Discurso no Senado Federal

POSICIONAMENTO CONTRARIO A ABERTURA DE CASSINOS NO PAIS, APRESENTANDO COMO ESTUDO COMPARATIVO A REALIDADE NORTE-AMERICANA NESTE SETOR.

Autor
José Serra (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SP)
Nome completo: José Serra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JOGO DE AZAR.:
  • POSICIONAMENTO CONTRARIO A ABERTURA DE CASSINOS NO PAIS, APRESENTANDO COMO ESTUDO COMPARATIVO A REALIDADE NORTE-AMERICANA NESTE SETOR.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Leomar Quintanilha, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 19/03/1998 - Página 4541
Assunto
Outros > JOGO DE AZAR.
Indexação
  • OPOSIÇÃO, PROJETO DE LEI, ABERTURA, CASSINO, ANALISE, LOBBY, INEXATIDÃO, PREVISÃO, CRIAÇÃO, EMPREGO, ATRAÇÃO, CAPITAL ESTRANGEIRO, TURISTA.
  • ANALISE, BALANÇO, VANTAGENS, PREJUIZO, CASSINO, CONCLUSÃO, AUSENCIA, BENEFICIO, BRASIL, ESTADOS, MUNICIPIOS, DEFESA, REDUÇÃO, JOGO DE AZAR, PAIS, ESPECIFICAÇÃO, TELEFONE.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, JOGO DE AZAR, PREJUIZO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), AUMENTO, VICIO, INADIMPLENCIA, DIVIDA, CRIME, REDUÇÃO, COMERCIO.

           O SR. JOSÉ SERRA (PSDB-SP. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, tem-se discutido nesta Casa um projeto de lei vindo da Câmara dos Deputados, tratando, entre outras coisas, da abertura de cassinos no Brasil.

           Essa tese da abertura dos cassinos tem contado com o apoio significativo da opinião pública, pelo menos entre políticos, artistas, radialistas e o setor de hotelaria. Eu diria até que existe quem pense em ressuscitar artistas como Grande Otelo, Ivon Cury, Dalva de Oliveira, artistas famosos que, nos anos 40, nos tempos do Cassino da Urca, encantavam os freqüentadores e o País.

           Por que o apoio aos cassinos tem tido um certo significado?

           Creio que, em primeiro lugar, é porque a campanha a favor dos cassinos é bem organizada e conta com recursos dos interessados na exploração dos negócios; portanto, é uma campanha que realmente tem uma certa abrangência nacional.

Além disso, Srªs. e Srs. Senadores, a campanha a favor dos cassinos concentra-se em uma tese bastante simples, embora falsa - advirto - e que é também fácil de entender. Diz-se que, erroneamente, cassinos significam mais empregos para o Brasil, podendo representar um instrumento de desenvolvimento para o País.

Entre os interessados nos cassinos há brasileiros/ estadunidenses - pessoas que, provavelmente, têm dupla nacionalidade e podem estar ligados à máfia norte-americana - que estão empenhados em fazer negócios no Brasil. Existem, também, pessoas sérias, mas crédulas nos efeitos desenvolvimentistas do jogo. Há, ainda, quem argumente que a proibição dos cassinos fere os direitos individuais. Aliás, dizer que proibir cassinos violenta o interesse individual é uma tese que poderia ser utilizada, por exemplo, para liberarmos o consumo do crack e da cocaína; e até para levantarmos a obrigatoriedade de utilização de cintos de segurança, evidentemente.

