Discurso no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DOS 100 ANOS DE NASCIMENTO DO EX-SENADOR LUIS CARLOS PRESTES, IMPORTANTE LIDER POLITICO BRASILEIRO.

Autor
Roberto Freire (PPS - CIDADANIA/PE)
Nome completo: Roberto João Pereira Freire
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • COMEMORAÇÃO DOS 100 ANOS DE NASCIMENTO DO EX-SENADOR LUIS CARLOS PRESTES, IMPORTANTE LIDER POLITICO BRASILEIRO.
Aparteantes
Bernardo Cabral, Eduardo Suplicy, Esperidião Amin, Josaphat Marinho, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 26/03/1998 - Página 5076
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, LUIS CARLOS PRESTES, VULTO HISTORICO, EX SENADOR, LIDER, PARTIDO POLITICO, PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO (PCB), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), ANALISE, BIOGRAFIA, IMPORTANCIA, PARTICIPAÇÃO, HISTORIA, BRASIL.

O SR. ROBERTO FREIRE (Bloco/PPS-PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, embora não estejam presentes no plenário, mas nas dependências da Casa, na abertura do meu pronunciamento presto homenagem aos familiares do Senador Luiz Carlos Prestes - particularmente a sua viúva e minha conterrânea, Maria do Carmo Ribeiro - e ao Presidente de honra do nosso Partido, o companheiro Salomão Malina.

No momento em que damos início, no Senado Federal, às homenagens ao Senador Luiz Carlos Prestes, dentro das comemorações do Centenário do seu nascimento, antes de tudo, gostaria de fazer dois destaques preliminares. O primeiro é que esta rememoração se dá numa data muito cara ao homenageado e a milhares de brasileiros, o 25 de março, dia em que foi fundado, há 76 anos, o Partido Comunista no Território nacional. O segundo é pedir permissão para lembrar aos Membros desta Casa e salientar aos presentes que, assumido o meu mandato e ao fazer meu primeiro pronunciamento desta tribuna, em 31 de março de l995, abri-o da seguinte forma:

“Em 1946, com o apoio de milhares de brasileiros e amparado em forte movimento democrático e social, alimentado pela vitória dos aliados, sob o eixo nazi-fascista, foi eleito para ocupar uma vaga nesta Casa Luiz Carlos Prestes, cujo nome está inscrito definitivamente em nossa História. Pela primeira vez subiu à tribuna do Senado um homem definitivamente identificado com a causa socialista, fato por si só significativo para a vida política nacional.

Ao assumir também esta tribuna, e o fazemos com emoção e na condição de representante do PPS, partido sucessor das melhores heranças democráticas do velho PCB, rendemos nossas homenagens a Prestes e a tantos outros companheiros que dedicaram a sua vida, nas situações mais adversas, a causa do povo brasileiro, à superação do atraso econômico e da miséria, enfim, à causa da justiça.

Os tempos e as idéias são outros, à história cabe o julgamento de homens e ações, mas em nossa conduta como Senadores, esperamos honrar o nome daqueles que souberam colocar os interesses dos deserdados deste País acima de tudo, pautando-se sempre pelos princípios da ética e da moralidade pública. Assumimos a postura da continuidade e da ruptura: continuidade representada pela utopia, pela perseverança na luta por uma sociedade mais justa e solidária; ruptura pela superação de concepções como as do partido único, do estatismo como caminho para o socialismo, do estado centralizado e da submissão da individualidade ao império do coletivo.”

Era isso que falava quando aqui pronunciei meu primeiro discurso.

Falar de Prestes, ao contrário do que se possa imaginar, não é tarefa das mais fáceis. Além de uma personalidade que atravessou cerca de sessenta anos do presente século com uma vida longa e agitada, vivida em sua maior parte na clandestinidade ou numa semilegalidade, trata-se de um dos mais importantes líderes políticos da nossa história e cuja trajetória é das mais complexas e polêmicas, atraindo louvores e repúdios, simpatias e antipatias desmedidas. Seu carisma era tão forte, e construído num momento de grandes definições da identidade nacional, que o transformou em mito e lenda.

Talvez tenha sido o brasileiro, mesmo sem ter chegado ao poder, mais reverenciado em prosa, verso e nas artes plásticas por algumas das figuras mais expressivas do Brasil e do mundo. Foi motivo de romances (como Bruhaha, de Pedro Motta Lima, e o apaixonado O Cavaleiro da Esperança, de Jorge Amado), de poemas consagrados (como os de Raul Bopp e Mário de Andrade, do chileno Pablo Neruda, com o seus imorredouros e emocionantes versos lidos para milhares de brasileiros no histórico comício do Estádio de São Januário, em 1945, na então Capital da República, dos franceses Louis Aragon e Paul Éluard, do turco Nazim Hickmet, dos cubanos Nicolás Guillén e Marta Aguirre), de pinturas (como as de Cândido Portinari, Di Cavalcanti, João Câmara e Djanira), de dezenas de relatos históricos de autores consagrados como Lourenço Moreira Lima, Nelson Werneck Sodré, Abguar Bastos, Moniz Bandeira, Paulo Sérgio Pinheiro, para citar apenas alguns dentre eles, sem falar nos milhares de artigos em jornais e revistas, nacionais e estrangeiros.

Procurando cumprir da melhor forma a tarefa, por mais difícil que seja, tracemos um perfil, mesmo que sucinto, de um dos maiores revolucionários brasileiros, homem que viveu uma vida de sofrimento e de luta, sem desanimar e sem desistir, sem se vender, sem se curvar.

O desabrochar para a política

Nascido no dia 3 de janeiro de 1898, em Porto Alegre, Luiz Carlos era filho de Antônio Pereira Prestes e de Leocádia Felizardo Prestes, ele capitão do Exército, filho de um juiz de Direito, e ela professora, filha de um rico comerciante. Aluno e discípulo do militar brasileiro Benjamin Constant, que teve grande influência na difusão das idéias positivistas e republicanas no Brasil, Antonio Prestes foi uma pessoa identificada com o seu tempo e um lutador pelas grandes causas. Já Leocádia era descendente de uma família patriarcal, porém desde jovem enfrentou os preconceitos e os costumes de uma sociedade dominada pelos formalismos da vida mundana e, no início do século, pensava em trabalhar e ter sua independência econômica. Os dois eram amantes da cultura, leitores ávidos da melhor literatura brasileira e internacional, preocupados com questões da política e da justiça entre os homens.

Prestes teve uma infância de filho de oficial, transferido muitas vezes, de guarnição em guarnição, primeiro na capital gaúcha, depois no Rio de Janeiro, em seguida no interior do Rio Grande do Sul. Um dia o pai adoece e enfrenta uma longa enfermidade da qual não se curaria jamais. Quando ele morreu, residindo no então Distrito Federal, Luiz Carlos tinha menos de 10 anos. E sua mãe, Leocádia, assumiu então o controle da casa. Como o montepio de capitão era uma ninharia para sustentar os quatro filhos (Luiz, Lígia, Clotilde e Eloísa), ela foi dar aulas de música e de francês, e passou também a costurar.

Dona Leocádia pensava em encaminhar o filho para estudar Medicina, mas, por razões as mais diversas, entre elas as dificuldades financeiras. Prestes, aos 11 anos, entra no Colégio Militar do Rio de Janeiro. Concluídos os estudos ali, e considerado o melhor aluno desde a fundação do Colégio, passa para a Escola Militar de Realengo, de onde sai Tenente de Engenharia, em 1920, como o primeiro da turma. Sua educação, feita sob a influência direta de sua mãe, Leocádia, dentro de rígidos padrões morais, cultivara nele a aversão por qualquer injustiça.

Seu primeiro trabalho foi no Batalhão Ferroviário, para onde foi mandado a fim de construir ramais da Estrada de Ferro Central do Brasil, no subúrbio de Deodoro. Não fora estar acamado, com febre tifóide, teria participado do levante de 5 de julho de 1922, quando oficiais e cadetes da Escola Militar levantaram armas contra o governo oligárquico de Epitácio Pessoa. Foi a Epopéia dos 18 do Forte, talvez o início de todo um ciclo tenentista no Brasil.

