Discurso no Senado Federal

CRITICAS AO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO POR SEU OBSTINADO APEGO AO PODER E A AUSENCIA DE SOLUÇÕES DOS PROBLEMAS BRASILEIROS. DESCASO DO GOVERNO COM INCENDIO EM RORAIMA, BEM COMO O ESTADO PRECARIO DA SAUDE. USO INDEVIDO DOS RECURSOS DA PRIVATIZAÇÃO NA AMORTIZAÇÃO DA DIVIDA PUBLICA.

Autor
Lauro Campos (PT - Partido dos Trabalhadores/DF)
Nome completo: Lauro Álvares da Silva Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • CRITICAS AO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO POR SEU OBSTINADO APEGO AO PODER E A AUSENCIA DE SOLUÇÕES DOS PROBLEMAS BRASILEIROS. DESCASO DO GOVERNO COM INCENDIO EM RORAIMA, BEM COMO O ESTADO PRECARIO DA SAUDE. USO INDEVIDO DOS RECURSOS DA PRIVATIZAÇÃO NA AMORTIZAÇÃO DA DIVIDA PUBLICA.
Aparteantes
Josaphat Marinho.
Publicação
Publicação no DSF de 31/03/1998 - Página 5542
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, POLITICA, BRASIL, FALTA, DEBATE, SOLUÇÃO, PROBLEMAS BRASILEIROS.
  • ANALISE, LIVRO, AUTORIA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ESCLARECIMENTOS, ORIGEM, DITADURA, AUTORITARISMO, ACUMULAÇÃO, RIQUEZAS, INSTITUIÇÃO PUBLICA, PAIS.
  • DENUNCIA, ATUAÇÃO, MAURILIO FERREIRA LIMA, PRESIDENTE, EMPRESA BRASILEIRA DE COMUNICAÇÃO S/A (RADIOBRAS), FAVORECIMENTO, REELEIÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CRITICA, LEGISLAÇÃO, OMISSÃO, JUDICIARIO.
  • CRITICA, OMISSÃO, GOVERNO FEDERAL, COMBATE, INCENDIO, ESTADO DE RORAIMA (RR), ERRADICAÇÃO, AEDES AEGYPTI, FALTA, PRIORIDADE, POLITICA SOCIAL.
  • DENUNCIA, IRREGULARIDADE, UTILIZAÇÃO, RECURSOS, PRIVATIZAÇÃO, AMORTIZAÇÃO, DIVIDA PUBLICA.
  • CRITICA, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, PUBLICIDADE, PROPAGANDA, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, temos ocupado inúmeras vezes esta tribuna para tentar uma tarefa que sabemos ser vã, sem qualquer resposta nem resultado positivo.

A nós, da Oposição, cabe tentar limpar os óculos obscurecidos pela fome de poder, que, misturada ao narcisismo, obscurece totalmente a visão de mundo dos nossos governantes. Eles se tornam até mesmo incapazes de perceber que a sua fome de poder e a sua ânsia de permanecer no comando da nau levam o País para rotas que não podem ser cruzadas, por caminhos impérvios e desfiladeiros perigosos. Essa cegueira se torna cada vez maior à medida que a crise se aprofunda, o desemprego se alastra e as falências e o desespero invadem a sociedade e se apoderam de todas as consciências. A solução à vista é apagar o fogo por meio de falsas estatísticas.

Há muitas décadas, num artigo de Eugênio Godin, no jornal O Globo, ele contava que um visitante estrangeiro, um Ministro de um país latino-americano, ao chegar ao Brasil, perguntava se o Governo brasileiro continuava combatendo a inflação por meio das distorções da estatística, fazendo, portanto, um combate estatístico à inflação, ou se havia inventado medidas melhores.

Vemos que obviamente o combate que se faz aos principais problemas que se aprofundam na estrutura dolorida e triste da sociedade brasileira é, no máximo, uma terapia estatística.

O debate político, este paupérrimo, consistindo tão-somente em atirar farpas e inventar versões a respeito de episódios que, de forma alguma, classificam e qualificam a atividade política brasileira. Atividade política que continua sendo aquela instrumentalizada pelo toma-la-dá-cá, pelas promessas de divisão e de partilha desse bolo em que se transformou a pobre economia brasileira.