Já os oponentes do jogo estão dispersos e têm motivações muito diferentes: religiosas, éticas, morais e até mesmo econômicas. Apesar dessa dispersão, diria que tais oponentes têm argumentos. Vou apresentar alguns de natureza econômica, digamos assim. É importante que tenhamos presente que os cassinos não trariam recursos do exterior para o Brasil. Dificilmente um turista viria ao Brasil para jogar, deixando de fazê-lo em Las Vegas ou em Monte Carlo. Não vejo por que estrangeiros ricos, que viajam para jogar, teriam um “acesso de verde-amarelismo”, indo jogar no Oiapoque ou no Chuí em vez de jogarem em Monte Carlo, Las Vegas ou Viena. Ao mesmo tempo, não creio que brasileiros ricos que atualmente viajam para jogar no exterior deixem de fazê-lo. Eles não têm interesse de aparecer em reportagens da revista Caras, muito menos de serem alvo de fiscais do Imposto de Renda à procura de demonstrações externas de riqueza por parte de contribuintes. Não creio que queiram expor-se a esse risco.

Portanto, estou convencido de que o dinheiro estrangeiro, dólar, não virá com a instalação de cassinos; aliás, ao contrário, diria que a tendência é enviarmos dólares ao exterior. Grande parte ou pelo menos os mais importantes cassinos seriam de propriedade de estrangeiros, e, portanto, seriam enviados recursos para o exterior, fruto de lucros e dividendos distribuídos em dólar. Ou seja, os jogadores brasileiros perderiam, esse dinheiro, em parte, seria convertido em dólar e enviado ao exterior. Uma maravilha em matéria de utilização das escassíssimas divisas e da crise do balanço de pagamentos que enfrentamos nesse final de século. Estou convencido, também, de que os cassinos, domesticamente, não geram empregos líquidos. Há uma ilusão a esse respeito.

De onde vem o dinheiro dos cassinos? Dou como exemplo os Estados Unidos, onde a receita dos cassinos em 1995 e 1996 está próxima dos US$50 bilhões. De onde vem essa receita? Cassino não gera riqueza, não agrega riqueza. Essa receita vem do bolso daqueles que perdem, e, como se sabe, o cassino existe porque as pessoas perdem, o cassino não perde nunca.

Ocorre que pessoas, famílias privam-se de recursos para deixá-los nas mesas de jogo. Ao fazerem isso, essas famílias gastam menos com a educação de seus filhos, na saúde, na compra de um automóvel, de uma geladeira, de uma roupa, para jogar no cassino. Portanto, não há um aumento de demanda na economia, não há um aumento do nível de emprego. Não! Cria-se empregos nos cassinos e diminui-se o emprego em outros setores. Se assim não fosse, teríamos inventado uma mágica para o desenvolvimento. Não haveria as “biafras” ou as “bangladeshs” da vida, bastava instalar cassinos para gerar renda e emprego. Isso é uma fantasia!

Quando falamos de geração de empregos e de renda, temos de pensar nos efeitos líquidos, ou seja, no que se cria e no que se destrói. A criação e a destruição se anulam quando não pioram a situação, porque se deixa de comprar os produtos dos setores produtivos para comprar, simplesmente, a desgraça da perda no jogo. Então, temos de tomar cuidado com análises pseudo-econômicas nesta matéria.

Em terceiro lugar, alguns políticos poderão dizer: “É verdade, o Brasil não ganha, mas a minha região, o meu município e o meu Estado ganham.” Será? Quando analisamos a questão mais detidamente, percebemos que não é bem assim. Qual o proveito que uma região, um município ou um Estado podem tirar de um jogo? O proveito que tiram deve ser medido pela diferença entre o que os jogadores que vêm de fora perdem menos o que perdem os jogadores locais, acrescido dos custos. O jogo implica custos com justiça, com penitenciárias, com repressão ao crime, com assistência social às famílias dos jogadores compulsivos, entre outros. Mais adiante apresentarei números que demonstram isso.

