Discurso no Senado Federal

IMPORTANCIA DA PARTICIPAÇÃO EFETIVA DA MULHER NO PROCESSO DE INTEGRAÇÃO DESENCADEADO PELO MERCOSUL.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
FEMINISMO.:
  • IMPORTANCIA DA PARTICIPAÇÃO EFETIVA DA MULHER NO PROCESSO DE INTEGRAÇÃO DESENCADEADO PELO MERCOSUL.
Publicação
Publicação no DSF de 18/04/1998 - Página 6905
Assunto
Outros > FEMINISMO.
Indexação
  • ANALISE, IMPORTANCIA, PARTICIPAÇÃO, MULHER, PROCESSO, AMBITO INTERNACIONAL, INTEGRAÇÃO, NATUREZA ECONOMICA, RESULTADO, GLOBALIZAÇÃO, ECONOMIA, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), NECESSIDADE, ACOMPANHAMENTO, MODERNIZAÇÃO, COSTUMES, SIMULTANEIDADE, ALTERAÇÃO, ENTENDIMENTO, ATUAÇÃO, FUNÇÃO PUBLICA.
  • QUESTIONAMENTO, ATENÇÃO, MULHER, PERIODO, ESTRUTURAÇÃO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), DEFESA, NECESSIDADE, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO, EDUCAÇÃO, CRIAÇÃO, CRECHE, ASSISTENCIA MEDICO-HOSPITALAR, CAPACIDADE, PRODUÇÃO, ATENDIMENTO, DEMANDA, MERCADO DE TRABALHO.

           A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a Constituição de blocos para integração regional entre países é, hoje, um imperativo econômico, político e social. Neste final de século, uma nova ordem mundial se instala, baseada no reequilíbrio de forças entre grupos que começam a se consolidar em todo o mundo.

           As transformações resultantes da formação desses blocos econômicos produzem-se, em última instância, sobre as populações dos países envolvidos. Daí a necessidade de que os responsáveis pela integração tenham consciência das enormes implicações que resultam do impacto provocado pelo fenômeno da globalização.

           Num mundo globalizado não podem ser esquecidas as instituições democráticas, a proteção dos direitos humanos e do meio ambiente e a riqueza representada pela diversidade de expressões culturais. Paralelamente, é preciso zelar para que os benefícios gerados pela formação de blocos econômicos promovam a justiça social, mediante a implementação de estratégias de desenvolvimento socioeconômico, e estimulem a superação de preconceitos e segregações, por meio do convívio e do conhecimento.

           Essa dimensão humana do processo de integração é, porém, muito pouco percebida pela sociedade em geral. Reflexo típico de tal atitude é a concepção generalizada, no caso brasileiro, de que o Mercosul seria um projeto meramente comercial, destinado a dar vazão aos interesses do capital e das empresas transnacionais.

           Contudo, se considerarmos o Mercosul, mais que uma mera “união aduaneira”, um verdadeiro instrumento de desenvolvimento da produção e de incentivo à competitividade da economia brasileira, é preciso admitir que o alcance de tais metas exige a modernização de nosso sistema produtivo, o que compreende a atualização não só da base tecnológica como também das relações de trabalho.

           Não há dúvidas de que o Mercado Comum do Cone Sul é uma realidade política e um fato econômico da maior relevância no cenário mundial. Entretanto, para que seja, também, uma realidade social incontestável não se poderá permitir que sua capacidade produtiva seja afetada por procedimentos discriminatórios e obsoletos em relação à mulher, cuja participação é indispensável num processo de desenvolvimento moderno, equilibrado e justo.

           No que se refere aos direitos da mulher e à garantia de sua igualdade nas relações familiares e laboriais, verificam-se notáveis divergências nos sistemas jurídicos internos de cada Estado Membro.

           A Constituição brasileira é a mais enfática, chegando a ser repetitiva ao consagrar a igualdade dos sexos. Além da regra geral da igualdade de todos perante a lei, posta no caput do art. 5º, inciso I, insiste na igualdade entre homens e mulheres, sendo que o art. 226, § 5º refere que os direitos e deveres relativos à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. Em três pontos a Constituição dispensa tratamento diferenciado na questão de gênero; confere licença gestante de 120 dias, concede à mulher aposentadoria com diferença de 5 anos a menos e assegura-lhe proteção no mercado de trabalho, mediante incentivos especiais.

