Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS SOBRE O RELATORIO ELABORADO PELA ONG 'HUMAN RIGHTS WATCH', CONTENDO PESQUISA REALIZADA EM SETENTA PAISES SOBRE AS SUAS SITUAÇÕES CARCERARIAS, NO QUAL O BRASIL APARECE ENTRE OS NOVE QUE APRESENTAM AS PIORES CONDIÇÕES. JUSTIFICATIVAS AO PROJETO DE LEI DO SENADO 61, DE 1998, DE SUA AUTORIA, QUE ALTERA ARTIGOS DA LEI DE EXECUÇÕES PENAIS.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PENITENCIARIA.:
  • COMENTARIOS SOBRE O RELATORIO ELABORADO PELA ONG 'HUMAN RIGHTS WATCH', CONTENDO PESQUISA REALIZADA EM SETENTA PAISES SOBRE AS SUAS SITUAÇÕES CARCERARIAS, NO QUAL O BRASIL APARECE ENTRE OS NOVE QUE APRESENTAM AS PIORES CONDIÇÕES. JUSTIFICATIVAS AO PROJETO DE LEI DO SENADO 61, DE 1998, DE SUA AUTORIA, QUE ALTERA ARTIGOS DA LEI DE EXECUÇÕES PENAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 18/03/1998 - Página 4374
Assunto
Outros > POLITICA PENITENCIARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, RELATORIO, ELABORAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), PESQUISA, SITUAÇÃO, PRESIDIO, PAIS, MUNDO.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, ALTERAÇÃO, LEI DE EXECUÇÃO PENAL, GARANTIA, COMPOSIÇÃO, EMPRESA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, PODER PUBLICO, PERCENTAGEM, TRABALHADOR, EX-DETENTO, AUTORIZAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, GOVERNO ESTADUAL, GOVERNO MUNICIPAL, ESTABELECIMENTO, CONVENIO, INICIATIVA PRIVADA, OBJETIVO, IMPLANTAÇÃO, OFICINA, TRABALHO, SETOR, APOIO, PRESIDIO.
  • ANALISE, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, PRESIDIO, SISTEMA PENITENCIARIO, PROVOCAÇÃO, REVOLTA, PRESO, BRASIL.
  • DEFESA, MELHORAMENTO, SITUAÇÃO, PRESIDIO, SISTEMA PENITENCIARIO, VIABILIDADE, REINTEGRAÇÃO SOCIAL, PRESO, POSTERIORIDADE, RECUPERAÇÃO, LIBERDADE.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, nesta semana, a Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas está recebendo o relatório elaborado pela ONG Human Rights Watch, contendo uma pesquisa realizada em 70 países sobre a situação carcerária de cada um. No documento, o Brasil aparece entre os nove países que apresentaram as piores condições, assim como Peru, Estados Unidos, Armênia, Rússia e outros.

O relatório aponta algumas das possíveis causas dessa situação. Por exemplo, a superlotação dos presídios, cadeias e delegacias, onde homens são amontoados como animais, os maus-tratos físicos e psicológicos impostos aos presos e, principalmente, a ociosidade. Após rebeliões e tentativas de fuga, é comum o espancamento e até o assassinato de detentos como forma sumária de “punição”.

As rebeliões de presos têm se sucedido e se agravado em todo o País. Tornaram-se corriqueiras as impressionantes cenas jornalísticas onde os prisioneiros revoltados, ao dominar seus reféns, passam a pedir, em intensas e penosas negociações, condições mais humanas no sistema penitenciário; se não, obviamente, o seu direito à liberdade.

No ano passado, as rebeliões bateram recordes no Estado de São Paulo. Nos distritos policiais e cadeiões da Secretaria de Segurança Pública - conforme levantamento feito, neste dia, pela Folha de S.Paulo -, ocorreram 195 rebeliões, mais que o dobro das 71 havidas em 1996. Também aumentaram os casos de fuga, ainda que tenha diminuído o número dos que conseguiram escapar. Todavia, nos 43 presídios da Secretaria da Administração Penitenciária, aconteceram 8 rebeliões em 1997, uma a mais que no ano anterior.

A dramática situação dos detentos no sistema penitenciário está evidenciada na música Diário de Um Detento, de autoria de Mano Brown e dos demais membros do grupo musical “Racionais MCs” - MCs significa mestres de cerimônias.