Restabelecido da enfermidade, Prestes, como muitos outros oficiais sediados no Rio, conseguiu uma licença e logo depois sua transferência para a guarnição do Rio Grande do Sul, indo trabalhar como engenheiro-fiscal da construção de quartéis no interior do Estado. Após denunciar desvios de verbas e irregularidades nas obras, é mandado para dirigir um trecho da estrada de ferro que ligaria a vila de Santo Ângelo a Comandaí, na zona das Missões, em território gaúcho.

Manifestando-se contra os erros e irregularidades do Governo Bernardes, oficiais voltam a conspirar, em vários pontos do país. No dia 5 de julho de 1924, o General Isidoro Dias Lopes e o Major Miguel Costa chefiam em São Paulo um novo levante, dominando a cidade, com seis mil homens em armas, até o dia 27 e, a fim de continuarem a luta, descem com as tropas para Bauru, e em seguida para Foz do Iguaçu, tendo perdido já metade do seu contingente. É então que, em 29 de outubro, Prestes, com apenas 26 anos de idade, levanta o Batalhão Ferroviário de Santo Ângelo, dali seguindo para Santa Catarina, até chegar a Foz, levando a idéia de convencer os chefes militares da necessidade de fazer uma guerra de movimento, de abandonar no Paraná as tropas governistas e partir através do Brasil, mantendo a revolta e esperando novos levantes. Prestes mostrara, em cinco meses de lutas e vitórias que sua proposta era viável. E ganhou os revoltosos para ela e assim teve início a grande marcha, cujo comando dos homens foi dado ao Major Miguel Costa e ao Capitão Luiz Carlos. Prestes era, naquele movimento, então, hoje conhecido por todos como a Coluna Prestes apenas um homem revoltado com a forma como se governava o Brasil.

Durante três anos, as forças sob o comando de Prestes percorreram vinte e cinco mil quilômetros, enfrentando as tropas governistas e sem serem esmagadas. Esta foi a Coluna Invicta que se manteve na memória popular e na história como a Coluna Prestes, cujo objetivo era levantar o povo contra o Governo. Num balanço isento daquele fato épico, duas conclusões são indiscutíveis: 1) embora derrotada, a Coluna golpeou duramente as carcomidas oligarquias e feriu mortalmente a República Velha; e 2) ela projetou Prestes nacionalmente como líder militar e herói popular.

Ao terminar a marcha, no dia 3 de fevereiro de 1927, e entrar na Bolívia com 620 sobreviventes, para o seu primeiro exílio, Prestes muito aprendera sobre sua terra e sua gente, como sentiu imensa necessidade de encontrar o verdadeiro caminho para solucionar os problemas do Brasil. Durante 1927 e parte de 1928, faz obras em áreas de colonização de La Gaíba, para uma companhia inglesa, dando emprego para os seus soldados e assim criando-lhes condições para o retorno ao seu local de origem. Mesmo exilado em lugar tão afastado do território boliviano, Prestes permaneceu constantemente no noticiário brasileiro.

Seu encontro com os comunistas e suas idéias deu-se em fins de 1927, através de uma visita que lhe fez o fundador do PCB, jornalista Astrogildo Pereira, o qual lhe transmitiu o pensamento da direção brasileira sobre a aliança entre comunistas e combatentes da Coluna e lhe presenteou com uma dezena de obras clássicas da literatura marxista.

Em fevereiro de 1928, Prestes transferiu-se para a Argentina, não só por conta do clima democrático do país, mas pela proximidade com o Rio Grande do Sul, onde Getúlio Vargas conspirava contra o governo de Washington Luís. Durante esse período, recebe constantes visitas de líderes políticos e militares do Brasil e de outros países latino-americanos, que vão conhecê-lo e trocar idéias com ele, em busca de ouvi-lo e dele obter posicionamentos ou adesões a suas causas.

Paulo Lacerda, em nome do Comitê Central do PCB, encontra-se com Prestes em Buenos Aires para convidá-lo a filiar-se ao partido e para ser candidato à Presidente da República. Como se sabe, mesmo recusando a lançar-se candidato, Prestes aparecia invariavelmente em primeiro lugar nas pesquisas de opinião, à frente de todos, até mesmo dos dois principais nomes: o do Governador Getúlio Vargas, da Aliança Liberal, e do de São Paulo, Júlio Prestes, escolhido pelo Presidente Washington Luís para sucedê-lo.

Os oposicionistas sabiam que não havia hipótese de ganhar a eleição do governo, por isso começaram a preparar o movimento armado. Durante esses preparativos, Prestes é procurado pelos getulistas e pelos antigos colegas “tenentes”. Mas se desilude de todos. Lança então um manifesto, em maio de 1930, aderindo ao PCB. E, em julho, propõe a Liga de Ação Revolucionária, reunindo forças do proletariado, campesinato, pequena burguesia e da chamada burguesia progressista.

Este é um dos momentos mais elevados e mais nobres da vida de Prestes. À sedução do poder ele preferiu a luta tenaz e incerta pela construção de uma nova sociedade. Era o rebelde que rompia com a sua classe e com os seus papéis sociais. A partir dali tem um desdobramento singular a sua carreira política. Diferentemente da expressiva maioria dos grandes líderes revolucionários de todo o mundo, Prestes não foi o comunismo à revolução, mas, ao contrário, saltou da revolução para o comunismo.

Da rebelião de 1935 à condeção a 47 anos de Prisão.

No começo de 1931, estando em Montevidéu, continua procurado pelos brasileiros que vão se desiludindo com os rumos da Revolução de 30. No dia 12 de março, lança novo manifesto publicado sob o título de A Realidade Brasileira, em que analisa amplamente a situação econômica e propõe, então, um único caminho: a revolução agrária e antiimperialista. Já estando em contato com o PC argentino e com o Secretariado Latino-americano da Internacional Comunista, este organiza a viagem de Prestes à União Soviética, a fim de trabalhar como engenheiro na União Central das Empresas Construtoras. Conhecer as diversas regiões do país e a rica experiência da construção de um novo tipo e ao mesmo tempo articular-se com as principais lideranças do movimento comunista internacional.

Ali prossegue seus estudos sobre os problemas brasileiros e mundiais e busca seus caminhos, suas soluções. Seus contactos políticos ganham nova dimensão, passando a dialogar com algumas das principais lideranças comunistas mundiais, entre elas Mao-Tse-Tung, Dolores.Ibarruri, Palmiro Togliatti, Maurice Thorez, Giorgi Dimitrov, Bella Kun e tantos outros homens que marcaram a história de seus países e marcaram a história do mundo . Em 1935, no VII Congresso da Internacional Comunista, Prestes foi eleito membro de seu Comitê Executivo, a instância maior de poder dos comunistas em todo o planeta.

Enquanto isso, no Brasil, em 1932, estoura um movimento revoltoso na capital paulista, envolvendo alguns líderes do “tenentismo”, Revolução Constitucionalista de São Paulo. Mesmo vitorioso, O Governo Provisório de Vargas concede anistia aos rebeldes, convoca uma Constituinte para 1934, a qual, por conta da presença de forças democráticas e de esquerda, influenciada em grande parte pelos “tenentes”, elabora uma nova Carta com muitos pontos avançados. Talvez uma das mais avançadas Até porque a comparação que se faz depois é com a Polaca de 37. Porém, a partir daí, Getúlio começa a afastar-se de seus antigos colaboradores, de quem retira os cargos importantes da República, e a apoiar-se nos setores mais reacionários do País.

Os “tenentes” mais conseqüentes, diante da situação do País e do descaminho do Governo dos seus ideais, da ameaça fascista e da liquidação da nova Constituição, unem-se às demais forças democráticas de onde surge a Aliança Nacional Libertadora. No seu ato de fundação, no Teatro João Caetano, em 1935, a ANL proclama Prestes seu Presidente de honra e, em seu manifesto, apresenta seu programa, defendendo, entre outros, o cancelamento das dívidas imperialistas, a nacionalização das empresas estrangeiras, a liberdade em toda a sua plenitude, o direito do povo de manifestar-se livremente e a entrega dos latifúndios ao povo que os cultiva - pregando a reforma agrária que até hoje ainda pregamos.

A ANL terá uma vida legal brevíssima, menos de cinco meses, mas adquire uma intensidade antes desconhecida na história política do Brasil. Mais de um milhão e meio de brasileiros aderem ao seu programa de libertação nacional e social e fundam 1.500 núcleos por todo o País.

