Discurso no Senado Federal

ESPETACULAR REVOLUÇÃO DA NOVA GERAÇÃO DE MUSICOS PERNAMBUCANOS.

Autor
Joel de Hollanda (PFL - Partido da Frente Liberal/PE)
Nome completo: Joel de Hollanda Cordeiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CULTURAL.:
  • ESPETACULAR REVOLUÇÃO DA NOVA GERAÇÃO DE MUSICOS PERNAMBUCANOS.
Publicação
Publicação no DSF de 04/04/1998 - Página 5941
Assunto
Outros > POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • ANALISE, EXPANSÃO, MUSICA BRASILEIRA, BRASIL, EXTERIOR, CRIAÇÃO, EXECUÇÃO, REALIZAÇÃO, MUSICO, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE).

O SR. JOEL DE HOLLANDA (PFL-PE. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, quem canta seus males espanta, diz um provérbio popular. Esse lema pode ser traduzido também por quem canta aos outros encanta. E, a propósito da arte de cantar, quero fazer o registro da verdadeira revolução na música brasileira que vem de Pernambuco e toma o resto do País.

A nova geração de músicos pernambucanos, desde algum tempo conhecidos por seus conterrâneos, vem sendo descoberta pelo restante do País. Tem encantado platéias do Sudeste, Centro-Oeste e Sul. Indo mais longe, nossos cantores têm-se projetado para além das nossas fronteiras, invadindo os ouvidos do Tio Sam e da Europa.

De certa forma, esse movimento tem servido, também, para jovens da periferia tentarem espantar os males que lhes afligem, como o da violência; ao mesmo tempo, tem usado suas melodias para encantar Pernambuco e o Brasil.

Embora o músico de maior popularidade dessa nova geração - Chico Science - nos tenha deixado tão precocemente, a semente que ele ajudou a plantar prospera de maneira exuberante em Pernambuco. O impacto é de tal modo forte que, extrapolando o cenário musical, se projeta para outros setores, como o do cinema, das artes plásticas e até da moda.

No cinema, um bom exemplo é Baile Perfumado, aplaudido pela crítica nacional. Esse filme, por sinal, contou com trilha sonora a cargo de Chico Science e Nação Zumbi, Mundo Livre e de Mestre Ambrósio.

Na moda, são revelados estilos mais próximos dos valores da terra, tendo surgido vários mercados alternativos para comercializar e divulgar o trabalho dos estilistas engajados com essa concepção.

Na área de artes cênicas, temos a Escola Pernambucana de Circo para Crianças e o Novo Circo Pernambucano, e assim por diante.

Essa explosão de criatividade, aliás, não é nenhuma novidade, pois não é de hoje que Pernambuco envia ao cenário nacional músicos de qualidade. Capiba foi um dos primeiros, alimentando o Brasil de belas melodias. Nas últimas décadas, tivemos Alceu Valença e Geraldo Azevedo sendo aplaudidos nos palcos do Sudeste. E, agora, multiplicam-se as bandas com projeção nacional. (Desnecessário citar Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, de tão identificado que ele ficou com todo o Nordeste e com o Brasil, ou seja, ele foi um pernambucano que virou sinônimo de brasilidade).

Importante notar que não se trata apenas de bandas “de Pernambuco” projetando-se para além das fronteiras regionais, mas de uma verdadeira renovação daquilo que se convencionou chamar de “música popular brasileira”, dado o caráter de inovação que esses grupos trazem.

Esse movimento musical se insere numa tradição histórica muito fecunda de renovação da música brasileira; no início do século, o samba, nascido nos morros cariocas, foi ganhando espaço a ponto de, atualmente, ser sinônimo de identidade nacional; no início dos anos 60, a bossa-nova fez a sua revolução, lançando mão das raízes brasileiras, aliando-se à sofisticação do jazz norte-americano; mais recentemente, a tropicália, apropriando-se das guitarras elétricas fez vibrar de um modo diferente a “geléia-geral” da música brasileira, juntados bumba-meu-boi, iê-iê-iê, com no na música de Gilberto Gil.

