Discurso no Senado Federal

CRITICAS A GESTÃO GOVERNAMENTAL DA SAUDE, EM ESPECIAL QUANTO A DISSEMINAÇÃO DAS EPIDEMIAS DE DENGUE E MALARIA. (COMO LIDER)

Autor
Junia Marise (PDT - Partido Democrático Trabalhista/MG)
Nome completo: Júnia Marise Azeredo Coutinho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • CRITICAS A GESTÃO GOVERNAMENTAL DA SAUDE, EM ESPECIAL QUANTO A DISSEMINAÇÃO DAS EPIDEMIAS DE DENGUE E MALARIA. (COMO LIDER)
Aparteantes
Odacir Soares.
Publicação
Publicação no DSF de 08/04/1998 - Página 6129
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, DJALMA BESSA, DJALMA FALCÃO, POSSE, SENADOR.
  • EXPECTATIVA, ATUAÇÃO, JOSE SERRA, SENADOR, QUALIDADE, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), PRIORIDADE, GOVERNO, COMBATE, EPIDEMIA, DOENÇA, DOENÇA ENDEMICA, HANSENIASE, MALARIA, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), MENINGITE, REGIÃO SUDESTE, REGIÃO NORTE.
  • CRITICA, ADMINISTRAÇÃO, GOVERNO, SETOR, SAUDE PUBLICA, BRASIL, DESVIO, DESTINAÇÃO, VERBA, PROCEDENCIA, CONTRIBUIÇÃO PROVISORIA SOBRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (CPMF), OMISSÃO, REFERENCIA, ATUAÇÃO, PLANO, SAUDE, REGULAMENTO, SEGURO-DOENÇA, PREJUIZO, POPULAÇÃO, INEFICACIA, COMBATE, EPIDEMIA, DOENÇA ENDEMICA, REDUÇÃO, RECURSOS ORÇAMENTARIOS.

A SRª JÚNIA MARISE (Bloco/PDT-MG. Como Líder. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, antes de iniciar o pronunciamento, saúdo os ex-Deputados Djalma Bessa e Djalma Falcão, companheiros nossos na Câmara dos Deputados hoje investidos na função de Senadores da República. A S. Exªs os nossos cumprimentos e saudações.

Neste momento, desejo fazer uma radiografia da situação da saúde no nosso País. Em outras oportunidades, já ocupei esta tribuna para advertir o Governo da situação em que se encontra hoje o nosso País, com o recrudescimento das chamadas doenças antigas, que voltam agora a atingir a nossa população do Nordeste e do Sudeste.

A posse do Ministro José Serra na Pasta da Saúde ensejou celebrações efusivas, principalmente nos meios governistas. Justas celebrações, se considerarmos que o novo Ministro da Saúde, com quem tivemos a honra de compartilhar esta tribuna, é um homem competente e que, por força política, terá condições de tirar a saúde do caos a que tem sido relegada nos últimos anos.

Este breve pronunciamento não tem o caráter comum nessas ocasiões, até porque ação política não se pode confundir com colunismo social. Na verdade, tem o caráter de cobrança. Fico à vontade, Sr. Presidente, para cobrar antecipadamente uma urgente e eficaz administração no setor de saúde, tendo em vista as recomendações do novo Ministro em seu discurso de posse: “Reclamem, cobrem seus direitos”.

A par disso, é de todo conveniente lembrar que há anos venho cobrando atuação mais decisiva de nossos governantes no que respeita à área da saúde, excluída das prioridades do Governo em obediência à ótica neoliberal de hegemonia do mercado e de minimização da ação do Estado.

Recentemente, ocupei a tribuna para advertir quanto à armadilha em que se transformou a regulamentação dos planos e seguros de saúde, que, após cinco anos de discussões, deverão continuar desservindo o consumidor brasileiro.

