Discurso no Senado Federal

PREOCUPAÇÃO COM A SECA QUE ATINGE O SOLO SEMI-ARIDO NORDESTINO.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CALAMIDADE PUBLICA.:
  • PREOCUPAÇÃO COM A SECA QUE ATINGE O SOLO SEMI-ARIDO NORDESTINO.
Aparteantes
Bernardo Cabral, José Alves.
Publicação
Publicação no DSF de 09/04/1998 - Página 6271
Assunto
Outros > CALAMIDADE PUBLICA.
Indexação
  • ANALISE, AGRAVAÇÃO, SECA, REGIÃO SEMI ARIDA, REGIÃO NORDESTE, ESPECIFICAÇÃO, INTERIOR, ESTADO DO CEARA (CE).
  • SOLICITAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, URGENCIA, ADOÇÃO, PROVIDENCIA, DESTINAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, COMBATE, SECA, REGIÃO NORDESTE, IMPEDIMENTO, AGRAVAÇÃO, FOME, REGIÃO SEMI ARIDA, ESTADO DO CEARA (CE).

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, ao que tudo indica, configura-se no Nordeste uma seca, mais uma seca de grandes proporções. Temos assistido nesta Casa a vários Senadores - recordo-me bem do Senador Ney Suassuna - que têm, repetidas vezes, trazido o tema para debate neste Plenário.

Vencido aquele período no Ceará, que coincide com o dia de São José, 19 de março, que é chamado de Passagem do Equinócio, nós, os cearenses, principalmente os homens do interior, os homens do campo, perdemos a esperança de que as chuvas possam vir.

Configura-se no interior do Estado uma crise muito grave: a perda de mais de 80% da colheita, a falta de água até para beber e a ausência de trabalho. Esses fatores, juntos, criam realmente uma situação desesperadora para aqueles que habitam o semi-árido, zona mais seca do Nordeste.

Alguém poderia pensar que estamos praticando a política do “pires na mão”, com o braço estendido pedindo uma esmola ao Governo Federal. Não se trata disso. Ainda ontem, por ocasião da posse do Ministro Renan Calheiros, fiz contato com o Ministro Fernando Catão, da Secretaria de Desenvolvimento Regional, e aprazamos um encontro para a próxima semana, a fim de debatermos algumas medidas que estão sendo estudadas pelo Governo Federal para fazer face a essa intempérie no Nordeste.

Muito se tem falado, sobretudo depois da Constituição de 1988, da descentralização das ações e dos recursos, e fortalecimento dos Estados e Municípios. Muito se tem avançado nesse sentido, mas a União não perde algumas das suas atribuições essenciais, básicas, entre as quais, sem dúvida, está a de socorrer Estados e regiões vitimados por grandes calamidades.

Há pouco, assistimos ao episódio triste, sob vários aspectos, do grande incêndio ocorrido em Roraima, onde uma área enorme foi totalmente devastada pelo fogo. As providências foram lentas e frágeis, e o fogo devorou uma boa parte da floresta e do cerrado daquele Estado. Agora o Governo está adotando uma série de providências para minorar a situação dos habitantes da região, oferecendo-lhes apoio por meio da Secretaria de Desenvolvimento Regional e do Ministério do Meio Ambiente, ao mesmo tempo em que anuncia um grande programa de investimentos para evitar a ocorrência de episódios semelhantes. Na verdade, isso não ofende nem aos dirigentes, nem aos funcionários do Ibama, que não têm condições de prevenir e debelar incêndios nas florestas, nos parque nacionais e nas estações ecológicas, as quais estão diretamente sob sua responsabilidade.

É preciso que o Governo invista nessas providências.

Por coincidência, hospedo em minha residência um casal estrangeiro - ele é português e ela, inglesa - recém-chegado da Europa, que se admirou com a passividade com que esse assunto é encarado no Brasil. Segundo eles, na Europa o fato está tendo uma repercussão enorme, inclusive afetando a imagem do Governo brasileiro, que estaria indiferente ou, pelo menos, adotando providências muito pequenas e insuficientes para enfrentar o problema.

Agora, surge novamente a questão da seca no Nordeste.

Durante seu governo, Juscelino Kubitschek designou o Coronel Orlando Ramage, um catarinense, para, anonimamente, viajar pelo interior do Nordeste, percorrendo o Ceará e mais dois ou três Estados. Ele visitou várias frentes de trabalho e acampamentos de flagelados, como eram chamados, e elaborou um relatório, que há pouco tempo tive oportunidade de ler, a partir do qual o então Presidente lançou a operação Nordeste e, depois, criou a Sudene.

De lá para cá, muito tem evoluído o combate à seca, mas ninguém pode, a pretexto de uma descentralização, admitir que a União se omita diante de uma situação tão grave. Não se pensa na reedição das famosas frentes de trabalho, nas quais milhares de pessoas eram reunidas em condições sanitárias e alimentares extremamente difíceis, muitas vezes adoecendo e morrendo nos acampamentos que permitiram a construção de rodovias e de grandes barragens.

Atualmente, essa seria uma forma totalmente inadequada de socorrer essas pessoas. São necessárias outras formas de atendimento à população, em cooperação com os Estados e Municípios, assegurando assistência no local mais próximo possível de onde vivem e costumam trabalhar essas pessoas.

Espero que na próxima semana, durante reunião com o Ministro Fernando Catão, possamos conhecer as propostas do Governo Federal para enfrentar a questão, colaborando com nossas sugestões.

O Sr. José Alves (PFL-SE) - Senador Lúcio Alcântara, permite-me V. Exª um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Pois não.

