Discurso no Senado Federal

DEFESA DA CRIAÇÃO DE UMA CORPORAÇÃO TRANSNACIONAL DE SEGURO DE CREDITO, QUE GARANTA O FLUXO DE CAPITAIS INTERNACIONAIS SEM AS FORTES OSCILAÇÕES DAS MOVIMENTAÇÕES DO CAPITAL ESPECULATIVO, NO TERMOS DE PROPOSTA DEBATIDA RECENTEMENTE, NO FORUM ECONOMICO MUNDIAL, EM DAVOS, NA SUIÇA.

Autor
Odacir Soares (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RO)
Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • DEFESA DA CRIAÇÃO DE UMA CORPORAÇÃO TRANSNACIONAL DE SEGURO DE CREDITO, QUE GARANTA O FLUXO DE CAPITAIS INTERNACIONAIS SEM AS FORTES OSCILAÇÕES DAS MOVIMENTAÇÕES DO CAPITAL ESPECULATIVO, NO TERMOS DE PROPOSTA DEBATIDA RECENTEMENTE, NO FORUM ECONOMICO MUNDIAL, EM DAVOS, NA SUIÇA.
Publicação
Publicação no DSF de 14/04/1998 - Página 6381
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • REGISTRO, REUNIÃO, CHEFE DE ESTADO, ECONOMISTA, DEBATE, CRISE, ECONOMIA, PAIS ESTRANGEIRO, ASIA, NECESSIDADE, ESTABILIDADE, SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL.
  • DEFESA, PROPOSTA, CRIAÇÃO, ORGANISMO INTERNACIONAL, SEGUROS, GARANTIA, PREVENÇÃO, DESEQUILIBRIO, ECONOMIA INTERNACIONAL, CAPITAL ESPECULATIVO, CURTO PRAZO, COOPERAÇÃO, FUNDO MONETARIO INTERNACIONAL (FMI), BANCO MUNDIAL.

           O SR. ODACIR SOARES (PTB-RO. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a turbulência atual no sistema financeiro internacional força-me a tomar a palavra neste plenário para uma reflexão menos imediatista sobre o tema. Os sucessivos abalos nas bolsas asiáticas expõem, com veemência, a fragilidade atual do sistema financeiro internacional e convidam todos a uma séria meditação. Como prova disso, o Fórum Econômico Mundial, que reuniu há duas semanas em Davos, na Suíça, chefes de Estado e dezenas de economistas do mundo inteiro, elegeu a crise asiática o efervescente tópico para os grandes debates.

           A impressão que se tem é que, seja para economistas, seja para leigos, essa recente conferência em Davos serviu para esclarecer uma coisa: o descontrolado fluxo de capital volátil nos sistemas financeiros nacionais tem, negativamente, afetado a estabilidade das economias emergentes no mundo. A abundância de capital especulativo no mercado tem deixado as economias emergentes à mercê das contingências, das idiossincrasias e do bom humor dos investidores americanos e europeus. 

           Em outubro último, o Brasil, que não constitui exceção à regra, sentiu na pele os efeitos nefastos provocados pelos graves desequilíbrios nas economias da Ásia. Em que pese o fato de a equipe econômica do Presidente Fernando Henrique ter adotado com sucesso as devidas medidas saneadoras, o País deve reservar à pauta prioridade na conduta de sua política internacional.

           Para tanto, o Brasil deve, com urgência máxima, capitanear as discussões sobre a criação de uma corporação transnacional de seguro de crédito. Tal iniciativa não só conta com a natural simpatia de outros países da América Latina, como também recebe o endosso da comunidade financeira internacional.

           Sr. Presidente, o Presidente Fernando Henrique Cardoso, que teve destacável participação em Davos, já manifestou seu interesse em debater o projeto junto a sua equipe econômica e levar aos foros internacionais uma proposta mais madura e viável num contexto de globalização irreversível. Na verdade, foi o próprio George Soros, o controvertido megainvestidor norte-americano, quem declarou na semana passada a necessidade de se fundar um organismo supranacional, dotado de autoridade e instrumentos para impor limites ao capital financeiro de curto prazo.

           Seguindo a mesma linha, na última edição de janeiro, o matutino The Wall Street Journal publicou matéria que analisa a crise financeira na Ásia e utiliza a figura do “cassino” como a alegoria representativa da situação confusa no ambiente financeiro internacional. E, na qualidade de cassino global, o sistema financeiro tem-se furtado a contratar um crupiê, que organize o jogo e faça cumprir as regras coletivamente determinadas. Todavia, a imagem do cassino igualmente traduz, com muita propriedade, o espírito de jogatina que tem, equivocadamente, moldado planos e decisões no sistema financeiro. 

           Sr. Presidente, exatamente para reverter essa lamentável realidade, julgo da maior relevância a instituição de uma agência transnacional de seguros, que garanta o fluxo de capitais internacionais sem as fortes oscilações das movimentações do capital especulativo. Mais do que isso, a criação dessa corporação de seguro de crédito deve ocupar-se da elaboração de um código de conduta entre os participantes do mercado, com o propósito de estimular um comportamento financeiro razoável.