Ainda mais recentemente, dirigi-me aos colegas para condenar a maquiavélica ação do Governo Federal no que tange à aplicação dos recursos da CPMF. Aprovada com a perspectiva de suplementar as verbas da saúde, a CPMF foi utilizada até mesmo para pagar dívidas do Governo.

Nesse aspecto, eu não poderia deixar de mencionar o discurso de posse do Ministro José Serra.

Antes, quando Ministro do Planejamento, abominava a vinculação de despesas e entendia que o problema do setor da saúde era ocasionado por mau gerenciamento das verbas; agora, defende a instituição, em curtíssimo prazo, de um financiamento permanente para o setor de saúde.

A posse do Senador José Serra ocorre no momento em que, preocupados, observamos o recrudescimento de várias epidemias no território nacional. Mais do que isso, observamos, na imagem mais otimista, o caos de nossa política sanitária - e esse, na verdade, é o tema central deste pronunciamento.

É doloroso constatar que epidemias de todo o tipo vêm flagelando o povo brasileiro, tão desassistido, tão pobre e doente. No entanto, todas essas epidemias eram previsíveis. “Uma epidemia não aparece da noite para o dia”, comentou, na semana passada, Gilson Cantarino, Presidente do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde.

Foi o Governo Federal, por várias vezes, advertido quanto aos riscos de a moléstia assumir forma epidêmica. O efetivo combate à dengue - doença que se alastra facilmente, chegando a comprometer a força produtiva das nações - exigia recursos de 4 bilhões de reais. A saúde, porém, era prioridade governamental apenas para efeito de marketing. O combate à dengue jamais disporia de recursos em tal volume, enquanto o mercado financeiro era socorrido com 27 bilhões de reais.

Após afetar toda a Região Nordeste, onde se concentraram 194 mil dos 251 mil casos detectados no ano passado, a dengue agora se alastra no Sudeste brasileiro, especialmente nos Estados de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Juntos, esses três Estados registram 71% dos casos de dengue ocorridos este ano em todo o território nacional.

Até meados de março, conforme levantamento feito pelo jornal Folha de São Paulo junto ao Ministério e às Secretarias Estaduais de Saúde, a moléstia já acometera cerca de 80 mil brasileiros, com 25.091 casos notificados no Espírito Santo e 24.032 em Minas Gerais.

O jornal O Globo, em sua edição de 17 do mês passado, opinava que o combate à dengue não pode ser assim tão difícil. “Afinal - argumentava -, há noventa anos, com os meios disponíveis de então, Oswaldo Cruz erradicou o mosquito da cidade do Rio de Janeiro”.

Em Minas Gerais, onde obviamente acompanho mais de perto o seu desenvolvimento, a dengue motivou um manifesto, assinado por 26 prefeitos da Grande Belo Horizonte e encaminhado ao Presidente Fernando Henrique Cardoso e ao então Ministro Carlos Albuquerque. Os Prefeitos foram unânimes na avaliação da epidemia e, principalmente, nas queixas contra a política ministerial de repasse de verbas.

A situação é tão grave que, apenas em Belo Horizonte, até o dia 9 do mês passado, registraram-se 8.994 casos de dengue.

O Ministro José Serra, que recentemente ainda defendia o ponto de vista da área econômica, terá agora condições de constatar qual é, efetivamente, a prioridade que se dá ao sistema de saúde no Brasil. Passada, portanto, a solenidade de posse, já deve estar agora o Ministro se defrontando com os números que tornam a sua Pasta não o Ministério da Saúde, mas, no dizer dos especialistas, transformado hoje no Ministério da Doença.

O quadro com que se depara hoje no Ministério da Saúde inclui a disseminação da AIDS. A doença não se restringe mais aos chamados grupos de risco. O novo Ministro certamente ainda vai deparar-se também com a necessidade de combater urgentemente a malária, perigosa moléstia que a cada 15 segundos mata uma pessoa no mundo. Doença que se expande em todo o chamado Terceiro Mundo, a malária, nos últimos dez anos, matou mais crianças do que todas as guerras que ocorreram no planeta.

