Discurso no Senado Federal

TRANSCURSO DO DIA INTERNACIONAL PELA ELIMINAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO RACIAL, EM 21 DE MARÇO ULTIMO, INSTITUIDO PELAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), EM HOMENAGEM AQUELES QUE MORRERAM EM MASSACRE OCORRIDO NA AFRICA DO SUL. PARTICIPAÇÃO DE S.EXA. NO SEMINARIO 'SUPERANDO O RACISMO: BRASIL, AFRICA DO SUL E ESTADOS UNIDOS NO SECULO XXI', REALIZADO NA CIDADE DO CABO, AFRICA DO SUL, NO PERIODO DE 2 A 5 DE MARÇO DO CORRENTE, PROMOVIDO PELA INICIATIVA DE RELAÇÕES HUMANAS COMPARADAS DO SOUTHERN EDUCATION FOUNDATION (SEF).

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • TRANSCURSO DO DIA INTERNACIONAL PELA ELIMINAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO RACIAL, EM 21 DE MARÇO ULTIMO, INSTITUIDO PELAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), EM HOMENAGEM AQUELES QUE MORRERAM EM MASSACRE OCORRIDO NA AFRICA DO SUL. PARTICIPAÇÃO DE S.EXA. NO SEMINARIO 'SUPERANDO O RACISMO: BRASIL, AFRICA DO SUL E ESTADOS UNIDOS NO SECULO XXI', REALIZADO NA CIDADE DO CABO, AFRICA DO SUL, NO PERIODO DE 2 A 5 DE MARÇO DO CORRENTE, PROMOVIDO PELA INICIATIVA DE RELAÇÕES HUMANAS COMPARADAS DO SOUTHERN EDUCATION FOUNDATION (SEF).
Publicação
Publicação no DSF de 24/03/1998 - Página 4800
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
  • PARTICIPAÇÃO, ORADOR, SEMINARIO, DEBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, AFRICA DO SUL, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA).
  • ANALISE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, APARTHEID, PAIS ESTRANGEIRO, AFRICA DO SUL, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), BRASIL.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, em primeiro lugar quero agradecer a permuta feita pelo Senador Eduardo Suplicy, cedendo-me a oportunidade de estar aqui nesta tribuna.

Gostaria de agradecer também ao Senador Bernardo Cabral o compromisso solidário, bem como a manifestação feita como Presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, condição na qual S. Exª acompanhou todo o processo de discussão da Lei Pelé.

Estava contida no sentimento total desta Casa a prestação dessa homenagem ao Ministro Pelé. Apesar de ter alguns defeitos, o projeto é moralizador. Portanto, todos os esforços foram voltados para sua aprovação, pois acreditamos que essa lei dará grande contribuição ao desporto brasileiro.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial - 21 de março - é um dia muito especial porque resgatamos, tanto da História passada quanto da contemporânea, exemplos de práticas racistas abomináveis em nossos dias. A Organização das Nações Unidas instituiu esse dia em sinal de protesto pelo assassinato de 69 negros, em 1960, na África do Sul, quando se manifestavam pacificamente contra a obrigatoriedade de passaporte interno, exigido àquela época da população negra para locomover-se dentro de seus próprios territórios. Esse episódio ficou internacionalmente conhecido como o “Massacre de Sharpeville”, município ao sul de Joanesburgo.

Gostaria de registrar a minha presença no seminário “Superando o Racismo: Brasil, África do Sul e Estados Unidos no século XXI”. Já iniciei meu relatório sobre esse assunto e, hoje, dou-lhe continuidade. Esse seminário ocorreu na Cidade do Cabo, África do Sul, no período de 2 a 5 de março de 1998.

O evento foi promovido pela Iniciativa de Relações Humanas Comparadas do Southern Education Foundation (SEF), organização sem fins lucrativos localizada na cidade de Atlanta, na Georgia, Estados Unidos.

Passadas várias décadas dessa iniciativa da ONU, constatamos, constrangidos, que a discriminação racial está longe de se transformar em página virada da História mundial.

Tenho sentido essa dificuldade nos quatro mandatos que o Rio de Janeiro me proporcionou - o primeiro como Vereadora, dois como Deputada Federal e, agora, como Senadora da República - e tenho me dedicado incessantemente ao combate às desigualdades sociais e ao racismo, tanto no Brasil como no exterior. Contudo, todo esse trabalho ainda não foi suficiente para surtir resultados com que me pudesse conformar.

