Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A CORRESPONDENCIA ENVIADA AO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO POR INTELECTUAIS, NO DIA 15 DE JANEIRO ULTIMO, NO QUAL MANIFESTAM PREOCUPAÇÃO COM AS AÇÕES ANUNCIADAS PELO GOVERNO COM RELAÇÃO A CONCESSÃO PARA EXPLORAÇÃO MADEIREIRA DENTRO DAS FLORESTAS NACIONAIS E OUTRAS, NA REGIÃO AMAZONICA.

Autor
Odacir Soares (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RO)
Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A CORRESPONDENCIA ENVIADA AO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO POR INTELECTUAIS, NO DIA 15 DE JANEIRO ULTIMO, NO QUAL MANIFESTAM PREOCUPAÇÃO COM AS AÇÕES ANUNCIADAS PELO GOVERNO COM RELAÇÃO A CONCESSÃO PARA EXPLORAÇÃO MADEIREIRA DENTRO DAS FLORESTAS NACIONAIS E OUTRAS, NA REGIÃO AMAZONICA.
Publicação
Publicação no DSF de 07/04/1998 - Página 6063
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • COMENTARIO, CARTA, AUTORIA, INTELECTUAL, AUTORIDADE, MEIO AMBIENTE, DESTINATARIO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, APREENSÃO, ATUAÇÃO, EMPRESA ESTRANGEIRA, EXPLORAÇÃO, MADEIRA, REGIÃO AMAZONICA.
  • DEFESA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, UTILIZAÇÃO, MANEJO ECOLOGICO, FLORESTA.
  • ANALISE, PROJETO, MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE (MMA), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), CONCESSÃO, ACESSO, INICIATIVA PRIVADA, FLORESTA NACIONAL.

           O SR. ODACIR SOARES (PTB-RO. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, ocupo a tribuna desta Casa para trazer à discussão o teor da correspondência que um grupo de intelectuais enviou ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, no dia 15 de janeiro, próximo passado. O tema central da correspondência é a manifestada preocupação com as ações anunciadas pelo Governo com relação à concessão para exploração madeireira dentro das Florestas Nacionais e outras, na Região Amazônica.

           Os signatários da correspondência dirigida ao Presidente Fernando Henrique Cardoso foram: José Goldemberg, Professor da Universidade de São Paulo e Ex-Secretário de Meio Ambiente da Presidência da República; Israel Klabin, Presidente da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável; Elizer Batista da Silva, Ex-Secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência da República; Ibsen de Gusmão Câmara, Presidente da Sociedade Brasileira de Proteção Ambiental; Paulo Nogueira Neto, Professor da Universidade de São Paulo e Ex-Secretário de Meio Ambiente (Federal); Eneas Salati, Diretor Técnico da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável e Ex-Diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia; José Lutzemberger, Presidente da Fundação GAIA e Ex-Ministro de Meio Ambiente e Warwick E.Kerr, Professor da Universidade de São Paulo e Ex-Diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.

           Os intelectuais destacam, nos parágrafos iniciais do documento, as distorções existentes no mercado mundial de madeiras tropicais, que entendem fortemente oligopolizado. Afirmam que “...Os instrumentos públicos e privados reguladores desse mercado internacional vêm, através de décadas, desenvolvendo políticas comerciais que acarretam a devastação irrecuperável de florestas, sobretudo no sudeste asiático”, (Item 1).

           O documento ressalta que: “... Os grandes países consumidores comandam as instituições internacionais reguladoras da exploração madeireira tropical nos países em desenvolvimento, ao mesmo tempo em que são os maiores usuários deste mesmo comércio e, portanto, fazem uma política ambígua entre a necessidade de preservação e o interesse financeiro representado pela reserva de mercado destes países (Item 2).

           Destacam ainda, em relação ao comércio internacional “...a relação de troca perversa, oriunda do baixíssimo valor unitário das exportações de madeira tropical com relação ao valor agregado final, nos mercados consumidores dos países desenvolvidos.

           É certo, Sr. Presidente, que os controladores do mercado de madeira, no mundo, Malásia e Indonésia, açambarcam cerca de 80% do mercado mundial, e movimentam US$10 a 12 bilhões por ano. Desde 1996, noticia-se com freqüência, na grande imprensa nacional, que grupos multinacionais, como a malaia WTK Corporations, estariam investindo na Amazônia mirabolantes somas em dólares para a aquisição de empresas madeireiras, serrarias e glebas de terras.