Essa música relata a história vivida pelos 111 detentos que foram vítimas do triste massacre do Carandiru. Leio aqui um trecho da história de um detento, de os “Racionais”:

“São Paulo, 1º de outubro de 1992, 8 horas da manhã/ Aqui estou, mais um dia/ Sob o olhar sangüinário do vigia/ Você não sabe como é caminhar com a cabeça na mira de um HK/ Metralhadora alemã ou de Israel/ Estraçalha ladrão que nem papel.

Na muralha em pé/ mais um cidadão José/ servindo o Estado, um PM bom/ passa fome, metido a Charles Bronson/ Ele sabe o que eu desejo/ Sabe o que eu penso/ O dia tá chuvoso/ O clima tá tenso/ Vários tentaram fugir, eu também quero/ Mas de um a cem, a minha chance é zero/ Será que Deus ouviu minha oração?/ Será que o juiz aceitou apelação? (...) Cada detento uma mãe, uma crença/ Cada crime uma sentença/ Cada sentença um motivo, uma história de lágrima, sangue, vidas e glórias/ abandono/ miséria, ódio/ sofrimento/ desprezo/ desilusão/ ação do tempo/ Misture bem essa química, pronto:/ fiz um novo detento.

Minha palavra de honra me protege/ pra viver no país das calças bege/ Tic-tac, ainda é 9h40/ O relógio da cadeia anda em câmera lenta/ Ratatatá, mais um metrô vai passar/ com gente de bem, apressada, católica/ lendo jornal, satisfeita, hipócrita/ com raiva por dentro, a caminho do centro / olhando pra cá / Curiosos é lógico/ Não, não é não/ não é o zoológico.

Minha vida não tem tanto valor / quanto seu celular, seu computador / Hoje, tá difícil, não saiu o sol / Hoje não tem visita, não tem futebol / Alguns companheiros têm a mente mais fraca/Não suporta o tédio, arruma quiaca/ Graças a Deus e à Virgem Maria/ Falta só um ano, três meses e uns dias/ Tem uma cela lá em cima fechada desde terça-feira/ Ninguém abre para nada/ Só o cheiro de morte pinho sol/ Um preso se enforcou com o lençol/ Qual que foi? Quem sabe? Não conta/ Ia tirar mais uns seis de ponta a ponta (...) Amanheceu com sol, dois de outubro/ Tudo funcionando, limpeza jumbo/ De madrugada eu senti um calafrio/ Não era do vento, não era do frio/ Acerto de conta tem quase todo dia/ Ia ter outro logo mais, eu sabia/ Lealdade é o que todo preso tenta/ conseguir, a paz, de forma violenta/ Se um salafrário sacanear alguém/ leva ponto na cara igual Frankstein/ Fumaça na janela, tem fogo na cela/ F... foi além/ ...se pã!, tem refém/ Na maioria, se deixou envolver/ por uns cinco ou seis que não têm nada a perder/ Dois ladrões considerados passaram a discutir/ mas não imaginavam o que estaria por vir/ Traficantes, homicidas, estelionatários, uma maioria de moleque primário/ Era a brecha que o sistema queria/ Avise o IML, chegou o grande dia/ Depende do sim ou não de um só homem/ que prefere ser neutro pelo telefone/ Ratatatá caviar e champanhe/ Fleury foi almoçar que se f... a minha mãe/ cachorros assassinos, gás lacrimogêneo.../ quem mata mais ladrão ganha medalha de prêmio/

O ser humano é descartável no Brasil, como módes usado ou Bombril/ Cadeia? Claro que o sistema não quis/ esconde o que a novela não diz/ ratatatá, sangue jorra como água/ do ouvido, da boca e nariz/ O Senhor é meu pastor.../ perdoe o que seu filho fez/ morreu de bruços no salmo 23/ sem padre, sem repórter/ sem arma, sem socorro/ vai pegar HIV na boca do cachorro/ cadáveres no poço, no pátio interno/ Adolf Hitler sorri no inferno/ O Robocop do governo é frio, não sente pena/ só ódio e ri como a hiena/ Ratatatá, Fleury e sua gangue/ vão nadar numa piscina de sangue/ Mas quem vai acreditar no meu depoimento?