O racismo marcou drasticamente a História e provocou vários conflitos sociais que não trazem qualquer saudade.

A resistência dos grupos organizados contra manifestações racistas, especificamente o apartheid na África do Sul, o nazismo na Alemanha, o genocídio dos povos indígenas nas Américas e a exploração escravocrata nas nações colonizadas, foi e ainda é, um instrumento valioso no combate ao racismo velado.

Apesar de comprovada a falácia das teorias racistas, é grande sua influência na história do pensamento humano. Lembramos o genocídio dos judeus, que foram exterminados com a justificativa inconsistente de que eram “raça indesejável”. Já os negros e os índios foram perseguidos e exterminados quando não aceitavam submeter-se ao colonizador porque, nessa condição, eram considerados bárbaros, pagãos, desprovidos de humanidade e um perigo para o Estado Colonial.

Felizmente, já não existe entre nós o racismo institucionalizado, como na África do Sul. As nações afirmam respeitar a Declaração dos Direitos Humanos da ONU, que condena a discriminação por motivo de raça. Porém, isso é uma contradição das chamadas “democracias raciais”, que se apresentam teoricamente como tais, mas na prática ainda há fortes sinais de segregação racial.

Participando desse seminário, tive a oportunidade de ver o que aconteceu realmente em nossas relações raciais. A princípio, enfatizo, resumidamente, dois fatos que marcam as relações raciais nos Estados Unidos, já que comemoramos o Dia Internacional da Eliminação da Discriminação Racial.

A primeira luta pelos direitos civis nos Estados Unidos mudou a agenda racial no Brasil e no mundo.

Segundo, há uma grande comunidade negra organizada nos Estados Unidos, onde a situação mudou muito nos últimos anos. Atualmente, verifica-se grande divisão na sociedade, o que provoca o aumento de classes sociais.

No entanto, convém enfatizar que é a raça, e não a classe, que determina as condições de vida do cidadão, pois quem é pobre é negro. Verifica-se também uma diferenciação de cor entre as pessoas. Curioso é o combate, até mesmo pelos negros, das chamadas ações afirmativas. Há, ainda, o temor dos negros americanos de ficarem na situação dos negros brasileiros. Observa-se disparidade de riqueza entre brancos e negros. A quantidade de bens dos afro-americanos é muito menor. Poupança e vencimentos captam essas desigualdades.

Desde 1890, quando foram expulsos do Mississipi por chineses, os negros americanos vêm acumulando desvantagens em relação aos brancos. Hoje, eles têm dificuldade de acesso à propriedade e ao crédito. Há inclusive diferenças de 1% nas taxas de juros a serem pagas por eles. Esse é somente um detalhe do que está acontecendo naquele País.

Vejamos agora a situação do negro na África do Sul, cuja História é marcada por conflitos raciais e pelo regime racista do apartheid, instituído em 1911, quando uma série de leis consolidou o domínio dos afrikaners, descendentes de holandeses e dos ingleses, sobre a população negra, que constituiu ampla maioria.

A abolição das leis que sustentaram o regime racista e a eleição de Nelson Mandela em 1994 marcaram nova era, mas os problemas ainda persistem.

A África do Sul é um país rico. Mas um quarto da população mundial continua na pobreza - e aí se inclui também a África do Sul -; as políticas sociais atingem um setor minoritário da população, que é, em sua maioria, negra; 10% dos ricos ganham 51% da renda nacional, enquanto 0,4% da renda nacional está nas mãos dos pobres; o desemprego atinge 30% da população; o capital não está a serviço da promoção do ser humano, o que nos leva a concluir que é urgente nova meta e prioridades, ou melhor, é urgente reformular toda a estratégia de desenvolvimento na África do Sul.

Tenho alguns dados que considero extremamente relevantes e que marcaram essa questão nacional com relação ao racismo e à discriminação.

Em 1652, chegaram os holandeses, com as armas de fogo, e passaram a controlar a terra e seus recursos minerais, como a água - e sabemos que a água é fundamental para a vida de todos os seres humanos. E hoje a África do Sul depara-se ainda com esse problema.

Outro fato é que, em 1913, a Lei das Terras, baseada nos 300 anos de conquista, deu 14% das terras para os negros e 80% para os brancos. Essa foi uma questão muito discutida internacionalmente e também um fato que marcou - e ainda marca - a sociedade brasileira.