Mais ainda: os cassinos do Brasil, por esse projeto de lei, proliferarão. Por quê? Porque o projeto de lei prevê a criação de, no mínimo, um por Estado e, a partir da regulamentação, tantos quantos se desejem. Isso vai implicar o quê? Nenhum Estado vai ganhar do outro, mas vai haver uma “guerra do jogo”, como há hoje a “guerra fiscal”. Para se atrair , por exemplo, empresas montadoras de automóveis, há uma tremenda “guerra fiscal” no Brasil, assim como para outras atividades. Da mesma forma, vai haver “guerra de jogo” - Municípios e Estados vão dar dinheiro dos contribuintes para subsidiar a instalação dos cassinos. Portanto, ninguém vai levar vantagem. Haverá uma peleja feroz.

Lembro ainda de uma outra questão: costuma-se dizer que já existem cassinos clandestinos no Brasil e, assim, o melhor a fazer seria legalizá-los.

Ora, existe o consumo de crack, e não me consta que alguém defenda a sua legalização. Da mesma forma, existe o consumo de cocaína, heroína e maconha. Alguém está defendendo a sua legalização? Não. O fato de existir uma atividade que seja, no mínimo, contravenção não significa que tenhamos obrigatoriamente de legalizá-la e dar-lhe as condições para que prospere.

Também é dito que no Brasil há muito jogo. É verdade e alguns deles deveriam ser desautorizados pela lei. O Senado Federal deveria tomar uma providência a esse respeito. O “0900”, por exemplo, na verdade, é um jogo sem limites, sem freios, que explora as famílias, inclusive os jovens, criando situações concretas de perda de renda familiar, de um lado, e abusos e enriquecimentos, por outro lado.

A existência de tudo isso não obriga a que façamos mais; poderíamos fazer menos, mas não mais.

Por outro lado, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, creio que não estarei sendo cruel com as elites brasileiras se disser que elas tradicionalmente sempre exibiram uma macaquice com relação aos exemplos que vêm do Norte, mais particularmente dos Estados Unidos. Nossas elites sempre foram permeáveis a esses exemplos.

No entanto, a experiência norte-americana desaconselha a implantação de cassinos no Brasil e confirma os argumentos que apresento.

Farei uma análise da experiência do jogo nos Estados Unidos, com base em trabalhos científicos feitos no âmbito das universidades norte-americanas, publicados em revistas especializadas e em magazines internacionais, conceituados, como é o caso da The Economist, da Inglaterra.

Vejamos, em primeiro lugar, o caso do vício. O economista Ricardo Gazel, do Federal Reserve System dos Estados Unidos, mostra que, no Estado de Wisconsin, a dívida média dos jogadores compulsivos é de US$35 mil. Nesse mesmo Estado, 60% dos jogadores compulsivos declararam que já pensaram em suicídio e 20% tentaram se suicidar. De fato, cada jogador viciado de Wisconsin custa de US$10 mil a US$30 mil por ano ao Governo, que tem de assisti-los. Ou seja, eles se tornam um problema. Há gastos com internações, com assistência às famílias, etc. Mais ainda: calculou-se que no Estado de Wisconsin cada jogador compulsivo deixa de produzir por ano cerca de US$3 mil. Não é difícil entender o porquê: a pessoa se arruina, se endivida, falta ao trabalho, rende menos. Será que temos de trazer essa situação ao Brasil? No total, Wisconsin despendeu em 1995 cerca de US$120 milhões com jogadores compulsivos. Seria muito bom que os políticos interessados no jogo, os governadores, os prefeitos prestassem atenção para esse número.

A badalada cidade de Las Vegas, tida como exemplar por todo o mundo, abriga uma das maiores concentrações de cassinos por metro quadrado. Nessa cidade, 8,5% da população, ou seja, 70 mil pessoas têm algum problema ligado ao jogo. É impressionante! No Estado de Nevada, onde se situa a cidade de Las Vegas, há o dobro de suicídios, comparativamente à média do Estados Unidos. Em Nevada, os índices de abuso e negligência - com crianças, por exemplo - são os maiores do país. Em nenhum outro estado americano há tantas mortes por quilômetro dirigido. É o Estado onde existem mais cassinos, o que não é uma coincidência. É impossível deixar de correlacionar esses fatos infelizes com a proliferação de casas de jogo.

