Discurso no Senado Federal

FALECIMENTO DO AMBIENTALISTA, PROFESSOR DURVAL, DEFENSOR DA PRESERVAÇÃO DAS DUNAS DE CABO FRIO. REPUDIO A DENUNCIA DO DEPUTADO ANTONIO JORGE SOBRE ALTOS SALARIOS DE PROFESSORES DA UNIVERSIDADE DE BRASILIA.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. ENSINO SUPERIOR.:
  • FALECIMENTO DO AMBIENTALISTA, PROFESSOR DURVAL, DEFENSOR DA PRESERVAÇÃO DAS DUNAS DE CABO FRIO. REPUDIO A DENUNCIA DO DEPUTADO ANTONIO JORGE SOBRE ALTOS SALARIOS DE PROFESSORES DA UNIVERSIDADE DE BRASILIA.
Publicação
Publicação no DSF de 24/03/1998 - Página 4827
Assunto
Outros > HOMENAGEM. ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, DURVAL, PROFESSOR, ATUAÇÃO, DEFESA, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, MUNICIPIO, CABO FRIO (RJ), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).
  • DESMENTIDO, INFORMAÇÃO, PRONUNCIAMENTO, AUTORIA, ANTONIO JORGE, DEPUTADO FEDERAL, SUPERIORIDADE, SALARIO, PROFESSOR TITULAR, PROFESSOR UNIVERSITARIO, PROFESSOR ADJUNTO, PROFESSOR CATEDRATICO, UNIVERSIDADE DE BRASILIA (UNB).

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, vou aproveitar esta segunda-feira para colocar em dia alguns compromissos que assumi e que não pude até agora responder.

UM HOMEM E A PAISAGEM

Longilíneo, verticalidade encimada por cabelos brancos, longos braços agitados pelo entusiasmo que, como magma incandescente, faz jorrar das camadas interiores de sua personalidade os rios encacheados de seus ideais.

Assim o conheci, um homem integrado na moldura das dunas de Cabo Frio, um lutador solitário que, ao tentar conservar a pureza das praias atacadas pelos dejetos civilizatórios, pela destruição selvagem do ecossistema, que o turismo irresponsável e a ganância especulativa potencializam, o Dr. Durval, como aquele alquimista fabricante de soldadinhos de chumbo, personagem dos Cem Anos de Solidão, ao trabalhar no espaço do impossível e do improvável, se não consegue expurgar totalmente da brancura das dunas de areia os seus inexoráveis inimigos, consegue manter a pureza de seus propósitos, decantar seus sentimentos, expungindo-os de suas impurezas, de suas pulsões egoístas, praticando a alquimia de sua própria superação interior, espiritual.

Como instrumento de trabalho, o professor Durval possui tão só grandes sacolas vazias, que seus braços incansáveis fazem encher de detritos lançados ao vento pela inconsciência de turistas que vivem presos no círculo de giz da fruição imediata, sem pensar em nosso reencontro com o devir, com o futuro, sem entender a inextricável ligação do homem com a natureza, da qual ele é um grão de areia nas imensas dunas do espaço e do tempo.

Neste mundo de hoje, de poluição sistêmica, do Estado financiador da contaminação industrial, atômica, espacial, bélica, o desvalido Durval colocou um grão de sonho em sua ação de aposentado no Rio de Janeiro para transformar seu escotismo ecológico numa verdadeira lição de vida. Se as dunas de Cabo Frio compõem uma moldura combinada com nosso personagem, a interação entre ambos permitiu que ele introjetasse um mundo exterior, transformasse as dunas interiorizadas no ser humano que é o Dr. Durval.

Peço que, ao registrar essas minhas palavras de homenagem à consciência ecológica personificada no Dr. Durval, a Mesa do Senado Federal receba o registro da publicação sobre o ecoturismo que contém referências ao escoteiro das dunas, ao preservacionista da brancura e do respeito.

O outro assunto que devo tratar em seguida tem relação direta com os quase 40 anos de magistério que exerci antes de assumir o meu mandato no Senado. Recebi uma denúncia e levei bastante tempo para apurá-las e infirmá-las ou não.

Tendo sido professor universitário toda a minha vida e tendo atuado como professor titular na Universidade de Brasília por duas décadas, fiquei estarrecido quando tomei conhecimento do discurso proferido pelo Deputado Antônio Jorge, em 28 de setembro de 1996, denunciando a existência do que chamava de “marajás do ensino superior”.

Entre diversas outras afirmações colocando em questão a lisura da administração daquela respeitada universidade, o Deputado salientava, na ocasião, que havia sido informado de que ali “os amigos do rei vão muitíssimo bem, enquanto os demais professores e servidores vão muitíssimo mal”. Procurou, então, S. Exª. obter informações acerca dos salários pagos naquela instituição para verificar as informações chegadas ao seu gabinete parlamentar.

Analisando a folha de pagamento da UnB, obtida em virtude de requerimento de informações aprovado em Plenário pela Câmara dos Deputados, o referido Parlamentar afirmou estar diante de “um escândalo sem precedentes nos anais da educação brasileira”. Tratava-se, tão-somente, da relação de rendimentos percebidos pelos servidores daquela universidade no mês de dezembro de 1995.

