Discurso no Senado Federal

EXPLICAÇÃO SOBRE PROTESTO FEITO POR S.EXA. EXIGINDO AÇÕES MAIS CONCRETAS EM PROL DE MILHARES DE PARAIBANOS ATINGIDOS PELA SECA. DANOS A SAUDE PUBLICA GERADOS POR BRINQUEDOS E CHUPETAS IMPORTADAS DO EXTREMO ORIENTE.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL. ECONOMIA POPULAR.:
  • EXPLICAÇÃO SOBRE PROTESTO FEITO POR S.EXA. EXIGINDO AÇÕES MAIS CONCRETAS EM PROL DE MILHARES DE PARAIBANOS ATINGIDOS PELA SECA. DANOS A SAUDE PUBLICA GERADOS POR BRINQUEDOS E CHUPETAS IMPORTADAS DO EXTREMO ORIENTE.
Publicação
Publicação no DSF de 25/03/1998 - Página 4972
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL. ECONOMIA POPULAR.
Indexação
  • COMENTARIO, PROTESTO, ORADOR, REIVINDICAÇÃO, ADOÇÃO, GOVERNO FEDERAL, MEDIDA DE EMERGENCIA, GARANTIA, ABASTECIMENTO DE AGUA, MAIORIA, POPULAÇÃO, REGIÃO NORDESTE, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DA PARAIBA (PB), RESULTADO, AGRAVAÇÃO, SECA, REGIÃO.
  • DEFESA, NECESSIDADE, PROVIDENCIA, PODER PUBLICO, SOLUÇÃO, CONFLITO, COMPETENCIA, INSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA NORMALIZAÇÃO E QUALIDADE INDUSTRIAL (INMETRO), RECEITA FEDERAL, OBJETIVO, IMPEDIMENTO, ENTRADA, PAIS, MERCADORIA ESTRANGEIRA, AUSENCIA, CONTROLE DE QUALIDADE, FISCALIZAÇÃO, PREJUIZO, DIREITOS, CONSUMIDOR, USUARIO, BRASIL.

         O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB) - Continuo dizendo que estranho a atitude de V. Exª, mas este não é o caso. Vamos às nossas considerações.

         Sr. Presidente, fizemos algumas observações, durante todo este mês passado, sobre a inclemência do fenômeno da seca em nossa região. Fizemos mesmo um protesto, divulgado por todas as revistas, televisões e rádios, mostrando que temos necessidade de ações imediatas, pois a sede não pode esperar. Para quem tem água em suas torneiras, é muito cômodo demorar nas ações que visam a privilegiar - e seria como um pagamento de dívidas - aqueles que estão há doze meses sem uma gota d’água. Essas pessoas fazem filas quilométricas, com suas latas nas mãos, e recebem a água por meio de carros-pipa.

         Quando fiz meu protesto, vi com surpresa algumas pessoas dizendo que não ficava bem um Senador fazer um protesto usando latas. Latas, Sr. Presidente, usam dois terços das pessoas de meu Estado neste momento. As pessoas esperam dias com suas latas, chegam de madrugada para receber, só às seis horas da tarde, uma lata de água sem qualidade de consumo. Recebem uma lata para ser usada por famílias às vezes de 12, 13 ou até mesmo 14 pessoas.

         Antes de meu discurso, dou essa explicação para registrar que as ações, embora concatenadas, ainda não foram iniciadas.

         Sr. Presidente, no dia 11 de março, o Brasil comemorou o Dia Nacional do Consumidor. Essa data encontrou um País muito mais amadurecido e exigente no que tange aos direitos do consumidor e às relações de consumo de modo geral.

         Posso afirmar, sem risco de erro, ser a Lei n.º 8.078, de 11 de março de 1990 - o Código de Defesa do Consumidor - a lei que mais “pegou”, a mais popular e a que mais contribuiu para revolucionar o cotidiano dos brasileiros para melhor.

         Todavia, não me restringirei a tão-somente juntar-me às muitas vozes que merecidamente louvam essa importante conquista do conjunto da sociedade.

         Sirvo-me da oportunidade para levantar junto a este Plenário uma questão vital no âmbito das relações de consumo e do direito mesmo do consumidor, cuja tutela é dever do Estado, e que diz respeito à abertura desbragada da economia à importação, à ausência de uma política industrial do Governo e - por que não dizer? - à precariedade da fiscalização dos produtos importados.

         Os fatos que relato a seguir exemplificam de forma contundente o quão criminosas podem ser algumas importações de produtos aparentemente inocentes, trazidos ao Brasil dos chamados países asiáticos emergentes, onde os direitos do consumidor ainda são mera utopia.

         A renovada consciência da sociedade brasileira sobre seus direitos e deveres deve estender-se ao sistema de fiscalização e controle da qualidade de bens e serviços produzidos e importados pelo País. Não é possível que continue acontecendo o que vem ocorrendo, por exemplo, com os brinquedos e chupetas importados do Extremo Oriente.

         Rejeitados pelos países europeus e pela América do Norte, por não atenderem às condições mínimas para manuseio seguro pelas crianças daqueles países, esses brinquedos entram livremente no Brasil, sem que qualquer obstáculo lhes seja feito em nossos portos e aeroportos.

         Um entre os graves problemas que tais produtos apresentam reside na pintura que recebem em sua fabricação. São usadas tintas à base de chumbo, material comprovadamente cancerígeno, de uso proibido nos países mais desenvolvidos.