Recentemente, houve aqui um seminário promovido pela Fundação Cultural Palmares, em que foi enfocada a questão das terras dos quilombolas, remanescentes dos quilombos. Naquela época, também com base nos 300 anos de conquistas, foi dada aos negros menor parcela de terras, parte das quais foram tomadas, enquanto outras continuam ocupadas, mas em condições irregulares, desiguais.

Em 1700, na cidade do Cabo, havia mais escravos do que colonos. Observamos que a escravidão é um ponto que identifica Estados Unidos, Brasil e África do Sul, porque, naquela época, também estávamos passando por um cruel processo de escravidão. Naquela cidade, hoje linda e maravilhosa, os negros ainda passam por dificuldades, porque o apartheid não foi apenas uma segregação, mas uma questão ideológica, e hoje trabalha-se no aspecto psicológico daquele povo, que, para se integrar, levará algum tempo, ainda que se igualem as suas condições sociais.

Em 1838, a abolição fez com que o branco chegasse ao interior e, então, foi criada a lei para controlar o deslocamento dos trabalhadores.

São fatos que aconteceram na África do Sul e que, de certa forma, também nos Estados Unidos e no Brasil. Observamos que sempre os instrumentos são diferentes, mas o objetivo é o mesmo.

Em 1867, quando houve uma grande explosão da descoberta de ouro e de diamante na África do Sul, acirrou-se a questão racial.

A Lei Draconiana, durante 100 anos, desde 1838, marcou o trabalho industrial. Há o investimento diferenciado no capital humano. Em 1890, é criado uma lei para o ensino universal de crianças brancas.

Em 1893, apenas 20% dos sul-africanos, acima de 18 anos, estavam matriculados na primeira série. Os brancos representavam 60%.

Os números dessa pesquisa foram levantados por sul-africanos e americanos estudiosos da matéria.

A África do Sul continua implementando, neste momento, várias iniciativas que considero importantes e relevantes, porém pequenas, diante dos desafios e das desigualdades sociais geradas, quando se criou esse grande apartheid racial.

Nós, brasileiros, temos identificado essas desigualdades no País, inclusive nas palavras do Presidente da República, reconhecendo também a existência de discriminação racial.

A História está aí, mas faço questão de incluir em meu discurso a passagem bíblica que revela um ato de discriminação histórico, quando o Senhor dos senhores, Rei dos reis, Jesus Cristo, foi discriminado. Podemos trazer à lembrança os versículos 45, 46 3 47 do capítulo 2, do Evangelho do Apóstolo João, que transcrevo:

“Felipe encontrou Natanael e disse-lhe: Achamos aquele de quem se referiram os profetas, Jesus, o Nazareno, filho de José. Perguntou-lhe Natanael: De Nazaré pode sair alguma cousa boa? Respondeu Felipe: Vem e vê. Jesus viu Natanael aproximar-se e disse a seu respeito: eis um verdadeiro israelita em quem não há dolo!”

Ora, se até mesmo o próprio Senhor Jesus reconheceu que Natanael tinha virtudes e era o mesmo que acabara de cometer um ato de discriminação contra Ele, então podemos concluir que qualquer homem está passível da fraqueza que cometeu Natanael.

Isso serve para chamar a atenção de que também está em nós essa questão. É preciso haver uma mudança do ser humano. Não basta que tenhamos uma data como Dia de Combate à Eliminação da Discriminação.

Esse ranço intrínseco da natureza humana deve ser trazido à lembrança constantemente para que possamos, de uma vez por todas, extirpar do cotidiano contemporâneo tais práticas e limpar essa nódoa, que historicamente foi e é comum à espécie humana.

Por que temos essa preocupação? Porque vivemos numa sociedade fraterna - e aqui falamos da pluralidade da nossa sociedade brasileira. Queira Deus que possamos, neste exemplo, ter o sentimento suficiente para tornar essa data uma data de compromisso de todos nós, brasileiros, no combate à discriminação racial, não o deixando apenas por conta dos negros. Trata-se de fato relevante, e devemos festejar essa pluralidade ética existente no Brasil, fazendo deste momento dos afro-brasileiros um momento da sociedade e representando com dignidade este povo que canta e que é feliz.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/03/1998 - Página 4800