Discurso no Senado Federal

VOTOS DE PLENO RESTABELECIMENTO DO MINISTRO SERGIO MOTTA, JUSTIFICATIVA A PROJETO DE LEI, QUE CRIA O FUNDO BRASILEIRO DE CIDADANIA.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • VOTOS DE PLENO RESTABELECIMENTO DO MINISTRO SERGIO MOTTA, JUSTIFICATIVA A PROJETO DE LEI, QUE CRIA O FUNDO BRASILEIRO DE CIDADANIA.
Aparteantes
Artur da Tavola, Lúdio Coelho.
Publicação
Publicação no DSF de 18/04/1998 - Página 6894
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • MANIFESTAÇÃO, VOTO, RESTABELECIMENTO, SERGIO MOTTA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DAS COMUNICAÇÕES (MC).
  • JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, CRIAÇÃO, FUNDO ESPECIAL, APERFEIÇOAMENTO, PROGRAMA, RENDA MINIMA, GARANTIA, DIREITOS, CIDADANIA, POPULAÇÃO, BRASIL.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, agradeço o estímulo do Senador Artur da Távola, que nos traz reflexões interessantes a respeito da aula do Presidente Fernando Henrique Cardoso, a fim de que pensemos sobre as dificuldades do ser humano, sobretudo quando ele, da academia, passa para o centro do poder. Ainda dará muito o que falar a questão da ética para quem está na Presidência da República. Mas certamente essa reflexão caracterizará o debate por muito tempo, sobretudo, neste ano de sucessão eleitoral.

Sr. Presidente, hoje vou apresentar uma proposta ao Governo, ao PSDB, ao PFL, aos Partidos que compõem a base de sustentação do Governo e ao próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso. Por vezes se diz que a Oposição não apresenta propostas. No entanto, temos, reiteradamente, apresentado proposições, e hoje apresentarei mais uma: no sentido de se instituir um “Fundo Brasil de Cidadania”.

Antes, porém, de apresentá-lo, gostaria de expressar o meu sentimento, a minha torcida, a minha oração para a pronta recuperação, o mais breve possível, do Ministro das Comunicação, Sérgio Motta, que está há onze dias internado no Hospital Albert Einstein. Inclusive o Presidente Fernando Henrique, nesta manhã, antes de viajar para o exterior, o visitará. O quadro em que se encontra S. Exª nos causa preocupação. Sei que por vezes temos tido divergências sobre alguns procedimentos, mas conheci o Ministro Sérgio Motta ainda quando estudante. Fomos companheiros na UEE, na UNE, em que pese as diferenças e as críticas que por vezes possa ter formulado à sua pessoa, inegavelmente, o Ministro é um dos maiores valores do Governo Fernando Henrique Cardoso - aliás, posso perceber a angústia do Presidente com respeito ao estado de saúde do Ministro. Portanto, à sua família e a todos os seus amigos quero externar a minha torcida para que S. Exª se restabeleça rapidamente.

Hoje, 17 de abril de 1998, estamos rememorando os dois anos de impunidade com respeito ao episódio ocorrido em Eldorado dos Carajás, que causou inúmeras mortes dos que lutaram pela reforma agrária e pelo direito de acesso à terra em nosso País.

No dia 19, data em que se comemora o “Dia do Índio”, também estaremos rememorando, tristemente, um ano da morte do índio Galdino Jesus dos Santos, barbaramente incendiado por jovens, num ponto de ônibus em Brasília.

O Governo definiu, para o dia 1º de maio, o salário mínimo de R$130,00. Ou seja, deu um aumento de 8,33%, percentual que está aquém do necessário para uma família sobreviver dignamente. Conforme informações do DIEESE, seriam necessários R$860,00 para que uma família de pai, mãe e duas crianças pudesse obter os itens da cesta básica ou da cesta padrão, definida em Decreto de 1938. Considero importante recuperarmos, gradualmente, o salário mínimo, levando-se em conta os seus efeitos sobre o mercado de trabalho, o emprego, a arrecadação e as despesas. Avalio que um aumento um pouco maior, mesmo moderado, seria compatível até mesmo com o objetivo firmado pelo Presidente Fernando Henrique, apresentado quando candidato, de dobrar, em valor real, o valor que encontrou em janeiro de 1995, de R$70,00 - atualmente estamos apenas com um valor de 27% a mais do que Sua Excelência encontrou em termos de poder aquisitivo.