Antigamente, o professor Fernando Henrique Cardoso se debruçava sobre livros e perquiria na realidade brasileira aquele conteúdo capaz de explicar o caráter despótico, autoritário, ditatorial de nossas instituições políticas e de nossa sofrida história. Dizia ele, por exemplo, com muita propriedade, em seu livro intitulado Autoritarismo e acumulação que o caráter ditatorial não foi apenas uma herança do Brasil da Península Ibérica, mas que aqui adquiriu determinações próprias. Dizia ele que a ditadura, a força concentrada, o poder de emitir medidas provisórias, o poder de silenciar outros Poderes menores, como o Legislativo e o Judiciário, decorriam principalmente disso e deveriam ser entendidos em relação às contradições da acumulação de capital existente no Brasil. Era a acumulação de capital, dizia o Presidente Fernando Henrique Cardoso, que, para manter a sua taxa, a sua voracidade, impunha o uso da força, da coerção sobre as classes que, na realidade, realizam acumulação de capital e poupam riquezas. Por quê? Porque são as classes que foram afastadas da possibilidade de consumo. O salário no Brasil mostra que a poupança e o não-consumo foram lançados definitivamente nas costas daqueles que não podem consumir senão o mínimo vital - uma cesta básica ou menos do que isso -, que são os trabalhadores brasileiros por enquanto empregados. Não são os ricos que poupam, apesar de a aparência indicar isso; mas a aparência é enganosa. Os ricos jamais reduziram o consumo: a compra de carros de luxo, de artigos de luxo, de presentes para as amásias, de viagens ao exterior. Não são eles, a burguesia enriquecida, os banqueiros que fazem o sacrifício da poupança. Isso é mero engano e engodo. São os trabalhadores que não podem consumir porque o seu salário, produto das relações sociais da produção em que entram, os proíbe, limita o seu consumo e gera um excedente que é apropriado pela classe dita poupadora. O sacrifício do maior número é apresentado e metamorfoseado em jejum, abstinência e sacrifício dos banqueiros obesos, dos empresários sempre abastecidos com estímulos, incentivos, doações e, principalmente, com a contínua, a perpétua e a eterna falta de fiscalização que permite o impermissível nesta sociedade, que transforma as leis que deveriam pegar ladrões nas que não pegam. São leis que não pegam banqueiros falsificadores, que não pegam contrabandistas, que não pegam pianistas; são leis que não pegam porque não foram feitas para pegar.

Neste momento pré-eleitoral, é preciso lembrar que o Presidente das 490 emissoras que compõem o Sistema Radiobrás declarou, em entrevista à revista IstoÉ, que foi ele quem inventou a reeleição, tendo comunicado a sua brilhante descoberta em um almoço com Sua Excelência, o Presidente FHC, em Pernambuco, antes da eleição de 1994. Portanto, obviamente, foi bem aquinhoado com a presidência da Radiobrás e com a obrigação, dizia, “de mover uma guerrilha televisiva para eleger e reeleger o Presidente Fernando Henrique Cardoso”.

Denunciei esse fato, mas o Tribunal Regional Eleitoral considerou que declarações do Sr. Presidente da Radiobrás, Maurílio Ferreira Lima, em entrevistas não constituíam prova suficiente para mostrar que já estava em marcha essa guerrilha que visa a permanência no poder, a reeleição e a re-reeleição futura. Esta legislação deveria punir e apenar aqueles que utilizam a coisa pública em proveito próprio e que pretendem alimentar o seu narcisimo e o seu todo poder por meio da estrutura e do aparelho de Estado que aí estão, mediante composições fantásticas e até mesmo por meio da realização do impossível. O Presidente Fernando Henrique Cardoso disse que ia fazer uma aliança de A a Z, envolvendo todos os partidos políticos. Isso reflete seu desprezo pela política; isso reflete a sua visão de que os partidos não valem nada no Brasil, que constituem todos um “saco de gatos”, com os quais ele pode lidar, conjugar, negociar, engambelar, para conquistar o Poder.

Em Roraima, quase não há eleitores. Talvez por isso o fogo grassa, e grassa de graça, sem que haja qualquer preocupação do Governo Federal, o Governo Federal da abertura, entreguista, do escancaramento destruidor. Este Governo agora diz que é nacionalista, e que o fogo de Roraima é nosso. As promessas de auxílios partidas de inúmeras instituições internacionais foram rejeitadas pelo Governo porque ele disse oficialmente que o fogo é nosso - a Petrobrás não, a Eletrobrás não, mas o fogo é nosso - e vamos cuidar do fogo, sabemos cuidar do fogo. Quando esse fogo grassou pelas estatais, obviamente era apenas um sinal de que também grassaria por outros pontos do território nacional. E poderia grassar impunemente. Se Deus não mandar chuvas, não só os galhos, não só a floresta arderá em chamas, não só os céus e o espaço ouvirão, mas todo o mundo se estarrecerá diante desse espetáculo.

Lá quase não há eleitores, porque índio não vota, criança não vota, mendigo não vota. Sobram poucos. Portanto, por que se preocupar, em época de eleição e de reeleição, com esses votos pingados e chamuscados?

