Discurso no Senado Federal

ALEGAÇÕES DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO DE QUE A ESQUERDA E A OPOSIÇÃO DOMINAM A TV SENADO E OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO. PARTICIPAÇÃO DE S.EXA. EM DEBATE NA UNIVERSIDADE DE BRASILIA SOBRE A PREVIDENCIA SOCIAL. COMENTARIO AS AFIRMATIVAS DE VARIOS ECONOMISTAS SOBRE A CRISE DA ECONOMIA MUNDIAL.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • ALEGAÇÕES DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO DE QUE A ESQUERDA E A OPOSIÇÃO DOMINAM A TV SENADO E OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO. PARTICIPAÇÃO DE S.EXA. EM DEBATE NA UNIVERSIDADE DE BRASILIA SOBRE A PREVIDENCIA SOCIAL. COMENTARIO AS AFIRMATIVAS DE VARIOS ECONOMISTAS SOBRE A CRISE DA ECONOMIA MUNDIAL.
Publicação
Publicação no DSF de 21/03/1998 - Página 4743
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • CRITICA, DECLARAÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CONTROLE, OPOSIÇÃO, TELEVISÃO, SENADO, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, ANALISE, ORADOR, CRISE, POLITICA.
  • ANALISE, CRISE, CAPITALISMO, GLOBALIZAÇÃO, DEBATE, ECONOMISTA, PAIS ESTRANGEIRO.
  • CRITICA, GOVERNO, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, AUMENTO, TAXAS, JUROS, DESEMPREGO.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, pensava aproveitar esta sexta-feira para fazer o que eu planejei ser um “discurso”. O meu objetivo era desmascarar e retirar o pancake, a maquiagem que reveste sempre a face e a fala do Governo Federal, sem me valer da Esquerda maniqueísta e derrotada, sem me valer dos argumentos da Oposição irada, que não “existe”, de acordo com a expressão do Presidente da República. Há cerca de quatro meses, Sua Excelência chegou a dizer até que era a Esquerda, de modo que, quando a atacam, também resvalam na sua figura, que ocupa a Direita, o Centro e a Esquerda. Sua Excelência é tudo; é três num só, como sói acontecer às verdadeiras e às falsas divindades.

Pois bem, diante disso, por que Sua Excelência o Presidente da República disse, há três ou quatro dias, que a Esquerda e a Oposição dominam a TV Senado e os meios de comunicação? Sua Excelência se esquece de que há 490 emissoras de rádio e televisão - a Radiobrás -, que, de acordo com declarações feitas há dois anos pelo seu presidente, estariam colocadas, como armas, à disposição da reeleição da figura “iluminada” do Presidente da República. Realmente, as palavras perderam os seus significados tradicionais.

O Ministro Bresser Pereira, quatro ou cinco anos depois de ter publicado um livro chamado Acumulação e Crise, em 1986, quando já era Ministro do Governo do Presidente Sarney, disse que adotava o método de Marx, as categorias de Marx e a forma de análise marxista. Mas, como tudo muda - só não muda a lei do movimento segundo a qual tudo muda -, alguns mudam depressa, e outros vão acumulando lentamente as transformações por que todos nós passamos.

Pois bem, agora, S. Exª o Ministro Bresser Pereira, que há tão pouco tempo escreveu esse livro em que faz a sua profissão de fé no método de Marx, na concepção da história de Marx, no uso das categorias marxistas, declara, na revista Esquerda 21, que estamos no caos. Quem disse que se encontra no caos foi S. Exª; e do caos saem medidas tão fortes, tão viris, tão violentas, tão desumanas, como se houvesse uma orientação tranqüila que articulasse todos os movimentos, planos e ações do Governo.

Parece até que a crise por que atravessamos - e sobre elas estamos ouvindo vozes do exterior, não vozes da Oposição, mas vozes de autoridades situadas no exterior - é o verbo da Esquerda que se fez carne e habitou entre nós, trazendo para a sociedade humana as desgraças que aí estão. Logo nós, da Oposição, que estamos completamente desarmados, inermes diante do poderio que aí está, cada vez mais forte e mais despótico, reelegendo os seus presidentes, até por duas vezes, como é o caso da re-reeleição Fujimori e Menem, companheiros de Fernando Henrique Cardoso, e pela sétima vez, o Presidente Hagi Suharto, da Indonésia.

