Discurso no Senado Federal

ESCLARECENDO AO PLENARIO O ANDAMENTO DO PROJETO DE LEI QUE REGULA OS PLANOS DE SAUDE PRIVADOS, NO QUAL S.EXA. E RELATOR NA COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS.

Autor
Sebastião Bala Rocha (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AP)
Nome completo: Sebastião Ferreira da Rocha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • ESCLARECENDO AO PLENARIO O ANDAMENTO DO PROJETO DE LEI QUE REGULA OS PLANOS DE SAUDE PRIVADOS, NO QUAL S.EXA. E RELATOR NA COMISSÃO DE ASSUNTOS SOCIAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 18/03/1998 - Página 4381
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • INFORMAÇÃO, ORADOR, QUALIDADE, RELATOR, TRAMITAÇÃO, PROJETO DE LEI, PLANO, SAUDE, RECEBIMENTO, SUGESTÃO, CONTRIBUIÇÃO, ENTIDADE, EMPRESA DE SEGUROS, USUARIO, PREVISÃO, AUDIENCIA PUBLICA, EXPECTATIVA, ACORDO, BENEFICIO, CIDADANIA.
  • ANALISE, POSIÇÃO, GOVERNO, PLANO, SAUDE, ESPECIFICAÇÃO, ABERTURA, CAPITAL ESTRANGEIRO, COBERTURA, TRANSPLANTE DE ORGÃO, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), CANCER, REDUÇÃO, DEMANDA, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS).

           O SR. SEBASTIÃO ROCHA (Bloco/PDT-AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Agradeço a V. Exª, Senadora Júnia Marise, pois para mim é um prazer e uma honra falar nesta tribuna, sendo presidido por uma mulher que tem demonstrado no dia-a-dia uma luta incansável em favor de seu Estado, em favor do nosso País e em favor, principalmente, da justiça social e do desenvolvimento eqüitativo deste belíssimo Brasil.

           Srª. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o que me traz à tribuna hoje são dois assuntos, ambos relacionados à saúde: um ligado mais diretamente aos planos e seguros privados e outro à saúde pública no Estado do Amapá.

           Quanto ao primeiro assunto, referente aos planos e seguros de saúde, aproveito a oportunidade para passar algumas informações aos Senadores, à imprensa e a todos os interessados na tramitação do Projeto de Lei, do qual sou Relator, na Comissão de Assuntos Sociais.

           Conforme entendimento assumido pelo Presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhães, com várias entidades que o procuraram há alguns dias ou meses, tomamos as providências sugeridas, no sentido de solicitar às entidades representantes das operadoras de planos de seguros e às representantes dos usuários que apresentassem, na Comissão de Assuntos Sociais -- os ofícios foram assinados pelo Senador Ademir Andrade ainda em fevereiro --, sugestões e propostas concretas para que tivéssemos condições de aprofundar o debate e decidir que projeto ou que lei aprovaremos e ofereceremos ao Brasil neste momento. Defendo uma lei que permita o equilíbrio econômico das empresas e que, sobretudo, contemple a imprescindível justiça social.

            Já estamos recebendo essas contribuições. Tenho em mãos documento assinado pelas entidades que defendem os usuários, como Procon e Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor -- Idec*, pelo Conselho Nacional de Saúde, pelo Conselho Federal de Medicina, pela Associação Médica Brasileira, pela Federação Nacional dos Médicos e por outras.

Amanhã, quarta-feira, às 10 horas, apresentarei, na Comissão de Assuntos Sociais, requerimento solicitando a presença, naquela Comissão, dos representantes dessas entidades e daquelas que representam as seguradoras, a autogestão, as cooperativas e a medicina de grupo. Proponho no requerimento que as audiências públicas dessas entidades possam acontecer nos próximos dias 25 e 26 da semana que vem, quarta-feira à tarde e quinta-feira pela manhã, para que em seguida possamos traduzir o anseio de todos em um projeto economicamente viável e socialmente justo, principalmente.

