Discurso no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DO CENTENARIO DE FALECIMENTO DO POETA CATARINENSE CRUZ E SOUSA.

Autor
José Fogaça (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: José Alberto Fogaça de Medeiros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • COMEMORAÇÃO DO CENTENARIO DE FALECIMENTO DO POETA CATARINENSE CRUZ E SOUSA.
Publicação
Publicação no DSF de 20/03/1998 - Página 4583
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, MORTE, CRUZ E SOUSA, POETA, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC).

O SR. JOSÉ FOGAÇA (PMDB-RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Vice-Governador de Santa Catarina; Srª. Prefeita de Florianópolis; autoridades e expressões culturais do Estado de Santa Catarina que se encontram presentes nesta sessão; Sr. Presidente; Srªs. e Srs. Senadores:

Inscrevi-me hoje para falar, na crença de que seria o último orador. Obviamente, subestimei a importância que teria para o Senado o ato que hoje realizamos, pois vejo que há um grande número de oradores inscritos. Regozijo-me em saber que o Senado dá a devida importância e valor àquele que foi e ainda é um dos nomes mais importantes, um dos poetas supremos da Língua Portuguesa escrita e falada no Brasil.

Toda vez que atravesso a divisa entre o Estado do Rio Grande do Sul e o Estado de Santa Catarina, Sr. Presidente, tenho a sensação de que não poderia ser outro o Estado de Cruz e Sousa. Há uma linguagem simbolista na atitude das pessoas, nos nomes que dão aos lugares. Em Santa Catarina, não se chama um lugar por algum tipo de acidente geográfico ou por uma obra material, mas pelo sentimento que a ele se associa. Há nomes como Sombrio, Turvo, Segredo e a própria Florianópolis, que foi Desterro.

Santa Catarina é, talvez, a expressão dessa “açoreanidade”, desse sentimento de compromisso e de vinculação com a Língua Portuguesa e com a capacidade que tem esta língua de despertar estados emocionais. Confesso que sempre tive, por isso, certa inveja de Santa Catarina.

Sr. Presidente, Srs. Senadores e Srªs. Senadoras, o Simbolismo no Rio Grande Sul teve um extraordinário representante que foi Alceu Wasmosy, que também morreu muito cedo, como tenente, numa de nossas revoluções.

“Oh! Tu que vens de longe.

Oh! Tu que vens cansada.”

A sua obra, infelizmente, foi pequena, embora, no pouco que escreveu, tenha deixado registro de uma marca extraordinária, de um grande criador, de um grande poeta. Mas nada, na minha opinião, Sr. Presidente, nada na Literatura portuguesa escrita no Brasil ou na Literatura brasileira se compara ao valor supremo da obra de Cruz e Sousa.

Hoje, antes de vir para esta sessão, como eu não tinha em meu gabinete nenhuma obra de Cruz e Sousa, tirei da Internet algumas das suas obras, alguns dos seus poemas; e aqui chegando fui gentilmente aquinhoado com duas obras produzidas em Santa Catarina e que, sem dúvida nenhuma, vêm, neste momento, preencher uma lacuna, já que Cruz e Sousa tem sido pouco publicado no Brasil. Mas, de qualquer maneira, quero fazer o registro de que, assim como os Srs. Senadores que me antecederam, confiro a Cruz e Sousa um papel exponencial, primacial na poesia brasileira.

Sinto-me autorizado a falar só por uma razão: pelo enorme fascínio que sempre exerceu sobre mim a obra de Cruz e Sousa. Aqui falou o Senador Esperidião Amin, autorizado pela terra; o Senador Artur da Távola, autorizado pela sua cultura; o Senador Ronaldo Cunha Lima, autorizado pelo seu talento; e o Senador Francelino Pereira, autorizado por este vínculo afetivo que foi ter sido o seu Estado berço da morte de Cruz e Sousa, numa estação de águas. Sinto-me autorizado pelo fascínio que tenho pelo verbo, pela palavra e pelo valor imenso que a palavra adquire no contexto da obra de Cruz e Sousa.