O Sr. José Alves (PFL-SE) - Senador Lúcio Alcântara, associo-me a V. Exª em relação às suas preocupações e ponderações sobre a seca - a que, mais uma vez, o Nordeste está exposto - e sobre a indiferença do Governo Federal, ao longo dos anos, com em relação àquela Região. V. Exª, os técnicos que já estudaram o assunto e a Sudene conhecem o diagnóstico para o Nordeste. Há uma preocupação em torno da forma como poderemos gerar empregos, isso é por demais sabido, e cabe a nós cobrar do Governo Federal uma nova postura. É sobejamente sabido que o Nordeste tem duas vertentes capazes de alavancar o seu desenvolvimento e incorporá-lo ao restante do País: a fruticultura irrigada e o turismo. O Estado de V. Exª, em sua capital, dá um exemplo pujante do que o turismo pode fazer. A indiferença do Governo Federal, quando da elaboração do Orçamento e com relação ao conjunto das medidas necessárias para a convivência com a seca, que não são implementadas, é motivo de muita preocupação e apreensão de nossa parte. Quero aproveitar a gentileza de V. Exª e me associar às suas preocupações.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Muito obrigado, Senador José Alves. Na verdade, V. Exª, eu, o Senador Edison Lobão e tantos outros temos clamado por uma política objetiva, atual e moderna para o Nordeste.

A Região Norte é igualmente pobre e apenada por essas desigualdades regionais, mas tem o atenuante da sua baixa densidade demográfica, se é que isso pode ser considerado como tal. Por sua vez, o Nordeste é paupérrimo e tem grande concentração populacional, o que agrava o problema.

Não mais podemos aceitar a imigração maciça que costumava ocorrer nas grandes secas. Levas e levas de cearenses foram para o Amazonas, para o Acre e entraram no interior da selva amazônica - foram os soldados da borracha. Ali, plantaram raízes, construíram famílias e colaboraram para o desenvolvimento daqueles Estados, mas em condições ambientais extremamente desfavoráveis e inóspitas para a sobrevivência. Agora, o Governo deve ter políticas para o desenvolvimento regional.

A seca já não é o drama de antigamente - durante o qual as pessoas morriam nas estradas, tentando fugir daquela situação calamitosa -, tão bem pintado por vários romancistas e escritores nordestinos, mas ainda é um drama muito grande. Em várias regiões do interior semi-árido do Nordeste, a água para consumo humano ainda representa um problema grave. Quem sabe, agora, o Governo consiga coragem para promover a transferência de água do São Francisco, o que poderá perenizar vários rios na região.

O Sr. Bernardo Cabral (PFL-AM) - V. Exª me concede um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Ouço V. Exª, com satisfação.

O Sr. Bernardo Cabral (PFL-AM) - Senador Lúcio Alcântara, aplaudo V. Exª pela linearidade de sua atuação política. Posso dar o meu testemunho, porque o conheço desde a época em que foi Prefeito de Fortaleza, depois Deputado Federal Constituinte e agora Senador da República. Há um traço único na atuação de V. Exª: a preocupação com este problema, que já foi adjetivado de “o flagelo da seca”. V. Exª é um pertinaz defensor de melhores condições para o Nordeste. Depois do encontro com o titular da Secretaria de Desenvolvimento Regional, por certo V. Exª vai chamar a atenção do Governo Federal para o fato de que não se resolvem problemas dessa natureza aceitando alegações de que o Ibama e outros órgãos não têm material e portanto não estão aptos a atuar nesses casos. É preciso que se entenda que Exª não está aqui fazendo denúncia, e, sim, trazendo uma contribuição; é preciso que o Governo não faça ouvidos de mercador a quem tem essa experiência e essa posição linear, horizontal em todo o desempenho do mandato, seja Legislativo ou Executivo. Tenho a certeza - mais do que isso, a convicção - de que há, e precisamos acabar, a exploração do Nordeste nesse particular. Senador Lúcio Alcântara, penso que V. Exª, para finalizar o meu aparte, faz, como médico, este registro. Como médico, V. Exª conhece as conseqüências disso para o bem-estar de uma população. A exemplo do Senador José Alves, associo-me às suas palavras. Quero que V. Exª sinta que estamos em boa companhia, o Senador José Alves e eu.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Muito obrigado, Senador Bernardo Cabral.

Agradeço a V. Exª pela menção à nossa persistência nessa linha de atuação. De fato, é difícil até se obter repercussão em assuntos relativos ao Nordeste. Há sempre aquela visão negativa de que se trata apenas de políticos que pedem benesses, solicitam favores; de que se trata de recursos desperdiçados, mal-aplicados; de que se trata de ineficiência na gestão. Isso pode até acontecer, mas, em locais onde há muito mais recursos, o volume desses desperdícios é muito maior. Não é possível, hoje, às vésperas de um novo milênio, encontrarmos populações inteiras no Nordeste sendo abastecidas por caminhões-pipa. Em algumas cidades do interior do Nordeste, a presença de tambores às portas das casas é constante. Ali os caminhões colocam água de péssima qualidade, transportada em condições indesejáveis, que ameaçam a saúde principalmente das crianças. Vale ressaltar que, ainda assim, temos tido um grande progresso na redução da mortalidade infantil, ainda alta comparada com a de outros países desenvolvidos.

Fica aqui o nosso apelo para que, vencendo preconceitos e a indiferença de alguns, o Governo Federal aja de maneira eficiente, apropriada, para dar um suporte a esses nordestinos que vão enfrentando mais uma seca neste ano de 1998.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/04/1998 - Página 6271