Relaciona, então, o Deputado Antônio Jorge em seu pronunciamento uma série de professores que teriam salários de marajá, chegando mesmo alguns a ultrapassar a casa dos R$30 mil. Causou-me espécie essa denúncia, particularmente em virtude de ter me dedicado ao ensino universitário por toda a minha vida e, ao cabo de 35 anos, perceber aposentadoria de professor titular, figura que substituiu o antigo catedrático, cargo vitalício conquistado por concurso público com defesa de tese, em torno de R$3.800,00.

Decidi apurar as denúncias obtendo informações mais detalhadas, abarcando um período de seis meses, para que eventuais alterações nos rendimentos não nos dessem impressão equivocada quanto aos valores percebidos mensalmente pelos professores e servidores da Universidade de Brasília. Dirigi, então, ao Presidente desta Casa, em 10 de julho de 1997, nos termos regimentais, requerimento a ser encaminhado ao Ministro da Educação e do Desporto, Sr. Paulo Renato de Souza, solicitando cópias das folhas de pagamento de todos os servidores da Fundação Universidade de Brasília, referentes aos meses de dezembro de 1996 a maio de 1997. Em setembro de 1997, recebi o material solicitado e determinei à minha assessoria que se debruçasse sobre os 12 volumes, contendo as folhas de pagamento de seis meses consecutivos de todos os servidores daquela Universidade. Assim poderia constatar se os salários tomados por base para o pronunciamento do Deputado Antônio Jorge representavam remuneração regularmente percebida pelos professores ou, caso contrário, se diziam respeito a uma situação específica, referente ao mês de dezembro, quando normalmente se acumulam alguns benefícios trabalhistas, como o décimo-terceiro salário, antecipação do salário do mês de férias e acréscimo de um terço sobre o salário regular do mês em questão. Já me chamara a atenção o fato de que, na relação tomada por base para o pronunciamento do Deputado Antônio Jorge, a maior parcela componente dos salários mais elevados se encontrava na coluna “variável”. Era necessário, no entanto, verificar se não se tratava de uma forma de dissimular remunerações absurdamente elevadas, tornando fixo o que deveria ser variável. A folha de seis meses consecutivos me permitiria comprovar ou não essa informação.

Após as cuidadosas análises realizadas pelo meu Gabinete, no entanto, concluí serem improcedentes as denúncias apresentadas no plenário da Câmara dos Deputados. Com todo o respeito pela iniciativa do Parlamentar que, naquela Casa Legislativa, exerceu com toda seriedade seu dever de apontar indícios de irregularidades na gestão da coisa pública, cumpre-me tornar público que, a partir do exame das folhas de pagamento da Universidade de Brasília, referentes aos meses de dezembro de 1996 a maio de 1997, nada foi encontrado em termos de remuneração regular que apontasse a existência de “supersalários”, como se costuma designar proventos elevados percebidos por servidores públicos de alguns órgãos. Os salários mais elevados correspondem a professores com mais de 20 anos de magistério, com vantagens pessoais acumuladas, muitas vezes em virtude de cargos em comissão exercidos em outros órgãos, em conformidade com a legislação vigente. Nesses casos, constatamos serem os salários líquidos em torno de quatro a cinco mil reais, conforme o caso. Nada absurdo, como vemos, para quem tem alto nível de especialização e mais de duas décadas de dedicação exclusiva, na maioria dos casos, ao ensino universitário.

É preciso, no entanto, termos a consciência das condições em que é exercido o magistério superior no Brasil. Um professor adjunto, cargo ocupado, por concurso, por profissionais detentores do título de doutor, tem um salário inicial da ordem de R$1.800. Um mil e oitocentos reais para alguém que ocupou os bancos das universidades, na condição de estudante, por pelo menos 12 anos! Isso porque a tradição acadêmica brasileira estabeleceu, já desde a década de sessenta, que antes do doutorado deve-se cursar o mestrado, diferentemente do que se faz em outros países, que abreviaram essa trajetória. Um professor assistente, com título de mestre, inicia a carreira com salário líquido de R$1.300. Vejam que estamos nos referindo a professores com carga de trabalho semanal de quarenta horas e dedicação exclusiva.

O fato é que nossos profissionais do ensino superior têm reconhecimento internacional, e o sistema universitário brasileiro possui centros de excelência com especialistas que freqüentemente são convidados a divulgar suas experiências no exterior. Note-se, por exemplo, que o salário de R$1.800, percebidos por professores doutores em início de carreira, é inferior ao de motoristas e auxiliares de nível médio em diversos outros órgãos públicos. Vemos, assim, a que ponto chegamos nessa trajetória em que sucessivos governos vêm relegando a educação a um patamar absolutamente secundário.

Esse fato tem implicações sérias e deve ser objeto de aprofundada reflexão, principalmente em um momento em que os planos do Governo FHC para a universidade brasileira incluem uma concepção perversa de autonomia, em que a instituição pública de ensino superior torna-se responsável por auferir recursos para seu funcionamento, desobrigando o Estado do compromisso social de fornecer educação gratuita e de qualidade.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/03/1998 - Página 4827