           A importância assinalada para a produção de madeira é válida para todos os Estados da Amazônia, além de residir no setor um forte potencial de crescimento. A importância para o mercado externo ainda é pequena, visto que atinge apenas 4% do mercado mundial, mas adquire relevância como supridor do mercado interno. A Amazônia, hoje, é supridora de 90% do mercado interno das madeiras tropicais.

           Quanto às críticas feitas, pelos intelectuais, em referência “...a relação de trocas perversas, oriunda do baixíssimo valor unitário das exportações de madeira tropical com relação ao valor agregado final, nos mercados consumidores dos países desenvolvidos” (Item 3), estudiosos do setor florestal/madeireiro entendem que a floresta rende mais do que a pecuária, e que pode render mais do que a agricultura.

           Porém, tudo dependerá de uma maior agregação de valor aos produtos madeireiros, passando o Brasil a exportar produtos acabados (móveis, portas, lambris,etc.) ao invés de exportar madeira bruta em toras ou em pranchões, com uma pequena ou nula agregação de valor. A mudança preconizada resultará em mais empregos, mais renda e mais benefícios para a sociedade.

           É necessário e urgente, Sr. Presidente, que a Amazônia passe a utilizar com inteligência a riqueza madeireira que potencialmente dispõe. É importante, e indispensável, que o atual sistema de uso e exploração seja modificado, com profundidade. É preciso que seja mudado o perfil da indústria de processamento de madeira na Região Amazônica, que opera com desperdícios de até 70%, segundo informações do IBAMA, e que ajuda a reforçar a lógica da superabundância, que resulta na desvalorização da matéria-prima.

           No Item 5 da correspondência, o grupo de intelectuais afirma que: “... As poucas experiências de manejo em florestas tropicais por todo o mundo são, ainda, incipientes e não podem ser tomadas como paradigma para a abertura e estabelecimento de uma política de concessões florestais. Até a presente data são desconhecidos procedimentos de exploração realmente sustentáveis das florestas tropicais, devido à diversidade de espécies e sua dispersão nos ecossistemas”.

           Sr. Presidente, os resultados já existentes nas pesquisas na área de manejo florestal sustentado, desenvolvidos pelo Centro de Pesquisa Agroflorestal da Amazônia Oriental-CPATU/EMBRAPA e demais Instituições Oficiais de pesquisa e ensino, e por Organizações Não-Governamentais-ONG’s sérias, que atuam na Amazônia, como o IMAZON- Instituto do Homem e do Meio Ambiente e a FFT-Fundação da Floresta Tropical, desenvolveram estudos e acumulam experiências que, com segurança, darão o suporte para que o Governo Federal, via Órgãos competentes, possam implementar com segurança um sistema de monitoramento e fiscalização das explorações madeireiras nas Florestas Nacionais, que se propõe colocar ao acesso privado, ou licitar.

           A EMBRAPA/CPATU divulgou em 1996 na publicação “Manejo Florestal”, de autoria do pesquisador José Natalino Macedo Silva, recomendações técnicas que traduzem resultados de experimentos conduzidos diretamente pela EMBRAPA nos últimos 20 anos, sob a liderança do CPATU. Os resultados já avaliados permitem a afirmação de que:

           - o manejo racional da floresta é economicamente viável;

           - essa tecnologia propicia o enriquecimento da área explorada, sem perda da biodiversidade.

           O termo manejo florestal, ou manejo auto-sustentado, ou ainda manejo sustentado, usado há décadas no Brasil, nem sempre tem sido bem entendido. Manejo florestal é classicamente definido como “...aplicação de métodos empresariais e princípios técnicos na operação de uma propriedade florestal”. Entre os princípios técnicos está a silvicultura como parte integrante do manejo. A silvicultura deve ser entendida como a parte da ciência florestal que trata do estabelecimento, condução e colheita de árvores. Esse conceito, que à primeira vista parece referir-se somente a florestas plantadas, aplica-se também a florestas naturais.

           Uma definição moderna de manejo se encontra no próprio decreto que regulamentou a exploração das florestas da Bacia Amazônica (Decreto nº1.282, de 19/10/1995). Nesse documento, o termo manejo florestal sustentável é definido como “...administração de floresta para obtenção de benefícios econômicos e sociais, respeitando-se os mecanismos de sustentação do ecossistema”. Essa definição deixa claro que para ser sustentável, o manejo deve ser economicamente viável, ecologicamente correto e socialmente justo”.

