Discurso no Senado Federal

CRITICAS A POLITICA ECONOMICA DO GOVERNO FEDERAL RESULTANDO NO AGRAVAMENTO DO DESEMPREGO NO PAIS E AS MEDIDAS GENERICAS DE PREVENÇÃO DISCUTIDAS DURANTE REUNIÃO MINISTERIAL.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. REFORMA AGRARIA.:
  • CRITICAS A POLITICA ECONOMICA DO GOVERNO FEDERAL RESULTANDO NO AGRAVAMENTO DO DESEMPREGO NO PAIS E AS MEDIDAS GENERICAS DE PREVENÇÃO DISCUTIDAS DURANTE REUNIÃO MINISTERIAL.
Publicação
Publicação no DSF de 20/03/1998 - Página 4631
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • CRITICA, INEFICACIA, REUNIÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MINISTRO DE ESTADO, AREA, ECONOMIA, ADOÇÃO, POLITICA, COMBATE, DESEMPREGO.
  • ANALISE, CRITICA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO FEDERAL, MANUTENÇÃO, EXCESSO, TAXAS, JUROS, ABERTURA, ECONOMIA, MERCADORIA ESTRANGEIRA, COMPROMETIMENTO, INDUSTRIA NACIONAL, PROVOCAÇÃO, AUMENTO, INDICE, DESEMPREGO, COMPROVAÇÃO, PESQUISA, BANCO INTERAMERICANO DE DESENVOLVIMENTO (BID), INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE).
  • INFORMAÇÃO, REALIZAÇÃO, REUNIÃO, PEDRO MALAN, RAUL JUNGMANN, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA FAZENDA (MF), MINISTERIO EXTRAORDINARIO DE POLITICA FUNDIARIA (MEPF), MILTON SELIGMAN, PRESIDENTE, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), ROBERTO REQUIÃO, SENADOR, DEPUTADO FEDERAL, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, BUSCA, SOLUÇÃO, PROBLEMA, ASSENTAMENTO RURAL, REFORMA AGRARIA, BRASIL.

           O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, na sexta-feira da semana passada, depois de ter declarado “guerra ao desemprego” em seu programa semanal de rádio, o Presidente da República presidiu uma reunião do seu Ministério para uma troca de idéias sobre o problema do desemprego crescente. Todos perceberam que a reunião foi um fracasso. Não só do ponto de vista substantivo, mas mesmo do ponto de vista do marketing, que parece ter sido o seu objetivo central. Nada de importante foi anunciado. Apenas medidas genéricas, entre as quais uma mobilização pela geração de empregos, a revisão dos programas existentes, instruções às agências de fomento no sentido de conferir prioridade a projetos intensivos em mão-de-obra e outras diretrizes desse tipo.

           Ficou para a opinião pública, mesmo para os que simpatizam com o Governo, a impressão de que ele não sabe o que fazer diante do desemprego crescente. O Professor Roberto Macedo, da USP, por exemplo, em seu artigo no jornal O Estado de S. Paulo, concluiu que aquela reunião anunciou medidas inócuas senão simplesmente acessórias.

           A temporada de desculpas e evasivas parece estar esgotada. Até recentemente, os porta-vozes oficiais ou semi-oficiais ainda tentavam negar a gravidade do problema. Dizia-se que o desemprego era essencialmente um problema para São Paulo ou restrito ao setor industrial. Há pouco mais de duas semanas, o Presidente da República, em um momento de especial alienação, chegou a afirmar que as taxas de desemprego brasileiras seriam consideradas, em qualquer lugar do mundo, taxas de “pleno emprego”. E disse que “a sensação de desemprego era maior do que o próprio desemprego”.

Ontem, durante a reunião anual do Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID -, foi divulgada pesquisa que revela dados preocupantes sobre a economia latino-americana. O crescimento médio da economia da região subiu de 2,7%, na década de 80, para 4%, entre 1991 e 1997, ao mesmo tempo em que o emprego, nesse último período, cresceu apenas 2,8% e o nível médio de escolaridade da força de trabalho aumentou somente 0,9%. A principal preocupação, para 20% dos trabalhadores latino-americanos, é o medo de perder o emprego. No Brasil, esse percentual é três vezes maior, ou seja, de 64%.