Ocorre que, para se criar empregos e oportunidades, para que todos possam partilhar da riqueza e da renda do País, é preciso, além de atualizar o salário mínimo, combiná-lo com um outro instrumento, que é o de uma renda de cidadania, uma renda mínima garantida. E para que se possa criar um fundo permanente e crescente, visando essa finalidade, é que apresento ao Congresso Nacional, inclusive como uma sugestão ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, um projeto de lei que autoriza o Poder Executivo a criar o Fundo Brasil de Cidadania, instituir o conselho deliberativo desse Fundo, e outras providências.

É o seguinte o teor desse projeto:

     “O Congresso Nacional decreta:

     Art 1º O Poder Executivo fica autorizado a instituir o Fundo Brasil de Cidadania - Fubra, vinculado ao Ministério da Fazenda, destinado ao repasse de recursos e ao oferecimento de financiamento do Programa de Renda Mínima - PRM.

     Parágrafo único. O Fubra é um fundo contábil, de natureza financeira, subordinando-se, no que couber, à legislação vigente.

     Art. 2º Configurará como capital inicial do Fubra 10% da participação acionária da União nas empresas públicas e sociedades de economia mista, inclusive instituições financeiras.

     Art. 3º Constituem recursos do Fubra:

     I - dotações consignadas no Orçamento-Geral da União;

     II - cinqüenta por cento dos recursos recebidos em moeda corrente, títulos e créditos, inclusive decorrentes de acordos específicos, no âmbito do Programa Nacional de Desestatização;

     III - cinqüenta por cento dos recursos oriundos da concessão de serviço público e de obra pública, bem como da permissão ou autorização para a prestação de serviço público;

     IV - cinqüenta por cento dos recursos oriundos da autorização ou concessão de atividades previstas no §1º do art. 176 da Constituição Federal;

     V - cinqüenta por cento dos recursos oriundos da contratação, com empresas estatais ou privadas, da realização das atividades previstas nos incisos I a IV do art. 177 da Constituição Federal - que visa justamente a possibilitar que todos os brasileiros venham a usufruir da riqueza do subsolo;

     VI - a renda oriunda dos imóveis pertencentes à União;

     VII - outros bens, direitos e ativos da União, bem como crédito de transferência e repasse que lhe sejam conferidos;

     VIII - rendimentos de qualquer natureza, auferidos como remuneração, decorrentes de aplicação do patrimônio do Fubra;

     IX - doações, contribuições em dinheiro, valores, bens móveis e imóveis que venham a receber.

     Parágrafo único. Os saldos verificados no final de cada exercício serão obrigatoriamente transferidos para crédito do Fubra no exercício seguinte.

     Art. 4º Visando conferir segurança, rentabilidade, solvência e liquidez às disponibilidades financeiras do Fubra, as aplicações dessas disponibilidades deverão ser efetuadas em conformidade com as mesmas diretrizes estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional para entidade de previdência privada fechada.

     Art. 5º - O Tesouro Nacional observará, para repasse dos recursos do Fundo Brasil de Cidadania, os mesmos prazos legais estabelecidos para a distribuição do Fundo de Participação dos Estados, Distrito Federal e Municípios.