           Os procedimentos práticos que compõem a tecnologia de manejo sustentado são de fácil entendimento e estão ao alcance dos produtores. O bom manejo inclui uma exploração cuidadosa (de baixo impacto ambiental), a aplicação de tratamentos silviculturais à floresta, para regenerar e fazer crescer outra colheita, e o monitoramento, para ajudar o manejador na tomada de decisões técnicas e administrativas.

           A cartilha do pesquisador José Natalino Macedo Silva sobre “Manejo Florestal” estabelece seis passos para um bom manejo; são eles:

           Passo 1) - Defina claramente os objetivos do seu manejo: o objetivo de um plano de manejo não deve atender apenas à legislação florestal, mas sim, definir claramente, para o que você manejará sua floresta. Em primeiro lugar deverá ser o de produzir matéria-prima para abastecer indefinidamente a sua fábrica. Em segundo lugar, uma floresta bem manejada está contribuindo para manter a qualidade da água, do ar, perservar a biodiversidade, gerando benefícios socioeconômicos para a sociedade.

           Passo 2) - Calcule qual a área de floresta que você precisa manejar: a área a ser manejada deve ter um tamanho compatível com o consumo de matéria-prima de sua empresa. Exemplificando vamos supor que a sua floresta apresente 30 metros cúbicos por hectare de volume disponível das espécies consideradas como de valor comercial, assim classificadas, conforme o seu objetivo definido no Passo 1. Se a sua indústria consome 12 mil metros cúbicos de toras por ano, então você precisaria manejar 400 hectares por ano para abastecer sua indústria.

           Na Amazônia brasileira, um hectare de mata explorada e não manejada produz, em média, cerca de um metro cúbico de madeiras comerciais por ano. Com essa produtividade, você necessita esperar 30 anos para voltar a cortar o primeiro talhão, que é quando a floresta terá produzido os mesmos 30 metros cúbicos que você extraiu na primeira vez. A esse tempo de espera, tempo “perdido”, dá-se o nome de ciclo de corte ou pousio.

           Continuando o raciocínio, se você necessita cortar 400 hectares por ano e tem que esperar 30 anos para voltar ao primeiro talhão, então você precisará manejar um total de 12 mil hectares de florestas.

           Passo 3) - Execute um bom inventário florestal em sua propriedade: o inventário florestal é a base do planejamento da produção de sua empresa; por isso, faça um bom planejamento dessa atividade: escolha um sistema de amostragem que melhor se aplique ao seu caso, e utilize unidades de amostra com tamanho e formas adequados. É preciso lembrar que o número de unidades de amostra deve ser suficiente para obter uma boa precisão, produzindo resultados confiáveis. É preciso anotar que apenas o engenheiro florestal e o engenheiro agrônomo habilitado são capacitados para realizar um inventário florestal. Evite inventários “inventados”.

           Passo 4) - Planeje e execute bem a exploração: a exploração florestal é uma operação crítica, pois dela depende, em grande parte, o sucesso do manejo. É uma atividade que, por sua natureza, causa danos à floresta. Estudos têm demonstrado que, do modo como vem sendo conduzida na Amazônia,a extração danifica até 60% ou mais da cobertura florestal e destrói até dois metros cúbicos de madeira para cada metro cúbico aproveitado. Uma extração cuidadosamente planejada pode reduzir à metade os danos e, inclusive, ser mais barata que a não-planejada. Os procedimentos para o Passo 4, são minuciosamente e didaticamente detalhados na “Cartilha” do Dr.José Natalino Macedo Silva.

           Passo 5) - Acompanhe o desenvolvimento de sua floresta: diferente das plantações, onde é fácil observar que a floresta cresce, a floresta tropical, por ser uma mistura de centenas de espécies, com diferentes idades e diferentes taxas de crescimento, torna-se difícil, ou mesmo impossível, observar, visualmente, o seu crescimento. A maneira mais prática de fazer isso é medir periodicamente algumas árvores e “sentir” o quanto elas crescem. A esse tipo de inventário chama-se de inventário contínuo. As parcelas permanentes estão para o silvicultor como o termômetro está para o médico. Se você tem dificuldades em analisar e interpretar os dados de um inventário contínuo, a solução será procurar a EMBRAPA de sua região.