Aguardo com muita expectativa o resultado de algumas reuniões que estão sendo levadas a efeito pelas entidades representantes dos usuários, pois, de certa forma, tenho sentido uma inconsistência na posição dessas. Tenho trabalhado diuturnamente e, em todas as minhas entrevistas e debates, tenho sido um aliado dos usuários, dentro de minhas limitações, sobretudo dentro daquelas impostas pelos mandamentos do Regimento Interno do Senado Federal e do Congresso Nacional, os quais determinam que somente podemos realizar supressões neste momento.

Tenho a convicção e a consciência de que as entidades, em nenhum momento, contestaram qualquer das mudanças que propus, mas reconheço que as considero ainda insuficientes para a elaboração final dessa lei que, com certeza, constitui a expectativa da maioria dos brasileiros. Ocorre que essa insegurança e inconsistência na posição das entidades defensoras dos usuários têm deixado também o Relator numa situação difícil, porque elas defendem um projeto novo, defendem sistematicamente a recusa do projeto da Câmara, mas não manifestam publicamente um apoio mais direto ao meu parecer, que tem muita diferença do aprovado na Câmara, e não admitem recuar em algumas posições, abrindo mão e até fazendo algumas concessões, tal qual ensina aquele belo dito popular: “Entre perder os dedos e os anéis, é preferível perder os anéis e preservar os dedos e as mãos”.

É com esse objetivo, com essa convicção que estou nesta luta. Não quero de forma alguma ser apontado -- nem pelas entidades, nem pelos usuários -- como o algoz dos usuários, dos consumidores, até porque isso não seria legítimo, pois tenho feito um trabalho árduo em defesa dos usuários e dos consumidores.

Espero que essas entidades possam, de fato, chegar a um entendimento. Faço um apelo de público, da tribuna deste Senado, para que possamos caminhar para um entendimento, para que possamos abrir mão de alguns pontos. Poderemos um dia ter a lei que queremos, mas a conjuntura política, a correlação de forças não permite avançar além daquilo que possa ser definido neste momento pelos Senadores.

Faço também este apelo ao Governo: da mesma forma que não quero ser o algoz dos usuários, espero que o Governo não se coloque também na posição de carrasco dos consumidores. O Governo tem pontos neste projeto, sim, que lhe dizem respeito, que lhe interessam diretamente, como o capital estrangeiro, os planos mínimos e a tabela de ressarcimento dos planos para o Sistema Único de Saúde.

Em primeiro lugar, o Governo interessa-se pelo capital estrangeiro, porque quer engordar ainda mais seus cofres e suas reservas, em detrimento de um sistema público de saúde de qualidade; quer reduzir os gastos com saúde pública, recorrendo ao capital externo. Essa é uma estratégia de governo, é um ponto de que o Governo certamente não abrirá mão. Então, convenhamos, Srªs. e Srs. Senadores: que o Governo feche questão neste ponto e que derrube o capital estrangeiro no meu parecer; que o Governo vença e garanta o ingresso do capital estrangeiro, ao contrário do que estabelece o meu relatório.

Por que os planos mínimos interessam ao Governo? Porque o Governo quer fazer fluir, quer fazer drenar do Sistema Único de Saúde a população pobre do País, a classe média, menos privilegiada, com menos recursos, que até pode pagar R$20,00, R$25,00 ou R$30,00 por mês por um plano de saúde, que não lhe vai assegurar a saúde, mas vai-lhe garantir consultas e exames; no entanto, esses planos não lhe vão garantir qualquer tratamento digno de recuperação de um processo que lhe afete mais profundamente a saúde. Dessa forma, mais uma vez o Governo está pensando apenas nos seus cofres; não está pensando na cidadania e nem na questão social.

Por outro lado, convenhamos, Srs. Senadores, Srª. Presidente Júnia Marise, se é para fazer acordo, se é para fazer entendimento, é preferível que o Governo mantenha a sua posição firme nos planos mínimos, mas abra mão para os transplantes, como os de rins. Há, aproximadamente, 30 mil pessoas no Brasil em tratamento de hemodiálise. São 30 mil pacientes renais crônicos. A seqüência de hemodiálises necessárias a cada um deles, mensalmente, custa para os cofres públicos em torno de R$1 mil, ou seja, por ano, algo em torno de R$12 mil. Ora, Srªs. e Srs. Senadores, em um ano, o que o Governo gasta com um desses pacientes é suficiente para realizar um transplante, garantindo mais dignidade à sua saúde e principalmente garantindo o seu trabalho, o sustento para sua família, já que esses pacientes, nessas circunstâncias, são praticamente afastados do trabalho, pelo menos durante grande parte de suas vidas.

