Pronunciamento de Leomar Quintanilha em 25/03/1998
Discurso no Senado Federal
COMEMORAÇÃO DOS 100 ANOS DE NASCIMENTO DO EX-SENADOR LUIS CARLOS PRESTES, IMPORTANTE LIDER POLITICO BRASILEIRO.
- Autor
- Leomar Quintanilha (PPB - Partido Progressista Brasileiro/TO)
- Nome completo: Leomar de Melo Quintanilha
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
HOMENAGEM.:
- COMEMORAÇÃO DOS 100 ANOS DE NASCIMENTO DO EX-SENADOR LUIS CARLOS PRESTES, IMPORTANTE LIDER POLITICO BRASILEIRO.
- Aparteantes
- Casildo Maldaner.
- Publicação
- Publicação no DSF de 26/03/1998 - Página 5100
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM.
- Indexação
-
- HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, LUIS CARLOS PRESTES, VULTO HISTORICO, EX SENADOR, LIDER, PARTIDO POLITICO, PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO (PCB), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS).
- LEITURA, REGISTRO, ANAIS DO SENADO, CARTA, AUTORIA, LUIS CARLOS PRESTES FILHO, FILHO, LIDER, POLITICA, COMPARAÇÃO, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, OCORRENCIA, HISTORIA, BRASIL.
O SR. LEOMAR QUINTANILHA (PPB-TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, ilustres familiares, o Senado Federal presta, nesta tarde, uma justa homenagem a Luiz Carlos Prestes, pelos 100 anos de seu nascimento.
Quero, em nome do meu Estado, o Estado de Tocantins, em nome de sua brava gente, que se expressa através de seu Governador, Siqueira Campos, e em meu nome, associar-me às expressivas homenagens penhoradas àquele que, por suas ações corajosas e decididas, sustentando fortes ideais, marcou de forma indelével sua passagem por essa terra, o Cavaleiro da Esperança.
A Coluna Prestes, de relevo político sem paralelo na nossa História, foi resumida por Caio Prado Júnior, que afirmou que o mais puro idealismo, a abnegação e espírito de sacrifício, a fortaleza moral revelam-se na Coluna Prestes no mais alto grau, colocando-a, sem o menor favor, entre esses grandes fatos humanos que a História lembra para exemplo das gerações de todos os tempos e todos os lugares.
Cerca de trinta mil quilômetros de peregrinações pelos árduos sertões do interior brasileiro, mais de dois anos de marchas e combates incessantes em meio às mais graves dificuldades e aos mais duros sacrifícios, eis a façanha desse punhado de bravos, que, enfrentando todo um exército, arrostando a indiferença, se não a hostilidade da grande maioria de seus concidadãos - só mais tarde souberam compreendê-los -, tinham imposto a tarefa quase utópica de regenerar, pelos seus atos e pelo seu exemplo, os costumes políticos da Nação.
Faço aqui um breve registro da marcha da Coluna Prestes pelo meu Estado, o Estado de Tocantins, quando ainda era Goiás. Rumo ao Nordeste, a Coluna ingressou em território tocantinense por Arraias, prosseguindo para Natividade e posteriormente para Porto Nacional, lá permanecendo por cerca de dez dias. Em Porto Nacional, Prestes e vários daqueles que integraram o “Movimento Tenentista”, entre os quais ilustres figuras da nossa História, como Juarez Távora, Antônio Siqueira Campos, Moreira Lima, Miguel Costa, Djalma Dutra e João Alberto, assumiram a impressão do jornal O Norte de Goiás, onde refutavam a idéia difundida pelo Governo de serem os revolucionários malfeitores. Seguiram, então, para Tocantínia e Pedro Afonso, de onde ingressaram para o Estado do Maranhão.
Fato pitoresco e quase trágico teria ocorrido a Luiz Carlos Prestes em solo tocantinense, segundo relata Neill Macaulay em seu livro “A Coluna Prestes”: “Prestes não sabia nadar e quase se afogou enquanto se banhava no Tocantins, em Porto Nacional. Foi arrastado pela correnteza e teria perecido, não fosse a ação rápida do major Lira, o ex-capitão de navio do Amazonas. Mesmo tendo escapado por um triz, Prestes recusou-se a ser intimidado pelo rio e, no dia 22 de outubro de 1925, deixou Porto Nacional numa jangada feita de tronco de palmeiras...”.