O fato de os problemas sociais recrudescerem com a proliferação dos cassinos é inegável. Um estudo feito no Estado de Iowa em 1995 mostrou que 5,4% da população daquele Estado tinha algum problema sério com jogo, naquele ano, comparativamente ao dado de 1,7%, anterior à instalação dos cassinos.

Aliás, no Estado de New Jersey, no Nordeste dos Estados Unidos, um serviço público telefônico recebeu, no ano de 1996, 26 mil chamadas de jogadores desesperados com dívidas que passavam de US$31 mil.

Portanto, é muito importante que prefeitos, governadores, políticos que não querem falar de vício, mas estão sedentos por taxas e impostos que seriam arrecadados com os cassinos, prestem atenção a esses fatos: atrás das dívidas dos jogadores, vêm a perda de produtividade, as tentativas de desfalque e a inadimplência para com a Receita Federal norte-americana.

Um estudo feito em Maryland, em 1990, estimou que tais fatores causaram prejuízos de US$1,5 bilhões a esse Estado, tudo por causa do jogo.

Aliás, não é muito difícil adivinhar o que as pessoas fazem quando têm dívidas. Em primeiro lugar, elas deixam de pagar... Acertou em cheio quem pensou no caso dos impostos.

E a criminalidade? No mesmo Estado de Wisconsin, segundo estudos de Gazel e de professores da Oklahoma University e da University of Nevada, o número de crimes nesse Estado cresceu 6,7% após a abertura dos cassinos. Somados outros crimes que decorrem indiretamente do jogo, como, por exemplo, maus tratos e agressões feitas por viciados, essa proporção cresceu para quase 9%. Ou seja, o crime em Wisconsin aumentou 9% por causa da instalação dos cassinos. E mais ainda, o Instituto de Seguros dos Estados Unidos fez uma avaliação e concluiu que 40% dos crimes de colarinho branco do país estão relacionados direta ou indiretamente com o jogo.

Ora, sabemos da preocupação que o País inteiro hoje tem com a questão da segurança. Vamos importar essas mazelas? A troco do quê? Por que dar essa demonstração de verdadeiro masoquismo com relação às condições de vida do nosso País que já tem tantos problemas para enfrentar?

Por que o jogo aumenta o crime? Evidentemente, porque o volume de dinheiro que circula em torno do jogo é suficientemente alto para atrair dinheiro sujo, ligado ao tráfico de drogas, às redes de prostituição e à delinqüência. Isso é evidente; já faz parte até da cultura artística norte-americana. Um dos grandes veios de exploração para os filmes de Hollywood, permanentemente, são os delitos e as tramas que se desenvolvem em torno das atividades dos cassinos.

Há também um outro fenômeno que os economistas chamam de desvio de renda ou canibalização de atividades. Em Atlantic City, por exemplo, onde foram abertos cassinos no final dos anos 70, 50% dos restaurantes da cidade fecharam suas portas, porque foram abertos restaurantes dentro dos cassinos, com comida subsidiada. Os cassinos subsidiam o hotel e a comida para que os jogadores fiquem dentro do cassino, joguem e percam dinheiro. Isso acarretou fechamento de restaurantes na cidade; portanto, desemprego, por outro lado.

Outro exemplo: em 1995, no Estado de Illinois, a operação de cassinos provocou perdas de US$1,9 bilhões para o comércio local. É extraordinário: as pessoas deixam de comprar para jogar ou fazerem compras dentro do cassino, que é subsidiado, para que elas percam mais dinheiro lá. São prejuízos que decorrem, evidentemente, do dinheiro gasto no jogo - quero insistir nisso - e não de uma concorrência sadia, de chegada de capitais, etc. Nesse mesmo Estado, os efeitos “positivos” trazidos pelos cassinos, incluindo pagamento de salários aos crupiês, aos funcionários etc., totalizaram quase US$1,8 bilhões. Mas, depois que contabilizamos o que se perdeu, constatamos um prejuízo de US$125 milhões no total, porque se perdeu mais do que se ganhou.

