Discurso no Senado Federal

HOMENAGENS DE PESAR PELO FALECIMENTO DO SENADOR PARAIBANO HUMBERTO LUCENA.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGENS DE PESAR PELO FALECIMENTO DO SENADOR PARAIBANO HUMBERTO LUCENA.
Aparteantes
Carlos Wilson, José Fogaça.
Publicação
Publicação no DSF de 15/04/1998 - Página 6428
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, HUMBERTO LUCENA, SENADOR, ESTADO DA PARAIBA (PB), EX PRESIDENTE, CONGRESSO NACIONAL.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS. Para encaminhar a votação. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Parlamentares, eu não podia deixar de trazer aqui a minha palavra e o meu abraço de dor e de respeito pela morte de Humberto Lucena.

Eu o conheci nas horas mais dramáticas do meu partido. Eu, um singelo Deputado Estadual, Presidente do meu partido no Rio Grande do Sul, era chamado e vinha permanentemente a Brasília, a cada crise e a cada drama. E em todas essas circunstâncias, em todas essas ocasiões, ali, nas horas mais difíceis, estava Humberto Lucena. Lembro-me dele e dizem bem os nobres Senadores Josaphat Marinho e Bernardo Cabral: na hora em que os Partidos desapareceram, ele tinha tudo para ficar no partido oficial, mas não somente ficou no nosso partido, como ficou firme e constante no comando da nossa causa.

Lembro-me que Lucena era daquelas vozes mais lúcidas e mais tranqüilas das quais saíam as grandes soluções nos momentos mais difíceis. Quantas e quantas reuniões trágicas, quantas e quantas vezes não se sabia o que fazer e para onde ir, quantas e quantas reuniões dramáticas, na quais os mais jovens, levados pelo ímpeto, defendiam soluções as mais radicais, e a palavra de Lucena, sempre, era enérgica, firme, era a palavra lúcida, a palavra de alguém que não perdia a serenidade e a responsabilidade da decisão.

Conheço o que foi a vida de Lucena. Acompanhei o seu trabalho e a sua ação, ainda que lá no Rio Grande do Sul, Deputado Estadual, e S. Exª já nosso Líder, já líder da bancada. Primeiro, Covas Líder e ele Vice-Líder; depois, Covas cassado, Cabral cassado, e ele na liderança.

Sr. Presidente, estou muito machucado hoje. O Senador Bernardo Cabral disse uma grande verdade: “muitas vezes nós, políticos, temos que morrer para merecer referência.” No entanto, o nosso bravo Lucena nem morrendo teve o respeito que merecia. A imprensa de hoje não foi justa como devia: eu diria até que foi cruel. É verdade que os jornais fazem uma rápida referência aos cargos que Humberto Lucena ocupou - duas vezes Deputado Estadual, quatro vezes Deputado Federal, três vezes Senador, duas vezes Presidente do Congresso Nacional; entretanto, o que fazem questão de dizer e de repetir é o caso dos calendários, que ele teria sido cassado pelo tribunal por ter feito a sua campanha usando a Gráfica do Senado. O que não é verdade.

Defendi, durante muito tempo, entre muitos Senadores, que a Gráfica do Senado deveria ser utilizada como acontece atualmente, somente para publicações dos Senadores. A verdade é que, ao longo dos anos, ela vem sendo utilizada por muitos e muitos Deputados e Senadores para imprimir mensagens de Natal: cartões de Natal, folhinhas e calendários.

Disse bem o Senador Ronaldo Cunha Lima. Vi dezenas e dezenas de mensagens com folhinhas de Natal, de Parlamentares dos mais ilustres, dos mais íntegros, sobre os quais nunca se falou nada. Digo hoje o que disse na hora: não entendi a atitude do Tribunal Superior Eleitoral. Com todo o respeito, entendo que foi um tremendo equívoco, porque eles também sabiam, assim como todos nós, que muitos outros utilizavam a gráfica para imprimir suas mensagens natalinas. Falo com tranqüilidade sobre este assunto, porque não era do meu feitio, do meu estilo, fazer isso. Mas reconheço que a imensidão dos Parlamentares o fazia.

O que a imprensa fez, Sr. Presidente, foi muito grave, porque divulgou que o Sr. Humberto Lucena fez a campanha eleitoral com a Gráfica do Senado. A opinião pública entendia que toda a campanha tinha sido feita na Gráfica do Senado. Tive muitos debates lá no Rio Grande do Sul, ocasião em que o defendi publicamente, explicando que ele tinha feito apenas um calendário, no ano anterior à eleição, ocasião em que não se sabia se ele iria se candidatar a algum cargo. O calendário só trazia o seu nome e votos de “Feliz Natal e Próspero Ano Novo”, tal como cansei de ver no caso de outros Parlamentares mais ilustres.

