visível é a continuidade, ano após ano, da ocorrência desses atos de extrema angústia e desesperança. Estima-se que, nos últimos 10 anos, 206 índios se suicidaram, tendo 57% desses suicídios ocorrido no Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Os seguidos suicídios entre os Guarani, Srªs. e Srs. Senadores, têm motivos diversos, mas relacionam-se intimamente com o seu confinamento em áreas reduzidas e superpovoadas, ignorando-se o milenar estilo de vida, sua relação com a natureza e os primitivos meios de produção e de sustento.

Embora não se possa imputar ao Presidente da República culpa pessoal nesses atos extremados de renúncia à vida, é mister observar que o Governo Federal, tão preocupado em agradar os banqueiros e investidores de grande porte, não tenha uma efetiva política de proteção às comunidades indígenas. Essa triste realidade tanto mais se condena e se estranha quando temos na Presidência da República um homem público que, antes de ter êxito na política, já era sociólogo de renome. Nessa condição, esperava-se que fosse o defensor dos direitos das minorias e da pluralidade étnica.

Antes, porém, de examinarmos a triste situação em que se encontram os espoliados índios brasileiros, nossos irmãos e primeiros ocupantes deste Território, devo registrar que o justo e indignado ofício que recebi veio assinado pelos dirigentes Antônio Carlos Teodoro de Aguiar e Jaime Caetano de Souza, presidentes, respectivamente, da SOS Vida - Comissão Brasileira das Vítimas de Erros e Omissões Médicas, Delitos de Trânsito e Abusos contra Crianças e Adolescentes; e Atapecom, de Minas Gerais - Associação dos Trabalhadores Aposentados e Pensionistas da Indústria da Construção e do Mobiliário de Minas Gerais.

Não se assustem, Srs. Senadores: é gratificante saber que ainda existem pessoas e entidades que mantêm sua capacidade de indignação ante a injustiça, o sofrimento e a iniqüidade, atuando muito além do horizonte próximo do corporativismo.

Ao se reportarem ao aludido noticiário do Jornal Nacional, essas entidades mineiras solicitam o nosso apoio à causa e reivindicam urgentes medidas do Governo Federal para minimizar o sofrimento de nossos índios; e apontam os graves problemas sociais que afligem essa etnia em Minas Gerais, os quais não diferem absolutamente daqueles que afetam os índios brasileiros em geral, todos eles resultantes da inexistência de uma efetiva política indigenista, da falta de empenho dos nossos governantes e da ação inescrupulosa de fazendeiros, posseiros e grileiros.

Em Minas, como conseqüência da depredação dos recursos naturais nos seus territórios, grande parcela da população indígena convive com a fome e a desnutrição, com verminoses, tuberculose, alcoolismo e outros males.

A situação mais grave é a do povo Maxacali, no Vale do Mucuri. Seminômades, perambulam pelas cidades da região medingando roupas e alimentos. Mais da metade desse povo, incluindo crianças, vive em constante estado de embriaguez, uma doença social que os índios desconheciam e que assimilaram após o contato com o homem branco.

A área entre as aldeias de Água Boa e Pradinho, cujos territórios foram homologados em outubro do ano passado, encontra-se invadida por 11 fazendeiros, que há muito transformaram a região em palco de conflitos e mortes. Embora os índios tenham garantias legais de posse e usufruto da terra, o Poder Público, em momento algum, tomou providências eficazes para pôr fim aos conflitos e ao morticínio.

Das cinco nações indígenas espalhadas por Minas Gerais, a Maxacali, com 830 índios, é a que vive em piores condições. O número de óbitos cresce a cada ano, como conseqüência da desnutrição e da falta de atendimento médico adequado. Muitos índios morrem vítimas de coma alcóolico ou atropelados nas estradas da região. As autoridades responsáveis se omitem, como se nada pudessem fazer. A Comissão Estadual de Assuntos Indígenas, instituída pelo Governo mineiro, revela-se incapaz de mudar o destino desses povos, e o drástico corte nos recursos da FUNAI permite antever o agravamento dessa situação.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, os problemas vividos pelos índios foram minuciosamente relatados durante a Semana dos Povos Indígenas do ano passado, celebrada na capital mineira. Ali reunidos, representantes do povos Krenak, Maxakali, Pataxó, Pankararu e Xacriabá denunciaram, entre outras coisas: suas aldeias estão isoladas e sem assistência da Funai; o atendimento médico é precaríssimo, com insuficiência de enfermeiros, medicamentos e ambulâncias; suas terras continuam sendo invadidas sistematicamente; a demarcação e proteção das terras indígenas, determinadas pela nossa Constituição, não vêm sendo efetuadas e o famigerado Decreto nº 1.775, de 1996, de autoria do Ministro Nélson Jobim, tem atrasado enormemente os processos demarcatórios.

