Discurso no Senado Federal

DISTORÇÃO DA POLITICA DE APLICAÇÃO DOS RECURSOS DE SAUDE NO BRASIL. COMENTARIOS AO PROJETO DE LEI DO SENADO 55, DE 1998, DE SUA AUTORIA, QUE DISPÕE SOBRE AS TRANSFERENCIAS INTERGOVERNAMENTAIS DE RECURSOS FINANCEIROS PARA A AREA DE SAUDE E DA OUTRAS PROVIDENCIAS.

Autor
Waldeck Ornelas (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Waldeck Vieira Ornelas
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • DISTORÇÃO DA POLITICA DE APLICAÇÃO DOS RECURSOS DE SAUDE NO BRASIL. COMENTARIOS AO PROJETO DE LEI DO SENADO 55, DE 1998, DE SUA AUTORIA, QUE DISPÕE SOBRE AS TRANSFERENCIAS INTERGOVERNAMENTAIS DE RECURSOS FINANCEIROS PARA A AREA DE SAUDE E DA OUTRAS PROVIDENCIAS.
Publicação
Publicação no DSF de 19/03/1998 - Página 4550
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • CRITICA, INJUSTIÇA, DESIGUALDADE REGIONAL, PRIVILEGIO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DISPARIDADE, APLICAÇÃO, VERBA.
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, OBJETIVO, APERFEIÇOAMENTO, INVESTIMENTO, SAUDE PUBLICA, BRASIL, DESCENTRALIZAÇÃO, MUNICIPIOS, PROPORCIONALIDADE, POPULAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO.

O SR. WALDECK ORNELAS (PFL-BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a questão da saúde no Brasil afeta o cotidiano não apenas desta Casa, mas de toda a sociedade brasileira. Por mais de uma vez, tive a oportunidade de ocupar a tribuna para referir-me a esse assunto. Numa dessas oportunidades, chamei a atenção para a má distribuição dos gastos com saúde no Brasil.

Considerados os dados relativos a 1996, em que os recursos do SUS representaram a ordem de R$50,24 por habitante na média nacional, houve Estado, contudo, que chegou a alcançar R$63,39. Apenas seis Estados se situaram acima da média nacional, e, muito sintomaticamente, são aqueles que dispõem de maior rede de saúde e de maiores recursos tecnológicos e, por via de conseqüência, são os mais ricos da Federação.

Sendo assim, fica demonstrada, muita claramente, a injustiça que é cometida no âmbito de uma política por si própria denominada de social. É preciso corrigir essas distorções. Tomemos o exemplo do Estado de Roraima, que - sabemos - é carente, pobre, subdesenvolvido e teve o menor valor per capita do País em 1996, com apenas R$25,41, ou seja, metade da média nacional e 40% do que conseguiu o Estado que teve a maior média.

A distribuição desses recursos por regiões, como tive oportunidade de chamar a atenção desta Casa, é feita da seguinte forma: a Região Norte, com 7,2% da população, recebe apenas 4,4% dos recursos; o Nordeste, com 29% da população e metade dos pobres do País, apenas 23,7%; o Sudeste, com 42,4% da população, 48,9%. O Estado de São Paulo, especificamente, com 21,6% da população, recebe 26,9% dos recursos, ou seja, dos 6,5% de acréscimo do Sudeste, abocanha sozinho 5,3%.

Há, pois, uma concentração de gastos no Sudeste e, dentro deste, outra concentração, o que mostra uma distorção: os Estados e as áreas mais pobres são os que recebem menos recursos per capita, falando de valores percentuais. Esta grave distorção na política de aplicação dos recursos no País o Governo Federal começa a corrigir, na medida em que instituiu o Piso da Atenção Básica.

Hoje, por sinal, houve no Palácio do Planalto uma solenidade em que quase mil Prefeitos receberam seu certificado de autonomia plena para gerir os recursos do SUS, voltados para a atenção básica da saúde, na base de R$10,00 por habitante. No entanto, isso ainda é muito pouco e não corrigirá essas graves distorções que se verificam na aplicação dos recursos de saúde em nosso País, porque, na origem da injustiça social, está o fato de que essa aplicação se dá em relação à produção, ou seja, ao faturamento, com a prestação não da atenção básica de saúde, mas da assistência médica que é feita via rede hospitalar.

Dessa forma, entre 1989 e 1995, os gastos com assistência médico-hospitalar passaram de 70% para 90% do total de gastos federais com saúde. Para se ter uma idéia mais precisa desse nível de concentração, basta ver que 40% dos recursos do SUS de transferência a Estados e Municípios são gastos com procedimentos de alto custo, que correspondem a apenas 4% do total de procedimentos. São números alarmantes.