Quanto à possível atração de turistas pelo jogo - ainda olhando a experiência norte-americana -, pergunto às Srªs e aos Srs. Senadores e aos que nos ouvem, se conheceram uma só pessoa que viajou a Illinois, a Iowa, a Wisconsin ou a Dakota do Sul, nos Estados Unidos, para jogar porque lá está autorizada a abertura de cassinos. Bobagem. Isso não atrai turismo para lá; vão todos para Las Vegas. Las Vegas é um fenômeno único no mundo. Imaginar reproduzir Las Vegas aqui é mais inviável do que montar uma peça de ópera no Acre, no começo do século, como foi registrado naquele filme do Fassbinder. Portanto, o fato é que, quando somamos tudo, vemos que o resultado é negativo. O Estado de Illinois perdeu, em 1995, também no balanço geral, US$287 milhões. E, vejam bem, esse resultado negativo não leva em conta gastos com Polícia e outros adicionais.

Na verdade, a proliferação dos cassinos nos Estados Unidos serviu ao grupo que explora o jogo. Para quem o explora, é um bom negócio. Só não o é para o país, nem para a região, nem para a sociedade. Essa é a realidade. Creio - insisto nisso - que muitos brasileiros que hoje apóiam a idéia do jogo o fazem de boa-fé. Há outros que não; querem ganhar com isso, ou estão ligados à máfia lá de fora e coisas do gênero. Mas há muita gente de boa-fé que está enganada.

O fato é que corremos o risco de atrair problemas que hoje não temos, como se não bastassem os que já possuímos. Lembro-me de um mágico norte-americano, um ilusionista mais famoso, à época, do que o David Coperfield, que se chamava Houdini. Muitos já tomaram conhecimento da história desse cidadão por meio de um filme estrelado por Tony Curtiss. Houdini tinha a seguinte especialidade: amarrava-se com correntes e cadeados e era colocado no fundo do mar ou à borda de precipícios, desvencilhava-se de tudo isso e se salvava. Um dia ele se amarrou tanto, que ficou embaixo da água e morreu. É como se o Brasil procurasse fazer isso. Já temos tantos problemas na economia, problemas de câmbio e juros, na sociedade temos o problema das drogas, do contrabando. Então, por que vamos procurar um cadeado a mais? Que conseqüência poderá trazer no futuro essa febre de se procurar cadeados para nos amarrarmos? Num certo momento, poderemos não vir mais à tona.