            No entanto, como não quero reproduzir uma aula de Literatura, o que tenho feito ao longo de quinze anos na minha vida, trago aqui um reflexão sobre a importância de Cruz e Sousa, tentando, talvez, ver uma outra nuance, um outro aspecto da sua participação fundamental na cultura e no pensamento do final do século XIX. Não há nenhum escritor brasileiro dessa esquina candente da história humana, que foi o final do século XIX, não há nenhum pensador, nenhum escritor e nenhum poeta que tenha sintetizado, de forma tão magistral e tão grandiosa como Cruz e Sousa, todas as vertentes mais poderosas e mais vigorosas da cultura humana que até então havia sido alcançada no mundo ocidental. A síntese que se traduziu na obra de Cruz e Sousa é a mais perfeita, a mais fiel, é o cruzamento mais criativo de todas as grandes e importantes tendências que configuraram a cultura no final do século passado.

Diria que Cruz e Sousa traduziu, na sua obra em prosa e na sua obra poética, um dos momentos mais importantes, um dos momentos angulares da história da humanidade, com uma precisão, uma qualidade, um vigor, uma imaginação, uma criatividade e um senso de medida, que talvez tenha faltado a outros poetas, como Augusto dos Anjos. E o senso de medida de Cruz e Sousa dá-lhe a grandeza suprema que ele, como poeta simbolista, teve entre os seus pares, entre os homens e mulheres do seu tempo.

É preciso lembrar que o século XIX foi o século do pessimismo. E o pessimismo já tinha aparecido em Baudelaire, na metade do século, nas Flores do Mal, o desprezo pela hipocrisia, a crueza humana, a rudez dos sentimentos, e também já tinha aparecido especialmente na obra de um poeta americano chamado Edgard Allan Poe, que talvez, como Cruz e Sousa e outros poetas simbolistas, nunca tenha alcançado a altissonância que alguns poetas mais ortodoxos alcançaram.

Edgard Allan Poe escreveu um poema, O Corvo, que é a expressão do soturno, do pessimismo, da descrença, da obscuridade, do sofrimento diante da angústia de viver e de existir. E ele disse: “Para um poeta, não há nada mais estético, mais melancólico do que a morte. E não há também, para o poeta, nada mais belo do que a mulher. Mas não há nada mais supremo para o valor de uma obra poética do que a morte de uma mulher”. Era o encontro dessas duas vertentes de beleza poética, de criação estética, que na sua visão soturna, pessimista, amarga, produzia as tendências do século. É por isso que a morte é tema permanente entre os simbolistas, chegando a ser uma obsessão, inclusive também de Cruz e Sousa.

Em 1874, havia um fotógrafo, em Paris, chamado Nadar, amigo de um poeta chamado Mallarmé. Esse fotógrafo realizou uma exposição, em seu ateliê fotográfico, para a qual convidou alguns pintores importantes, entre eles um chamado Claude Monet, cujas obras o Brasil teve oportunidade de ver no ano passado, em uma exposição itinerante apresentada a todos nós, que esteve no Museu de Arte Moderna de São Paulo, onde pude vê-la. O quadro que Monet levou para aquela exposição se chamava Les Impressions - As Impressões - e reproduzia um nascer de sol ao mar, com dois barcos solitários, muito pouco perceptíveis, em rápidas e, possivelmente, tênues pinceladas. Aquela era, portanto, a nova linguagem criada pelos impressionistas: acabar com o contorno, com as linhas definidas, transformar cada pincelada em uma sugestão poética, uma sugestão emocional, uma sugestão estética.

Quem teve a sorte de ver a exposição de Claude Monet sabe do que estou falando. E as pessoas que, de uma forma ou de outra, apreciam a sua obra, também podem constatar claramente aquilo a que me refiro.

Mas é essa percepção tênue dos sentimentos que é transplantada para a poesia por Mallarmé, por Rimbaud, por Verlaine e outros poetas importantes do final do século na França, país que tinha tanta influência sobre o Brasil.

O desespero, o sofrimento, o inconformismo existencial, a certeza soturna da morte, a presença do obscuro, de uma forma ou de outra, pelas indefinições de contorno tanto no texto quanto na pintura, aproximavam o Simbolismo do Impressionismo.