A seguir faço todo um levantamento do que foi a Intentona de 1935, que se inicia em Natal, terra do nosso Presidente Geraldo Melo, onde foi intentada, pelo menos durante cinco dias, uma república socialista. E aqui saúdo o baiano Giocondo Dias, que fazia parte dos revolucionários.

Logo depois, estoura um movimento armado em Pernambuco, minha terra, comandado por Gregório Bezerra, Silo Meireles e tantos outros. Por último, poucos dias após, no Rio de Janeiro, guarnições militares se levantam, e, no dia 27, na Escola de Aviação e no 3º Regimento de Infantaria, é esmagado o movimento, e seus líderes são presos.

Já casado com a comunista alemã Olga Benário, que se refugiara em Moscou para escapar à perseguição nazista, Prestes entra no Brasil, com o falso nome do comerciante português Antonio Villar, e passa a residir, a partir de abril, no Rio de Janeiro. Nos dias 13 de maio e 5 de julho, lança manifestos que são lidos em comícios da ANL, cada vez maiores e mais entusiásticos. Eis que Getúlio, ante o crescimento impressionante da Aliança, decreta a ilegalidade da ANL, no dia 11 de julho, iniciando um tempo de cerceamento das liberdades e de intensa campanha anticomunista e anti-Prestes. A ilegalidade não interrompera as atividades da ANL, que reunia suas forças na campanha eleitoral para o pleito de outubro.

Há greves no país. Uma delas em Natal. O governo estadual demite toda a Guarda Civil, sargentos e cabos do Batalhão de Caçadores são afastados das suas fileiras. Começa, então, uma rebelião militar e popular, no dia 23 de novembro, que pede o apoio da ANL e de Prestes. É implantado um Governo Popular-Revolucionário, à frente do qual se encontrava, dentre outros, o baiano Giocondo Gerbasi Dias, o nosso querido Cabo Dias, e que dura quatro dias, sendo depois violentamente massacrado. No dia 24, Silo Meireles, um dos remanescentes de 1922, lidera uma rebelião no Recife, da qual participa outro gigante da luta revolucionária, Gregório Bezerra. No Rio, Prestes ordena às guarnições militares que se levantem na madrugada de 27, sendo conhecidas as ações na Escola de Aviação e no 3º Regimento de Infantaria. O movimento fracassa em poucas horas, e seus líderes são presos.

Foi em março também - vejam quanta coincidência desse mês na vida de Prestes -, em 1936, que ele foi localizado e preso, juntamente com sua companheira Olga. E mais uma vez ali se revela outro traço marcante das grandes personalidades: ele não só assume inteira responsabilidade política pelos eventos de Pernambuco e do Rio, como fez profissão de fé patriótica, dizendo dos seus ideais e das necessidades do Brasil e do seu povo. Condenado a quarenta e sete anos pelo Tribunal de Segurança Nacional, ficou preso durante nove anos, parte dos quais, “reduzido à mais rigorosa incomunicabilidade”, como escreveu num documento de apelação perante o Tribunal o seu advogado, o brilhante Dr. Sobral Pinto.

Sua companheira Olga Benário, após meses de prisão, é mandada, mesmo grávida, num cargueiro alemão em uma terrível viagem de trinta dias para a Alemanha. Chegada a Hamburgo, é enviada para uma prisão, e dá à luz Anita Leocádia, em novembro de 1936. Graças a uma campanha internacional, uma das maiores já registradas pela história e à ação decidida de D. Leocádia Prestes, Anita é libertada da prisão em janeiro de 1938, sem que Olga fosse informada do destino da filha, pois não houve o encontro dela com a sogra e lhe transmitiram maldosamente que a filha ia para um orfanato nazista. Só anos depois é que ela e Prestes souberam do que efetivamente ocorrera. Não tardou que mandassem Olga para um campo de concentração, onde sofreu novos padecimentos e veio a ser assassinada numa câmara de gás, na Páscoa de 1942 - campo de concentração que visitei, próximo à cidade de Berlim.

Do Estado Novo à maior consagração popular

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores e demais pessoas presentes, transcorria a campanha eleitoral para a Presidência da República, em 1937. Eram candidatos o Governador de São Paulo, Armando Salles de Oliveira, e o então ministro do Tribunal de Contas e ex-ministro da Viação, José Américo de Almeida, além do integralista Plínio Salgado. Havia comícios memoráveis dos principais candidatos, um com uma plataforma popular, e o outro com um programa liberal. Vargas, através do seu ministro Góes Monteiro, monta uma farsa, através de um falso documento da Internacional Comunista, com um plano de uma “revolução vermelha no Brasil”. A Câmara e o Senado, sob pressão do governo, caem no conto do “Plano Cohen” e aprovam a implantação de um Estado de Guerra. Criam-se as condições para o golpe de 10 de novembro de 1937, que dá início a uma das piores ditaduras liberticidas no País, como foi o Estado Novo.

Desencadeada a Segunda Guerra Mundial, em 1939, cinco anos depois, graças à ação decidida dos comunistas em todo o mundo, à frente a União Soviética, a conjuntura internacional favorecia o PCB, que se recompunha a duras penas. Primeiro, tentamos influenciar a entrada do país na guerra contra a Alemanha hitlerista. Getúlio, fazendo um jogo dúbio entre os alemães e os aliados, só enviou tropas para a Europa em julho de 1944, e destas fazia parte o companheiro Salomão Malina, presidente de honra do PPS, que possui três medalhas, uma delas de mérito e outra de combate, ganhas nos campos da Itália. A partir daí, os comunistas se integraram no esforço de guerra e começaram também a se organizar para o retorno do partido à legalidade. Aproveitando o relaxamento da perseguição, realizamos, no interior do Estado do Rio, a Conferência da Mangueira, que traçou uma pauta mínima de atividades e escolheu Prestes para secretário-geral. Nessa condição, divulgou documento em março de 1944, defendendo ampla unidade nacional, e, em maio seguinte, lançou novo documento considerando os restos feudais como o principal entrave ao desenvolvimento do país e, por isso, precisavam ser liquidados.

Em abril de 1945, ganha corpo uma ampla campanha nacional de anistia, sobretudo com o fim da censura e o fim da incomunicabilidade de Prestes. Como são recorrentes na história brasileira, e espero que não o sejam daqui para frente, movimentos como estes: prisões de patriotas, movimentos de anistia, reconquista democrática e novo surto autoritário. Esperemos que isso seja apenas uma crônica, tal como estou fazendo aqui.

O país passa a viver novos momentos de abertura. As candidaturas do Brigadeiro Eduardo Gomes e do General Eurico Dutra à Presidência da República tomam conta da opinião pública. Greves começam a espoucar. No dia 19, finalmente, Prestes é libertado, sem saber, inclusive, que Olga, sua mulher, tinha morrido em campo de concentração alemão, nem quando veria a sua filha Anita.

Alvo de homenagens, por toda parte, Prestes era presença constante em todas as emissoras de rádio, jornais e revistas. Comícios gigantescos, como os do Estádio de São Januário, no Rio, e no Pacaembu, em São Paulo, mostravam o prestígio popular de Prestes e dos comunistas. O partido crescia e ampliava sua influência. Nesse clima de liberdade, o PCB solicitou o seu registro e lançou o seu candidato à Presidência da República, na pessoa do ex-Prefeito de Petrópolis, Yeddo Fiúza, que não era membro do Partido Comunista.

Ocorre que, em outubro, os fatos se precipitaram, e Getúlio foi deposto pelo Exército, assumindo o poder o presidente do Supremo Tribunal Federal, José Linhares. Os comunistas passaram a viver dias de incerteza, sofrendo algumas prisões, e seus principais dirigentes caíram em clandestinidade, que acabou se tornando provisória. Aqui vale um registro histórico: os comunistas, na ocasião, tal como democratas de outros matizes, defendiam o estabelecimento de uma transição democrática e processual, portanto, com Getúlio Vargas e sem trauma, articulada em torno de uma Assembléia Constituinte. O momento político viabilizava essa estratégia, que, ao mesmo tempo, era uma forma de ultrapassar concepções golpistas vigentes e que acabaram se materializando com a deposição de Vargas por um golpe militar. Que fique claro: o PCB, no episódio, sempre se guiou por uma profunda visão democrática do processo político e, em nenhum momento, defendeu o “queremismo” de Vargas, como insistem em afirmar determinados historiadores e adversários históricos dos comunistas.