     Art. 6º - É instituído o Conselho Deliberativo do Fundo Brasil de Cidadania - Cofubra, composto de nove Membros, respectivos suplentes, com mandato de 2 (dois) anos, sendo permitida uma recondução, e assim definidos:

     I - cinco representantes da sociedade civil, sendo um dos beneficiários ou de organizações de beneficiárias do PRM, um das entidades e organizações de assistência social, três de notório saber nas áreas de assistência social, de educação e de economia, indicados e nomeados pelo Presidente da República, bem como seus suplentes;

     II - um representante do Ministério da Fazenda;

     III - um representante do Ministério do Planejamento e Orçamento;

     IV - um representante do Ministério de Previdência e Assistência Social;

     V - um representante do Ministério da Educação.

     §1º Compete ao representante do Ministério da Fazenda a presidência do Cofubra.

     §2º Os Ministros de Estado serão os membros titulares do respectivo Ministério, cabendo, a cada um deles, indicar o respectivo suplente.

     §3º A atividade exercida pelos membros do Cofubra é considerada como de relevante serviço prestado à Nação, não recebendo seus Membros qualquer remuneração.

     §4º As reuniões e decisões do Cofubra terão ampla publicidade e divulgação.

     Art. 7º - Compete ao Cofubra gerir o Fubra e deliberar sobre as seguintes matérias:

     I - aprovar e acompanhar a execução dos Planos de Trabalho Anual e Qüinqüenal do PRM e os respectivos orçamentos;

     II - deliberar sobre a prestação de contas e os relatórios de execução orçamentária e financeira do Fubra;

     III - elaborar e divulgar anualmente a proposta orçamentária do Fubra e o quadro demonstrativo do planejamento plurianual das respectivas receitas e despesas, visando o equilíbrio orçamentário e financeiro, nos cinco exercícios subseqüentes, bem como eventuais alterações;

     IV - propor o aperfeiçoamento da legislação relativa ao PRM e regulamentar os dispositivos desta Lei no âmbito de sua competência;

     V- decidir sobre sua própria organização, elaborando seu regimento interno;

     VI - fiscalizar a administração do Fundo, podendo solicitar informações sobre quaisquer atos administrativos;

     VII - divulgar, no Diário Oficial da União, todas as decisões proferidas pelo Conselho, bem como as contas do Fubra e os respectivos pareceres emitidos;

     VIII - publicar relatório anual detalhado suas atividades e resultados;

     IX - definir sobre a aplicação das disponibilidades transitórias de caixa do fundo;

     X - deliberar sobre outros assuntos de interesse do PRM e do Fubra;

     Art. 8º Competirá ao Ministério da Fazenda as tarefas técnico-administrativas relativas à gestão do PRM e as despesas relativas à implantação do Fubra.

     Art. 9º O Banco do Brasil S/A funcionará como agente financeiro do Fubra.

     Art. 10 São condições para a obtenção de financiamento ou de repasse de recursos do Fubra:

     I - o compromisso de implementação na unidade da Federação receptora - seja, portanto, Estado ou Município - do investimento do PRM, através de legislação específica;

     II - a comprovação de atendimento dos requisitos estabelecidos na Lei de Organização e Assistente Social.- LOAS.

     Parágrafo único - A definição dos projetos que terão preferência na liberação dos recursos será feita pelo Cofubra.

     Art. 11 Os recursos do Fubra integrarão o orçamento da seguridade social, na forma da legislação pertinente.

     Art. 12 O Poder Executivo regulamentará essa Lei, no prazo de 60 (sessenta)dias de sua publicação.

     Art. 13 A lei entrará em vigor na data de sua publicação.

     Art. 14 Revogam-se as disposições em contrário.

     JUSTIFICAÇÃO

“Todo indivíduo nasce no mundo com um legítimo direito a uma certa forma de propriedade ou seu equivalente.”

     Isso foi expresso por Thomas Paine, o maior ideólogo das revoluções americana e francesa, no ensaio Agrarian Justice, 1795, encaminhado ao Diretório Francês e à Assembléia Nacional Francesa.