Os dados do IBGE, recém divulgados, já não permitem mais tergiversações. O desemprego aumentou em todas as seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE. Aumentou, também, em todos os setores da atividade econômica: na indústria, na construção, no comércio e nos demais serviços. A tendência do mercado de trabalho, segundo Márcio Pochmann, diretor-executivo do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas, é de redução do assalariamento com registro e de expansão do desemprego e de ocupações não-organizadas. Em seu estudo, “Traços Gerais do Movimento de Desestruturação do Mercado de Trabalho Brasileiro”, Pochmann distingue dois períodos diferentes no que tange à evolução do mercado de trabalho. De 1940 a 1980, houve um movimento de estruturação do mercado que ocorreu simultaneamente ao processo de industrialização e institucionalização das relações e condições de trabalho, sendo marcado pela expansão do emprego assalariado. No período pós 1980, houve uma reversão na trajetória com progressiva desestruturação do mercado de trabalho. Segundo Pochmann, “o desassalariamento de parcela crescente da População Economicamente Ativa e a expansão das ocupações nos segmentos não-organizados e do desemprego têm ocorrido paralelamente ao abandono do projeto de industrialização nacional e à adoção de políticas macroeconômicas de reinserção internacional e enfraquecimento do Estatuto do Trabalho.”

Fica cada vez mais evidente que estamos diante de um problema macroeconômico, criado, em grande medida, pela política econômica do Governo Federal.

Não se diga, entretanto, que o desemprego crescente é o preço inevitável do combate à inflação. Essa tese só pode ter validade em circunstâncias específicas, vale dizer, quando a pressão inflacionária, ou o risco de inflação, está associado a um aquecimento excessivo da economia, a uma conjunto em que a demanda agregada pressiona exageradamente a utilização dos recursos produtivos disponíveis, favorecendo a alta dos preços e salários.

Esse não é o caso atual da economia brasileira. Depois de ter passado um longo período estagnada ou em recessão, desde 1987 até 1992, a economia brasileira passou a apresentar taxas de crescimento um pouco mais significativas de 1993 em diante. Mas nos últimos 5 anos, só em 1994 tivemos uma taxa de crescimento de 6% ao ano, ainda aquém do nosso potencial. De 1995 a 1997, o Brasil vem crescendo na faixa de 3% a 4% ao ano, bem menos do que seria necessário para evitar um aumento das taxas de desemprego e subemprego. Em 1998, como conseqüência da turbulência no leste da Ásia e dos seus efeitos sobre economias vulneráveis como a brasileira, a taxa de crescimento do PIB brasileiro será ainda mais baixa.

Em outras palavras, a economia brasileira acumumou e continua acumulando considerável capacidade produtiva ociosa. Há um grande número de trabalhadores desempregados ou empregados de forma parcial ou precária; as empresas têm capacidade instalada que não está sendo inteiramente aproveitada. A economia brasileira poderia, durante alguns anos, crescer até mais do que a sua taxa média de longo prazo sem pressionar a taxa de inflação por excesso de demanda agregada.

A restrição macroeconômica ao crescimento é de outra natureza. A experiência recente tem mostrado que toda vez que a economia cresce ou ameaça crescer num ritmo compatível com uma geração adequada de empregos, isto é, a taxas anuais da ordem de 6% a 7%, aparecem desequilíbrios preocupantes na balança comercial e no balanço de pagamentos em conta corrente. Não precisaria ser assim necessariamente. Os mercados financeiros externos e internos acendem sinais de advertência, o Governo se assusta e o Banco Central refreia o crescimento com medidas de aperto monetário ou creditício. Mesmo quando a economia cresce pouco, o desequilíbrio externo permanece em nível elevado. Além disso, toda vez que se produz alguma turbulência mais grave, como aconteceu com a crise do México em 1994/95 ou, mais recentemente, com a crise no leste da Ásia, o Brasil aparece como economia vulnerável, particularmente sujeita às repercussões internacionais de colapsos cambiais e financeiros em outras economias periféricas.

Essas dificuldades não são, evidentemente, produto de alguma lei da natureza ou de alguma fatalidade macroeconômica. Trata-se do resultado das políticas econômicas seguidas pelo Brasil nos anos recentes. Nesta década, o Brasil abriu de forma pouco prudente e pouco criteriosa a sua economia às importações. Descuidou também da promoção de exportações. E, desde 1994, permitiu uma sobrevalorização cambial significativa. Em conseqüência, a economia adquiriu uma propensão ao desequilíbrio externo e se tornou altamente vulnerável às flutuações financeiras internacionais.

Para recuperar as condições de crescimento e de geração de empregos, é fundamental modificar em profundidade as políticas econômicas internacionais do Brasil. Enquanto o desequilíbrio externo não for enfrentado, a economia brasileira continuará crescendo a taxas insuficientes, com efeitos adversos em termos de aumento do número de pessoas sem emprego ou empregadas em condições precárias. Como o desemprego atinge mais intensamente os setores de baixa renda e como não existe uma rede de proteção social adequada em nosso País, o resultado será o aumento dos já elevados níveis de miséria e de concentração da renda neste País.

