Discurso no Senado Federal

EVOLUÇÃO DO PROBLEMA DA POBREZA E DA SECA NO NORDESTE, E EM PARTICULAR NA PARAIBA, COM INVASÕES DE ESCOLAS PUBLICAS POR BANDO DE FAMINTOS, EM BUSCA DE MERENDA ESCOLAR.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • EVOLUÇÃO DO PROBLEMA DA POBREZA E DA SECA NO NORDESTE, E EM PARTICULAR NA PARAIBA, COM INVASÕES DE ESCOLAS PUBLICAS POR BANDO DE FAMINTOS, EM BUSCA DE MERENDA ESCOLAR.
Publicação
Publicação no DSF de 18/03/1998 - Página 4371
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • ANALISE, HISTORIA, ABANDONO, NEGLIGENCIA, AUTORIDADE FEDERAL, GOVERNO FEDERAL, PROBLEMA, SECA, FOME, POBREZA, REGIÃO NORDESTE, FALTA, RESPONSABILIDADE, APLICAÇÃO, RECURSOS, INSUCESSO, PROGRAMA, INICIATIVA, GOVERNO, ERRADICAÇÃO, MISERIA.
  • LEITURA, FAX, ENCAMINHAMENTO, ORADOR, AUTORIA, EPITACIO LEITE ROLIM, PREFEITO, MUNICIPIO, CAJAZEIRAS (PB), ESTADO DA PARAIBA (PB), REFERENCIA, INVASÃO, POPULAÇÃO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, MOTIVO, FOME, RESULTADO, SECA, REGIÃO, NECESSIDADE, ADOÇÃO, GOVERNO, PROVIDENCIA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, MISERIA, REGIÃO NORDESTE.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, no Nordeste brasileiro, percebe-se muito bem como as condições históricas e a dinâmica social permitiram às elites dominantes tornar compatível a manutenção das estruturas perversas de dominação, com a modernização conservadora das estruturas econômicas.

Os papéis do Estado cartorial e paternalista, nesse jogo da opressão, da dominação e da exclusão, permitem a qualquer um compreender melhor a metamorfose das ideologias, do desenvolvimento e das relações sociais que acompanharam e marcaram profundamente a evolução sócio-política e econômica do Nordeste até os dias atuais.

Assim, modernizar sem modificar profundamente as estruturas sociais está na raiz tanto do atraso brasileiro quanto do subdesenvolvimento nordestino e explica perfeitamente como surgiu o autoritarismo; como se desenvolveram e se aprofundaram as contradições internas, os mecanismos de poder e mando; enfim, por que motivo a região não conseguiu, até hoje, implantar um modelo dinâmico de transformação.

A região fisiográfica do Nordeste compreende 1.548.672km2, com aspectos geoeconômicos, políticos e sociais bastante diferenciados. São quatro sub-regiões: Zona da Mata, Zona de Transição, Zona do Semi-Árido e a dos Cerrados. É mais do que sabido que nenhuma política de desenvolvimento daria certo sem considerar as particularidades de cada um desses espaços.

Infelizmente, por descaso, ignorância, irresponsabilidade ou mesmo por favorecimento, diversos governos simplesmente consideraram irrelevante a importância dessas diferenças e nem sempre aplicaram, de maneira eficiente, os investimentos e as verbas que são destinados a minorar a miséria da população.

O resultado é que grande parte dos programas previstos não apresenta resultados positivos, como foi o caso, por exemplo, do tão badalado “pacote agrícola”, que terminou como um verdadeiro fiasco; do vergonhoso “escândalo da mandioca”, e de vários outros que ocorreram na região e que têm, inclusive, a mancha de nenhum dos responsáveis, até hoje, ter sido posto na cadeia.

Apesar de tudo, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o Nordeste possui oásis onde as técnicas agrícolas, a produtividade, a qualidade dos produtos e as pesquisas agronômicas atingem índices iguais aos dos Estados Unidos. São áreas pequenas, em relação ao contexto geográfico global.

Em contrapartida, na caatinga e no sertão, que correspondem a vastas extensões, anos seguidos de seca expõem cruelmente e de maneira dolorosa a miséria, a ignorância, as doenças sociais, a chocante mortalidade infantil e o abandono.