No Governo do “Tudo pelo Social” e da socialdemocracia, nós vemos, a cada dia, alastrar-se a dengue. O Ministro Adib Jatene mostrou seus planos para combatê-la, mas ela continua a atemorizar os brasileiros. O aedes aegypti, esse mosquito que transmite a dengue, coloca ovos que podem durar um ano. E, depois de um ano, quando a umidade vem, quando as chuvas chegam, os ovos se fertilizam. Portanto, estamos numa situação de dengue permanente, porque, mesmo que ela seja combatida hoje, com a ida de José Serra para o Ministério da Saúde, mesmo que seja combatida hoje, só daqui a um ano poderemos saber se renascerão, ou não, da seca os ovos do aedes aegypti. As capitais brasileiras, principalmente a de Minas Gerais, foram atingidas de maneira epidêmica, violenta e praticamente sem qualquer reação, sem qualquer preparação que pudesse antecipar a manifestação da praga, e sem qualquer medida profilática que pudesse combatê-la.

Estamos diante de uma situação em que não há dinheiro para a saúde. Os recursos da CPMF, que, segundo prometiam, iriam “retirar a saúde da UTI”, foram desviados, foram transviados e, obviamente, não chegaram à ponta, aos leitos hospitalares, à compra de remédios e de equipamentos novos. O que vemos, portanto, é que uma máfia tomou conta da saúde. Seis diretores de hospitais foram assassinados no Rio de Janeiro, porque uma máfia controla os preços, as vendas e as compras dos medicamentos nesse Estado brasileiro.

E nós, que lutamos contra a privatização de empresas estatais, agora vemos confirmar na prática nossas agoureiras e pessimistas previsões. Mas nosso pessimismo se transformou em otimismo diante daquilo que conseguiram fazer. Como se fosse um David Copperfield, um mágico que faz desaparecer um carro no palco, o Governo brasileiro fez desaparecer as estatais. Recebeu R$19 bilhões da venda das estatais, mas entregou R$17 bilhões para pagar os juros e os serviços da dívida pública. Pagou R$17 bilhões da dívida pública, que passou, no período de três anos, de R$150 bilhões para R$306 bilhões. Foi aí que enfiaram todas as empresas estatais, ou seja, R$17 bilhões desapareceram no ar. É um David Copperfield que anda por aí queimando ou fazendo desaparecer empresas estatais e o resultado de sua venda.

Sua Excelência, o Presidente da República, disse outro dia que basta ligar a televisão para ver um oposicionista lançando insultos e impropérios a fim de profligar a sua notável administração. Nós, inermes oposicionistas, para sorte deste Governo, não sabemos absolutamente fazer oposição.

           É tão grande esse filé, é tão grande esse flanco aberto pelo Governo para as oposições, e realmente é muito pouco habilidosa, é muito pouco capaz a nossa, a minha, capacidade de crítica. É muito limitado o tempo de que dispomos, se comparado com o tempo enorme de que dispõe Sua Excelência. Mas para tanta beleza e tanta capacidade de engano e de engodo, obviamente, há as televisões que escancaram suas portas a Sua Excelência. As inaugurações ocorrem aos pedacinhos: alguns quilômetros de estrada são inaugurados quando ainda existem centenas que esperam sua realização. Qualquer coisa, qualquer posto de saúde é suficiente para colocar nos palanques a vontade de poder, toute puissance, a vontade total de poder do Presidente da República.

           O Sr. Josaphat Marinho (PFL-BA) - V. Exª me permite um aparte?

           O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF) - Com prazer, ouço V. Exª.

           O Sr. Josaphat Marinho (PFL-BA) - Senador Lauro Campos, como sempre, serei breve. Veja V. Exª que a vontade de poder é tão grande que ainda não se deu a primeira reeleição, e os jornais já noticiaram que, na intimidade do Palácio, já se fala na segunda reeleição. Era só isso que eu queria dizer.

           O SR. LAURO CAMPOS (Bloco/PT-DF) - Agradeço o aparte com que a inteligência de V. Exª se antecipa aos fatos.

           Realmente, gato escaldado devia ter medo de água fria. E como na História do Brasil nunca houve reeleição, é natural que Sua Excelência considere pequeno para si, para tamanha grandeza e para as luzes que acumulou em sua privilegiada inteligência, apenas oito anos de poder. Mas, esse brilho, esse fogo dessa inteligência parece muito, em seus efeitos, com o cavalo de Átila, que destrói tudo, queima tudo, cresta tudo e esteriliza o caminho por onde passa.

           Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/03/1998 - Página 5542