Quando relatei, nesta Casa, a prorrogação da CPMF, para que tivesse sua vigência plena de 24 meses, chamei a atenção para o fato de que ela tinha-se tornado um mal necessário. E o Presidente Fernando Henrique Cardoso, hoje, em seu pronunciamento, convocou o Congresso a fim de que encontre soluções para um financiamento estável à área da saúde. Ora, é preciso que se reconheça, inclusive em relação à CPMF, cuja criação foi uma iniciativa legislativa tomada nesta Casa por um membro da Bancada da Oposição, que os recursos têm ido para a saúde, mas é preciso que haja justiça social no gasto, que este tenha eficácia, efetividade e seja bem-feito, ou seja, que a aplicação seja correta. Dessa forma, comprometi-me a apresentar, nesta Casa, um projeto de lei que buscasse atender a pelo menos algumas das várias dimensões e dos vários aspectos que as aplicações na Saúde, no Brasil, exigem.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, estou aqui para solicitar a atenção deste Plenário para o Projeto de Lei nº 55, de 1998, em que retomo alguns dispositivos da Lei Orgânica de Saúde que foram aprovados pelo Congresso, mas vetados em 1990, dentre os quais um que estabelece que a transferência deva dar-se independentemente das formalidades de convênio, que as transferências devam dar-se diretamente de fundo a fundo. Proponho que 75% dos recursos transferidos pela União à conta do SUS para Estados e Municípios sejam alocados com relação direta à população, ou seja, segundo o coeficiente de sua divisão pelo número de habitantes de cada Unidade da Federação e de cada Município brasileiro em atividade social. E, sobretudo nesse caso, quando se trata de preservar a própria vida humana, de assegurar condições adequadas de saúde, a unidade de medida é o homem; não existe outro critério mais justo.

Então, que 75% dos recursos sejam aplicados, sejam distribuídos proporcionalmente à população, e que metade desses recursos sejam obrigatoriamente transferida aos Municípios. É evidente que estamos estabelecendo que os Municípios devem preencher requisitos a fim de que possam receber esses recursos. Isso diz respeito exatamente à existência de um fundo de saúde, de um conselho de saúde, de um plano de saúde, de relatórios de gestão, da apresentação de contrapartidas de recursos. E a esse respeito estamos propondo no projeto que a União poderá estabelecer limites de contrapartidas, ou seja, de recursos que Estados e Municípios devem obrigatoriamente aportar ao setor de saúde e que tais percentuais, valores ou quantitativos sejam definidos anualmente na Lei de Diretrizes Orçamentárias, ouvido o Congresso Nacional.

Sr. Presidente, sugerimos também que 30% dos recursos aplicados pelos Municípios, Estados e União se destinem à atenção básica de saúde. O mínimo de 30%. E que as unidades que estejam aplicando menos do que este percentual aumentem suas aplicações à razão de 5% ao ano, de modo a alcançarem o patamar mínimo de 30% destinado à atenção básica de saúde de modo que possamos ter uma medicina preventiva no Brasil, uma atuação mais clara, evitando que o brasileiro adoeça ao invés de curá-lo depois que está doente. Nós que estamos vivendo na era da globalização, da economia internacionalizada, precisamos de recursos humanos qualificados; mas precisamos também de uma força de trabalho sadia, uma força de trabalho que tenha condições de atuar no mercado, que tenha condições de atender as suas necessidades.

Ora, vemos que, hoje, a situação da saúde pública no Brasil é muito grave e é preciso encontrar soluções. Sem dúvida que é preciso, com a reforma tributária, com o equilíbrio fiscal, destinar maiores recursos para o setor da saúde, mas só isso não basta. Não vamos atuar apenas de modo incremental, buscando agregar mais recursos ao setor. Vamos também trabalhar qualitativamente no sentido de estimular, de induzir, por meio de lei, de dispositivos estabelecidos pelo Poder Legislativo, que é a esfera legítima para fixar critérios e fixar parâmetros. Porque é preciso ver também que, com a sistemática, o mecanismo institucional constituído, o Executivo e o próprio Ministro da Saúde ficam presos a uma série de conselhos que tendem, naturalmente, a defender interesses cristalizados, defender situações que estão preexistentes, sem fazer as correções, sem promover os ajustes que são indispensáveis para termos, efetivamente, uma política de saúde socialmente justa.

Este caso da saúde é muito grave e mostra que também nessa área, como de modo geral nas políticas sociais - já tive oportunidade de chamar a atenção desta Casa -, temos tido um desequilíbrio institucionalizado.

As leis, as regras, os modelos, os parâmetros, estabelecem condições que prejudicam sempre as populações mais pobres em favor das populações mais ricas. Não estou sequer, no caso da saúde, chamando a atenção para o fato de que, enquanto nas regiões mais ricas a população conta mais com os planos de saúde, eles existem em proporção muito menor nas regiões mais pobres, até por falta de capacidade do poder de compra dessas populações. Estamos aí tratando do subsistema público de saúde, do subsistema que atende à população carente, que é o SUS. É aí que se tem que fazer justiça social.

Esse projeto de lei constitui um compromisso que assumi voluntariamente desta tribuna, mas ao qual cheguei a partir do momento em que constatei que o meu Estado da Bahia, sendo o 4º do País em população é o 21º nos recursos do SUS. Fui investigar e vi que, em relação a outros Estados mais pobres até que a Bahia, a situação é bem mais grave.

É preciso corrigir isso e a essa responsabilidade não pode fugir o Congresso Nacional e o Senado da República.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/03/1998 - Página 4550