Os comunistas saíram-se bem no seu primeiro teste eleitoral: seu candidato a presidente obteve 10% dos seis milhões de eleitores; elegeram um senador e 14 deputados federais. Prestes teve a votação mais consagradora do País: além de Senador pelo Distrito Federal, o Partido elegeu Deputado por Penambuco, Rio Grande do Sul e Distrito Federal, ficando na suplência no Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia. Eles eram mais democráticos do que somos hoje, porque mantemos toda uma série de casuísmos, de empecilhos, de limitações e de restrições ao exercício da cidadania, criados pela ditadura, como alistamento, filiação partidária, domicílios eleitorais - talvez seja a nossa elite querendo uma reserva de mercado.

O PCB foi um dos três partidos, junto com o PSD e a UDN, dos 12 que participaram daquela eleição, que tiveram candidatos em todas as unidades da Federação. No final daquele ano, o PCB já possuía oito jornais diários, duas editoras e mais de 180 mil militantes organizados. Em 1947, nas eleições para as assembléias estaduais, obteve 5,5% dos votos e teve maioria na Câmara de Vereadores do Distrito Federal (18 cadeiras), Recife, Jaboatão, Santos; inúmeras câmaras de vereadores transformaram-se num grande partido da democracia brasileira. Enquanto isso, cresciam, por todo o país, greves de trabalhadores.

Capitaneada pelo governo norte-americano e com o apoio do mundo capitalista, no imediato Pós-Guerra, desencadeia-se no mundo uma gigantesca e violenta campanha anticomunista. Nos mais diferentes países, a caça aos democratas deixou sua marca, alcançando partidos e personalidades e gerando movimentos como o macartismo, que tanto mal fez à cultura norte-americana e mundial.

Seria bom lembrar que não foram apenas os comunistas caçados e expulsos do Parlamento no Brasil: isso ocorreu em vários outros países da América Latina, como o Chile. Fizeram um belíssimo filme de ficção, é claro, sobre o pretenso exílio de Pablo Neruda, que teve que se exilar, mas não como conta a ficção “O Carteiro e o Poeta”, e sim por ser Senador do Partido Comunista. Foi a época, também, que os comunistas saíram do governo na França e na Itália, eles que tinham sido combatentes pela liberdade contra o nazi-fascismo, um movimento que também se estendeu ao Brasil, numa campanha anticomunista, no início da Guerra Fria.

No Brasil, o Governo Dutra, evidentemente, não via com bons olhos a atividade dos comunistas e, dentro do clima da Guerra Fria, declarada pelos países capitalistas, criam-se as condições para o espezinhamento das liberdades públicas. No TSE, é dada entrada a um pedido de cassação do registro do PCB, sob o pretexto de tratar-se de uma organização internacional que exercia ação nefasta, insuflando greves e criando um clima de desordem. Em 7 de maio de 1947, o registro do Partido Comunista Brasileiro é cassado pelo TSE, razão para Prestes resguardar-se e ir para a clandestinidade. Ele sai da clandestinidade em agosto, para fazer um violento discurso da tribuna do Senado, em que denuncia as ações do governo e a reação contra o seu partido. Em janeiro de 1948, são cassados os mandatos de todos os parlamentares comunistas. Imediatamente, desencadeia-se violenta repressão contra comunistas e democratas, com invasão de sedes, prisões, empastelamento de jornais. Decretam a prisão preventiva de Prestes, que é obrigado a aprofundar sua clandestinidade, nela ficando durante 10 anos, isolando-se pessoalmente do trabalho de direção, com problemas, inclusive, para sua família.

Gostaria de fazer um pequeno corte neste discurso para tecer um comentário acerca da atuação de Prestes como Senador da República. Por quase dois anos, ele assomou à tribuna desta Casa, no Palácio Tiradentes, com freqüência, para defender suas idéias, sempre com muita coragem e tendo como fundamento suas convicções e sua vontade férrea a favor de mudanças estruturais em nosso País. De 46 a 47, atuou, com destemor, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Seus debates em plenário, que também era freqüentado por nomes como Etelvino Lins, Nereu Ramos, Filinto Müller, Góes Monteiro, Pedro Ludovico, Plínio Pompeo, José Américo e tantos outros, conforme podemos acompanhar nos anais da Casa, são famosos e são um roteiro para quem quiser estudar com profundidade a história política contemporânea.

Não há assunto que não tenha sido tratado por Prestes em seu breve mandato, surrupiado por uma Justiça Eleitoral corrupta e por um Poder Executivo reacionário, ambos amparados em um Senado infelizmente subserviente. Contestou, por exemplo, a homenagem ao engenheiro Billings, então títere da Light e que tinha seus acólitos no Congresso - a história da Light que não é recente para nós brasileiros. Combateu o salazarismo e defendeu a democratização de Portugal, debateu todos os cenários da conjuntura internacional explosiva do final da década de 40, discutiu ardorosamente e amparado em estudos e números, questões como o orçamento, a política de combate à inflação, a geração de renda e emprego, a questão da reforma agrária, os problemas da agricultura brasileira. Era uma agenda tão presente naquela época e idêntica à nossa. Ressaltemos aqui o tom respeitoso e diferenciado, quando estavam em pauta avaliações e idéias de parlamentares democráticos, como o verdadeiro democrata nos debates das idéias, Horácio Laffer - é o que se depreende dos apartes e polêmicas aqui levantados.

Há momentos realmente brilhantes e que ressaltavam o compromisso humanista de Prestes. A discussão do Código Penal foi uma delas. Projeto de origem no Executivo, Prestes o condenou do início ao fim. Pasmem! Era tremendamente obscurantista. Basta saber que um dos artigos do Código proibia - Senadora Benedita da Silva, veja o quanto avançamos e o quanto ainda precisamos avançar - o rapto de “mulheres honestas” para fins de ato libidinoso, como se direitos humanos pudessem ser divididos entre duas partes: uma honesta, protegida, e outra, sem amparo legal nenhum.

No breve mandato de Prestes, podemos perceber com clareza as linhas gerais da Guerra Fria, que mais tarde se estenderia sobre o mundo, com graves repercussões no interior de nossa sociedade. De um lado, Prestes, o Cavaleiro da Esperança, isolado, defendendo o primado do marxismo e das virtudes dos países socialistas, entre eles a União Soviética. Do outro, a maioria do Senado, anticomunista por natureza, partidária de teses esdrúxulas e que não se sentia envergonhada em sacrificar a liberdade em função do perigo vermelho.

O Senado foi conivente com o fechamento da Juventude Comunista, porque, em seu estatuto, a questão da pátria não estava bem explicitada. Os Senadores Ivo D’aquino e Hamilton Nogueira, este da UDN, tão culto como reacionário, insistiam em vincular a opção de Prestes pela URSS no caso de uma guerra hipotética com o Brasil, elemento que muito ajudou formalmente a cassar o registro do PCB nesse episódio famoso. Prestes disse que, no caso de uma guerra patrocinada pelos interesses das elites, ficaria com o povo. A Casa, em sua maioria, submeteu-se vergonhosamente, não levando em consideração qualquer argumento jurídico mais sério ao movimento que acabou retirando os mandatos de Prestes e de 14 Deputados do PCB.

É interessante dizer que, nesse momento, Prestes defendia, com muita clareza, a política da Internacional Socialista; havia a posição de não se apoiar guerra alguma. É interessante não se perder esse rumo da história, que provocou uma grave cisão no movimento internacionalista, nos primórdios da Primeira Guerra Mundial, contra aqueles que não defendiam a guerra, créditos à guerra, mas sim a luta pela paz como conseqüência. Isso era o que Prestes fazia. Evidentemente, essa provocação criou e ainda cria tremendas distorções e equívocos em relação à posição patriótica de Luiz Carlos Prestes.

A posição de Prestes a favor da estabilidade e da democracia, ao contrário do que diziam os protogolpistas, era clara. Vejamos o que ele disse em discurso proferido em 28 de janeiro de 1947:

      “O PCB faz questão de dizer que a ninguém mais do que ele hoje interessa a ordem. Ninguém mais do que o Partido Comunista é contrário à desordem, ao caos, à guerra civil, à bancarrota do Estado. Ao contrário daquilo que dizem os que nos combatem, declarando que desejamos “o quanto pior melhor”, nós, comunistas, lutamos pela solução dos problemas brasileiros.”