     Neste ensaio, Thomas Paine desenvolveu a idéia de que todas as pessoas têm que ter o direito de partilhar do usufruto da riqueza de uma nação, explicando que era perfeitamente justo que uma pessoa que tivesse realizado uma benfeitoria junto à terra tivesse o direito de usufruir do cultivo da terra. Mas, naquela oportunidade, a terra era o principal fator de produção, de enorme preponderância, porque não havia a indústria e tudo isso que existe no mundo moderno. Disse ele, então, que o seu plano era este: cada proprietário de terra que a cultivasse destinaria uma pequena parcela, uma forma de aluguel, a um fundo; esse fundo cresceria e iria financiar, quando chegasse a um estágio suficiente, um dividendo da ordem de 15 libras a toda pessoa ao completar 21 anos, e a cada pessoa ao completar 50 anos, e daí para a frente, a cada ano, 10 libras. Era um direito que essa pessoa deveria ter, mas que lhe foi retirado quando instituída a propriedade privada naquela nação.

     Então, veja que ele admitia a propriedade privada, mas observou que a sua instituição estava relacionada à questão da pobreza. Assim, era necessário, respeitando-se a propriedade privada, permitir às pessoas que cultivassem a terra, por exemplo, também colaborar para a criação de um fundo que a todos pertenceria.

     O projeto de lei ora apresentado cria o Fundo Brasil de Cidadania - Fubra, destinado a financiar o pagamento de uma renda mínima a todos os cidadãos brasileiros, iniciando-se por aqueles que não dispõem de recursos suficientes para ter uma existência digna. O fundo baseia-se, portanto, no princípio defendido, dentre outros, por Thomas Paine, de que todos os cidadãos de um país devem ter direito ao usufruto da riqueza nacional.

     A partir desse princípio, propõe-se que o Fubra seja constituído por parcela de bens, direitos e ativos pertencentes à União, ou seja, a todos os brasileiros. Assim, além das dotações orçamentárias específicas, o fundo deve ser constituído primordialmente por ações de estatais; créditos, direitos e renda de imóveis da União; bem como parcela das receitas oriundas das privatizações, das concessões e permissões de prestação de serviços públicos e das concessões de direitos de exploração do subsolo.

     A idéia de que todos os cidadãos compartilhem a riqueza foi posta em prática em 1976, no Estado americano do Alasca. O Governador Jay Hammond propôs à Assembléia Legislativa do Estado uma emenda constitucional na qual pelo menos 25% (a partir de 1980, 50%) de toda a receita dos royalties sobre a exploração de recursos naturais seria destinada a um fundo cujos lucros reverteriam em benefício de todos os seus habitantes. (O Alasca havia recentemente descoberto enorme reserva petrolífera.)

     O Fundo Permanente do Alasca, de US$1 bilhão em 1980, passou a US$22 bilhões em 1997, concedendo a todo cidadão um dividendo anual que alcançou o valor de US$1,296 ano passado. O portfólio de investimentos do Fundo, em 30 de junho de 1994, encontra-se alocado da seguinte maneira: 55% em investimentos de rendas fixas, 26% em títulos dos Estados Unidos, 12% em ações de empresas internacionais e 7% em empreendimentos imobiliários.

     “Ao poupar uma parte da riqueza petrolífera do Alasca, ao proteger seu valor no longo prazo e ao investi-lo para que os retornos sejam utilizados de acordo com a decisão da legislatura, a cada ano, os habitantes do Alasca encontraram uma maneira de converter um recurso não-renovável, o petróleo, em um recurso completamente renovável, ações financeiras que produzem renda”. (Alaska Permanent Fund, 1994 Annual Report, p. 4).

     O Programa de Renda Mínima, por seu turno, visa propiciar meios para que todas as famílias tenham recursos suficientes para que suas crianças, sobretudo na faixa etária de 7 a 14 anos, possam freqüentar a escola, ao invés de serem instadas, precocemente, a trabalhar no meio rural ou urbano, inclusive em atividades marginais como o tráfico de drogas e a prostituição.