           Suponhamos que o transplante de rins na rede privada custe R$20 mil. Uma pessoa que, aos 25 anos, comece a pagar por um plano de saúde R$50,00 ou R$100,00 ao mês, ou seja, R$1 mil ou R$2 mil ao ano, dependendo do valor do plano, em 35 anos, terá pago R$35 mil. Será que essa quantia não é suficiente para pagar um transplante de rins? Nenhum risco atuará sobre os planos e seguros de saúde, se garantirmos os transplantes. O transplante de córnea também é barato. Os mais caros são os de medula, de coração, de rins, de fígado, mas são mais raros.

           Recebi uma correspondência e um telefonema que me deixaram sensibilizado. O proprietário de uma empresa de Minas Gerais, Estado da eminente Senadora Júnia Marise, que preside esta sessão, relatou-me um caso concreto. Sua empresa de prestação de planos de saúde é pequena; tem aproximadamente 60 mil usuários, salvo melhor juízo. Empresas pequenas contratam os seus serviços; ela oferece um tratamento razoável, com ambulatório, internação hospitalar e cirurgias, cobrando de R$25,00 a R$30,00 por usuário.

           O terrorismo psicológico feito pelas empresas de seguro certamente afetou uma parcela dos proprietários de planos e seguros de saúde. Este que me contactou está preocupado, com razão. Temos de repensar nos planos mínimos, para preservar o mercado que está atuando, mas não devemos ser os algozes do SUS, sobrecarregando-o, como ocorre hoje. Todos os tratamentos especializados, todos os transplantes estão sendo cobertos pelo SUS, que, portanto, subsidia indiretamente, os planos e seguros de saúde.

           Então, volto ao caso dessa empresa, com 60 mil usuários, que atua no mercado há 27 anos, em Minas Gerais. Segundo o seu proprietário, Senadora Júnia Marise, que virá ao meu gabinete e terá oportunidade de conversar com outros Senadores, nunca um usuário precisou fazer transplante ou cirurgia cardíaca. Existe, portanto, terrorismo psicológico, porque o percentual de usuários que precisará de tratamento especializado, que inclui cirurgia cardíaca e neurológica, AIDS, câncer e transplantes, não será suficiente para trazer grandes prejuízos a essas empresas, até porque o projeto prevê um mecanismo segundo o qual as operadoras poderão criar fundos garantidores e recorrer ao resseguro, como já fazem todas as seguradoras. A Unimed, por exemplo, tem a sua seguradora.

           Dizia-me o proprietário dessa empresa de Minas Gerais: “Senador, não faço seguro, mas, todo mês, faço uma espécie de poupança, com a qual garanto um recurso auxiliar para uma situação de emergência, ou seja, tenho o meu fundo, que não é oficializado, mas está à disposição em caso de necessidade. O apelo dele é o de que mantenhamos os planos mínimos.

           O que considero razoável, neste momento em que estamos buscando o entendimento, é que possamos manter os planos mínimos, embora a minha convicção pessoal e de médico seja a de que eles não devam existir. O usuário deveria ter garantia de tratamento integral, porém, a fim de preservar algo mais importante para os usuários e possibilitar àquele de menor renda um plano mínimo, quero discutir isso com as entidades. Propus-lhes isso, quando estiveram em meu gabinete, na semana passada. Vamos abrir mão dos planos mínimos, se for o caso, mas vamos garantir o transplante. Como contrapartida do Governo, das seguradoras e das demais operadoras, vamos garantir a alta complexidade, que inclui a cirurgia cardíaca, a neurológica, o câncer e a AIDS. Vamos acabar com a carência de três dias para urgência e emergência, que é um atentado à vida e à saúde do consumidor. Vamos acabar com qualquer possibilidade de reajuste para usuários com idade acima de 60 anos. Vamos garantir as órteses e as próteses, para que o usuário acidentado tenha direito a colocar uma perna, um braço ou uma mão mecânica e o doente do coração, uma válvula, a fim de recuperar a sua saúde de modo que possa retornar ao mercado de trabalho ou garantir uma sobrevida mais digna. Vamos abrir mão das situações de catástrofe e epidemia, que são raras, nas quais todo o País deve mobilizar-se, inclusive os planos de saúde, por exigência da sociedade civil, mas vamos preservar estes outros aspectos: a cobertura do câncer, da AIDS.