Venho sempre repetindo - talvez, a partir de Prestes, Dias e do companheiro Salomão Malina - que “o quanto pior, pior mesmo!” Nós, comunistas, sabemos bem o que isso significa.

      “Queremos evitar justamente que o descontentamento popular seja utilizado pelos demagogos, pelos generais golpistas, pelos agentes do imperialismo, para, através da desordem, afirmarem mais uma vez que o povo brasileiro não está à altura de viver na democracia, num regime constitucional, e que precisamos voltar à ditadura tão ambicionada por certos senhores que viveram os anos negros do Estado Novo, com o chicote na mão, contra a maioria do nosso povo.”

Em 17 de abril de 1947, após o Governo cassar o funcionamento da Juventude Comunista, Prestes alertava para o fato de a UDN estar traindo suas convicções democráticas originais, dirigindo-se para o apoio ao autoritarismo e ao fascismo. “Amanhã”, dizia Prestes, “com os mesmos argumentos e as mesmas armas, vão fechar a UDN. Primeiro, fecham o Partido Comunista e, depois, a UDN. Aí está o suicídio da UDN”.

Palavras proféticas, mas que ainda ficaram aquém do que realmente viria a acontecer: não só o PCB e a UDN, mas todos os Partidos da Segunda República foram ceifados, até porque aqueles que defendiam um anticomunismo exacerbado, esse tipo de política antidemocrática, conseguiram ser vitoriosos no Golpe de 64 e extinguiram todos aqueles Partidos da nossa Segunda República. Discutir isso já é história recente. Quantos de nós não foram protagonistas dessa história?

A pouca vocação democrática de setores expressivos da política nacional, demonstrada no episódio de perseguição legal aos comunistas, alimentaria o caldo de cultura para o golpe de 64. E a UDN fechou, só que por sua própria vontade, pois se amesquinhou e foi o primeiro Partido a bater às portas dos quartéis para a derrubada de João Goulart. Como eu já disse, o resto é história recente, e dela fomos protagonistas.

Voltemos ao plano geral do discurso.

Tempo de grandes controvérsias

Perdido o registro e com a perseguição desencadeada, o PCB continuou lutando por liberdade e pelo respeito à Constituição. Porém, sua política ampla e articulada, no período que antecedeu e continuou na redemocratização, cedeu espaço, depois da cassação, a uma estreiteza de concepções e a um obtuso radicalismo de ações. Tais posições, articuladas pelo documento conhecido como Declaração de Agosto, representaram um dos maiores retrocessos na concepção do PCB, historicamente sempre democrático e identificado com os anseios de liberdade e de justiça do povo brasileiro. A partir desse momento, o Partido perde militantes e densidade política.

Mais um registro interessante: a concepção estreita do Manifesto de Agosto ainda está na raiz de grupos políticos contemporâneos de esquerda. É a velha herança stalinista que se explicita desde a década de 30, e se, naquela época, em nome da pureza revolucionária, socialdemocratas e liberais eram acusados de socialfascistas, hoje são classificados, pura e simplesmente, como neoliberais. Ontem, como hoje, forças expressivas de esquerda, ao invés de apostarem na construção de um amplo bloco de centro-esquerda, conquistando uma nova hegemonia política no Brasil, apostam no isolamento. Mas esse é um pequeno detalhe que cito apenas para não nos restringirmos ao registro histórico.

Da crítica dentro das regras democráticas ao Governo Dutra, passa a defender sua derrubada pela via armada; das alianças amplas com os setores democráticos, rompe com a chamada burguesia progressista. Rejeitando a estrutura corporativa sindical, começa a organizar sindicatos paralelos. Das sadias relações interpessoais no seio da organização, começa-se a viver uma espécie de “era vitoriana” no controle da vida pessoal de cada militante.

No fim dos anos 40, o país foi sacudido por duas importantes campanhas: uma, O Petróleo é Nosso, que culminou com a criação da Petrobrás; e outra, pela Paz, condenando a invasão da Coréia por tropas americanas e se opondo ao envio de soldados brasileiros à região, o que foi evitado. Enquanto Dutra se desgastava, Getúlio, na condição de Senador, assumia as duas bandeiras e procurava melhorar a sua imagem, para voltar ao poder.

Em mais um gesto de cegueira política, os comunistas cometeram outro grave erro ao pregarem o voto em branco para a Presidência da República, eleições disputadas por Vargas (PTB), Eduardo Gomes (UDN) e Cristiano Machado (PSD) durante a campanha eleitoral de 1950. Os defensores do voto em branco eram vaiados, quando não escorraçados das portas das fábricas e em praças públicas.

O retorno de Getúlio ao poder, como que resgatando sua imagem negativa do período do Estado Novo, revelou um político identificado com os novos tempos, não só nas suas posições de interesse nacional, mas também na sua abertura para com os trabalhadores e seus sindicatos.

Mesmo assim, apesar de flexibilizada a orientação para o movimento sindical, os comunistas continuavam pregando a derrubada violenta de Vargas, e no próprio dia do seu suicídio, o seu jornal trazia manchete condenatória a Getúlio. Por pouco, alguns dos distribuidores do periódico não foram linchados pelos getulistas revoltados.

No pleito de outubro de 1954, os comunistas como que deram uma guinada. Não só apoiaram o candidato Juscelino Kubitschek para Presidente, como retornaram à atividade semilegal, com sedes e periódicos, já revelando uma mudança que se consumou na famosa Declaração de Março de 1958, ano que, para muitos, “não deveria acabar”. Vivíamos um grande momento de ascenso da democracia, de retomada das mobilizações populares, de vigor cultural e de grandes realizações políticas.

Como fizemos antes, outro registro importante: o PPS, organizado em torno do socialismo democrático, tem, na Declaração de Março, um de seus principais documentos de inspiração. Em outras palavras, entre uma esquerda que prefere as linhas do atrasado Manifesto de Agosto, optamos pela luminosidade da Declaração de Março.

A partir daí, houve uma sucessão de ações, no essencial, positivas por parte do PCB e de seu principal líder, no bojo de cujo processo houve a realização do V Congresso do Partido, em 1960, no centro do Rio de Janeiro, quando se lançaram jornais de caráter nacional, foram abertas sedes regionais por todo o País, adquiriu-se quase uma legalidade e estimulou-se a organização dos trabalhadores urbanos e rurais em sindicatos. Surgem daí a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, federações, organização de jovens, de intelectuais e de mulheres, todos participando das realizações ocorridas naquele ano de 1958, ano este que talvez - como bem disse o autor moderno - “não deveria ter acabado”.

Sr. Presidente, concluirei o meu discurso, porque percebo que há uma certa impaciência. Inclusive, parece-me que inúmeros Senadores estão inscritos para falar.

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ROBERTO FREIRE (Bloco/PPS-PE) - Concedo o aparte a V. Exª, que, pela manhã, disse que gostaria de me apartear, o que, para nós, será uma honra e um prazer.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Senador Roberto Freire, em seguida, eu também gostaria de aparteá-lo.