     O objetivo de longo prazo é que esse programa, expandido em sua cobertura de acordo com o progresso econômico da Nação, possa vir a garantir, no futuro, uma renda mínima de sobrevivência a cada cidadão brasileiro.

     Assim, a focalização dos recursos do fundo para o atendimento dos cidadãos mais carentes é a primeira etapa de um projeto que venha a ser gradualmente ampliado, até sua universalização.

     Nesse contexto, propõe-se que o aprimoramento gradual do Programa de Renda Mínima, o que só é possível se o suporte financeiro a ser garantido pelo Fundo Brasil de Cidadania - Fubra - se torne uma realidade.

Assim, a instituição do fundo em questão está intrinsecamente vinculada à ampliação gradual do programa, sendo, pois, fundamental para garantir verdadeira cidadania a cada integrante da população brasileira.

Tendo em vista o inegável alcance social das medidas propostas, solicito o apoio dos ilustres Congressistas para a aprovação do presente projeto de lei.

O Sr. Artur da Távola (PSDB-RJ) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Concedo o aparte a V. Exª, com muita honra.

O Sr. Artur da Távola (PSDB-RJ) - Senador Eduardo Suplicy, quero cumprimentar V. Exª por mais essa iniciativa. Se me permite, eu gostaria de estender alguns pequenos e rápidos comentários. Desde logo, num primeiro juízo, evidentemente sujeito à modificação, assaltou-me a seguinte dúvida: não seria melhor que esse fundo fosse estadual? Ao invés de ser centralizado na União, esse fundo poderia ser - como no caso do Alasca, citado por V. Exª - de natureza estadual. Teríamos que verificar a possibilidade de podermos legislar em matéria estadual nesse particular. Não sei se isso é possível. O caso do Alasca pode ter um símile no Brasil. A bacia petrolífera na zona marítima de Campos é provadamente enorme. Pelas novas associações possíveis entre a Petrobrás e outros capitais, possivelmente, em cinco ou dez anos, o Brasil tenha não apenas uma completa autonomia na matéria, como também grande lucratividade nessa atividade. Essa já seria uma fonte de renda parecida com a do Alasca, mas típica de uma região, razão pela qual cada Estado talvez pudesse fazer isso de modo adequado às suas realidades. Digo isso, porque tenho a tendência a pensar que devemos constantemente lutar por descentralizar as medidas em todas as linhas. Acredito que o Brasil é excessivamente centralizado na União, o que torna muito difícil a administração e muito complexo o panorama; inclusive, isso faz com que seja muito difícil promover uma equanimidade na distribuição de recursos públicos. Gostaria de cumprimentar V. Exª pela idéia e, sobretudo, pelo sentido profundo da mesma, que é o de que cabe ao Estado, de alguma forma, proteger todos os cidadãos. Há um sentido social absolutamente superior a qualquer outra realidade doutrinária, política e ideológica. Se as sociedades mercantis são muito interessantes por serem propugnadoras do desenvolvimento, operarem sobre a produtividade, despertarem no indivíduo a ação e o levarem a ser competente, enfim, se a disputa tem um aspecto positivo, há um outro ponto que não pode ser esquecido pelos políticos: há seres, temperamentos e pessoas que não são necessariamente providos de condições para essa disputa violenta da sociedade de mercado, que é muito ditatorial, porque exclui e extingue quem com ela não concorda. Vamos supor o caso de um mendigo por opção, o que é perfeitamente possível. Uma pessoa tem o direito de optar por não querer participar do sistema. A punição para quem opta por esse estilo de vida é brutal. Em alguns países, como a Inglaterra, por exemplo, quem não quer participar do sistema, de alguma forma, é compreendido na sua opção ou até na sua falta de capacidade para tal. O que não se pode é relegar pessoas que não são “atletas do sistema” a planos de sofrimento, como aqueles que ocorrem no Brasil e em vários outros países. Cumprimento V. Exª pela idéia e deixo, como sugestão, a reflexão para que se possa pensar em termos estaduais, descentralizados.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Agradeço muito a V. Exª pela sugestão.