Dia 3 de outubro, diário de um detento.”

A Folha de S.Paulo quando divulgou a letra completa dessa música publicou as palavras do ex-Governador Luiz Antônio Fluery Filho, declarando que ficou provado na Justiça que não houve, de sua parte, “qualquer ordem para matar”. “Eu voltava de helicóptero e não existia celular na época. Quando cheguei no Palácio dos Bandeirantes, a invasão já havia ocorrido”(...) Sem citar a possibilidade de comunicação pelo rádio do helicóptero.

Triste foi esse episódio lembrado, e agora é preciso também lembrar que ainda não houve definição, na Justiça, sobre os responsáveis pelos mortos desse dia no Carandiru.

Sr. Presidente, faz-se necessário medidas urgentes para mudar esse quadro. Ao lado da aplicação das penas alternativas que visam, sobretudo, à reeducação daqueles que cometeram algum delito considerado leve, é imprescindível criar mecanismos para que os presos tenham condições de realizar algum trabalho que os ajude financeiramente e os prepare para a vida futura em liberdade. Também é importante que os egressos tenham maior oportunidade para arrumar um emprego.

Com esse propósito, estou apresentando Projeto de Lei, o qual altera os arts. 27 e 34 da Lei nº 7.210, de 11 de junho de 1984, que institui a Lei de Execução Penal. Tendo em vista que o Ministro da Justiça, Iris Rezende, instituiu um grupo de trabalho presidido pelo Secretário de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, Dr. João Benedito de Azevedo Marques, visando propor alterações nessa lei, estou lhe encaminhando este projeto como forma de contribuição.

           O projeto de lei, ao incluir um parágrafo no artigo 27, pretende garantir que as empresas executoras de obras e prestadoras de serviço para o Poder Público tenham, ao menos, 1% de seus empregados egressos do sistema penitenciário. E, no caso dos presos, a alteração que proponho ao artigo 34 da Lei de Execução Penal autoriza os três níveis de Governo a celebrarem convênios com a iniciativa privada, visando à implantação de oficinas de trabalho referentes a setores de apoio dos presídios.

           Assim, Sr. Presidente, acredito que, com o estímulo para que cada vez mais e mais os responsáveis pelo sistema penitenciário possam criar condições de trabalho que venham a humanizar a situação dos que se encontram detidos, reeducando-os e preparando-os para a vida em liberdade, e com medidas que possibilitem que os egressos, ao ganharem a liberdade, tenham mais condições de obter emprego, prevendo-se que 1% das vagas nas empresas citadas lhes sejam destinadas, estaremos dando passos concretos para melhorar esta situação que não dignifica o Brasil.

           Outro assunto que me traz à tribuna, Sr. Presidente, é a manutenção do General Ricardo Fayad no cargo de Subdiretor de Saúde do Ministério do Exército, fato que está gerando grande polêmica dentro e fora do Brasil. O argumento do Presidente Fernando Henrique Cardoso para não removê-lo é o recurso do CRM, que ainda não foi julgado, contra a liminar expedida pela Justiça, suspendendo a cassação do seu registro.

           Hoje, o Sindicato de Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversão do Estado de São Paulo realizam um ato público contra a nomeação de Fayad. Participam do protesto a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, a Ordem dos Advogados do Brasil, a Comissão dos Familiares dos Mortos e Desaparecidos, o Grupo Tortura Nunca Mais, o Conselho Federal de Medicina, além da SPBC, sindicatos e associações. O protesto será na Avenida São João, centro de São Paulo, às 20 horas.

           A Srª. Fiona Macaulay, da Anistia Internacional, virá ao Brasil para discutir o assunto, uma vez que a manutenção de Fayad “atrapalha os esforços do Governo brasileiro de acabar com a impunidade”. A Anistia Internacional divulga hoje em Londres uma nota de protesto contra a nomeação do General Fayad.

           Um dos coordenadores do projeto Tortura Nunca Mais, Jaime Wright, pediu desligamento do Comitê de Julgamento do Prêmio Nacional de Direitos Humanos em protesto contra essa situação que desrespeita a memória dos torturados e mortos durante o regime militar.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/03/1998 - Página 4374