O Sr. Pedro Simon (PMDB/RS) - Em primeiro lugar, Senador Roberto Freire, eu gostaria de felicitá-lo, lembrando a admiração e o respeito que tenho por V. Exª. Nunca esqueço de V. Exª como candidato à Presidência da República: se fosse possível votar placê, por onde eu andava, V. Exª seria o segundo colocado. Os primeiros colocados eram poucos, mas muitos diziam que estavam impressionados com a sua competência e com a sua plataforma. V. Exª sabe que sou seu admirador. Hoje é um dia muito importante! Estranho o fato de este plenário estar tão vazio, porque penso que V. Exª não mandou um aviso só para mim. Creio que todos os Senadores devem ter recebido o comunicado de que, nesta primeira parte da sessão, V. Exª e a Senadora Benedita da Silva fariam um discurso. Mas os que não compareceram aqui não estão fazendo nada que altere a biografia e a memória de Prestes; estes estão cometendo mais um equívoco histórico, como tantos que já foram cometidos. É importante que, chegada esta data, tenhamos a tranqüilidade de fazer um pronunciamento como o de V. Exª, numa sessão como esta. À margem de tudo o que se possa falar da história deste País, é difícil encontrar pessoas com uma biografia que mereça tanto respeito como a de Luiz Carlos Prestes. Sou gaúcho. Para nós, do Rio Grande do Sul, Prestes é um grande símbolo de luta, de seriedade, de dignidade, de coerência, de amor ao seu País e às suas causas. Uma das páginas mais bonitas da história do mundo foi escrita por Prestes, que, saindo do meu Rio Grande do Sul, de Santo Ângelo, percorreu mais de trinta mil quilômetros, passando por vários Estados e conhecendo realmente o outro lado. Os Tenentistas lutavam pela democracia e contra a Velha República de nomeações de Governadores e de Presidentes por meio do comando café-com-leite, com eleições de bico marcado. É verdade que ali, percorrendo o interior do Brasil, ele conheceu a dolorosa e a cruel realidade do povo brasileiro. Tenho o maior respeito por Prestes. O episódio dramático e cruel da entrega da sua esposa! O episódio dramático e cruel de sua filha! O episódio brutal de ele ser lançado fora do Senado da República! - uma atitude ridícula e absurda. Ontem, Senador, não sei se V. Exª assistiu, eu me emocionei com o discurso do Presidente americano, na África, onde ele pedia publicamente perdão em nome do povo americano. Ele pedia perdão pelos crimes cometidos contra os negros e pelo tráfico de negros que eles aceitavam; pedia perdão pelos governos ditatoriais da África que os governos americanos sustentavam e mantinham. E dizia que estava disposto a, daqui por diante, alterar esse quadro. Acho que ele podia também, quando vier para a América Latina, pedir perdão pelos regimes de força que foram mantidos na América Latina exatamente por ação deles. Diz muito bem V. Exª que o episódio que se viveu no Brasil com a cassação de Prestes foi um episódio que se viveu pelo mundo afora. Nunca me esqueço, guri que eu era, quando fui ao Parque da Redenção assistir ao pronunciamento dele, o primeiro que fazia no Rio Grande do Sul. Eu perguntava ao meu pai: “Mas não foi Getúlio que prendeu ele? Não foi Getúlio que entregou a mulher dele?“ Foi. “Pois ele agora está do lado do Getúlio?” É um ato de grandeza, um ato de quem coloca o interesse do seu País, o interesse da sua causa acima das questões pessoais. Olha, que biografia emocionante a de Prestes! Que biografia extraordinária a de Prestes! O importante é defendermos as idéias, sim, mas não preciso me identificar com as idéias daquele a quem admiro. Posso divergir, e é claro que eu divergia de Prestes. O meu modelo social de democracia se chama Alberto Pasqualini, um grande nome, também do Rio Grande do Sul, e que defendia uma política que, na minha opinião, é hoje mais atual do que nunca. Mas isso nunca me impediu de ter respeito, de ter admiração e de achar que Prestes é um dos grandes vultos da História deste País. Que bom que a História está sendo reparada! E para nós, do Rio Grande do Sul, que bom dizer que uma das páginas mais lindas do nosso País foi feita por um gaúcho, que começou no Rio Grande do Sul! Meus cumprimentos a V. Exª e minha admiração permanente ao seu idealismo e à identidade da sua luta.

O SR. ROBERTO FREIRE (Bloco/PPS-PE) - Muito obrigado, Senador Pedro Simon. Gostaria de lembrar que alguns fatos a que me referi foram encurtados, porque teríamos alguma dificuldade em ler todo o discurso. Mas V. Exª lembrou um fato que também é muito comentado: o apoio de Prestes a Getúlio Vargas, quando da superação do regime do Estado Novo. É bom colocarmos clareza sobre o episódio, até porque ficou parecendo que Prestes estivesse apoiando Getúlio Vargas, e não era propriamente isso. Foi uma confusão gerada posteriormente por conta de um movimento que também existia na época - o “queremismo” - em torno de Vargas. O que queriam os comunistas e o que queria Prestes era que não houvesse nenhum trauma na transição do regime do Estado Novo e que este fosse superado pela Assembléia Nacional Constituinte. Naquele momento havia uma certa inquietação - nos dias derradeiros do regime de Getúlio Vargas, do Estado Novo - e algumas perseguições em relação aos comunistas. A idéia era a de que, sem trauma, se convocasse a Assembléia Nacional Constituinte, e não importava a retirada através de golpe, porque se falava em tentativas de golpe, o que afinal se consumou em relação a Getúlio Vargas.

Essa foi a exata dimensão do papel dos comunistas. E não a continuidade de Vargas ou o “queremismo”. Cometemos erros depois, quando da volta de Vargas e, de forma diferenciada, não tivemos o entendimento devido. Pagamos até muito caro por não estarmos juntos quando do período mais difícil enfrentado pelo Governo Vargas, que resultou no seu suicídio. A nossa posição, naquele momento, foi profundamente equivocada, não entendendo devidamente o que se passava. Houve até episódios - que talvez Salomão Malina tenha vivido diretamente - em que os comunistas, no momento do suicídio de Getúlio Vargas, condenavam nos seus jornais a política do Governo. Alguns até passaram dificuldades e os nossos jornais sofreram até uma certa hostilidade por parte de muitos daqueles que estavam traumatizados e constrangidos com o suicídio de Getúlio Vargas.

Isso é apenas para dizer que alguns desses episódios que aqui estão sendo apresentados, discutidos com a nossa visão, inclusive com a visão crítica que se tem em relação ao episódio de 35, da chamada Intentona Comunista, de algo que tem que se inserir - independente dos erros que possam ter sido cometidos - desde a Revolta dos Dezoito do Forte, como a continuação de toda uma rebelião conhecida naquela década do “tenentismo” - talvez o último episódio do “tenentismo” brasileiro, já com preocupações profundamente sociais e já com uma vertente à esquerda -, para que não se tenha uma idéia de algo profundamente aleatório, fora da vida política brasileira; algo apenas que uma Internacional Comunista decidiu em Moscou e que aqui se tentou fazer.

É preciso que se entenda isso dentro de um processo, com toda uma concepção também no nível internacional; mas, evidentemente, não desassociada da realidade brasileira.

Isso está sendo dito também. Talvez não tenha sido aqui expresso em função do tempo, que todos estamos vendo que já estamos avançando.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Permite-me um aparte, Senador Roberto Freire?

O SR. ROBERTO FREIRE (Bloco/PPS-PE) - Gostaria de ouvir o Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Senador Roberto Freire, neste dia, honramos os 100 anos do nascimento de Luiz Carlos Prestes e os 76 anos da fundação do Partido Comunista do Brasil. V. Exª, como Senador do PPS, coloca a tradição dos ideais daqueles que formaram há 76 anos esse partido. Também neste ano, comemoram-se os 150 anos do Manifesto de Karl Marx. É muito importante o depoimento e o testemunho da história que V. Exª traz. Ouvindo a biografia de Prestes, certamente, todos nós nos emocionamos, porque se trata de uma batalha incessante de uma pessoa que colocou a sua vida, a sua energia toda dedicada à causa da justiça. John Kenneth Galbraith, no seu livro A Idade da Incerteza, menciona que, numa citação breve de Karl Marx, aquela que ele colocou na crítica ao Programa de Gotha, cerca de doze palavras tiveram um efeito revolucionário comparável ou às vezes até maior do que os volumes de O Capital. Refiro-me à observação de Karl Marx de que, numa sociedade mais amadurecida, as pessoas portar-se-ão de tal maneira a poderem inscrever um lema de sua bandeira de acordo com sua capacidade, de acordo com sua necessidade. Essas eram, tipicamente, palavras que Luiz Carlos Prestes absorveu como sendo algo em que acreditava e que precisava construir no Brasil e em todas as nações. Muitos países desenvolvidos, hoje, entendem que isso tem de ser uma realidade. Mas é perfeitamente possível que, com a globalização, venhamos a ter isso para valer, não apenas no Brasil, mas também na África, onde o Presidente Bill Cliton se encontra e onde o Papa esteve há poucos dias. Puderam, então, testemunhar que não se pode continuar, senão caminhando na direção desse ideal de justiça, perfeitamente possível a toda a humanidade conquistar. V. Exª traz, hoje, uma palavra extremamente importante, porque, para todos nós, brasileiros, saber o que foi a vida de Prestes tem um significado muito especial, e sobretudo os jovens precisam conhecer a sua história. Não é à toa que, lá no Rio de Janeiro, em fevereiro deste ano, o povo tenha homenageado Luiz Carlos Prestes, relacionando-o exatamente a um dos movimentos mais importantes da história social brasileira de hoje. A Coluna de Prestes e as marchas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra guardam um paralelo no que seria a luta por justiça do povo brasileiro. Meus cumprimentos a V. Exª.