Se a Oposição tivesse força, seria preciso que pelo menos apresentássemos um projeto proibindo a re-reeleição e a re-re-reeleição e assim por diante. Mas, para isso, talvez fosse preciso pôr cobro a essa desconstitucionalização e reconstitucionalização, que transforma os defeitos em bem-feitos, que transforma o crime em lei, legalizando e legitimando as ações anti-sociais pelas quais passamos.

Apenas para terminar esse raciocínio, anteontem fui convidado para participar de um debate com funcionários da minha Universidade de Brasília, para tentarmos esclarecer alguma coisa sobre a Previdência Social. Eu lhes disse, então, que, diante dessa transformação na Previdência Social, onde o brasileiro viu aumentada a sua idade para a aposentadoria, onde o tempo de trabalho foi transformado em tempo de contribuição, que restringe obviamente a contagem do tempo de serviço para aposentadoria, talvez restasse, dos benefícios da Previdência Social no Brasil, o auxílio funerário, o benefício dado post mortem, porque, em vida, restará muito pouco para aqueles que acreditaram um dia e contribuíram sempre para a Previdência Social.

O Professor Robert Reich, ex-Secretário do Trabalho do Governo norte-americano, acha que “se está a caminho de uma grande contração econômica com dinâmica semelhante à grande Depressão de 1929”. Não são os pessimistas da Oposição: é um Ministro do Trabalho dos Estados Unidos - depois, se houver tempo suficiente, voltarei a uma outra citação dessa mesma autoridade a respeito desse problema, que ele trata em um artigo recentemente publicado. Acredito até que o Sr. Reich é, em certo sentido, otimista. A Crise de 1929 a que ele se refere foi, sem dúvida alguma, a mais profunda e, do meu ponto de vista, durou doze anos nos Estados Unidos. Mas esta atual é global. Em outubro de 1929, estouraram apenas a Bolsa de Nova Iorque; agora as Bolsas espoucam no Sudeste asiático e ameaçam outros países. Só os bancos japoneses tiveram US$700 bilhões em créditos irrecuperáveis.

George Soros, o megaespeculador, afirma: “Tudo se assemelha a um incêndio que não foi controlado”. Aqueles do Governo que dizem que esse Governo deveria ser tão elevado, ser um ponto de observação privilegiado, primeiro disseram e repetiram, ocupando a mídia, que o Brasil estava imune, que o Brasil não seria tocado pelas perturbações e conturbações que se manifestavam no Sudeste asiático, derrubando Bolsas, fazendo falir empresas, quebrando bancos e desvalorizando moedas. E, de repente, resolvem salvar o Brasil disso que, na semana anterior, negaram existir, e elevaram a taxa de juros para não mexer na taxa cambial. Grande solução! Assim se evita uma crise fazendo outra crise. Como é que se evita uma crise, que vinha com a aragem do Sudeste asiático, fazendo com que o Brasil eleve a taxa de juros a 36,5% ao ano?

Vou citar alguns países e suas taxas de juros anuais, no ano de 1994: no Japão, 4,4%; nos Estados Unidos, 7,1%; na Alemanha, 6,9%; e na França, 7,5%. Nós, com esta criatividade brasileira, com esta agilidade e esta capacidade de proteger o Brasil da crise do Sudeste asiático, passamos a taxa de juros para incríveis, medievais - só na Idade Média se cobrava uma taxa de juros dessa altura - 36,5% ao ano, destruindo obviamente tudo, inclusive o próprio mercado. No início do Plano Real, o problema do Brasil era excesso de consumo. Era preciso conter o consumo para conter a inflação. E agora? Agora, o consumo, sufocado pelo arrocho salarial, minimizado por 3 anos sem reposição da inflação acumulada, em cerca de 43%, pelo menos. Amordaçado o consumo por essa taxa de juros que é 4, 5, 6 vezes maior - aqui, por exemplo, nesta relação, a taxa de juros mais elevada é de 8.2%. Então, a do Brasil, hoje, é 4 vezes e meia a maior taxa de juros do mundo. 