No Brasil, a malária atinge hoje 500 mil pessoas, com destaque para a Amazônia - Estados do Amazonas, Pará, Acre, Amapá, Roraima, Rondônia, Mato Grosso, Tocantins e Maranhão -, que, em 1996, registrou 455 mil ocorrências. Entre 1979 e 1995, a malária matou nada menos que 12.700 brasileiros na Região Norte.

Acrescento ainda, como estatística da radiografia das doenças endêmicas que estão transformando o Brasil em um país doente, o quadro publicado esta semana pela revista IstoÉ. Este quadro mostra exatamente, Srs. Senadores, a situação de cada doença (dengue, hanseníase, sarampo, tuberculose, leishmaniose, doença de chagas, esquistossomose, febre amarela e malária), representando estatisticamente a realidade de hoje com relação a todas essas endemias que estão atacando a nossa população.

A esse propósito, cito também o editorial do jornal Folha de S.Paulo, que lamenta ser o Brasil vice-líder na ocorrência da hanseníase, atrás apenas da Índia. Ao lado do Brasil e da Índia, perfazendo 91% dos casos registrados em todo o planeta, estão Bangladesh, Camboja, República Democrática do Congo, Etiópia, Guiné, Indonésia, Moçambique, Nepal, Nigéria, Filipinas, Sudão e Tasmânia. Fica aí caracterizada a hanseníase como moléstia vinculada ao subdesenvolvimento, à precariedade da infra-estrutura e dos cuidados sanitários.

Em 1991, a Organização Mundial de Saúde obteve do Brasil o compromisso de reduzir a incidência dessa doença a menos de um caso por grupo de dez mil habitantes. A meta não será atingida, entre outros motivos, como salienta o editorial, pelo “fluxo irregular e incerto de verbas públicas destinadas a combater as moléstias”.

Todas essas doenças vêm recrudescendo ou, no mínimo, mantendo patamares inadmissíveis. Elas não se esgotam nessa breve listagem. A elas ainda se juntam o sarampo, que, no ano passado, provocou morte e afetou as regiões do Triângulo Mineiro e da grande Belo Horizonte; a meningite, que, em menos de uma semana, matou três crianças em Nova Lima, Município da grande Belo Horizonte; a hepatite, que provocou o estado de calamidade pública em Bocaina de Minas, no sul do Estado.

Não tive por intenção, neste pronunciamento, relacionar todos os males que afetam a saúde do nosso povo. Apenas estamos alinhavando algumas doenças que vêm flagelando nossa população, com destaque para as que atingem o Estado de Minas Gerais. Aqui relatamos a realidade dramática do quadro incompleto, mas ainda assim aterrador, do caos que se instalou na saúde pública em meu Estado e em todo o Brasil.

Temos a divulgação de matérias publicadas pela imprensa nacional e também nos jornais de circulação em Minas Gerais: “Febre Amarela é a Nova Ameaça”, “Antigas Doenças Retornam e Fazem Novas Vítimas”, e uma pergunta muito característica e hoje sempre repetida “De Quem é a Culpa?”.

Ora, Sr. Presidente, estamos praticamente diante de uma situação de emergência e de calamidade pública na área da saúde em nosso País. Isso certamente nos leva a refletir sobre esta realidade.

No ano passado, o Conselho Nacional de Saúde propôs como limite mínimo dos recursos orçamentários para a saúde cerca de R$22 bilhões, mas o Governo, apesar das informações prestadas pelo Conselho Nacional de Saúde, estabelecendo um teto mínimo para atender à demanda da área da saúde pública no nosso País, ainda assim reduziu R$3 bilhões e destinou R$19 bilhões para o orçamento da saúde no nosso País.

Há três anos, o Ministério da Saúde solicitou recursos suplementares para propiciar um programa de prevenção no País para a erradicação das doenças consideradas doenças ultrapassadas. Nem um centavo de real foi atendido pelo Governo e alocado para o programa de prevenção estipulado pelo próprio Ministério da Saúde.