O SR. ROBERTO FREIRE (Bloco/PPS-PE) - Senador Eduardo Suplicy, já que V. Exª trouxe à colação o Programa de Gotha, de “cada um de acordo com sua capacidade e a cada um segundo sua necessidade”, é bom lembrar que Prestes, na busca desse objetivo, também seguia uma outra crítica ao Programa de Gotha: a de que era passado o tempo de apenas filosofarmos ou analisarmos o mundo; era possível transformá-lo. E Prestes, na busca desse seu ideal, foi um dos homens que lutou por transformar.

O Sr. Esperidião Amim (PPB-SC) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ROBERTO FREIRE (Bloco/PPS-PE) - Ouço V. Exª, Senador Esperidião Amin.

O Sr. Esperidião Amim (PPB-SC) - Senador Roberto Freire, serei muito conciso. Sei que temos a inscrição da Senadora Benedita da Silva, e não quero valer-me deste aparte para fazer um discurso paralelo. Gostaria de fazer apenas dois comentários, além de cumprimentar V. Exª e todos os demais subscritores do requerimento, o qual também subscrevi, que solicitou a destinação deste espaço para esta homenagem. Em primeiro lugar, devo salientar que para mim foi um privilégio, uma fortuna, no melhor sentido da palavra, ter conhecido Luiz Carlos Prestes. Eu era Governador, em 1986, quando a cidade de Descanso, no extremo oeste do meu Estado, resolveu prestar-lhe uma homenagem. E, como Governador, entendi que era do meu dever oferecer um mínimo de cortesia, de gentileza, de homenagem a uma pessoa que já simbolizava tanto na História do Brasil. Luiz Carlos Prestes me surpreendeu ao me fazer uma visita. Eu estava com uma jornalista gaúcha, sua conterrânea portanto, e há um detalhe singelo que mostra um homem que impunha a si próprio uma disciplina absoluta, férrea. Pude perceber esse detalhe na nossa convivência durante aqueles minutos em que estivemos juntos e almoçamos. A jornalista estava precisando de uma dieta especial e pediu um prato mais leve, e Luiz Carlos Prestes suportou, como se fosse um soldado ainda, a comida da caserna. Posteriormente, como Prefeito Municipal, fui mais uma vez surpreendido com a sua visita ao meu gabinete, já em 1989. Considero um privilégio para alguém de outra geração ter tido a oportunidade de conviver alguns minutos com uma pessoa que tinha e tem hoje, na condição de personagem histórico, tanto significado para a História do Brasil. E a segunda observação que quero fazer é apenas o registro do profundo respeito à sua coerência, coerência sem avaliação de custos, coerência retilínea, coerência de pensamento e de convicção. Faz, por isso, muito bem o Senado e, particularmente, faz muito bem V. Exª em ser nesta ocasião o porta-voz da homenagem desta Casa a um vulto tão importante por todos os exemplos que deixou para a História do Brasil. Muito obrigado.

O SR. ROBERTO FREIRE (Bloco/PPS-PE) - Obrigado a V. Exª. Quero dizer que o parágrafo com que ia reiniciar meu discurso fala inclusive de uma das características marcantes de Prestes, a que alguns se referem, que é o estoicismo, que tem algo a ver com essa disciplina, com essa coerência, com essa dignidade e com esse caráter retilíneo Alguns até querem ver isso como uma manifestação religiosa aos ideais do marxismo/leninismo, o que talvez seja muito mais fruto de toda essa sua disciplina de homem formado no Exército Brasileiro. É possível que essa característica que V. Exª percebeu, num momento de descanso em Santa Catarina, possa demonstrar algo desse caráter que Luiz Carlos Prestes afirmou na História brasileira.

O Sr. Josaphat Marinho (PFL-BA) - V. Exª me permite um breve aparte?

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - Senador Roberto Freire, V. Exª está na tribuna há 48 minutos.

O SR. ROBERTO FREIRE (Bloco/PPS-PE) - Eu vou terminar, Sr. Presidente.

O Sr. Pedro Simon (PMDB-RS) - Sr. Presidente, são cem anos de História. Os Senadores devem ter o direito de apartear o orador. Esse é o apelo que faço a V. Exª.

O SR. PRESIDENTE (Geraldo Melo) - A Mesa tem consciência da importância do pronunciamento do Senador Roberto Freire, e é por essa razão que S. Exª está na tribuna há 48 minutos, Senador Pedro Simon. Entretanto, a Mesa tem o dever de informar isso, para que S. Exª possa decidir se concede ou não apartes, considerando inclusive que há outros Senadores inscritos para participar da homenagem.

O SR. ROBERTO FREIRE (Bloco/PPS-PE) - Peço à Mesa que faça constar na íntegra o meu pronunciamento. Posso, assim, com muito prazer, ouvir o Senador Josaphat Marinho.

O Sr. Josaphat Marinho (PFL-BA) - Já expressei meu testemunho de respeito a Prestes em artigo recentemente publicado em razão do centenário de seu nascimento. Quero, porém, até em homenagem também a V. Exª, pedir-lhe que saliente, por meio de seu discurso, o apreço e o respeito por essa grande figura da política brasileira. Prestes, resumidamente pode dizer-se, foi um homem rigorosamente fiel a suas idéias, fiel até os extremos do sacrifício. Sacrificou a tranqüilidade pessoal e da família, sacrificou a carreira militar, sacrificou o êxito político. Só não admitia sacrificar a dignidade na correta fidelidade aos seus princípios. Quem exerceu assim a vida pública merece o respeito da posteridade.

O Sr. Bernardo Cabral (PFL-AM) - Senador Roberto Freire, V. Exª poderia responder aos dois ao mesmo tempo, concedendo-me um aparte?

O SR. ROBERTO FREIRE (Bloco/PPS-PE) - Claro! Até porque termino o meu discurso citando Oscar Niemeyer e Jorge Amado. Poderia também fazer como citação final o aparte do Senador Josaphat Marinho.

O Sr. Bernardo Cabral (PFL/AM) - O aparte de S. Exª seria uma “chave de ouro”. Como o meu é uma “chave de latão”, dá para comparar o mérito de um e o demérito do outro.

O SR. ROBERTO FREIRE (Bloco/PPS-PE) - Não sabia que isso iria acontecer, pois poderia ter concedido o aparte primeiro a V. Exª.

O Sr. Bernardo Cabral (PFL/AM) - Quero dizer a V. Exª que os idealistas jamais terão o reconhecimento dos seus contemporâneos; quando muito, a justiça dos pósteros. Como V. Exª está fazendo justiça a um homem que foi, por todos reconhecido e proclamado, um idealista, gostaria que V. Exª inserisse no seu discurso o nome de um homem que me fez admirar Luiz Carlos Prestes. Esse homem se chamava Heráclito Fontoura Sobral Pinto. Ele defendeu Luiz Carlos Prestes por designação do Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados. Num momento em que ninguém queria patrocinar nem os direitos nem a defesa dos interesses de Luiz Carlos Prestes, Sobral Pinto, que era anticomunista, adversário ferrenho da causa comunista, defendeu-o e fez com que todos aqueles que não conviveram com Luiz Carlos Prestes passassem a admirá-lo. Veja V. Exª, Senador Roberto Freire, como é oportuno que V. Exª venha à tribuna fazer essa justiça, para ouvir de um cidadão que desde 1966, 1967 conviveu até a morte com Sobral Pinto o que este homem fazia da biografia de Luiz Carlos Prestes, a ponto de ter na sua defesa invocado a lei de proteção aos animais para um companheiro seu de cela. É evidente que não me junto, porque é fraca a minha juntada, mas quero aplaudi-lo em seu discurso.

O SR. ROBERTO FREIRE (Bloco/PPS-PE) - Senador Bernardo Cabral, o seu aparte será incorporado - e com muita satisfação - ao meu pronunciamento, até porque complementa as minhas palavras.