Numa outra passagem, segundo o mesmo autor, a Coluna foi seguida, entre Tocantínia e Pedro Afonso, por um grupo de índios xerentes. “Os oficiais rebeldes, respeitosamente, acederam ao pedido do interprete para que se juntassem aos índios num semicírculo ao redor do cacique. Este proferiu um discurso de uma hora de duração na língua xerente. Falava em altos brados, espumando pela boca, sacudindo as mãos para o ar e batendo com os pés. Quando o discurso acabou, os rebeldes aguardaram que os índios começassem os aplausos; mas o silêncio foi completo. Ao contrário, o interprete virou-se para Miguel Costa e disse: General, chefe está dizendo que cristão tira muito de índio; não deixa índio caçar, mata índio; que Rondon não cuida de índio; está pedindo para você dar cavalo cansado para eles, dá enxada, dá carabina, dá roupa velha e dá dinheiro. General, essas coisas o senhor dá ao chefe, mas dinheiro o senhor dá prá mim, porque não sou mais índio selvagem.”
A Coluna Prestes, ao passar pelo Tocantins, deixou-nos um valioso legado. Deixou para todo o Brasil o sonho de um País melhor, o sonho de um País mais justo.
No rastro de sua trajetória de lutas, sofrimentos, vitórias e obstinação, ficaram vigorosas sementes do ideário de justiça social, de liberdade e igualdade de direitos que, por certo, inspiraram a luta separatista que culminou com a criação do Estado do Tocantins. E ali no Tocantins, numa modesta contribuição ao resgate da memória de uma das mais belas e significativas páginas da história brasileira por onde a Coluna, invicta, passou com as suas conseqüências, marcando a epopéia de seu líder e do grandioso exemplo de coragem e determinação na busca de igualdade social, o Governo do Tocantins construiu e pavimentou uma de suas mais importantes artérias e a denominou Rodovia Coluna Prestes. E está concluindo a construção em Palmas, a nossa capital, em frente ao Palácio Araguaia, de um belo monumento que abrigará o Memorial Luiz Carlos Prestes que, certamente, manterá viva na mente do nosso povo, hoje e sempre, a lembrança da coragem, da determinação, do idealismo e do patriotismo desse extraordinário brasileiro.
Aos familiares aqui presentes, D. Maria do Carmo Ribeiro Prestes, Ermelinda Ribeiro Prestes, sua filha, e Luiz Carlos Prestes Filho, homenageio citando Silvino Moreira Lima.
“O herói não renuncia nunca, quanto mais sofre os golpes da adversidade mais se sente com forças para reagir contra o destino implacável que o serve.”
Sr. Presidente, além dessa pequena homenagem, gostaria, a pedido de Luiz Carlos Prestes Filho, de registrar uma pequena mensagem, a qual solicito seja incorporada ao meu pronunciamento e conste dos Anais desta Casa:
“No final do mês de julho de 1925, na região do rio Descoberto, ocorreu a primeira invasão do quadrilátero do Distrito Federal pela Coluna Prestes, que, de lá, após vencer a resistência inimiga, seguiu por terras de antigas fazendas que desapareceram com o surgimento de Brazlândia.
Em setembro de 1926, o movimento rebelde penetrou outra vez nas terras demarcadas pela Comissão Exploradora do Planalto Central, que fora chefiada por Luís Cruls, no final do século XIX. Passando por aqui, entre Formosa e Planaltina, aproximou-se da pedra fundamental de Brasília, acampou perto da área onde hoje está a Granja do Torto. Fez reconhecimento militar da região de Sobradinho e tiroteou nas terras transformadas pelas cidades satélites de Ceilândia e Samambaia.
Esses fatos mostram que o chão sobre o qual está erguido o Senado Federal, ainda virgem foi marcado pela maior marcha revolucionária da história da humanidade, da qual participaram homens como Juarez Távora, Cordeiro de Farias, João Alberto Lins e Barros, Antonio de Siqueira Campos e Luiz Carlos Prestes, meu pai, que, nesta sessão extraordinária é o homenageado, por razão da passagem do centenário de nascimento.
Como expressou o poeta Alexei Bueno, os rostos dos comandantes da Coluna hoje estão perdidos, mas podemos deixar de reconhecer que a realidade atual do Brasil lhes pertence. Pois eles:
‘ ...nas noites
E nas manhãs das cidades distantes, foram baluartes
De um sonho que não parava. A sua vitória
Era prosseguir. Seus passos um escárnio
Riscando a ceia pomposa dos fracos...’