E há um extraordinário criador daquele final de século na França, Debussy, que resolveu fazer músicas em cima dos poemas de Mallarmé. E essa tendência da música também começou se desenhar pelas impressões, pela sugestão, pela capacidade de desencadear estados de alma muito mais do que simplesmente reproduzir acordes ou harmonias ortodoxas e tradicionais da composição clássica. O Clair de Lune, de Debussy, é isso: uma invenção harmônica baseada na sugestão, na abertura simbólica dos sons. Os sons podem significar tudo e qualquer coisa.

Era o momento também da criação da Psicologia com Freud, na Áustria. Ninguém pode dizer que Freud tenha influenciado Cruz e Sousa, porque foram quase contemporâneos, mas a verdade é que este é o momento, final do século XIX, em que se descobre uma coisa chamada “psiquê”, se descobre uma coisa chamada inconsciente, que era um elemento até então desconhecido pela humanidade. Ou seja, debaixo da consciência, lá no fundo de cada um, há uma coisa chamada inconsciente, que é um patrimônio de experiências que cada um recolhe ao longo de sua vida. A função fundamental do poeta era atingir esse inconsciente através da força e da beleza da palavra.

Eu diria que, ao lado de Duque Estrada, Olavo Bilac, Augusto dos Anjos e muitos dos seus contemporâneos, Cruz e Sousa traduziu essa tendência do século. Reproduziu na sua obra esse caminho que se propunha a humanidade, mas, incomparavelmente, foi o maior de todos.

Esse é o registro que quero fazer aqui, Sr. Presidente. Esse homem, esse cidadão, filho de escravos, criado por um militar que lhe foi benfazejo, mostra que é possível recuperar a alma humana lá do fundo da amargura e do sofrimento para a altissonância do verso, da beleza, da criação, do gênio.

Ninguém saiu de uma situação tão adversa e chegou tão alto na Literatura Brasileira como Cruz e Sousa. O gênio de Machado de Assis, a fantástica obra de Machado de Assis, que se aproxima de Cruz e Sousa também pela mesma origem, pelo mesmo sofrimento, pela mesma discriminação odiosa que sofreram ambos ao longo da vida, não pode ser comparada com a de Cruz e Sousa, porque Machado de Assis criou em situações muito mais privilegiadas. Cruz e Sousa criou debaixo da adversidade, do sofrimento, da contestação, da luta permanente para ser respeitado como ser humano.

Esse valor extraordinário, penso que merece o registro deste meu pronunciamento. A humanidade que há em Cruz e Sousa, a demonstração clara e inequívoca, absoluta e definitiva de que não é possível destruir a alma humana e pressupor que a raça, a origem, o sangue, a cor da pele possam fazer diferença para produzir homens e mulheres comuns, iguais, semelhantes, mas, sobretudo, não é empecilho para produzir um gênio, como não o foi no caso de Cruz e Sousa.

Havia uma certeza histórica. Marx dizia que a revolução do proletariado viria inevitavelmente. Era uma concepção determinista, lógica, impecável de que o mundo caminharia necessariamente para esse processo dialético e histórico. A revolução viria e, portanto, o mundo tinha já os seus caminhos traçados. A história já estava colocada na mão do homem.

Por trás dessa certeza científica da história, havia nos poetas a sensação de que isso tirava do processo criativo, do processo de conquistas da humanidade, o novo, aquilo que é o despertar de coisas inauditas, a busca daquilo que fosse surpreendente. O mundo deixava de ser surpreendente porque havia certeza de que a história iria caminhar numa direção única e inevitável. E essa conclusão levou também aos poetas simbolistas uma visão pessimista, amarga, cheia de desesperança, e não há nada mais profundo e fantástico do que aquilo que nos mostrou Cruz e Sousa no que escreveu.

Para concluir essas afirmações e revelar o quanto a beleza da palavra de Cruz e Sousa foi a síntese dessas tendências, escolhi este poema “Vida Obscura”, com o qual encerro o meu pronunciamento.

“Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro,

ó ser humilde entre os humildes seres.

Embriagado, tonto dos prazeres,

o mundo para ti foi negro e duro

Atravessaste no silêncio escuro

a vida presa a trágicos deveres

e chegaste ao saber de altos saberes

tornando-te mais simples e mais puro.

Ninguém te viu o sentimento inquieto,

magoado, oculto e aterrador, secreto,

que o coração te apunhalou no mundo.