Comecemos pelo chamado Movimento Mangue Beat, iniciado pelo saudoso Chico Science e seu Nação Zumbi e pelo Mundo Livre. Fundindo melodias e temas regionais com o rock e a música eletrônica, tem criado algo de novo. Tomando-se o maracatu, o frevo, o baião, o repente nordestino, a embolada e associando-se essa “música de raiz” com o rock , o reggae e o hip hop, operou-se uma verdadeira revolução musical. Revolução que, utilizando-se das influências estrangeiras, não se limita a copiar, mas, pelo contrário, recria esses ritmos e padrões. Essa renovação vem “balançar o coreto” mais ou menos certinho desenhado pela Axé Music, pelo rock brasileiro, assim como pelo samba, pagode e sertanejo, sons que fazem a trilha sonora do cotidiano de nossa população.

Os dois discos de Chico Science e Nação Zumbi - Da lama aos caos e Afrociberdelia - trouxeram uma linguagem nova, agressiva, veiculando ritmos e imagens fortes; sua percussão é baseada em ritmos africanos - os mesmos que foram conservados durante séculos pela tradição popular regional; as letras falam de lama, de caranguejos, de fome e de tecnologias modernas. O sucesso veio com presença em festivais, veiculação de clipes na TV e aplauso dos críticos. Na esteira dessa projeção, vieram as outras bandas.

Uma delas é a de Dona Selma do Coco, que se apresentou recentemente em Brasília, após já ter feito turnê pela Europa. Nessa banda, uma senhora de mais de 60 anos, acompanhada de familiares, canta e dança coco-de-roda. Com sua singeleza e autenticidade temperadas com uma dose de malícia, destila canções tradicionais e envolve o público com a beleza dos versos e contágio do ritmo. Já teve um CD mixado na Alemanha e, para este ano, prepara outro.

Coração Tribal, cuja música tem influência no reggae é outra banda. Assim como Dona Selma, também já alcançou projeção internacional, apresentando-se na Alemanha.

Nos Estados Unidos, em pleno coração de Nova Iorque, no Central Park, apresentaram-se, além de Chico Sciense e Nação Zumbi, a banda Mundo Livre e o Mestre Ambrósio. A Mundo Livre, por sinal, pode ser vista freqüentemente num canal especializado em música, o MTV. Já a Mestre Ambrósio tem de interessante músicas inspiradas no Cavalo Marinho, assim como no Forró de Pé-de-Serra, e está lançando um CD muito esperado pelo público de São Paulo.

           Outras bandas em vias de se projetarem no cenário nacional, por meio de seus discos, são a Devotos do Ódio, de rap, que saiu do morro e usa instrumentos reciclados; há, também, a Faces do Subúrbio, que tem sua origem no Alto do Zé do Pinho, do Recife; prestes a alçar vôo está a Querozene Jacaré, que une poesia de cordel a rock pesado; outra que chega para ficar é a Cascabulho, influenciada por Jackson do Pandeiro, e que já se apresentou, com sucesso, no Free Jazz Festival de 1997; de grande valor, igualmente, é a Dona Margarina Pereira e os Fulanos, vencedora de um festival estadual de música.

           Enfim, como se pode ver, não se trata de um fenômeno isolado. É um verdadeiro caldeirão de manifestações musicais que chega não apenas para preencher um espaço, mas para contribuir com a afirmação dos jovens das comunidades de onde saem essas bandas. Em geral, surgem nas periferias e estão profundamente ligadas à construção da identidade de seus participantes. É interessante notar que, mesmo lançando mão de ritmos regionais e da chamada música de raiz, não existe uma atitude xenófoba. Aproveitam-se do forró de pé-de-serra como do rap ou do rock. No entanto, não são “imitadores” desses estilos. São, na verdade, recriadores, dentro de uma perspectiva de abertura para outras culturas e de afirmação da criatividade, da expressão de uma visão de mundo a partir da experiência pernambucana.

           Há, além dessas bandas citadas, boas revelações, como Grupo Chão e Chinelo e Comadre Florzinha, que compartilham o espaço com figuras tradicionais como a de Seu Zé Neguinho e a de Mestre Salustiano, cada uma delas engajada num projeto de música criativo e inovador.