O Sr. Carlos Wilson (PSDB-PE) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS) - Concedo o aparte ao nobre Senador Carlos Wilson.

O Sr. Carlos Wilson (PSDB-PE) - Senador Pedro Simon, indiscutivelmente hoje o Senado vive um dia dos mais tristes da sua história e principalmente nós que aprendemos, que convivemos, que respeitamos a figura do Senador Humberto Lucena de muito tempo. Há pouco, conversava com V. Exª e lembrava de Humberto Lucena ao lado de Ulysses Guimarães, andando por este Brasil afora, nos momentos mais difíceis que este País enfrentava: o período do regime militar. Humberto Lucena sempre teve uma posição tranqüila, serena, mas também muito firme em defesa da redemocratização do País. Tive o privilégio de ter Humberto Lucena como professor na Câmara dos Deputados, ainda como Deputado Federal. E, ao participar desta sessão, sinto-me profundamente triste, pois ele não está presente, ele não está mais aqui no nosso meio. Foi preciso que ele se fosse para que o Brasil reconhecesse, como se faz hoje, essa figura honesta, correta desse grande homem público que foi Humberto Lucena. O Senador Elcio Alvares, o Senador Bernardo Cabral e outros Senadores já se manifestaram em relação à retidão, à honestidade do Senador Humberto Lucena. Fico imaginando o sofrimento do Senador Humberto Lucena quando enfrentou esse episódio que V. Exª agora faz questão de relatar aqui desta tribuna. Então, Senador Pedro Simon, por mais que se procure escolher uma palavra, alguma coisa para se dizer em relação ao Senador Humberto Lucena, será muito pouco. Mas temos certeza de que o seu exemplo ficará marcado permanentemente em nós, Parlamentares brasileiros. Temos nele um referencial daquilo que, na verdade, ele foi: um exemplo de Parlamentar para o nosso País.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS) - Agradeço a V. Exª. Todos os Parlamentares se identificam com Humberto Lucena. Sou católico, cristão, muito espiritualizado, e sobre isso tinha muitas conversas com Lucena. Quando perdi o meu filho em um acidente de automóvel, aos dez anos de idade, ao chegar a Brasília, Lucena teve um gesto que muito me comoveu. Independente das convicções que se tem, não há como deixar de reconhecer que Chico Xavier é um homem de respeito para o povo brasileiro. Humberto Lucena era amigo de Chico Xavier, foi lá e me trouxe uma mensagem com relação à morte do meu filho. O gesto de Lucena, sair daqui e ir a Minas Gerais, na cidade de Uberaba, e trazer aquela mensagem de uma beleza espiritual impressionante, eu nunca esqueci. Tenho-a até hoje guardada, nas imagens que tenho do meu filho e cravadas no meu coração.

Por isso, quando sofreu na sua campanha aquele gesto, eu o procurei, desejando em parte retribuir o que ele tinha feito comigo. Mas o importante é salientar-se que Lucena era um homem sem ódios: não conseguiram marcá-lo, não conseguiram fazer com que aquele fato o tornasse um revoltado. Ele enfrentou aquela situação de modo sereno, tranqüilo. Não se ouviu, em nenhum de seus pronunciamentos, e foram vários, desta tribuna, em sua defesa, nada que partisse para a agressão; apenas a sua defesa, do homem simples, que morreu com as mãos vazias, ocupou os mais variados cargos, mas pobre veio para o Congresso e pobre vai para o outro mundo.

Olha, na verdade foi dito aqui pelo ilustre Líder do Governo que Lucena era uma pessoa triste ultimamente. É verdade! Lucena era uma pessoa triste; triste com o nosso PMDB, que tomava rumos que ele não gostava - e tantas vezes ele se esforçava e tentava acomodar as várias partes do partido; triste com os rumos da política brasileira, tanto que ele criou uma comissão para debater as reformas políticas necessárias. E, durante longo tempo, o Senado discutiu propostas e projetos para modificar o quadro atual, que sabemos é errado, é injusto, com os partidos praticamente se autodestruindo, com a representatividade quase comprometida. Lucena desenvolveu esse papel e essa atividade, com aquele seu jeito singelo e simples.