Senador Artur da Távola, estou ajudando a Deputada Marta Suplicy a formular uma proposta de criação de um Fundo de Cidadania para o Estado de São Paulo. Tenho a convicção de que ela vai implantá-lo a partir de 1º de janeiro de 1999.

O Sr. Artur da Távola (PSDB-RJ) - Se ela não o fizer, seguramente o Governador Mário Covas o fará.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Mas, na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, já existe uma proposta de criação de um Programa de Renda Mínima, de autoria do Deputado Estadual Paulo Teixeira, do Partido dos Trabalhadores, que já foi aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. No entanto, o Governador Mário Covas ainda não determinou que essa proposta fosse aprovada. Eu gostaria que a mesma fosse instituída. Se eu conseguir convencer o Governador Mário Covas a instituí-la neste ano, S. Exª poderá fazê-lo. Quem sabe V. Exª poderá ajudar-me a convencê-lo, porque não consegui isso até hoje. Inclusive, se S. Exª quiser, eu o ajudarei a formular o projeto no âmbito estadual, para que o mesmo seja aprovado. Assim, quando ingressar no Governo em 1º de janeiro, a Deputada Marta Suplicy encontrará esse projeto já encaminhado.

Eu gostaria ainda de informar que essa idéia nasceu no Alasca, numa pequena vila de pescadores chamada Bay Ridge. Jay Hammond, que era o administrador dessa vila e que, depois, tornou-se seu prefeito, observou que dali saía uma grande riqueza em forma de pesca, mas que muitos dela não partilhavam. Como prefeito, propôs que fossem destinados 3% do valor da pesca para um fundo que pertenceria a todos e sugeriu que fosse diminuído o Imposto Patrimonial. Ele negociou, e acabou permanecendo os dois impostos. Dez anos mais tarde, ele se tornou Governador do Estado do Alasca. Em 1976, ele propôs esse mecanismo que vem se tornando um exemplo, assim considerado para os membros da rede européia da renda básica, que propugnam pelo direito a uma renda incondicional para todos numa Nação.

O Sr. Lúdio Coelho (PSDB-MS) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Lúdio Coelho (PSDB-MS) - Senador Eduardo Suplicy, felicito V. Exª pela persistência no propósito de criar meios para que as populações de menor renda tenham uma participação nos bens do Estado. Quando, há pouco tempo, V. Exª apresentou o Projeto de Renda Mínima, manifestei-me contrariamente. Parece estranho um Parlamentar se manifestar contrariamente a uma proposta tão nobre como essa de V. Exª. Mas tenho percebido que, permanentemente, V. Exª critica as prestações de serviço do Poder Público.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Eu gostaria de lembrar que, em 16 de dezembro de 1991, V. Exª se absteve no momento da votação. Não houve um voto contrário.

O Sr. Lúdio Coelho (PSDB-MS) - Houve um equívoco, porque me manifestei contrariamente à matéria.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Penso que, nos Anais da Casa, não há esse registro. Na ocasião, houve apenas quatro abstenções e nenhum voto contrário. Houve manifestações, mas nenhum voto contrário.

O Sr. Lúdio Coelho (PSDB-MS) - Mas, de coração, eu votaria favoravelmente à matéria.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - A persistência da batalha está valendo.

O Sr. Lúdio Coelho (PSDB-MS) - A persistência vale. Quem sabe haverá um dia em que a Nação tenha meios de atingir os objetivos nobres da proposta de V. Exª! Não vejo uma forma de conciliar a absoluta falta de recursos. Todos os dias, aqui no Congresso, ouvimos críticas enormes aos setores da saúde, da segurança, de transporte, enfim, a todos os setores de prestação de serviço pelo Poder Público brasileiro. Há variados tipos de contribuição que a família brasileira presta ao Poder Público, para que este preste uma assistência mínima à população. A proposta de V. Exª é muito nobre, mas e maneira que a proposta de V. Exª é muito nobre, mas não vejo uma maneira de tornar-se efetiva, pela absoluta falta de recursos em que a Nação se encontra para o atendimento das necessidades básicas da família brasileira, que seria beneficiada com os recursos levantados através do projeto de V. Exª. De qualquer modo, sou solidário com o seu pensamento. Se pudéssemos tornar efetivo e prático um projeto dessa natureza, V. Exª teria o meu mais absoluto apoio. Muito obrigado.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Agradeço ao Senador Lúdio Coelho.