Faço uma ligeira citação ao advogado Sobral Pinto. Ele merece homenagem que o Senado, em algum momento, possa lhe prestar, pelo papel que exerceu como liberal, pelo respeito que tinha pela pessoa humana, independentemente de posições políticas. Esses fatos foram ressaltados, inclusive, ainda em vida pelo Senador Luiz Carlos Prestes.

Continuo, Sr. Presidente:

Como reação ao avanço dos movimentos sociais e às reformas de base do Governo Jango, dentre outras razões, adveio o golpe, impondo a Prestes novo mergulho na clandestinidade. Apesar da repressão e das condições adversas, o PCB realizou o seu VI Congresso, em 1967, cujas conclusões tiveram ampla repercussão nacional, pois foram publicadas em forma de entrevista concedida por Prestes à revista Realidade. Diferentemente dos demais partidos de esquerda, fomos os únicos - e Prestes foi decisivo nessa posição - a não irmos para a aventura da luta armada. Nossa orientação era construir uma ampla frente democrática para isolar e derrotar a ditadura. E nisso fomos vitoriosos.

           Mas com o golpe dentro do golpe de 1968, e a retomada das repressões, Prestes foi obrigado a novo exílio a partir de 1970, do qual retornou à Pátria, após a anistia em 1979, quando foi recebido calorosamente por uma grande multidão no Aeroporto do Galeão. Na bagagem de volta, em torno de um documento intitulado Carta aos Comunistas, trazia uma pesada divergência com a maioria do Comitê Central do seu Partido a respeito de uma série de questões, sobretudo sobre como enfrentar a nova realidade de um país que havia crescido muito economicamente e que havia mudado muito, nele ainda mandava e desmandava o último governo militar, mas que também começava a atuar uma nova safra de lideranças políticas e sindicais, uma nova intelectualidade. O debate introduzido por Prestes praticamente paralisou o partido por quase dois anos, resultando em seu enfraquecimento, perda de influência que provocou um variado processo de dissidência, talvez mais expressivo do que o ocorrido com a saída de Carlos Marighela e outros dirigentes em meados da década de 60. 

Para nós, que aqui permanecemos na batalha de resistência democrática, uma questão nos instigava a mente. Como explicar a adesão às teses esquerdistas, no final do exílio e no seu reingresso à vida brasileira, por parte de uma personalidade amadurecida na política como Prestes? É um tema delicado e complexo para se examinar num momento como este, e que será motivo para estudos e pesquisas dos mais diferentes matizes.

Símbolo de Luta e de Dedicação a uma Causa

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores e demais pessoas presentes, apesar de todos os esforços que foram feitos para diminuir a importância da participação de Prestes em acontecimentos e processos fundamentais da vida nacional, à medida em que o tempo nos vai distanciando de sua época e pondo de lado os julgamentos feitos ao sabor das paixões políticas, fica cada vez mais claro que, para o Brasil, foi importantíssima a ação de Prestes em favor da democracia, das transformações sociais, da soberania nacional, dos direitos dos trabalhadores e, sobretudo, do socialismo.

Expoente do movimento tenentista que, em suas origens, buscava, já a partir da década de vinte, a superação do atraso político e a modernização nacional, Prestes trocou a comodidade da vitória institucional dos principais ideais daquele movimento por um engajamento difícil e corajoso na busca de caminhos revolucionários para superar as desigualdades sociais no Brasil.

Não é raro dizer-se que o estoicismo, uma das características mais marcantes da vida de Prestes, se sustentava numa fé religiosa, cega e inabalável, que ele teria nos fundamentos do marxismo-leninismo. É claro que essa teoria estava na base da sua conseqüência revolucionária, mas engana-se quem pensa que ele não atribuía alto conceito aos valores morais e espirituais que dão grandeza interior ao homem. Quando em conversa com alguns companheiros, durante a clandestinidade, revelava que sua mais forte inspiração para enfrentar as adversidades do confinamento a que lhe impunham era o retrato de um camponês que exibia no rosto todas as marcas de uma vida de fome e de sofrimentos, mas em cujo olhar se podia notar a inabalável decisão que trazia na alma de não se deixar abater. Sua trajetória é a de um homem corajoso que se entregou por inteiro à causa de conscientizar o povo de seus direitos, da necessidade de se organizar e de se fazer respeitar.

Prestes foi muito criticado por sempre ter-se deixado surpreender pelas grandes reviravoltas políticas ocorridas no país, até mesmo quando elas se anunciavam com estardalhaço e muita antecedência. Essas críticas eram no geral acertadas, porém, para serem justas, deveriam ser estendidas a todos os dirigentes comunistas.

Malgrado as diferenças que possamos ter com relação às posições de Prestes com referência a aspectos importantes da teoria e prática socialistas, ao encaminhamento de soluções para alguns dos graves problemas nacionais, temos que reconhecer em sua figura um símbolo emblemático de alguém que dedicou toda sua longa vida, apesar de sacrifícios pessoais indescritíveis, às melhores causas da humanidade e do povo brasileiro.

           Independentemente dos julgamentos ideológicos que se façam a respeito de sua pessoa, a trajetória de Prestes na vida brasileira está incontestavelmente ligada aos interesses das grandes maiorias trabalhadoras e aos movimentos que fizeram avançar a consciência política e a democracia, fato que se expressa em sua corajosa posição de combate ao fascismo, em sua tenaz resistência aos governos autocráticos e às ditaduras implantadas no país, em sua visão de privilegiar as saídas políticas e como exemplo de honestidade pessoal.

Morto o Cavaleiro da Esperança, há poucos anos, poder-se-ia indagar: Prestes não seria o símbolo da derrota da verdadeira revolução no Brasil? A questão não é tão simples e sua resposta muito menos. Um revolucionário da grandeza de Prestes, que se viu batido no meio de tantas refregas, não significa a derrota de sua causa. “A sua tenacidade”, como muito bem registrou o professor Florestan Fernandes, “explicita algo mais complexo. Ela patenteia que a revolução não só possui continuidade; que ela também se aprofunda”.

           Dizemos ainda mais: a revolução vitoriosa não necessariamente é aquela que conquista o poder; e sim aquela que transforma as mentes, os procedimentos políticos, condiciona novos padrões éticos, morais e humanistas, impacta a cultura, faz resplandecer a cidadania. Prestes não liderou nenhum governo mas ajudou a operar esta revolução no século que ora se encerra. O poder sendo temporal e efêmero, o que conta para o futuro é a revolução nos valores, estes sim, representativos da alma de um povo.

           A revolução, dentro das novas condições do Brasil e do mundo de hoje, mudou radicalmente. Deixou de ser um “assalto ao céu”, de armas na mão, prescinde de uma liderança carismática, de um chefe de uma única classe revolucionária, aspectos típicos de uma época em que a influência das massas trabalhadoras (influência própria, independente, organizada) era quase nula, para tornar-se um rico e multifacético processo de ações organizadas dos mais variados setores sociais provocando mudanças e conquistas políticas, econômicas e sociais.

           Gostaria de encerrar este meu discurso utilizando as opiniões de duas marcantes personalidades da vida brasileira e internacional e que privaram da amizade pessoal de Prestes.

Para o excepcional arquiteto Oscar Niemeyer, a quem aqui homenageamos recentemente, Prestes “é uma das figuras mais dignas do nosso tempo, tão autêntica, tão veraz e proba que se destaca como um iluminado neste mundo de conivências em que vivemos”. Para o notável escritor Jorge Amado, trata-se de “um brasileiro dos mais notáveis, figura que extralimitou de todas as diversas fronteiras onde o quiseram deter, para tornar-se uma legenda e um símbolo, no Brasil e pelo mundo afora”.

Termino o meu pronunciamento citando Jorge Amado, até porque ele tem autoridade para dizer o que disse - acredito que poucos aqui podem fazê-lo. No entanto, há algo que todos nós podemos fazer: reverenciar a memória de Luiz Carlos Prestes, mesmo que não seja como o velho amigo, mas como admiradores. Se o velho amigo é Jorge Amado, os admiradores somos todos nós. Diz Jorge Amado:

      Sou velho amigo e admirador de Luiz Carlos Prestes, cuja vida parece-me exemplo de coerência e dignidade, de dedicação ao povo. Discordar de Prestes, combatê-lo, é direito de todos quantos dele discordem. O que ninguém pode fazer, honradamente, é negar grandeza à sua presença na vida nacional deste século.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/03/1998 - Página 5076