           Em nome de todos os portadores de AIDS em nosso País, faço esse apelo ao Governo e às prestadoras, para que possamos garantir uma lei de plano de saúde - repito - economicamente viável e socialmente justa. Se ninguém abrir mão, o que acontecerá? A resposta todos nós, Senadores, sabemos: um rolo compressor passará, sem dó nem compaixão, por cima da Oposição, levando a reboque todos os usuários e consumidores. Para nos livrarmos do rolo compressor, resta-nos somente o entendimento.

           Venho a esta tribuna, nesta tarde, para conclamar os Senadores governistas e de Oposição e as entidades - tanto as que representam os interesses do grande capital, como as que representam os usuários, a outra ponta do sistema -, a fim de que possamos caminhar para o entendimento. Não sou o dono da verdade. Se o entendimento não for possível nesses termos, vamos continuar discutindo, conversando. Só não posso concordar com a estratégia de adiar, por tempo indeterminado, a votação deste projeto; não posso aliar-me às forças que assim o desejam.

           Em relação a essa possibilidade, pergunto: a quem interessa mais o adiamento por tempo indeterminado? Quem será mais beneficiado: os usuários, que permanecerão diante de um sistema selvagem de prestação de serviços pelos planos e seguros de saúde, ou as operadoras, que continuarão impondo limites de internação em leitos de enfermaria e UTI, excluindo as pessoas portadoras de transtorno mental e ditando as suas regras?

           Não sou aliado do Governo, de forma alguma, na votação deste projeto, mas não me alio também às forças que desejam o adiamento por tempo indeterminado, porque isso pode representar mais dois ou três anos de massacre aos consumidores. O que defendo é que o Senado e a sociedade brasileira se mobilizem para aprovar o projeto que veio da Câmara, embora com mudanças em seu texto, e que imediatamente comecemos a pensar em um projeto novo. Certamente, ele levará mais dois ou três anos para ser votado, quiçá mais tempo, mas já teremos um mínimo de regras; as demais buscaremos depois. No nosso entendimento, deveríamos todos lutar para incluir no projeto de lei a garantia de dignidade para todos os usuários.

Srª. Presidente, o assunto é palpitante e emocionante. Como médico me emociono quando falo dele. Mas, em função do tempo, não vou poder comentar a saúde pública no Estado do Amapá. Contudo, em breve, voltarei a esta tribuna para fazer um discurso exclusivo sobre esse assunto, porque lá, como nos demais Estados, temos grandes dificuldades.

Como estamos diante de um processo de oposição firme contra o Governador do Estado, estamos sendo diuturnamente agredidos pela imprensa, não como político, o que isso não me afeta de forma nenhuma. Penso que a liberdade e a democracia permitem que isso aconteça, mas não admito que me atinjam como médico, porque sempre fiz da minha profissão um sacerdócio. Não que eu queira ser superior ou melhor que ninguém, mas, graças a Deus, tenho conquistado espaços no meu trabalho e consegui, com a ajuda da minha família e com muito esforço pessoal, saindo da Ilha Grande de Gurupá, no interior do rio Amazonas, concluir o curso de medicina e garantir uma especialização em São Paulo, na qual adquiri o título de Especialista em Ginecologia e Obstetrícia, conferido pela Sociedade Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia.

Mas, em função do horário, retornarei a esse assunto em outra oportunidade.

Agradeço, mais uma vez, a oportunidade de ser presidido pela eminente Senadora Júnia Marise.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/03/1998 - Página 4381