           Segundo a sugestão do próprio George Soros, haveria duas funções básicas a serem exercidas pela futura corporação. De um lado, se encarregaria de gerir uma autêntica câmara internacional de compensação de crédito; de outro, agenciaria uma avaliação rigorosa dos riscos que cada economia nacional representa. Apesar do provável reducionismo, a proposta de Soros sintetiza uma estrutura mínima de objetivos, para a qual a corporação transnacional deveria orientar suas forças. No fundo, a expectativa de Governos e instituições financeiras é a de que tal agência transnacional funcione como um organismo que evite a eclosão de dramáticas crises nas contas financeiras das economias ditas emergentes. Aliás, crises que se desdobram em perversos mecanismos, gerando insegurança e recessão nos sistemas produtivos.

           Sem se chocar necessariamente com os papéis desempenhados pelo FMI e pelo Banco Mundial, a nova organização deveria, sim, coordenar suas ações em comum acordo com aqueles órgãos, para que se implemente um conjunto coerente de políticas sobre o capital volátil. Pois, toda a crise atual que acomete os países da Ásia teve sua origem no surgimento dessa nova modalidade de capital, chamado capital volátil. Trata-se de uma modalidade de capital que prevê a busca maximizadora do lucro mediante aplicações especulativas rápidas, seguras, e a taxas de retorno altamente rentáveis.

           Pois bem, capital volátil - numa definição bem sintética - constitui-se de poupanças financeiras oriundas dos países cêntricos, basicamente dos Estados Unidos, em busca de altos lucros em curto espaço de tempo. Ora, não seria preciso muita perspicácia para perceber que, paralelamente a essa operação, ocorre uma transferência unilateral, desleal e suicida de recursos das economias mais pobres para as mais ricas. Convictos da excessiva lucratividade auferida, os ricos investidores ficam extremamente sensíveis a qualquer mudança no cenário econômico da economia hospedeira, não hesitando em transferir grandes somas, a qualquer sinal de desvalorização cambial iminente.

           Sr. Presidente, como bem sabemos, enquanto, para os países centrais, o capital volátil tem significado maior dinâmica no processo acumulativo; para os países emergentes, em contraste, a descontrolada volatilidade tem implicado a adoção de políticas monetárias de grande risco, comprometendo a estabilidade do câmbio e a expansão das forças produtivas internas. Ao se antecipar na busca de preservar seus ganhos, o capital volátil engendra a fragilização da economia hospedeira, já que os bancos centrais nacionais e até mesmo as instituições multilaterais (FMI e Banco Mundial) não possuem condições técnicas e políticas para se contraporem à movimentação de grandes somas de capital privado. 

           Ora, como também é de presumível conhecimento geral, tal modalidade de capital não surge como obra de geração espontânea. Antes, surge com a nova configuração político-econômica do capitalismo moderno, cujas características principais pressupõem a desregulamentação da intervenção do Estado nos mercados financeiros, a abundância de recursos privados nos países centrais e o desenvolvimento tecnológico da informática. Em outras palavras, é no contexto da globalização que o fluxo acelerado de capital especulativo adquire emancipação definitiva para além das rígidas fronteiras nacionais.

           Sr. Presidente, diante do que foi exposto, fica mais transparente compreender os trágicos episódios que cercaram as finanças dos tigres asiáticos. De fato, as razões que motivaram, ao final de 97, o colapso financeiro na Coréia do Sul, na Indonésia ou na Malásia seguem fielmente o quadro de seqüências que acabei de descrever. Conforme farto noticiário veiculado pela mídia, o tombo financeiro das três economias asiáticas obedeceu literalmente à perversa lógica do capital especulativo. E dessa cadeia explicativa ninguém escapa, pois volatilidade exige em contrapartida o acionamento de uma política de taxas de lucro estratosféricas.

           Nessas condições e por conta dessa lógica inexorável, as autoridades econômicas brasileiras não titubearam em implementar medidas claramente recessivas no combate à lastimável fuga de investimento externo. A elevação das taxas de juros, que constituiu a grande alavanca do pacote de outubro, ainda desempenha papel fundamental na política econômica do Governo, em favor da intensificação do ingresso de capital no País. No entanto, como estamos a testemunhar no momento, o contrapeso dessa medida tem, necessariamente, implicado crescimento do déficit, retração da produção, e desemprego.

           Em síntese, Sr. Presidente: para que o Governo possa flexibilizar sua política econômica sem recorrer a taxas de juros escorchantes e tampouco arriscar a estabilidade do Real, necessário se faz acelerar a criação da agência internacional de seguros, por meio da qual o Brasil e, por extensão, os demais países emergentes poderão planejar suas políticas de desenvolvimento a longo prazo, sem os incômodos, os descontroles e as mazelas do capital volátil. O Brasil precisa, sim, do capital externo, mas não pode permitir que a volatilidade dos recursos prejudique, ou mesmo aniquile, a dinâmica e o potencial de sua produção econômica.

           Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/04/1998 - Página 6381