         Ora, quando se pensa que brinquedos e, pior ainda, chupetas estão freqüentemente na boca de nossas crianças, vê-se o perigo que o Estado brasileiro deixa entrar nos lares e escolas do País.

         Por que isso? Parece quase ridículo, mas esses produtos, sabidamente nocivos, entram no País sob o nariz da nossa Administração por um também ridículo conflito de competências ou, quem sabe, por uma rivalidade entre órgão públicos, sem respaldo sequer na lei.

         A Receita Federal é a responsável pelo controle de entrada dos produtos nos portos e aeroportos. O Inmetro - Instituto Nacional de Metrologia, Normatização e Qualidade -, do Ministério da Indústria , do Comércio e do Turismo, que deve fiscalizar a conformidade desses artigos, não pode agir nos pontos de desembarque. Ao Inmetro só é permitido o controle de qualidade e conformidade de produtos quando já estão distribuídos para serem comercializados no varejo.

         Por sua vez, a Vigilância Sanitária, que tem postos nos portos e aeroportos, só fiscaliza os produtos com destinação médica ou alimentar, ou que digam diretamente respeito à saúde das pessoas. Brinquedos, obviamente, não se enquadram nessas categorias.

         Vejam só, Srªs. e Srs. Senadores, o absurdo da situação: a Receita Federal só cuida da regularidade do processo de importação do ponto de vista tributário, o que permite que um produto sabidamente nocivo entre no mercado brasileiro e se espalhe por milhares de pontos de venda, porque não é feito qualquer controle de qualidade e conformidade dos lotes ao entrarem nos portos e aeroportos brasileiros.

         Se os processos de importação dos tais brinquedos e chupetas contêm certificados de conformidade dos artigos à lei brasileira, algo está seriamente errado nesses processos.

         Das duas, uma: ou as amostras testadas não correspondem aos produtos importados, ou nossos testes não verificam itens importantes da composição desses produtos, tal como o tipo de material usado na fabricação. No primeiro caso, trata-se de fraude e, portanto, de crime, se foi dado esse certificado; no segundo, de falha legal e de falta de consciência social.

         A conclusão a que se chega é a de que, desde que os impostos sejam pagos e a burra do Governo esteja cheia, danem-se os consumidores, mesmo que sejam crianças. É estranha essa nossa Administração, cuja responsabilidade é zelar pelos interesses da Nação.

         Mais estranho ainda é o fato de que, freqüentemente, os funcionários que liberam a entrada de produtos nocivos no País tornam-se consumidores desses produtos, expondo-se eles mesmos e seus familiares aos riscos advindos desse consumo.

         Por aí se vê quanto de educação cívica ainda falta ao brasileiro, ao servidor público, inclusive. Muito se tem que fazer em termos de educação do povo brasileiro. Não é pelo fato de se ter instrução formal e ocupar posto de importância na hierarquia social que se tem educação para a cidadania.

         Importar 70 milhões de brinquedos e 11 milhões de chupetas, sem qualquer controle de qualidade na chegada dos produtos ao País, como foi feito durante 1995 e 1996, é a mais absoluta irresponsabilidade com a saúde pública, ainda mais quando se sabe que, na origem, os controles de sanidade e qualidade são insuficientes. Seria mesmo o caso de punição por desleixo no cumprimento do dever público por parte dos responsáveis pela liberação de artigos importados nessas condições.

         Há conflito real de competência entre o Inmetro e a Receita Federal? Trata-se, pura e simplesmente, de ciúmes entre órgãos públicos que não querem ver outros metidos em sua seara? Seria falha de nossa legislação de controle de importações? Seria falta de recursos materiais ou humanos para desempenhar eficazmente a tarefa fiscalizadora?

         Qualquer que seja a alternativa ou as alternativas verdadeiras, a autoridade ministerial - e, se for o caso, a presidencial - deve agir para resolver o impasse em prol do bem público.

         O interesse nacional não pode ficar subordinado a querelas de burocratas, mas deve ser a inspiração para que os serviços de controle da sociedade sejam eficazes e protetores dos cidadãos.

         Há falta de regulamentação ou, ao contrário, há excesso de regras? Que o Poder Executivo ou o Legislativo, de acordo com as respectivas competências, tomem as iniciativas cabíveis para disciplinar, de modo simples e eficaz, as relações e procedimentos.

         Por que haveremos sempre de conviver com os conflitos, as inércias, as inépcias, as lacunas, as omissões, as falcatruas e todo tipo de mazela, que contaminam nosso aparelho social, quando quem acaba pagando o prejuízo é sempre o povo inocente? Ou melhor, a sua saúde!

         Leis, regulamentos e normas existem para serem cumpridos. O Estado existe para cumpri-los e cobrar seu cumprimento. A Justiça existe para, sob o império da lei, punir exemplarmente os que a desrespeitam.

         Não se justifica que, sob o pretexto de que é mais barato, importemos produtos danosos à saúde pública, cujas condições de produção são, por si só, um atentado aos direitos humanos, tal como acontece no Extremo Oriente com o trabalho quase escravo de filipinos, timorenses, chineses ou quaisquer outros.

         Os órgãos de vigilância sanitária e os de controle de qualidade de conformidade à legislação brasileira e aos padrões internacionais de consumo e de uso humano, bem como de bens e serviços devem ser fortalecidos e agir na entrada de produtos no País.

         Talvez, assim, o Brasil passe a ser visto como um país no qual o respeito à saúde pública e ao consumidor é prioridade do Governo e da própria sociedade.

         Muito Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/03/1998 - Página 4972