Como salientei há pouco, a doença é uma das grandes desgraças que abatem os povos indígenas. Como destaquei, também, a situação desses povos em Minas Gerais não difere de sua situação em todo o território nacional. Por isso, convivemos com uma triste realidade, freqüentemente reportada pelos meios de comunicação, como é exemplo a manchete publicada há pouco tempo pelo jornal Correio Braziliense: “Morte de bebês assusta Ianomâmis”.

A reportagem relata a morte, no ano passado, de 46 bebês da tribo Ianomâmi com menos de um ano de idade. Esse número equivale ao espantoso índice de 13% de mortalidade infantil, em contraposição à taxa de 1,5% observada na população do Estado com a exclusão dos índios - taxa, por si, já inadmissível para os padrões de qualquer sociedade desenvolvida.

A denúncia dessa altíssima taxa de mortalidade infantil entre os Ianomâmi foi feita pelo Sindicato dos Servidores de Saúde de Roraima e baseada no relatório do Distrito Sanitário mantido pela Fundação Nacional de Saúde. Esse órgão do Ministério da Saúde registrou, ainda, no ano passado, a ocorrência de 3.122 casos de malária, que afetaram 39% da população indígena local, contabilizados apenas no lado brasileiro do território ianomâmi.

As condições de trabalho para os servidores da Fundação Nacional de Saúde são péssimas. Apenas sete médicos e 21 enfermeiros assistem os índios nos quinze pólos da reserva de 9,4 milhões de hectares. Para se embrenharem nas matas os servidores da Fundação Nacional de Saúde recebem diárias de R$ 17,00 e a reportagem do Correio Braziliense assinala que é comum faltarem medicamentos, como soro antiofídico, e equipamentos, como coletes salva-vidas e botes infláveis, usados para percorrerem os rios e igarapés da região.

Mas os problemas de ordem médica são apenas uma parcela dos males que afligem a população indígena em todo o território nacional, como divulgou o Conselho Indigenista Missionário - Cimi, da Conferência Nacional dos Bispos no Brasil - CNBB, em seu relatório de 1996 intitulado “A Violência contra os Povos Indígenas no Brasil”.

Trata-se de um trabalho sério, fundamentado, que tipifica os atos de violência praticados contra a população indígena e que, lamentavelmente, comprovam que a justiça social, hoje subtraída à grande maioria da população brasileira, aos índios parece quase inacessível.

O relatório do Cimi relaciona 140 mil 821 casos de violações dos direitos dos índios, configurados em 69 tipos de agressões praticadas pelo Poder Público ou por particulares contra a pessoa do índio e contra o patrimônio das tribos. Diz ainda o documento que em um ano cresceram em 92% os atos de violência que afetaram 121 etnias indígenas. “Isso confirma o temor”, destaca o relatório da CNBB, “de que a política indigenista implantada pelo Governo Fernando Henrique Cardoso acarretaria o agravamento de conflitos fundiários relativos ao domínio, à posse e ocupação das terras dos índios, assim como agravaria as condições de sobrevivência dos povos indígenas”.

A análise do Cimi relaciona-se em grande parte ao já citado Decreto nº 1.775/96, que, a título de sanear juridicamente os procedimentos demarcatórios das terras indígenas, introduziu o princípio do contraditório, determinando sua aplicação retroativa a todos os processos em curso de demarcação de terras que não tivessem sido registradas nos cartórios imobiliários.

Em outros termos, o famigerado decreto possibilitou reclamar a revisão de demarcação de terras consolidadas pelo Decreto nº 22/91, isto é, ignorou a igualdade de atos jurídicos perfeitos.

Era tudo, Sr. Presidente, que os grileiros profissionais e os aventureiros inescrupulosos queriam para tentar dilapidar o patrimônio indígena, intensificando os conflitos na luta pela terra e levando às agressões ambientais, como o desmatamento, os incêndios e a poluição. A invasão de terras indígenas, com o fim de se apossar delas ou de explorar ilegalmente seus recursos naturais, vem acontecendo em grande escala, diante da omissão das autoridades federais. Madeireiros, garimpeiros, posseiros, grileiros vêm violentamente usurpando as terras indígenas sob os olhares complacentes e omissos de nossos governantes.

Nessas circunstâncias, os crimes contra os índios e seu patrimônio, em 1996, aumentaram deploravelmente. Na violência que se perpetrou contra a pessoa do índio tiveram significativo aumento as ameaças de morte, as lesões corporais, a disseminação do alcoolismo, os casos de constrangimento ilegal, de seqüestro, de cárcere privado, de violação de domicílio, de incitação ao crime, de tortura e de expulsão ilegal de suas terras, entre outros.

No que tange ao patrimônio, além de 1.749 contestações à demarcação das terras, verificaram-se aumentos nos casos de furto de madeira, caça ilegal, pesca ilegal ou predatória, desmatamento, danos diversos, estelionato e até fraudes.