Muito embora seja difícil, é perfeitamente possível, Sr. Presidente, alcançar-se simultaneamente os objetivos de estabilidade de preços, de crescimento econômico acelerado e compatível com a nossa potencialidade em vista dos recursos existentes, com taxas de desemprego reduzidas, maior eqüidade na distribuição da renda e da riqueza, tomando-se sempre o cuidado para manter-se o equilíbrio das contas externas. Obviamente, quando não se toma cuidado com o que acontece no setor externo da economia - a nossa experiência e a de outros países nos dizem -, acaba-se prejudicando a consecução dos demais objetivos, mas é perfeitamente possível, ainda que essa seja a arte daqueles que são responsáveis pela política macroeconômica. E esse é o grande desafio a ser alcançado. É preciso, entretanto, que haja vontade política para agir na direção de alcançar essas metas.

A discussão da questão do desemprego parece girar em torno de apenas duas alternativas no seio do Governo: a desregulamentação da economia com crescimento, segundo o modelo americano e inglês; ou a estagnação, seguida da necessidade de proteção social. No primeiro modelo que estamos seguindo, o dilema do desemprego seria resolvido, como num passe de mágica, por meio da flexibilização do mercado de trabalho e a eliminação de direitos trabalhistas, que tão arduamente foram conquistados. O trabalhador, diante desse quadro, deveria resignar-se e, até mesmo, agradecer a possibilidade de manter seu emprego, mesmo que às custas da perda de seu poder aquisitivo e da retirada de seus direitos.

O mito de que a única saída para o trabalhador seria a de trabalhar mais com menos direitos não se justifica. O Governo de esquerda francês, como forma de diminuir as altas taxas de desemprego que assolam o país, levou ao Congresso várias propostas, dentre elas a redução da jornada de trabalho para 35 horas sem redução dos salários, dando oportunidade, assim, para que jovens possam ingressar no mercado de trabalho. Graças à sua implementação, os índices de desemprego na França já começam a apresentar um pequeno recuo.

Portanto, é uma falácia afirmar que o trabalhador deve optar entre eliminação de direitos trabalhistas ou desemprego.

É necessário que a inserção internacional da economia brasileira seja compatível com os objetivos de maior crescimento e, ao mesmo tempo, com o desenvolvimento de políticas que garantam o crescimento das oportunidades de emprego.

A própria democratização das relações de trabalho entre empresários e trabalhadores constituem passo fundamental para que a preocupação com o emprego esteja no centro das atenções.

Ainda hoje o Dieese organizou um seminário, no qual se tratou da questão da modernização das relações de trabalho. É fundamental que trabalhadores e empresários possam estar discutindo sempre qual a melhor forma de participação de todos na criação de riquezas, inclusive com atenção para a criação de oportunidades de emprego.

A reforma tributária considerando mecanismos mais consistentes com a expansão do emprego. O estímulo às formas legítimas de cooperativas de produção, na cidade e no campo, constitui caminho complementar. Também a expansão dos programas de crédito popular, de microcrédito, que proporcionem oportunidades de iniciativas para pessoas criarem condições de auto-sobrevivência. Certamente, a implantação de uma renda garantida, relacionada à educação, contribuirá para a erradicação do trabalho infantil e o aumento de ofertas de trabalho para adultos. A injeção de recursos nas mãos daqueles que recebem menos acabará estimulando a demanda de bens de primeira necessidade, resultando em aumento da atividade econômica e em crescimento de empregos, sobretudo nas áreas carentes e nas pequenas e médias empresas. Eis, portanto, algumas proposições; o que falta é determinação para implementá-las.

Sr. Presidente, às 12 horas de hoje, houve um encontro entre o Ministro Pedro Malan, o Ministro Raul Jungmann, o Presidente do Incra, Sr. Milton Seligman, o Secretário Executivo, Sr. Pedro Parente, com o Senador Roberto Requião, os Deputados Luiz Eduardo Greenhalgh, Adão Pretto e mais dez Deputados Federais que acompanharam os entendimentos. Foi marcada para segunda-feira próxima, às 7 horas e 30 minutos, uma reunião entre a coordenação do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, os pequenos agricultores, o Secretário Executivo Pedro Parente, do Ministério da Fazenda, e o Presidente do Incra, Milton Seligman, para analisar as questões encaminhadas ao Ministro Pedro Malan. Digo isso como uma continuação da informação que havia prestado aqui ontem.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/03/1998 - Página 4631