Quero citar duas ocasiões em que observei a sua ação. Quando quisemos criar a CPI do Orçamento, dos “Anões do Orçamento”, Lucena era Presidente do Congresso e muitas pessoas foram procurá-lo para reclamar: “Vamos criar uma nova CPI? Acabamos de sair da CPI do Impeachment, que afastou um Presidente! Vamos trabalhar, não vamos permitir que se perca tempo com essas coisas!” Eu era Líder do Governo e Humberto Lucena me chamou para dizer: “Olha, Pedro, ouvi o seu pronunciamento da tribuna do Senado e quero dizer que vou trabalhar no sentido da criação da CPI, mas gostaria que você assumisse essa responsabilidade. Diga ao Presidente Itamar que você, como Líder, está defendendo essa tese, e não eu como Presidente do Congresso”. Fui ao Presidente Itamar Franco, expliquei a situação e, duas horas depois, voltei ao gabinete do Presidente do Congresso Nacional, comunicando que o Presidente da República estava de acordo com a criação da CPI.

Numa outra ocasião, o Presidente Humberto Lucena me chamou ao seu gabinete, onde estava o Vice-Presidente da Comissão de Desestatização, para dizer-me que aquele cidadão estava comunicando fatos muito graves com relação a erros e equívocos de uma licitação que estava em vésperas de ser realizada. Os argumentos tinham sido apresentados na Comissão, mas não foram aceitos. O Senador Humberto Lucena, como Presidente do Congresso Nacional, queria que eu levasse esse fato ao conhecimento do Presidente da República. Concordei, com a condição de que o Vice-Presidente da Comissão colocasse no papel e assinasse o que ele estava comunicando ao Presidente Humberto Lucena e a mim. Assim ele fez, pediu licença e foi a uma sala, onde relatou os fatos por escrito e assinou como Vice-Presidente da Comissão de Desestatização. Saí dali e fui ao gabinete do Presidente da República. Meia hora depois, estava suspensa a licitação. O Presidente mandou abrir inquérito para investigar os fatos.

Esse era o Lucena. Com a serenidade que o caracterizava, ele tomava as decisões, sem brilhanturas, sem manchetes.

É claro que Lucena era um representante típico do que tinha de bom o velho e antigo PSD, partido com muitas qualidade e muitos defeitos. Entre as qualidades de um Tancredo Neves, de um Lucena, estava a serenidade, estava o bom senso, estava o equilíbrio. Isso não significava falta de coragem ou falta de firmeza na hora de tomar a decisão certa, no momento certo.

Meu querido Cunha Lima, a quem ele tanto amava, tanto estimava e por quem tinha um carinho tão intenso, Lucena sofreu o que V. Exª sofreu no seu drama pessoal. Ele também falava da sua dignidade e da sua honradez. Ele sofreu o que V. Exª sofreu quando atingiram seu filho. E ele falava da dignidade e da honradez dele.

Ultimamente, meu bravo Senador Cunha Lima - eu tenho que dizer isso porque é minha obrigação -, ele estava preocupado com o nosso prtido lá na Paraíba. Dizia que a grande obra, talvez a sua última missão, seria conseguir na Paraíba - seu grande orgulho - que seus grandes líderes continuassem encontrando a fórmula do entendimento.

Ele era seu amigo íntimo e sabia que o carinho era recíproco. Ele me contou que, numa hora difícil que atravessava, V. Exª fez questão de dizer, em Campina Grande, onde tinha praticamente todos os votos: “Quem vota em Lucena vota em mim; quem não vota em Lucena não quero que vote em mim”.

Ele achava que tínhamos que continuar, ganhar a eleição e buscar o entendimento. “V. Exª é governador das forças do partido na Paraíba”, essa foi a expressão que usou na última vez em que estive com ele, já doente, praticamente numa fala de despedida.

Lucena nos ajudou muito naqueles momentos com Tancredo, Ulysses, Arraes e Teotônio! Era o meu permanente colaborador para fazer a boa intriga na corte de Brasília, onde, geralmente, o que vale é a má intriga. Lucena estava ali para acalmar Dr. Ulysses por causa de uma frase mais apaixonada de Teotônio; para serenar Montoro por causa de uma frase mais desenvolvida de Mário Covas; ele sempre estava ali.

Apesar de representar um Estado pequeno e sem peso político, ele, por ser Humberto Lucena, tinha aquele peso, que o fez Líder na Câmara, Líder no Senado e duas vezes Presidente desta Casa.