Hoje estamos assistindo a esse programa, e a própria imprensa nacional tem incluído como fórum de discussão a questão da saúde pública no nosso País, a falta de recursos e certamente a falta de gerenciamento na aplicação correta dos recursos públicos para atender à demanda na nossa população.

Queremos aqui mais uma vez enfatizar que a questão da saúde não deve ser vista apenas da ótica de um governo que define como prioridades a questão econômica e a preocupação de não haver o desmanche do sistema financeiro.

Há alguns anos, ao serem anunciados problemas de ordem financeira em várias instituições bancárias no nosso País, o Governo imediatamente promoveu socorro por intermédio do Proer. A justificativa governamental era de que não se podia permitir que o Brasil assistisse a uma situação vinculada ao sistema financeiro que poderia levar a uma situação de dificuldades econômicas no País.

Ora, Sr. Presidente, estamos diante de uma situação de emergência. O Brasil está doente. São crianças e adultos que estão morrendo, crianças que estão sofrendo e sendo atingidas hoje pelo sarampo, pela malária, pela dengue, pela hepatite. E os números são assustadores, as estatísticas estão demonstrando isso. Portanto, estamos num estado de emergência. E é preciso que o Governo atenda à nossa população, que passa por momentos difíceis com o recrudescimento de doenças e epidemias que se alastram por todo o País. Os principais Estados da Região Sudeste, como Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo, além de Estados das regiões Norte e Nordeste, apresentam situação de dificuldades na área da saúde.

Sr. Presidente, participando de um debate na semana passada, tive a oportunidade de manifestar minha confiança na força política do novo Ministro da Saúde. Seus antecessores não tiveram sucesso, apesar do empenho demonstrado nas solicitações por aumento de recursos para a saúde.

O Sr. Odacir Soares (PTB-RO) - V. Exª concede-me um aparte?

A SRª JÚNIA MARISE (Bloco/PDT-MG) - Com muito prazer, concedo o aparte ao eminente Senador Odacir Soares.

O Sr. Odacir Soares (PTB-RO) - Senadora Júnia Marise, a realidade da saúde no Brasil, principalmente em relação às endemias, é a pior possível. Quero dizer a V. Exª que acredito no trabalho a ser desenvolvido pelo Senador José Serra no Ministério da Saúde, que, tenho certeza, desenvolverá todos os esforços para resolver os problemas daquela Pasta. No entanto, de vez em quando, escuto o próprio Ministro e o Presidente da República conclamarem o Congresso Nacional a encontrar uma fonte de financiamento para a saúde no Brasil. A Constituição já prevê tal financiamento no capítulo da seguridade social, que abrange saúde e previdência. No ano passado, a seguridade social teve uma receita de R$91 bilhões e despesas de R$82 bilhões. Em conseqüência, houve um superávit em torno de R$9 bilhões. A informação que tenho é que esses R$9 bilhões foram utilizados para o pagamento das dívidas externa e interna. Quero cumprimentar V. Exª por seu pronunciamento, trazendo essas informações, que naturalmente vão levar o Senador José Serra a ser um grande Ministro da Saúde.

A SRª JÚNIA MARISE (Bloco/PDT-MG) - Agradeço o aparte de V. Exª, incorporado neste modesto pronunciamento em que manifestamos nossa confiança no novo Ministro da Saúde.

Sr. Presidente, vamos estar permanentemente nesta tribuna, cobrando do Governo e do Ministério ações eficazes para evitar, em nossas estatísticas, registros como aquele de que, a cada 24 horas, em Belo Horizonte, 3.200 novos casos de dengue são notificados ao setor de saúde do Estado.

Concluímos nosso pronunciamento na expectativa de que, agora, o Governo possa reverter ou minimizar o problema da saúde no País.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/04/1998 - Página 6129