Mas eu que sempre te segui os passos

sei que cruz infernal prendeu-te os braços,

e o teu suspiro como foi profundo!”

Cruz e Sousa, poeta catarinense e brasileiro, faz a Literatura Brasileira chegar às proporções da Literatura Francesa. A obra de Cruz e Sousa em nada fica a dever à obra de Mallarmé, que é seu contemporâneo, é um poeta também do seu tempo. Nós, brasileiros, que registramos o centenário do seu desaparecimento e que estamos registrando também no mundo o centenário do desaparecimento de Mallarmé - a França comemora também esses cem anos em 1998 -, só podemos dizer, com a evocação gloriosa da figura de Cruz e Sousa, que o Brasil, a mulher brasileira, a cultura brasileira tiveram momentos grandiosos, altissonantes, supremos, que foram propiciados por Cruz e Sousa.

Obrigado, Sr. Presidente. (Palmas)

 

O SR. PRESIDENTE(Geraldo Melo) - Concedo a palavra ao nobre Senador Casildo Maldaner.

O SR. CASILDO MALDANER (PMDB-SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, saúdo V. Exª e gostaria de externar também os meus cumprimentos ao Vice-Governador do Estado de Santa Catarina, que aqui esteve presente, à Prefeita Municipal de Florianópolis, ao Vice-Prefeito, à Presidente da Fundação Franklin Cascaes, aos demais convidados e às Srªs. e aos Srs. Senadores presentes.

Sr. Presidente, ouvimos agora há pouco o eminente Senador José Fogaça, do Rio Grande do Sul, professor de literatura por 15 anos e que representa a verdadeira biblioteca de literatura ambulante; ouvimos o representante de Minas Gerais, Senador Francelino Pereira, que inclusive pediu desculpas, porque Cruz e Sousa, ao se dirigir para o lugarejo de Sítio, em Minas Gerais, um dia antes de falecer, procurava encontrar uma vida mais amena para suas lutas; penso que o Senador Francelino não deveria pedir perdão ou desculpas, porque Minas não teria condições, é claro, de atender a todos; ouvimos também dois poetas, Artur da Távola e Ronaldo Cunha Lima, sobre Cruz e Sousa. Depois de ouvirmos a todos esses ilustres Senadores, eu, que tenho um pronunciamento escrito, acredito que o melhor é considerá-lo lido. Por que faço isso? Pela iniciativa do eminente Senador catarinense, Esperidião Amin, que falou por nós todos, falou pela querida Desterro da época, hoje nossa querida Ilha da Magia, que é Florianópolis, falou por nós, os catarinenses. S. Exª teve a grande iniciativa de propor esta sessão em homenagem ao centenário da morte de Cruz e Sousa.

Sr. Presidente, gostaria apenas de acrescentar este pronunciamento, apensando-o ao do nosso irmão catarinense, para que conste dos Anais do Senado. Eis que extrapolou, sem dúvida alguma, a vida, a história, a poesia de Cruz e Sousa, não só nas terras catarinenses, como nas terras brasileiras e no mundo. Essa é a realidade. Estamos a sentir isso hoje pela oração, pela exposição dos diversos Parlamentares representantes dos Estados da Federação. Assim, penso que nada mais resta a nós, catarinenses, a não ser nos sentirmos orgulhosos por termos esse irmão lá nascido, que tanto honra o nosso Brasil e o mundo na literatura, na poesia, na cultura, tão sagradas para todos nós.

Sr. Presidente, com a permissão de todos, gostaria de pedir que fossem inseridos nos Anais desta Casa, para acrescer às palavras do irmão catarinense, Senador Esperidião Amin, pelo menos duas estrofes de uma das poesias de Cruz e Sousa:

Asas Abertas

As asas da minh’alma estão abertas!

Podes te agasalhar no meu Carinho,

Abrigar-te de frios no meu Ninho

Com as tuas asas trêmulas, incertas.

Tu’alma lembra vastidões desertas

Onde tudo é gelado e é só espinho.

Mas na minh’alma encontrarás o Vinho

E as graças todas do Conforto certas.

Com isso, Sr. Presidente, nobres Colegas, concluo minha homenagem a Cruz e Sousa. (Palmas)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/03/1998 - Página 4583