Trago, por isso, Sr. Presidente, o meu carinho e o meu abraço a este extraordinário amigo Humberto Lucena. Lembro, com tristeza, que, da outra vez em que ele também esteve doente e ficou meses no hospital, logo depois da morte de Tancredo, quando eu o visitava ele dizia que estavam fazendo com ele o que fizeram com Tancredo. Daquela vez foram quatro cirurgias, e ele conseguiu retornar. Era candidato a Governador, mas não aceitou, alegando que não estava em condições. Que situação trágica! Antônio Mariz, que também não estava em condições, elegeu-se Governador da Paraíba e morreu. Agora é Lucena que nos deixa. Lembro também Antônio Mariz, porque, para mim, também era um homem de dignidade, de altivez, de firmeza e de uma honradez que poucas vezes vi na minha vida política. Por isso, a Paraíba, continua com sua representação nesta Casa, ainda tem em V. Exª um nobre representante, meu prezado amigo e Senador. Creio que hoje devemos prestar homenagem à Paraíba e a Humberto Lucena.

O Sr. José Fogaça (PMDB-RS) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS) - Ouço V. Exª com prazer.

O Sr. José Fogaça (PMDB-RS) - Senador Pedro Simon, ouvindo o pronunciamento de V. Exª, depois dessa homenagem singela - mas sobretudo corajosa e digna - ao grande Humberto Lucena, não posso deixar de registrar a minha indignação. Há, no meu coração, um sentimento de indignação sobre o qual vou falar, porque penso que faço, com isso, um desabafo pessoal. Humberto Lucena teve mais de 40 anos de vida pública. Os jornais de hoje têm uma ética que se define pelo seguinte: em 40 anos de vida pública, numa das mais longas trajetórias de um Líder político na América Latina, a única coisa encontrada na biografia de Humberto Lucena foram os calendários. Que jornalismo é esse? Que ética jornalística é essa? Que competência profissional é essa? Que qualidade técnico-profissional é essa? Creio, Senador Pedro Simon, que o papel da imprensa é o de expor a verdade, é o de trazer a verdade acima de tudo. Mas, ao final de uma vida, como balanço de uma vida, mostrar apenas isso é faltar com a verdade, é ferir profundamente a verdade que foi a vida impecável de Humberto Lucena. Por isso, intervenho no pronunciamento em que V. Exª trouxe à tona essa questão, pois me parece que, neste momento, não pode deixar de ser registrada. Quando li os jornais, na manhã de hoje, imaginei que o registro seria feito em termos justos, ou seja, não é preciso deixar de mencionar os fatos negativos, como também é profundamente injusto, profundamente mentiroso, diria até que é desumano não citar os outros fatos que marcaram a sua vida. É claro que isso pode dar uma grande matéria, uma grande notoriedade, supostamente a aparência de coragem para um determinado jornalista; mas creio que aquilo que ele ganha em vantagem e oportunismo profissional perde em ética, perde em verdade e perde em humanidade. Não quero fazer aqui outra coisa senão transformar este meu protesto, esta minha indignação num preito, numa homenagem à memória do Senador Humberto Lucena. Muito obrigado, Senador Pedro Simon.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB-RS) - Agradeço o oportuno aparte de V. Exª, que, acredito, representa o pensamento de toda a Casa. Os jornais de hoje podiam acrescentar a tudo o que foi noticiado, Sr. Presidente, a figura da esposa do Senador, D. Ruth Maria.

Humberto Lucena chegou a ter uma casa muito bonita em Brasília, que teve de vender depois. Essa casa foi construída com dinheiro de sua mulher. A mulher e esposa do Presidente do Congresso Nacional tinha uma loja onde vendia cães. Foi dessa forma, vendendo cachorros na cidade de Brasília, que ela ajudava a manter sua família. Reparem que coisa fantástica! Como sou uma pessoa defensora da idéia bíblica de que se deve trabalhar para viver, de que o trabalho merece respeito e o importante é não viver à custa do trabalho dos outros, nunca esqueci a figura da querida D. Ruth. Nunca a esqueci, lembrando-me de vê-la ali naquela loja, com aquela infinidade de cães, e o Lucena dizendo: “Olha, Pedro, isso não é nada. O importante é que ela ganha muito dinheiro. Ela traz para casa, no fim do mês, muito mais do que eu trago com meu trabalho no Senado”.

Encerro dizendo que há pessoas que aparecem pelo brilho, pela oratória fantástica e brilhante; mas há pessoas que, às vezes, passam a vida numa singeleza, num mesmo tom de voz - como era o de Lucena -, sem nunca apressar o passo - como nunca apressava Lucena -, mas sem nunca deixar de cumprir e fazer o que devia - como sempre fez Lucena.

Sr. Presidente, esta Casa está de luto. Nós sofremos por isso. No entanto, como diz o meu amigo, Senador José Fogaça, a imprensa hoje não viveu um grande dia.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/04/1998 - Página 6428