           Passo 6) - Cuide de sua floresta: os tratamentos silviculturais são necessários por diversas razões: para liberar a floresta de cipós; para eliminar árvores que competem e prejudicam o crescimento das árvores reservadas para as futuras colheitas. Os tratamentos silviculturais que podem ser citados são: corte de cipós, desbastes de liberação (eliminar árvores não comerciais), que podem ser feitos por anelamento simples ou anelamento contínuo com aplicação de arboricidas.

           Fazer o manejo pode parecer que os custos aumentarão e o madeireiro não poderá competir com aqueles que não o fazem. É claro que ao introduzir tecnologia ou boas práticas operacionais, onde não existia provavelmente nenhuma, os custos aumentarão. Mas é preciso lembrar: ao praticar o bom manejo, novos mercados se abrirão, e sua empresa não correrá o risco de ser punida por desobediência à legislação florestal.

           Os trabalhos científicos, as recomendações práticas feitas pela EMBRAPA na Região Amazônica, me fazem confiar que existe um estoque de conhecimentos capaz de embasar a política do “Acesso Privado às Florestas Públicas”, que o IBAMA está oferecendo ao setor industrial madeireiro, como efetivo e disciplinar e aumentar a oferta de madeira, nas Florestas Nacionais, nas Reservas Extrativistas e Projetos de Assentamento Extrativistas.

           A Região Norte possuí 24 Florestas Nacionais-FLONAS, com um total de 12.527.989 hectares, o que corresponde a 99,47% da área total das FLONAS, no país. Além das FLONAS, as Reservas Extrativistas somam mais de 2,3 milhões de hectares; os Projetos de Assentamento Extrativistas, sob orientação do INCRA, na Região Amazônica, ultrapassam 1,0 milhão de hectares (FLORESTAS NACIONAIS DO BRASIL, ANEXO 01).

           Totalizando, Sr. Presidente, o Governo Federal tem em seu poder cerca de 16 milhões de hectares (precisamente, 15.827.989 hectares). No último dia 2 de março foram criadas por Decreto Presidencial, sete novas Florestas Nacionais somando uma área de 2.624.475 hectares, totalizando assim, em mãos do Estado, DEZOITO MILHÕES SEISCENTOS E VINTE E QUATRO MIL HECTARES de FLORESTAS NACIONAIS.

           Não pretendo entrar em contraditório com os ambientalistas que dizem que as sete novas Florestas Nacionais-FLONAS não acrescentam um hectare sequer à área de florestas protegidas da Amazônia Legal. A argumentação é a de se tratar de áreas já em mãos do Estado, como a FLONA de Carajás, que se sobrepõe à área já concedida à Vale do Rio Doce para mineração; parte da FLONA de Itacaiúnas que se sobrepõe à 84 mil hectares da FLONA Tapirapé-Aquirí; e o restante das áreas das novas FLONAS que se sobrepõe a áreas militares e, por isso, já eram áreas de preservação.

           O importante, Sr. Presidente, é que não seria defensável que qualquer particular, qualquer empresário, retivesse em suas mãos e as mantivesse inexplorado sem cumprir uma função social, um patrimônio da magnitude de DEZOITO MILHÕES SEISCENTOS E VINTE E QUATRO MIL HECTARES.

           Foi dentro dessa ótica de dar utilização a um bem que é de todos, que o Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal e o IBAMA, assumiram a pró-atividade de iniciar o processo de dar ACESSO PRIVADO ÀS FLORESTAS PÚBLICAS.

           Muitos se referem à nova política como sendo a de privatização das Florestas Nacionais, mas o termo privatização não é bem aceito pelo Secretário de Desenvolvimento Integrado do Ministério de Meio Ambiente, Raimundo Deus-Dará, que diz: “... prefiro chamar de publicização das florestas o ato de transmitir as áreas de domínio público em florestas nacionais, que serão exploradas pela iniciativa privada”.

           É necessário lembrar, ademais, que a medida não é nenhuma inovação. Trata-se de pôr em prática sistema já adotado em vários países com larga tradição de exploração florestal, como o Canadá, Estados Unidos e Nova Zelândia. Mesmo na Região Sul e Sudeste do Brasil, o IBAMA já vem pondo em prática a concessão de uso de Florestas Nacionais, há mais de 10 e 20 anos.