Nessas regiões secularmente castigadas pelas injustiças, parece que o tempo parou desde a época do descobrimento.

O sertanejo enrugado pelo sol inclemente, com suas crenças arraigadas e sua fé inabalável, ingenuamente, continua acreditando nas promessas dos governantes. Enquanto espera pelas cisternas prometidas, pela construção dos barreiros, pelos pequenos poços, pelos caminhões-pipas, que aparecem de tempos em tempos, fica à mercê dos inescrupulosos vendedores de água, que comercializam o líquido a preços exorbitantes.

É triste e revoltante dizer que o homem pobre do Nordeste morre de fome, de doenças endêmicas, de abandono, de exclusão, de preconceito e também de sede.

No sertão da Paraíba, em pleno final do século XX, da mesma maneira como aparece no filme “A Guerra do Fogo”, onde os homens das cavernas guerreavam e morriam pela posse de uma pequena “chama”, poderia ser filmada também, e ao vivo, a “Guerra da Água”.

Lá, sem que se tenha qualquer compaixão, mais de 60 municípios vivem, neste momento, o drama da falta d’água, um verdadeiro estado de calamidade.

Em conseqüência, os alimentos quase não existem, os bebês morrem de sede e de doenças banais e enchem as “covas rasas” dos cemitérios improvisados das vilas, vilarejos e pequenas cidades.

É comum nessas comunidades, e na minha terra era assim, ouvir, sempre às 16 horas, os sinos da igreja matriz repicarem ininterruptamente anunciando a tristeza da partida de mais um “anjinho” - é como chamam aquelas crianças -, vítimas do descaso, da corrupção e da falta de assistência social.

Quando era criança, quantas vezes não vi passar em frente à minha casa um pequeno caixãozinho da cor azul do céu, sob o olhar indiferente dos passantes, sendo carregado silenciosamente pelo pai no meio da rua principal da cidade, e acompanhado, um pouco mais atrás, pela mãe e pelos irmãozinhos, todos de cabeças baixas, silenciosos, raquíticos e subnutridos.

Só muito tempo depois, quando já não era mais menino, descobri que aqueles “caixões de anjos” representavam o saldo das vergonhosas injustiças que existiam em nossa região. Naqueles pequenos caixões jaziam inocentes desprotegidos, vítimas passivas de uma morte anunciada, coisa corriqueira naquele pedaço do Brasil.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, é inconcebível aceitar que o nosso País ainda possa conviver com tamanhas aberrações sociais.

Não é fácil para ninguém entender como a oitava economia do Planeta Terra, com quase US$900 bilhões de produção anual de bens e serviços, é capaz de produzir tanta miséria, de multiplicar tantas desigualdades e de cometer tantos pecados graves contra a cidadania, contra a democracia e contra a vida.

O Nordeste brasileiro, retratado cruamente há cem anos em “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, há quase meio século em “Geografia da Fome”, de Josué de Castro, nos clássicos do eminente sociólogo Gilberto Freyre, em cordel pelos poetas populares e repentistas, nas telas tristes do grande mestre Portinari e de outros artistas populares engajados, continua a ser o maior problema do Brasil.

Ele responde por 53% da nossa pobreza absoluta. Mais de 24 milhões de nordestinos vivem com uma renda familiar inferior à metade de um salário mínimo. Existem professores primários, antes da implantação do “Fundão”, ganhando R$15,00 por mês.

Em termos de mortalidade infantil, de desnutrição, de analfabetismo e de concentração de renda, os indicadores são absurdamente iguais, ou mesmo piores, aos apresentados pelos países mais pobres da África e da América Latina. Assim, os índices são parecidos com os do Haiti.

O nordestino nasce com uma expectativa de vida seis anos menor que média brasileira. A expectativa média de vida no Nordeste é de 58,8 anos, contra 64,9 para o Brasil, de acordo com números divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE para o início da década de 90.

Cerca de 45,3% das crianças de zero a cinco anos sofrem de desnutrição, enquanto no Sudeste e no Sul a proporção é de 21,3% e 17,5%, respectivamente.

Não resta nenhuma dúvida de que essa situação de desagregação e de violência social acentua a crise das relações interpessoais e faz explodir, em todas as dimensões, o individualismo desesperado, enfim, a falta total de solidariedade entre os indivíduos. O resultado imediato dessa explosão é apenas um: a solidão de todos.