Além disso, não posso deixar de dissociar a idéia dos cassinos de um certo culto ao consumo supérfluo e de um entendimento de que o progresso econômico e social pode ser alcançado de maneira mágica. Outro dia, chegando a minha casa, próximo de uma praça, havia uma faixa com os seguintes dizeres: “aprenda inglês dormindo”. Esta é um pouco da mentalidade que existe: aprenda inglês dormindo; emagreça comendo; faça ginástica deitado; desenvolva-se criando cassinos. São coisas desse nível. Não tem nada a ver com aquilo que necessitamos para o nosso futuro, que, no mínimo, passa pela consagração do trabalho e do esforço, combinados à justiça social, esta sim de responsabilidade do Poder Público, incluindo o Senado Federal.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Senador José Serra, V.Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ SERRA (PSDB-SP) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Ao terminar o seu pronunciamento, V. Exª assinalou talvez aquele que seja o argumento de maior força na decisão que o Senado deverá tomar referente à legalização ou não do jogo de cassinos no Brasil. Na verdade, esse projeto resultou da modificação de projeto originalmente do Deputado José Fortunatti, que não tinha propriamente o propósito de regulamentação do jogo de cassinos, mas de algo que constitui um fenômeno importante até da cultura da sociologia brasileira: o jogo do bicho, que ele imaginava poder regulamentar. Diz V. Exª que precisamos sobretudo de um desenvolvimento que leve em conta valores importantes. Esses valores, de fato, não são a característica que se encontra em cassinos. Se quisermos um desenvolvimento saudável, possivelmente não é aquele que se encontra tipicamente em cidades ou nas práticas que existem em Las Vegas ou em outras que V. Exª mencionou. Tenho ouvido inúmeros argumentos daqueles que consideram que seria adequado para desenvolver a atividade econômica ou para evitar que brasileiros, ao invés de estarem no Brasil, procurem Foz do Iguaçu ou Punta del Este ou cidades na fronteira com o Paraguai ou outros países para realizarem jogo livremente. Parece-me que são razoáveis os argumentos que V. Exª pondera de que os efeitos econômicos decorrentes dessa possibilidade não são de tal monta a nos convencermos de que o cassino ou jogos no Brasil seriam saudáveis. Há muitos prós e contras à regulamentação de cassinos. De um lado, o argumento ponderável que alguns apresentam é o de que, se houvesse a regulamentação, poder-se-ia arrecadar impostos referentes a essa atividade. Entretanto, V. Exª procurou mostrar que realmente isto não vai acontecer com o efeito líquido positivo, e é importante o estudo que traz a respeito. Ponderou V. Exª, em certo momento, que não haveria quem estivesse argumentando a legalização do uso de algum tipo de droga. É fato que, seja para a heroína, seja para a cocaína, e assim por diante, não há quem esteja defendendo a sua legalização. Todavia, há casos como o de uma juíza que fez um pronunciamento de repercussão esta semana em São Paulo, ponderando que poderia haver a descriminalização sobretudo para os usuários de certos tipos de drogas. Entre todas as vantagens e desvantagens, considerou, com sua experiência de juíza, que esse tema deveria ser examinado com seriedade, oferecendo argumentos favoráveis à descriminalização pelo menos de algum tipo de droga. Poderíamos até entender que o próprio álcool e o fumo são também drogas que acabaram sendo legalizadas em função do seu uso intenso por grande parte da população. Países como os Estados Unidos tiveram a Lei Seca e depois acabaram liberando o consumo, resultando num desenvolvimento tal que, hoje, mais e mais se coíbe, por exemplo, a atividade do fumo, considerado muito prejudicial, não devendo por isso ser legalizado. V. Exª trouxe argumentos muito importantes para que o Senado Federal esteja bastante consciente sobre a decisão que terá de tomar. V. Exª trouxe organizadamente elementos essenciais para a decisão que, em princípio, deverá não se legalizar. Não creio que seja uma prioridade tão significativa essa de estarmos legalizando o jogo hoje, pelo menos por todos os argumentos apresentados. V. Exª deu uma contribuição importante nessa direção.

O SR. JOSÉ SERRA (PSDB-SP) - Muito obrigado, Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. JOSÉ SERRA (PSDB-SP) - Concedo o aparte ao Senador Pedro Simon.