           Objetiva-se dar maior racionalidade e efetividade ao uso e controle da produção e ao controle dos estoques. Dessa forma, ficaria assegurada continuidade ao suprimento do mercado de produtos florestais e maior garantia de sustentabilidade no uso desses recursos.

           O primeiro pressuposto fundamental a considerar é o controle ao acesso do recurso via fiscalização técnica, de monitoramento seletivo, controle efetivo, de forma que a quantidade (volume) da madeira colocada no mercado seja feita de maneira gradativa, para assegurar preço e sustentabilidade. Com isso, criar-se-á uma escassez relativa (a madeira, como qualquer outro bem, precisa ser escassa para ser valorizada) e serão formados estoques estratégicos capazes de regular as alterações da demanda.

           O segundo pressuposto é obter a definição de um instrumento legal/normativo que possibilite a garantia do acesso às florestas. Este segundo pressuposto já foi, ou melhor, está sendo, objeto de uma ampla e democrática discussão em grupos de trabalho, comissões, mesas redondas e audiências públicas.

           Sr. Presidente, no dia 31 de março de 1997, efetivou-se em Porto Velho, Rondônia, na sede da Federação das Indústrias do Estado de Rondônia-FIERO, uma reunião promovida pelo IBAMA-Diretoria de Recursos Naturais Renováveis, na pessoa do Dr. Paulo Benicá de Salles, oportunidade em que participei da discussão de uma ampla pauta, na qual se inseria o acesso aos recursos e manejo de florestas públicas, especificamente à concessão da FLONA do Jamari, com 215 mil hectares e da FLONA do Bom Futuro, com 280 mil hectares.

           Nas discussões se chegou a conclusão que é importante, disciplinar, assegurar e proteger as terras na Amazônia e a exploração dos recursos florestais. É importante que o empresariado madeireiro da Amazônia, que não dispõe de recursos próprios de florestas para as suas atividades passe a ter essa alternativa pública.

           Deixo um relato do que ficou discutido, como uma “tempestade de idéias” a licitação e o plano de manejo, apresentados pelos Presidentes de Sindicatos Madeireiros de Rondônia, AIMARO e empresários:

           - a duração do contrato poderá ser de 20 a 25 anos, a depender da volumetria dos recursos madeireiros.

           - uma empresa, embora ganhe a concessão de uso por um período de 10 anos, será avaliada a cada ano.

           - uma dada empresa extratora, que fizesse a exploração dos recursos, poderia fazer a comercialização da madeira para empresas consumidoras.

           - é considerado muito perigoso uma empresa monopolizar o acesso aos recursos.

           - a industria madeireira de Rondônia está sucateada ou presa fortemente a financiamentos.

           - a FLONA do Jamari não possui recursos madeireiros nobres, como por exemplo, o mogno; só tem madeira de lâmina.

           - a FIERO estabelecerá a demanda de recursos para cada empresa localizada no raio econômico da FLONA do Jamari.

           - o transporte da madeira é que inviabiliza a exploração. O raio econômico para o caso da FLONA do Jamari, seria de mais ou menos 60 quilômetros.

           - o plano de manejo será feito para cada área licitada.

           - a rotação dos cortes deve ser feita em decorrência das necessidades das indústrias madeireiras.

           Em relação aos empecilhos ou negatividades apresentadas nos itens 8, 9 l0 e 11, pelos senhores intelectuais, (consolidação de um sistema predatório; soluções até agora utilizadas ou preconizadas que ignoram o cenário ecológico; falta de apoio às reservas extrativistas e técnicas de colonização periférica) permito-me apresentar uma resenha de uma oportunidade, que já é conhecida na Amazônia, que já esta sendo praticada timidamente na Amazônia, refiro-me a tecnologia dos Sistemas Agroflorestais-SAF. Ao fazer uma revisão dos antecedentes que deram suporte aos Sistemas Agroflorestais, reporto-me à experiência acumulada no ICRAF - International Council for Research in Agroforestry, de Nairobi, Kenia. 

           O ICRAF é uma organização internacional, autônoma, sem fins lucrativos; o mandato do ICRAF é conduzir e apoiar pesquisas em agroflorestas.

