Discurso no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DO CENTENARIO DE FALECIMENTO DO POETA CATARINENSE CRUZ E SOUSA.

Autor
Mauro Miranda (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/GO)
Nome completo: Mauro Miranda Soares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • COMEMORAÇÃO DO CENTENARIO DE FALECIMENTO DO POETA CATARINENSE CRUZ E SOUSA.
Publicação
Publicação no DSF de 20/03/1998 - Página 4594
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, MORTE, CRUZ E SOUSA, POETA, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC).

           O SR. MAURO MIRANDA (PMDB-GO) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, esta Casa, que costumeiramente está dedicada a debater assuntos ásperos e polêmicos, está hoje sob os eflúvios da poesia. Não de qualquer poesia. Mas da verdadeira poesia, aquela que se escreve com inicial maiúscula, que imprime seu vigor nas letras pátrias, que eleva, aos mais altos cimos literários, o nome de seus vates geniais, aquela, enfim, que projeta o Brasil no cenário mundial dos artistas insignes.

           Estamos homenageando, como pósteros clarividentes, a excelsa poesia do catarinense Cruz e Sousa, reconhecidamente um dos maiores expoentes das letras pátrias, certamente o poeta maior da corrente simbolista em terras brasileiras. A esta Sessão Solene de homenagem ao centenário do falecimento do grande poeta Cruz e Sousa, eu não poderia deixar de adicionar meu tributo, que é também o tributo do povo de Goiás, que tenho a honra de representar nesta Casa.

           “Cem anos sem Cruz e Sousa”: são esses os dizeres do cartaz que anuncia a instituição de prêmio, a ser conferido pelo Congresso Nacional, a trabalho cuja temática verse sobre o centenário de morte de Cruz e Sousa. A propósito, felicito os caros colegas, os Senadores Abdias Nascimento e Esperidião Amin, por terem apresentado ¾ inspirados talvez por uma benfazeja musa ¾ a proposição do referido prêmio. Iniciativas dessa natureza contribuem para conservar, na memória das novas gerações, os personagens que marcaram o passado e fizeram nossa história, além de favorecerem o conhecimento e a difusão de suas obras, idéias e feitos.

           Voltando aos dizeres do cartaz, faz hoje 100 anos que perdemos Cruz e Sousa. Há exatamente um século morria o poeta, colhido no vigor dos 36 anos, por fulminante tuberculose. Se aos contemporâneos não foi dada a clarividência de reconhecer o valor e mérito de sua obra, o passar dos anos se incumbiu de tornar cada vez mais grandiosa a obra do poeta catarinense. Críticos estrangeiros ilustres reconhecem Cruz e Sousa como um dos maiores poetas do mundo em qualquer tempo e lugar. Na visão do crítico Roger Bastide, Cruz e Sousa está situado ao lado de Mallarmé e Stefan George como um dos três maiores representantes do movimento simbolista universal.

           Se é verdade que a poesia mais fecunda e bela nasce do sofrimento e da dor, vamos encontrar na biografia de Cruz e Sousa razão de sobra para ter ele esculpido versos tão magistrais. Tendo nascido de pais escravos, herdou na própria pele o estigma de ser negro. Cedo sentiu a hostilidade dos brancos na pequenina Desterro onde nascera, atual Florianópolis, e haveria de sofrer o preconceito em muitas outras ocasiões. Quando esteve à frente do periódico “O Moleque”, sentiu a força do preconceito da sociedade local, que tratava suas publicações com zombarias e galhofas. Consta que sua nomeação para promotor público não chegou a ser efetivada, por instâncias de uma comissão de notáveis que exigiu a impugnação, sob a ponderação, conforme relato de Magalhães Júnior, de não ser “conveniente entregar a um preto retinto o cargo de acusador público, numa terra em que a grande maioria era de brancos e ainda continuava de pé a nefanda instituição do cativeiro.” Cruz e Sousa não se deixou abater. Não renegou sua cor e pugnou, na imprensa e em conferências, pela abolição da escravatura.

           Tendo se estabelecido no Rio de Janeiro, não lhe foi mais amena a vida. Instável nos empregos, não conseguiu firmar-se na imprensa. Trouxe-lhe relativa tranqüilidade o emprego de arquivista na Estrada de Ferro Central do Brasil, mas o salário de 250 cruzeiros mensais não livrou a família de ser duramente atingida por privações e necessidades. A loucura temporária de sua esposa, Gavita, feriu-lhe com duro golpe. Duas obras-primas assinalam esse drama vivido pelo poeta: “Balada de Loucos” e “Ressurreição”.