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Senador José Serra, também considero muito oportuno e competente o seu discurso. Aliás, já havia lido na Folha de S. Paulo o pronunciamento de V. Exª, que teve a gentileza de distribuir aos Parlamentares um estudo comparativo da maior profundidade com relação a essa matéria. Creio que V. Exª está tomando uma posição realmente digna de ser analisada. Na minha opinião, esse assunto passou sem o devido estudo na Câmara e na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Nas duas oportunidades em que estava naquela Comissão, conseguimos, nas discussões, levar esse assunto adiante. Surpreendentemente, na minha opinião, o assunto foi votado e aprovado até com maioria exagerada. Na Comissão de Economia, V. Exª teve a competência de levantar o debate, e eu tive a felicidade de assistir ao pronunciamento de V. Exª, no qual se toma, em primeiro lugar, uma decisão: este não é um assunto para se passar correndo por ele. Não há nada que determine a obrigatoriedade de votarmos, de maneira açodada, favoravelmente a esse projeto. Este, sim, é daqueles projetos que exigem amadurecimento e cuja tramitação deve ser normal. Surpreende-me principalmente - e V. Exª salientou este aspecto no seu pronunciamento de ontem na comissão e no de hoje na tribuna; e eu venho tratando do assunto já há algum tempo da tribuna do Senado - o tal “0900”. O que está acontecendo com a televisão é realmente um absurdo! A televisão brasileira é hoje um cassino entrando em todos os lares. Todas as pessoas, de quatro ou cinco anos estão expostas a isso. E V. Exª responde com muita clarividência: “basta apresentar um projeto proibindo”. Quero dizer que provavelmente eu vá apresentar esse projeto. Quando assisti ao pronunciamento de V. Exª ontem, eu, que cobrava sempre, cheguei à seguinte conclusão: “o Senador José Serra tem razão; vamos pelo menos discutir e tentar impugnar isso”. O que está levando à legalização do jogo é o argumento de que todo mundo joga. Se todo mundo joga, por que vamos proibir o jogo? Tem V. Exª razão quando diz que há tantas coisas feias que tanta gente faz e nem por isso vamos alterar o Código Penal ou legalizar os absurdos que lamentavelmente são praticados, a começar pela comissão paga para cometer ilicitudes. Creio que V. Exª já teve um mérito, que foi o de levantar o debate. E V. Exª teve um segundo mérito de não permitir que o assunto fosse levado a toque de caixa na Comissão de Assuntos Econômicos. Vamos sentar, debater e realizar audiências públicas. Vamos discutir o assunto com a profundidade que merece. Sou muito sincero. Em um ano eleitoral, um ano em que o Governo está falando em reformas e modificações, será que há urgência nesse projeto? Será que é para esse projeto caminhar a toque de caixa? Repito: é o tipo de projeto que não demanda nenhuma urgência. É o tipo de projeto sobre o qual, baseado no estudo de V. Exª, poderia até ser realizado um seminário no Congresso Nacional para ouvir os argumentos de um e de outro lado. Mas, se for para votar com pressa, como estão querendo, sinceramente, com a maior tranqüilidade, voto contra.

O Sr. Leomar Quintanilha (PPB-TO) - Senador José Serra, V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ SERRA (PSDB-SP) - Pois não, nobre Senador Leomar Quintanilha.

O Sr. Leomar Quintanilha (PPB-TO) - Nobre Senador, gostaria de participar do debate porque entendo ser algo momentoso e significativo para a sociedade brasileira, notadamente agora que V. Exª traz uma argumentação sólida e consistente para construirmos uma resistência a esse esforço que se faz para a aprovação dos cassinos no Brasil. Confesso que eu via com simpatia a legalização dos cassinos e de outras modalidades de jogo no Brasil, justamente com aquela argumentação, que V. Exª acentua ser falsa, de que crescerá o número de empregos, de que aumentará a receita e de que atrairá investimentos externos. Agora há pouco discutíamos a Lei Pelé. Nela está inserido um texto que não só discute os bingos, que já eram autorizados pela legislação anterior, Lei nº 8.672, mas também permite uma ampliação da atividade de jogos aqui no Brasil. Notamos, com uma certa preocupação, que há determinados artifícios que permitem que o jogo se amplie em diversas modalidades, como o 0900, como aquilo que dizem ser “títulos de capitalização” que a televisão Globo e o SBT levam ao ar. Enfim, há uma multiplicidade muito grande de ações que exaurem a economia popular. É preciso realmente que se faça um estudo mais aprofundado para verificar se há uma contrapartida positiva para a legalização de jogos no Brasil. Cumprimento V. Exª pela oportunidade de trazer à Casa o debate mais uma vez. E comunico que, em razão desses argumentos, vou estudar e aprofundar mais o assunto, para que, juntos, possamos discutir questão tão importante para o Brasil.