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, obviamente que com essa taxa de juros tão alta se contrai a demanda, as vendas caem - no setor automobilístico, parece que houve uma redução de 80% das vendas, no mês de fevereiro - e todos os setores se encontram dessa maneira sufocados por essa política economicida. Com isso, o desemprego aumenta, a renda disponível torna aumentar e, assim, entramos no círculo vicioso da pobreza e da miséria crescente.

Realmente, o remédio é pior do que a doença. Eisuke Sakakibara, vice-Ministro para Finanças Internacionais do Japão, considera que “a crise asiática é apenas o primeiro sintoma de uma síncope do Capitalismo global” - não é o PT que está falando, quem está falando é o Vice-Ministro para Finanças Internacionais do Japão.

O que está acontecendo em relação a esses fatos, a que reagimos dessa maneira - o Governo brasileiro reagiu dessa maneira que acabei de sintetizar - é apenas o começo; o primeiro sintoma de uma síncope do Capitalismo global.

Para Milton Friedman, que é o professor deles todos, o neoliberal que sabe conjugar tão bem o despotismo, a ditadura nos países que aplicam essas medidas, tem que haver, na contraface das medidas liberais, aquilo que o Liberalismo inglês sempre fez: o poder armado para segurar os trabalhadores, fechar os sindicatos e aplicar sobre a sociedade esses remédios perversos que imputam às forças de mercado. O governo não tem nada com isso, está emagrecendo. O que está acontecendo é culpa do mercado, um mercado impessoal, a mão invisível atuando, estrangulando e matando. O Governo não, ele é muito bonzinho e vai ser, com certeza, reeleito algumas vezes.

Pois bem, Milton Friedman, que sempre gostou de proteger os bancos norte-americanos, diz o seguinte: “é imoral que funcionários do FMI, que não foram eleitos e não prestam contas a ninguém, gastem o dinheiro do contribuinte para ajudar países que fizeram investimentos errados, quebrando indústrias e bancos”.

Então, Milton Friedman, professor, prêmio nobel, diz que é para deixar quebrar. E no Brasil? Os seus alunos, os seus discípulos deixaram quebrar ou criaram Proers e outros mecanismos de sustentação de banqueiros quebrados e de setores que fizeram investimentos errados, como diz o Sr. Milton Friedman? Esqueceram, no caso brasileiro, os ensinamentos do professor. E ao invés de deixar quebrar, a especulação perniciosa deste País sustentou só o Banco Nacional com US$9.300 bilhões.

Robert Reich novamente põe o dedo na ferida: “preços em queda esmagam os lucros, estimulando as companhias a reduzir salários e cortar empregos”. O capitalismo navegou, durante seis décadas deste século, nas águas turvas e desumanas da inflação. Esgotada a perversa dinâmica inflacionária, o capitalismo neoliberal embarca na canoa furada da contração de preços e da deflação.

O trabalho de Robert Reich tem o mesmo título de um capítulo do livro de Bresciani Turroni: “Deflação, inimigo geral!”. Deflação inimigo geral. Entretanto, no Brasil se retira o champanhe do gelo para comemorar a deflação. De acordo com Bresciani Turroni, deflação é crise. Por outro lado, diz o Presidente Fernando Henrique Cardoso que estamos no caminho certo; mas o Titanic também estava no caminho certo para o seu encontro com iceberg e o fundo do mar.

O outro complicador, no final do milênio, é a superprodução, afirma Robert Reich. Entretanto, o Brasil, louco para ter mais montadoras para atrair capital numa situação em que o mundo se encontra, em superprodução, ou como eu digo, “sobre-acumulação” de capital. E foi isso que fez com que o Presidente Franklin Roosevelt pagasse aos fazendeiros americanos para não plantarem. Depois pagou para plantar cactos e, depois, fez, por exemplo, através de investimentos do TVA e outras obras improdutivas, investimentos nas áreas mais pobres, menos férteis dos Estados Unidos. Depois, ao invés de jogar café no mar, como fez Getúlio Vargas no início dos Anos 30, o que fez Franklin Roosevelt? Pagou para que os fazendeiros plantassem cactos. Sobreprodução, são, hoje, 1 bilhão e 300 milhões de pessoas recebendo menos que US$2 por dia, no mundo, um desemprego de 1 bilhão de pessoas, o mercado destruído e a produção querendo crescer indefinidamente e tendo de crescer porque esta é, talvez, a irracionalidade fundamental da economia capitalista.