A constituição do Fundo Brasil de Cidadania seria uma maneira de viabilizar os recursos para esse projeto de uma forma que me parece de bom senso. Recursos existem.

Hoje, estou entrando com um requerimento ao Ministro do Planejamento, para que informe a listagem de todas as empresas nas quais o Banco atuou no processo de privatização, detalhando por empresa privatizada o nome do consórcio vencedor; o nome de cada empresa que o compõe; quanto cada uma pagou. No caso de ter havido financiamento, particularizar o valor; o prazo; o modo de pagamento; a taxa de juros e as garantias apresentadas; listar as empresas e/ou grupos que adquiriram mais de uma empresa no processo de privatização, detalhando os financiamentos a eles concedidos, bem como o que isso significa em termos de evolução do seu patrimônio, porque, desde o início dos anos 90, o BNDES vem capitaneando o processo de privatização e tem colocado à disposição de grupos econômicos privados financiamentos à taxa de juros mais baixa do que se adquirissem ações de empresas no mercado, bem como para que comprassem as suas próprias ações nas bolsas de valores. E é muito importante termos elementos numéricos dessas operações, para que possamos avaliar seus impactos sobre o processo de concentração de riqueza no Brasil. Precisamos, portanto, acompanhar a correta utilização de recursos sob a supervisão do BNDES, muitos dos quais captados em nome dos trabalhadores, garantindo que, assim, sejam efetivamente utilizados para geração de empregos, para superação dos seriíssimos problemas sociais que assolam o País.

Sr. Presidente, estou impressionado. Não sei se V. Exª notou, mas, por exemplo, um determinado grupo já comprou uma enorme empresa estatal há dois anos, depois, comprou uma outra, depois, a terceira e, agora, a quarta, sempre com financiamento do BNDES. Para essas finalidades, há recursos. Mas será que não estamos concentrando tanta riqueza e poder nas mãos de alguns que até podem realizar investimentos competitivos, etc?

Sabe que, quando, entre 1976 e 1980, se discutiu como seria administrado o Fundo Permanente do Alasca, alguns propuseram que se instituísse um banco de desenvolvimento, mas alguns economistas alertaram que isso seria uma maneira de destinar recursos para certos grupos econômicos que vão gerar empregos, criar investimentos, mas concentrando enorme riqueza. Melhor seria destinar esses recursos de uma maneira tal que todos os habitantes daquele Estado viessem a partilhar da riqueza da nação. E, no ano passado, cada habitante, desde que residente há mais de um ano, não importa a sua idade, condição civil, raça, religião, desde que morando há um ano, rico ou pobre, todos receberam US$1.296,00 por ano.

Imagine, Senador Lúdio Coelho, se já existisse hoje, no Brasil, um mecanismo como esse - permita-me perguntar quantos são na família de V. Exª. V. Exª já deve ter netos, não sei.

O Sr. Lúdio Coelho (PSDB-MS) - Somos doze irmãos.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP) - Doze irmãos; imagine, então, os netos e descendentes: cada um poderia ter o direito de receber se, morasse no Alasca, US$1.296,00 como um direito à cidadania. Claro que daria apenas para algumas despesas, mas já seria um passo. Para outros que, como os trabalhadores sem terra, hoje, estão conclamando o direito de usufruir um pouco da riqueza da Nação, isso seria algo muito significativo.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/04/1998 - Página 6894