           O SR. JOSÉ SERRA (PSDB-SP) - Muito obrigado, Senador.

           Queria agradecer as intervenções dos meus três colegas, que, com certeza, contribuem para o nosso debate. Queria ponderar, com base na sua intervenção, um outro aspecto. Veio um projeto da Câmara. O ex-Deputado, hoje Vice-Prefeito de Porto Alegre, José Fortunatti, que conheci pessoalmente, nunca sonhou com a idéia de cassinos. Ele elaborou um projeto que nada tinha a ver com esse assunto que foi emendado na Câmara, virou um projetão e veio para cá. O que foi votado agora na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania é o projeto da Câmara na sua íntegra, como se o Senado nada tivesse a dizer a esse respeito, como se não tivéssemos nenhuma contribuição a fazer.

           O 0900, a que os meus colegas aludiram, expressa uma tendência grave. Uma coisa é comprar um bilhete de loteria ou mesmo ir a um cassino. É uma decisão que a pessoa toma. O jogo que vem pela televisão entra sem pedir licença e acaba envolvendo pessoas que estão longe da maturidade para poderem tomar decisões, sob sua própria responsabilidade, a respeito de dinheiro, de apostas. E o dinheiro que vai para o 0900 deixa de ir para outras coisas. Em geral, na grande maioria dos casos, sai de gente pobre que está se privando de consumo, de um padrão educacional melhor, de um tratamento de saúde mais adequado, para tentar a sorte. Sabemos que, do ponto de vista coletivo, não há nada mais irracional. Aliás, quanto melhor vão os cassinos, mais a população está perdendo - isto aqui ou em qualquer lugar do mundo.

           Há também o fator que mencionei. De fato, não virão turistas do exterior para jogar no Oiapoque ou no Chuí em vez de jogar em Monte Carlo ou Las Vegas. Francamente, nem brasileiros ricaços deixarão de ir para esses lugares para ir jogar no Oiapoque ou no Chuí. Quero dizer que não tenho nenhuma implicância com essas duas regiões; cito-as apenas porque representam os extremos geográficos do nosso País - aprendemos isso no primeiro ano do curso primário. São exemplos representativos daquilo que podemos oferecer em matéria de localização regional dos jogos.

Portanto, creio que o Senado tem obrigação de considerar esses aspectos e, Senador Pedro Simon, elaborar um projeto de lei ou fazer emendas a esse próprio projeto tratando do “0900”, dos bingos - que se transformaram em um abuso - e de outras questões também.

Gostaria, no entanto, de falar em desfavor dos cassinos com relação a outros jogos - não o “0900”, que considero até pior. O cassino tem mais poder de estimular a compulsividade e a impulsividade. Por isso, os cassinos funcionam 24 horas por dia, o hotel e a comida são subsidiados, para que as pessoas possam perder mais, na compulsão que se apossa delas. Há, portanto, também esse aspecto que devemos levar em consideração ao argumentar que, se já existem determinados jogos, pode criar-se outros. Eu, pessoalmente, não gosto de nenhum tipo de jogo, porém os argumentos que apresentei aqui não são de natureza ética - embora os considere absolutamente legítimos e os tenha. Concentrei-me nas questões de natureza econômica porque aí são encontradas as principais justificativas para o jogo, justificativas que, a meu ver, não têm sustentação na análise econômica nem na experiência dos Estados Unidos.

As nossas elites, doentes pela macaquice dos exemplos que vêm do norte, deveriam debruçar-se sobre estes para verificar que seria contraproducente para o Brasil autorizar a proliferação de casas de jogo, de qualquer tipo de jogatina.

Muito obrigado ,Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/03/1998 - Página 4541