           Temos a impressão de que o estro do poeta se foi apurando no cadinho do sofrimento e das tormentas de espírito. Os últimos sete anos que antecederam sua morte fizeram jorrar praticamente sua obra inteira. No mesmo ano de 1893, vêm a lume os livros Missal e Broquéis, que inauguram o Simbolismo no Brasil. Os livros Evocações, Faróis e Últimos Sonetos são publicados postumamente. Sobre a fervilhante produção desse período, assim se manifestou Andrade Muricy, um dos maiores estudiosos do movimento simbolista:

           “Não será muito, pouquíssimo até, esses sete anos, não digo para escrever quaisquer cinco livros, porém aqueles cinco livros, e ainda matéria condigna pelo menos para mais um. Espetáculo impressionante, se considerarmos a intensidade, a força de paixão e sublimação, necessárias para a criação de poemas que só de raro em raro são desafogados, ou simplesmente melancólicos, quase nunca serenos.”

           O cenário das letras nacionais não permaneceu incólume à passagem de Cruz e Sousa. Sua influência se fez sentir nas várias gerações de autores simbolistas que levaram adiante o movimento e se irradiou do Sul, onde o Simbolismo se havia condensado, para alcançar propagação em todo o País. Sequer a região de Goiás, que sempre recebeu tardiamente as inovações européias já assimiladas no Sudeste, ficou imune à nova onda literária. O Simbolismo aporta em nossas plagas de mescla com outros movimentos literários.

           Permito-me neste momento, Sr. Presidente, mencionar alguns dos representantes simbolistas nas letras goianas, não crendo que, ao fazê-lo, me estarei desviando do roteiro principal de celebrações que ora rendemos a Cruz e Sousa. Ao contrário, acredito que, ao testemunhar a presença do Simbolismo em Goiás, estarei enaltecendo a dimensão da verve do poeta catarinense, que se alargou para além de seu nascedouro e alcançou as terras do planalto central.

           Marca a entrada do Simbolismo em Goiás, segundo o premiado estudo de Gilberto Mendonça Teles, a publicação do livro “Iluminuras”, de Erico Curado, em 1913. O primeiro soneto da publicação é tido como “uma verdadeira profissão de fé simbolista”. Reproduzo suas estrofes iniciais, para podermos aquilatar a presença do espírito da nova corrente:

           Gusla maviosa ¾ ou trêmulos violinos...

           Luas de Maio, ó brisas vesperais,

           Olhos que exalam sonhos levantinos,

           Linhas quebrando em formas imortais!

           Sinfonias da Luz, nênias dos sinos,

           Lendas e sagas, noites medievais,

           Lírios e rosas, níveos, purpurinos,

           Fazei meus versos vagos, musicais!...

           Natural de Pirenópolis, Erico Curado deve ter absorvido a mensagem simbolista nas numerosas viagens que empreendeu pelo Brasil, o que lhe permitiu imprimir essa nova feição à literatura goiana, somada ao gosto demonstrado pela corrente parnasiana.

           Depois de Erico Curado, merece destaque no panorama do simbolismo o goiano Hugo de Carvalho Ramos, nascido em Goiás em 1895. Em sua curta vida ¾ suicidou-se aos 26 anos ¾ , dedicou-se mais à prosa, tendo escrito apenas 23 poemas, enfeixados no volume “Plangências”. Seu livro “Tropas e Boiadas”, cujas páginas começou a escrever aos 16 anos, é considerado um clássico de nossas letras regionalistas. É visível em sua linguagem, de refinado sabor local, a influência da linguagem dos simbolistas.

           Já então empolgado pelo movimento modernista de 1922, surge no cenário goiano Leo Lynce, a quem coube a láurea de Príncipe dos Poetas Goianos, dada a elegância de sua expressão. Natural de Piracanjuba, onde nasceu em 1884, teve como nome de batismo Cilleneu Marques de Araújo Valle. Seu primeiro livro de poemas, intitulado “Ontem”, surge em 1928. Sua linguagem é caracterizada por um certo ecletismo, no qual se misturam influências parnasianas, naturalistas, simbolistas e modernistas.

           Também manifestando o ecletismo simbolista-modernista, temos Antônio Americano do Brasil, intelectual ativo e político proeminente, que nos deixou importantes obras sobre a cultura goiana. Mostra-se um poeta simbolista principalmente em seu livro póstumo “Nos Rosais do Silêncio”. Para encerrar a menção aos representantes da corrente simbolista em Goiás, não posso deixar de registrar a passagem de José Xavier de Almeida Júnior, que revela, em seu livro “A Canção do Planalto”, com poemas datados de 1920 a 1942, acentos parnasianos, simbolistas e modernistas.

           E por aqui vou finalizando, Sr. Presidente, minha participação na merecida homenagem que esta Casa presta a Cruz e Sousa, na ocasião do centenário de seu falecimento. Na verdade, foi meu propósito fazer de minha fala o tributo do povo goiano ao grande poeta brasileiro, à maneira de uma reverência ao mestre, feita pela menção dos seus seguidores em nossa terra que, fascinados pela luz singular do Poeta Negro, estenderam seu projeto literário para o planalto central e para as serras goianas.

           Era o que eu tinha a dizer.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/03/1998 - Página 4594