           Esse movimento, também chamado de Cena Pernambucana, tem funcionado como o eixo para a retomada do movimento cultural no Estado de Pernambuco e, como já disse, tem contribuído de maneira significativa para a afirmação da identidade dos jovens das periferias da cidade de Recife e dos arredores.

           Quanto às fontes onde bebem esses grupos, temos o maracatu, a ciranda e o coco de roda, que são manifestações tradicionais e que sobreviveram pela resistência cultural. Já o rock tem marcado presença há décadas nos ouvidos brasileiros; nos últimos tempos, e mais “antenados” com o sentimento da juventude, têm surgido ritmos como o rap (do inglês rhytm and poetry).

           Para V. Exªs terem uma idéia, o rap tem em Gabriel, o Pensador (Rio de Janeiro) e nos Racionais MC´s (São Paulo) as figuras mais conhecidas. Caracterizam-se pela veiculação de mensagens de protesto contra a violência de que são vítimas os jovens pobres e negros da periferia. O rap revela sua universalidade pelo alcance que tem, pois não importa se esses jovens estão num gueto em Nova Iorque, na Baixada Fluminense ou na periferia de Olinda: há um sentimento de rebeldia e de inconformidade, que vem sendo traduzido em música. Prova da amplitude desse sentimento de rebeldia é o fato de esses grupos de rap serem muitíssimo apreciados pelos jovens de classe média. Quer dizer, em vez de desembocar na violência, pela música, esses sentimentos são canalizados para a busca da construção da identidade desses jovens marginalizados. Encontrar os canais para expressar essa arte é que é o grande desafio. Eis onde reside a riqueza do movimento de renovação que se opera em Pernambuco. Lá, esses jovens têm participado de festivais, têm sido incentivados e recebido formação nos locais apropriados.

           No Alto do Zé Pinho, várias bandas começam a se mostrar, com rap e hip hop; na comunidade Chão de Estrelas, na periferia de Recife, o Daruê Malungo atua há 15 anos, ensinando dança, percussão e capoeira e formando grandes músicos. Um exemplo do reconhecimento desse trabalho foi a participação do pessoal do Daruê num CD gravado por Airto Moreira e Flora Purim, dois músicos brasileiros radicados nos Estados Unidos. Na periferia de Olinda, há o Movimento Boca do Lixo, que promoveu, em fevereiro, o Primeiro Festival Pop Rock Regional, com música, dança, teatro e poesia.

Não se poderia negar expressão a esses artistas. Eis porque vários espaços vêm sendo conquistado por eles. É o caso dos festivais como o Primeiro Pop Rock de Peixinho, em Olinda; é o caso também do Projeto Diversão de Verão, no Recife antigo. Essas manifestações garantem presença, inclusive, em outros espaços, como no Festival de Inverno de Garanhuns, aberto pelo Encontro de Maracatus e encerrado com o Encontro de Frevo. Até mesmo a Exposição de Animais, teve três dias dedicados à cena pernambucana.

Por enquanto, ainda há muitas bandas fora do circuito das gravadoras, mas a indústria fonográfica está antenada e, com certeza, mais uma vez neste ano, assistirá à edição anual do Abril Pró Rock, do Pernambuco em Concerto e do Maracatu Atômico, que são festivais promovidos por produtores independentes, como a África Produções, com o apoio do Ministério da Cultura, do Governo Estadual e da Prefeitura Municipal. E, em breve, quem não tem o privilégio de morar em Pernambuco vai poder se encantar com o som de nossa terra, graças aos discos a serem gravados, pois, somente nos dois últimos anos, surgiram mais de cem bandas desse tipo.

Esse movimento, principalmente na área musical, vem reforçar o mercado fonográfico brasileiro, que é o sexto no mundo e que tem, nos artistas nacionais, mais de dois terços de seu faturamento. E sua divulgação para todo o território nacional se torna mais significativa ainda, pois representa um elemento a mais na afirmação da identidade nacional.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente, sobre esse espetacular movimento de música que está surgindo em Pernambuco e que já se está espalhando por todo o Brasil e até mesmo no exterior.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/04/1998 - Página 5941