           O ICRAF foi fundado em 1978, com sede em Nairobi, Kenya. Alcançou rápido crescimento nos anos 80 e conta com um “staff” de 250 funcionários, incluindo cerca de 75 pesquisadores dedicados exclusivamente a pesquisas de campo, em 12 países africanos e latino-americanos (no Brasil está trabalhando no Acre, Projeto do INCRA, “Pedro Peixoto”, e em Rondônia, no Município de Theobroma).

           A missão do ICRAF é a de: “...aumentar o bem estar social, econômico e nutricional das populações em países em desenvolvimento com a utilização de pesquisas e atividades para integrar espécies perenes madeiráveis na agricultura e sistemas de uso da terra, de forma a alcançar alta produtividade”.

           Devemos acrescentar que a filosofia do ICRAF está intimamente ligada à emergência da agrossilvicultura e o papel desempenhado pelo ICRAF na criação deste novo campo. Como propósito final, o ICRAF “...trabalha pela desaceleração dos desflorestamentos tropicais, redução do esgotamento das terras e mitigação da pobreza rural, através de sistemas agroflorestais melhorados”.

           O mandato do ICRAF é o de contrabalançar o sistema da agricultura migratória(slash and burn. Ou “derruba e queima”) que é um sistema de agricultura tradicional utilizado, por séculos, em vastas áreas dos trópicos úmidos. A agricultura migratória continua a ser um sistema de uso da terra dominante em cerca de 30% das terras agricultáveis do mundo e que provê sustento para uma população estimada de 250 milhões de pequenos produtores rurais, que constituem a mais pobre população do mundo e milhões de migrantes adicionais vindos de outras regiões.

           Pesquisas em andamento indicam que a agricultura migratória, ou da “derruba e queima”, pode ser substituída por sistemas alternativos que produzem os alimentos, as fibras necessárias para o agricultor dos trópicos úmidos, enquanto provê ingressos adicionais pela produção de alto valor/baixo volume de produtos para a exportação.

           É nestes produtos de alto valor/baixo volume (borracha, palmito, cacau, dendê, fruteiras tropicais, pimenta-negra, produtos medicinais, etc.) nos quais os trópicos úmidos gozam de vantagem comparativa com o resto do mundo. Pesquisas correntes indicam que para UM hectare explorado nesses sistemas sustentáveis, CINCO a DEZ hectares de florestas tropicais podem ser salvos do machado e da motosserra dos agricultores, para produzirem a mesma quantidade de alimento e fibras, por ano.

           Os sistemas agroflorestais já estão sendo experimentados pelos pequenos agricultores de Rondônia, contando com o apoio da EMBRAPA/CPAF-RO, que implantou a 20 ou 25 anos experimentos de Sistemas Agroflorestais, com seringueira x café e seringueira x cacau, em Ouro Preto do Oeste, e inúmeras áreas financiadas pelo Banco do Estado de Rondônia-BERON, em Machadinho do Oeste, com o apoio do Campo Experimental da EMBRAPA/CPAF-RO, com combinações pupunha x café; freijó x guaraná; e outras combinações.

           Sr. Presidente, entendo que o apelo feito pelos intelectuais ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso para que “...convocasse uma reunião de especialistas a fim de estabelecer políticas de desenvolvimento sustentável compatíveis com o anteriormente exposto” seja atendido, mas não posso deixar de lembrar que no dia 3 de março (terça feira última), foi realizada no Senado Federal, na Comissão de Assuntos Sociais, uma reunião com os Ministros do Meio Ambiente, Gustavo Krause, da Ciência e Tecnologia, José Israel Vargas, o Presidente do INPE, Márcio Noqueira Barbosa e o Presidente do IBAMA, Eduardo Martins, para discutir o desmatamento da Amazônia, e à qual compareceram numerosos parlamentares, pesquisadores, Organizações Não-Governamentais, convidados como debatedores. Todos empenharam-se, por mais de quatro horas, na discussão do tema.

           Concluo o meu discurso, Sr. Presidente, manifestando-me favorável à proposta que vem sendo defendida pelo Ministério do Meio Ambiente e pelo IBAMA, na concessão das Florestas Nacionais ao uso público. Defendo que as medidas que desembocam na licitação sejam urgenciadas, sem mais tardanças, tanto para a FLONA do Tapajós, no Pará, como para a FLONA do Jamari, em Rondônia.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/04/1998 - Página 6063