Em sua primeira entrevista publicada num jornal, em março de 1927, poucos meses após o término da marcha da Coluna, rebatendo a versão do governo federal da época, que jurava ter derrotado aquele movimento armado, Luiz Carlos prestes afirmou:
“...Nunca a nossa Coluna foi batida. Realizamos todas as nossas evoluções sem que o inimigo as pudesse evitar”. O objetivo maior foi alcançado, durante dois anos e três meses se manteve acesa a chama da luta contra o Presidente Arthur Bernardes, derradeiro defensor da República Velha, estrutura arcaica que impedia o avanço de modernização do País. A Coluna foi vitoriosa, porque, em momento algum, pretendeu desenvolver guerra de ocupação e reserva, buscou somente a guerra de movimento. Sua missão era incendiar o País, facilitar a conspiração nos grandes centros urbanos e demonstrar que existiam homens dispostos a qualquer sacrifício. Enfim, Coluna Prestes não tomou o poder, mas com certeza fez o Brasil avançar: provocou a Revolução de 1930.
A persistência de toda a trajetória do Velho foi estigmatizado por essa contradição. Ser vanguarda, dar o exemplo, provocar mudanças profundas, mas se despir de qualquer pretensão de ser governo.
A Revolta Comunista de 1935, que entrou para a História como a Intentona Comunista, movimento, este sim, derrotado no sentido militar, foi também coroado no plano histórico, por ter sido a primeira reação armada no mundo contra o avanço do nazismo. Apesar dos milhares de brasileiros assassinados pela ditadura no Estado Novo, o fascismo que levou a primeira esposa de meu pai, Olga Benário, a morrer numa câmara de gás, foi destruído. O ditador Getúlio Vargas teve que conceder anistia para os presos e exilados políticos, legalizar o Partido Comunista Brasileiro - PCB, como também promover a Assembléia Nacional Constituinte. Nessa época, após nove anos de prisão solitária, já no cargo de Secretário-Geral do PCB, Luiz Carlos Prestes, dia 2 de dezembro de 1945, se elegeu Senador da República, com a maior votação no País.
Com o advento da Guerra Fria, o anticomunismo ganhou força no Brasil, após a II Guerra Mundial. Em maio de 1947, o Governo, com medo do crescimento do movimento comunista, que já possuía oito jornais diários, duas editoras e 180.000 militantes organizados, o coloca na ilegalidade. Em janeiro do ano seguinte, os parlamentares comunistas têm seus mandatos cassados pelo Congresso Nacional. Prestes é forçado a ingressar na clandestinidade, que duraria quase dez anos.
Assim, como após a marcha da Coluna e o fracasso da Revolta Comunista de 1935, o governo anuncia sua vitória absoluta sobre Prestes e seus correligionários. Mas como falar em derrota se a Constituição de 1946, elaborada com significativa participação dos comunistas, até hoje é considerada por juristas como a mais democrática da História da República? Carta Magna que serviu de suporte nas lutas pela nacionalização dos trustes, dos monopólios e sustentou princípios democráticos como o direito de greve. Pela primeira vez, a questão da reforma agrária foi debatida cientificamente neste Senado burguês, que antes de 45 se alinhava somente aos interesses da elite latifundiária. O mandato de Luiz Carlos Prestes foi tão importante para sua época que hoje, por iniciativa e com apoio da Presidência desta Casa, estamos preparando um livro sobre o assunto.
Outro momento crucial da saga do Velho foi o golpe militar 1964, que derrubou o governo do Presidente Jango Goulart. Concordo que, no plano imediato , o PCB sofreu séria derrota. Até porque as tão aclamadas reformas de base não foram realizadas e ocorreu a destruição estrutural da nossa esquerda, que perdeu na tortura quadros valiosos como os membros do Comitê Central do Partido Comunista, entre os quais estavam: David Capistrano da Costa, Itair José Veloso, Elson Costa, Jaime Miranda Amorim, João Massena Mello, Hiram Pereira de Lima, Luiz Inácio Maranhão Filho, Nestor Veras, Orlando Bonfim Jr. e Walter Ribeiro.
Porém, como na época da Coluna, da revolta Comunista de 1935, no Senado Federal, nos anos 40, a longo prazo, os vencidos foram os vencedores. O fascismo cedeu à pressão da vontade do povo. O regime militar foi obrigado a conceder anistia para os presos e exilados, legalizar os partidos políticos e realizar eleições diretas para a presidência da República. Com o tempo, inclusive, após árdua luta, o Governo Federal teve que reconhecer os crimes praticados pelo Exército, Marinha e Aeronáutica, que assassinaram patriotas como Carlos Mariguela e Carlos Lamarca, entre muitos outros.