De modo que, então, o capitalismo não pode parar de produzir. Cada vez mais, esta é a sua compulsão irrefreável, mas o problema é que não se pode produzir mais porque os desempregados, os miseráveis, não consomem e os ricos estão saturados, com as garagens cheias e as despensas abastecidas - para quem vender?

Roberto Kurz, em seu livro Colapso da Modernização, escreveu: “Mas mesmo que a crise do sistema mundial, produtor de mercadorias, não continue passando dos limites que já alcançou, o sistema parcial, ocidental, não poderá sobreviver ao colapso global. É impossível que em um elemento particular do sistema global, moribundo, se defenda, a longo prazo, a maioria da população mundial contra uma crescente minoria interna. 

Não é infinita a paciência daqueles que caíram fora, que foram excluídos do sistema.

Daniel Glukstein, em seu livro Imperialismo Senil, afirma que o imperialismo trata de alinhar o custo de sua força de trabalho com o valor da força de trabalho de países como a China.

Cita, em seguida, David O´Sulivan: “Não podemos concorrer com os custos de trabalho de Bangladesch ou da China. Mesmo se esmagarmos os salários e toda a proteção social - como a Previdência Social -, nossos trabalhadores, apesar de tudo, ganharão 20 vezes mais do que ganham os chineses”.

Entretanto, acrescenta o International Management: “Bruxelas não vê outra escolha senão avançar na partilha do trabalho e na redução dos horários de trabalho”.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo. Fazendo soar a campainha) - Senador Lauro Campos, lembro que o tempo de V. Exª está se esgotando.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF) - A esse fenômeno, já me referi em outro pronunciamento que fiz aqui desta tribuna.

Se a globalização, as grandes empresas, os oligopólios e os monopólios nivelam essa tecnologia em escala mundial, é óbvio que os países que quiserem disputar, por meio de uma livre concorrência, com o custo primário, com o custo do trabalho, desses países que pagam U$1,00 ou, no máximo, U$2,00 por dia aos seus trabalhadores deverão, para concorrer, reduzir os salários a esse nível. O´Sulivan afirma que, em Bruxelas, os salários deveriam ser reduzidos 20 vezes em relação ao nível atual.

E o que deveria ocorrer no Brasil? Vamos reduzir o custo Brasil? Em Bruxelas se reduz o custo Bruxelas; na Alemanha, o custo Alemanha; e, na França, o custo França! Ora, onde vamos parar? Não houve invenção nenhuma quando falaram em reduzir o custo Brasil, aumentando o custo FHC, o custo do desemprego, o custo do desespero, o custo do sucateamento das indústrias e o custo de setores inteiros destruídos!

O Presidente Fernando Henrique Cardoso, em entrevista concedida à Gazeta Mercantil, no dia 19 de junho passado, às págs. 9, 10 e 11, afirmou que houve um exagero na taxa cambial, exagero este - disse Sua Excelência - praticado por Fernando Collor. Disse ainda que o Presidente, um homem da abertura, iria começar a fechar a economia e a aumentar as alíquotas para salvar alguns setores. O Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo afirma que 17 setores ainda poderiam ser salvos.

Para concluir o meu pronunciamento, quero dizer que o jornal inglês Financial Times afirma que o Brasil e a Rússia “estão se matando para evitar a gripe asiática”. E o The New York Times, em sua edição de fevereiro, disse que o Brasil é quem paga o preço mais alto na guerra lançada pelo Governo para salvar o Real e para evitar que este País se torne a próxima peça do dominó.

Esses que dizem que fizeram um grande negócio ao antecipar o Proer para salvar o Brasil aumentam a taxa de juros, praticando as 51 perversidades a que se refere o Presidente do Banco Central, as 51 perversidades do “saco das maldades”! Como isso pode acontecer?

O Brasil é o país que está pagando o custo mais alto, de acordo com o The New York Times. Não é o PT, não é a Oposição que está criticando o “incriticável” Presidente Fernando Henrique Cardoso!

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/03/1998 - Página 4743