Nesse caso, devemos lembrar que ela é antítese da solidariedade e das utopias generosas que pregam a felicidade e o bem-estar dos homens.

Em verdade, a mundialização das economias está desenvolvendo um novo tipo de contradição no mundo que é a da fragmentação, responsável pelo aumento dos ódios nacionais, pela intensificação da segregação, pelo alargamento do abismo que separa os incluídos dos excluídos sociais.

Dentro desse contexto de sociedade global, o Estado tornou-se impermeável e submete-se a uma nova ditadura, a ditadura do capital financeiro especulativo e do controle elitizado da informação, que provoca nas organizações sociais uma sucessão de movimentos descoordenados e profundamente individualistas.

Assim, o futuro passa a ser um projeto apenas individual e não mais nacional, global ou generalizado. Ao que tudo indica, a globalização renega o conceito de nação e prioriza o império do capital.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, termino este pronunciamento comunicando que hoje à tarde, em frente ao Congresso Nacional, fiz um alerta em defesa do Nordeste. Certamente, quando os Srs. Parlamentares, Ministros e o próprio Presidente da República deixaram os seus locais de trabalho, deverão se deparar com uma instalação contendo latas d’água vazias, numa performance que dramatiza o cotidiano dos despossuídos em mais de 60 municípios da Paraíba, a quem me refiro.

A instalação foi a maneira que encontrei de retratar a saga e o sofrimento do povo paraibano na busca do direito elementar à água de beber.

É a maneira extremada que identifiquei para alertar as autoridades contra o descaso, a falta de iniciativa, a falta de respeito, a falta de responsabilidade, a indiferença, o preconceito e a pouca atenção que tem sido reservada ao Nordeste como um todo e à Paraíba em particular, onde milhares de pessoas famintas e sedentas, em mais de 60 municípios, já não suportam mais os rigores da seca e da humilhação da indiferença.

Só as lutas que unem os dispersos podem estabelecer o vínculo do cotidiano com a história e novamente comover o imaginário popular.

Só as lutas e os protestos são capazes de propor uma nova cidadania e produzir uma nova realidade mais consciente.

Por isso, entendo que o meu ato desafia o isolamento, a fragmentação, o individualismo e a solidão social.

Ao encerrar, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, passo à leitura do fax do Prefeito Municipal de Cajazeiras, Epitácio Leite Rolim, comunicando uma nova forma de visibilidade do drama da seca: A invasão de escolas públicas municipais por bandos de famélicos em busca da merenda escolar.

É este o texto da correspondência:

“Para:

Senador Ney Suassuana

Brasília - DF

Pelo presente, comunicamos a Vossa Excelência que a prolongada estiagem que vem assolando o sertão nordestino, em especial o nosso Município de Cajazeiras na Paraíba, está criando um clima de apreensão aos trabalhadores rurais, pequenos agricultores e a população urbana vinculados à atividade agrícola. Escolas públicas Municipais já foram invadidas por pessoas que procuram a merenda escolar.

Ante esses fatos é que pedimos medidas urgentes visando combater a aflitiva situação de fome e desemprego em nossa região.

É importante ressaltar que a demora em atender aos necessitados pode comprometer a segurança pública com a repetição de saques aos patrimônios público e privado.

Convictos de que juntos haveremos de contribuir para minimizar a situação ora vigente, subscrevemo-nos atenciosamente.

Dr. Epitácio Leite Rolim

Prefeito Municipal de Cajazeiras”

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, além de Cajazeiras - a quinta maior cidade do Estado da Paraíba -, mais sete cidades foram invadidas. Até agora não há recursos no Dnocs, na Sudene, na Secretaria Especial de Política Regional do Ministro Fernando Rodrigues Catão. Enfim, as ações foram solicitadas.

Ainda ontem estive com o Presidente da República, que prometeu agilizá-las. Como o tempo é muito curto, ocupei hoje essa tribuna e fiz no local aquela exposição, visando sensibilizar a burocracia de Brasília, para que aja rapidamente, a fim de que não morram mais nordestinos, mais paraibanos e quase todo o rebanho da Paraíba por falta de água para beber.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/03/1998 - Página 4371