Quem sabe não é esta força da verdade da História que fez em Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, cidade de onde partiu a Coluna Prestes, Oscar Niemeyer construir um marco de 15 metros de altura em homenagem ao Cavaleiro da Esperança; e a Prefeitura fundar um museu; em Santa Helena, no Paraná, abrir a rodovia Coluna Prestes ao longo da Lagoa de Itaipu; e, no Rio de Janeiro, inaugurar uma escola, creche e a avenida com seu nome?
Recentemente, na rodovia carioca BR-101, surgiu o mais novo acampamento do Movimento dos Sem-Terra - MST, com o nome de Prestes. Em São Paulo, a Prefeitura também denominou um lindo parque com o nome do Velho e, no Estado do Tocantins, por determinação do Governador Siqueira Campos, estamos, neste momento, construindo mais um ousado projeto traçado por Oscar Niemeyer, que é o Memorial Coluna Prestes. No mesmo Estado, vamos inaugurar, em breve, a rodovia Coluna Prestes, que será uma das mais modernas no Brasil central.
O Sr. Casildo Maldaner (PMDB-SC) - Permite-me V. Exª um aparte?
O SR. LEOMAR QUINTANILHA (PPB-TO) - Tem V. Exª a palavra.
O Sr. Casildo Maldaner (PMDB-SC) - Senador Leomar Quintanilha, gostaria apenas de aduzir ao grande pronunciamento de V. Exª os feitos a Luiz Carlos Prestes. No meu Estado de Santa Catarina, há uma cidade, fronteira com a Argentina, denominada Descanso em função de a Coluna ter por lá passado e descansado. Faço essa alusão para contribuir com a homenagem que V. Exª presta à Coluna Prestes.
O SR. LEOMAR QUINTANILHA (PPB-TO) - Agradeço a contribuição de V. Exª, na certeza de que seu Estado também participa do esforço nacional de resgate da figura desse extraordinário brasileiro.
Prezados Srs. Senadores da República, no ano passado, quando o Movimento Sem-Terra homenageou o centenário de nascimento de Prestes, através da marcha sobre Brasília, levando milhares de pessoas a caminhar através de distâncias enormes entre Mato Grosso e Bahia, Rio de Janeiro e Goiás, Maranhão e Paraná, Rio Grande do Sul e Pará, muitos jovens militantes desse justo movimento social não tinham idéia de que estavam trilhando lugares que foram sacudidos pela Coluna Prestes. Muito menos imaginavam que, no quadrilátero do Distrito Federal, dezenas de anos atrás, foram plantadas as sementes do fruto da rebeldia que eles estavam colhendo com o mesmo idealismo. Meu pai parecia estar vivo no meio daquela massa de gente pobre e humilde que, de punhos erguidos, fizeram ecoar por todo o Brasil o grito: ”De norte a sul, de leste a oeste, o povo clama Luiz Carlos Prestes”.
Num mundo cada vez mais dominado por valores materiais e atitudes que buscam resultados imediatos, entendo que o exemplo de meu pai é uma pequena estrela no processo de formação da Nação brasileira. Porém, a coerência do seu rigor moral o transformou num dos personagens centrais da nossa época. Entre o advento do Movimento Tenentista, que impulsionou a modernização do Brasil através da era Vargas, e o fim da Guerra Fria, ponto culminante da última onda da revolução científica e tecnológica, estão os seus 92 anos de vida.
O jovem coronel de 27/28 anos, que nos seus longínquos 1925/1926 pisou este chão do quadrilátero do Distrito Federal, ainda cheio de ilusões e de horizontes, até a morte, dia 7 de março de 1990, nunca se desviou do caminho. Como patriota marchou e pelo visto continua a marchar, reafirmando a tese de que para os “revolucionários o movimento é a vitória”. Pois, a guerra de ocupação e reserva é a que mais convém ao governo que tem fábricas de dinheiro e bastante analfabetos para jogar contra aqueles que lutam contra a exploração do homem pelo homem.
Prestes se manteve em movimento, na clandestinidade, no exílio, na tribuna do Senado Federal e nas inúmeras campanhas cívicas que o Brasil conheceu entre os anos de 1922 a 1990. Assim, como na marcha da Coluna, quando nunca era possível determinar a sua verdadeira direção e impraticável a perseguição, ele ressurge agora no centenário de nascimento, vencendo o esquecimento e as difamações. Exemplo para a esquerda brasileira e mundial, que não podem continuar na defensiva e sim se mobilizar, se movimentar rumo a audácia, que é a luta pela construção de uma sociedade socialista.
Assina: Luiz Carlos Prestes Filho.
Muito obrigado, Sr. Presidente.