A falta de escrúpulos dos aventureiros que cobiçam as terras indígenas não tem limites. Os madeireiros, garimpeiros e comerciantes têm como estratégia disseminar o uso de bebidas alcoólicas entre os índios.

Os 31 atentados contra a vida dos índios registrados em 1996, causaram nada menos que 26 mortes. Nos conflitos com invasores, no mesmo período, 118 índios ficaram feridos, com acréscimo de 76% em relação ao ano anterior. Os danos ambientais, nas tentativas de usurpação da terra em posse indígena, cresceram oito vezes em relação a 1995 e os desmatamentos aumentaram dezoito vezes em apenas dois anos. Tal acréscimo vergonhoso é associado à exploração ilegal de madeiras nobres, da castanha-do-pará e do palmito; à garimpagem ilegal de ouro; ao plantio de roças e à formação de pastos; à instalação de núcleos de moradias e prostíbulos; à construção de estradas nas proximidades ou no interior das reservas.

Enquanto isso, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a Funai cruza os braços, alegando falta de recursos. Em que pese o marasmo, a falta de motivação e a falta de vontade política daquele órgão, os servidores e dirigentes da Funai estão certos no que respeita aos recursos financeiros. O orçamento global da Funai para o presente exercício foi reduzido em 12%, e algumas rubricas tiveram tamanho corte que as atividades pertinentes simplesmente se inviabilizaram.

A verba para demarcação das terras, de R$13,560 milhões no ano passado, foi reduzida a R$3 milhões para o ano de 1998, devendo-se lembrar, a esse respeito, que metade das terras indígenas está ainda por ser demarcada. Não custa também lembrar, para comprovar nossa dívida com esses povos, que a Lei nº 6001, de 19 de setembro de 1973, que “dispõe sobre o Estatuto do Índio”, prevê, no art. 65, que a demarcação das terras indígenas, até então não efetuada, seria completada pelo Poder Executivo no prazo de cinco anos. Por sua vez, a Constituição, no art. 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, estabeleceu: “A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da nova Constituição”.

Na rubrica de fomento às atividades produtivas, os recursos de R$10 milhões foram reduzidos pelo Governo para R$3,810 milhões; a rubrica de vigilância e fiscalização das áreas indígenas, cuja importância se agigantou após a edição do Decreto nº 1.775, foi reduzida de R$5,080 milhões para R$2,190 milhões.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a agressão - em alguns casos, verdadeira dizimação - que se executa contra a população indígena brasileira, assemelha-se, por seus odiosos números, a uma guerra civil, restando observar que, por se tratar de uma minoria sem vez e sem voz, raramente seus gritos de revolta e pedidos de socorro encontra eco nos meios de comunicação social.

Nesses tempos de neoliberalismo, parece que defender as minorias está fora de moda, não há mais glamour. No entanto, a missão dos homens públicos ultrapassa o charme das inaugurações concorridas, das entrevistas coletivas, dos discursos em tribunas diversas. Os espoliados índios de Minas Gerais e de todo o Brasil, que há milênios já habitavam este imenso território, são nossos irmãos, excluídos das terras que lhes pertencem e usurpados de seus direitos a uma vida digna. Diante disso, faço um veemente apelo ao Presidente Fernando Henrique, sempre tão generoso com o sistema financeiro do nosso País, no sentido de adotar e fazer valer uma efetiva política de proteção e promoção dos povos indígenas. Apelo também ao Ministério Público Federal, solicitando ações imediatas no sentido de coibir as deploráveis agressões de que são vítimas esses povos, para que, irmanados, possamos todos os cidadãos brasileiros usufruir de um novo tempo, sob a égide da paz, do entendimento, da fraternidade e da justiça social.

Sr. Presidente, temos aqui o documento da CNBB: “A Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil”. Como já me havia referido, constam neste documento todos os dados, informações e, principalmente, a denúncia que a CNBB faz com relação à situação e à ameaça contra os povos indígenas em nosso País. A denúncia da CNBB diz: “Política do Governo põe sob ameaça 1/6 das terras indígenas.”

Também trouxemos o documento recebido das entidades já referidas: SOS Vida, de Minas Gerais; e Associação dos Trabalhadores e Aposentados do nosso Estado. São manifestações que vêm de todo o Brasil. Mesmo aqueles que moram nas grandes cidades do nosso País, não tendo contato com os índios e com as nossas aldeias indígenas, têm o sentimento de humanidade e o sentimento de brasilidade e pedem também, tenho certeza, providências junto ao Governo Federal para que os recursos da FUNAI, reduzidos neste ano de 1998, possam ser recuperados ou pelo menos voltar aos índices e percentuais do ano passado para que essa entidade possa exercer com condições os seus objetivos de dar uma melhor atenção às aldeias indígenas do nosso País.

Era o que eu tinha dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/03/1998 - Página 4165