           A Carta Constitucional do Paraguai, que data de 1992, é de todas a mais atenta à questão feminina. No capítulo intitulado “Da Igualdade”, em seu art. 46, proclama que todos os habitantes da república são iguais em dignidade e direitos, não se admitindo discriminações, sendo que, no art. 48, enfatiza que o homem e a mulher têm iguais direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais. Após afirmar que os trabalhadores de um e outro sexo têm os mesmos direitos e obrigações laborais, proclama que a maternidade será objeto de especial proteção, que compreenderá os serviços assistenciais e os descansos correspondentes, os quais não serão inferiores a 12 semanas.

           A Constituição da República do Uruguai, que data de 1952 e foi objeto de reforma em 1966, em seu art. 8º, limita-se a afirmar que todas as pessoas são iguais ante a lei, não se reconhecendo outra distinção entre elas senão a dos talentos e virtudes. A única regra específica está no art. 42, no qual é reconhecido o direito de proteção à maternidade.

           A mais antiga Constituição é a da Argentina, que data de 1853, tendo sofrido sucessivas reformas, sendo a última de 1994, por convenção constituinte. Consagra a igualdade em seu art. 16, afirmando que todos os habitantes da nação argentina são iguais ante a lei. A única regra referente à questão do gênero é a relativa aos direitos políticos.

           Merece registro que somente Brasil e Paraguai deferem proteção às relações extramatrimoniais. Com exceção da Constituição Argentina, os demais países integrantes do Mercosul consideram a família o fundamento da sociedade.

           A presença dessas disparidades, mostra a necessidade de uma unificação em nível legislativo. No estágio em que se encontra o nosso projeto integracionista do Cone-Sul, muito distante estamos de uma condição supranacional. No entanto, relativamente à mulher e à família, a harmonização se vislumbra mais viável, dadas as afinidades históricas no que se refere à inserção da mulher, como fator produtivo, no processo de desenvolvimento econômico dos países envolvidos.

           Vale ressaltar que a América Latina não seguiu o modelo econômico dos países industrializados, onde a maior inserção da mulher no mercado de trabalho ocorreu em período de maior crescimento econômico e escassez de mão-de-obra.

           Ao contrário, na América Latina, foi a crise econômica que levou um enorme contingente de mulheres para o mercado de trabalho e essa ação provocou um significativo crescimento da População Economicamente Ativa - PEA feminina, que, somada ao trabalho informal, é superior à PEA masculina, na região abrangida pelo Mercosul.

           Mesmo assim, a mulher não passou a ser considerada importante geradora de renda, por razões culturais que vêm identificando o trabalho da mulher como uma modalidade complementar ao do homem e, conseqüentemente, menor remunerado. Pode-se acrescentar, ainda, que a tradição íbero-hispânica legou à região a idéia da divisão do trabalho, dando privilégios para o homem e subordinação para a mulher.

           No entanto, a questão da mulher na sociedade brasileira sofreu drásticas mudanças nos últimos anos. Quando se olha para alguns números, ainda que não componham um quadro estatístico amplo, nota-se que a mulher ganhou importância maior do que lhe é, normalmente, atribuída.

           Dos 228.000 postos de trabalho gerados no País para candidatos com, pelo menos, o 2º grau completo, entre outubro de 1996 e setembro de 1997, mais da metade foram conquistados por trabalhadoras. As mulheres superaram os homens nas vagas para dentista, veterinário e médico. Dos contratados, 83% eram mulheres.

           Há mais de 130 mulheres dirigindo operações de renda fixa e renda variável nos grandes bancos de investimento. De cada grupo de dez médicos, três são mulheres. Metade do corpo de advogados do País é formada por doutoras. Elas já formam 25% dos quadros da profissão de juiz. Dos estudantes que alcançaram o título máximo de aluno-coronel, em 1997, nos doze colégios militares do País, 80% são mulheres. Não existe uma guerra entre homens e mulheres. O que há é, apenas, um movimento de modernização social.

           A discriminação vem cedendo mais rapidamente em empresas grandes e modernas porque elas estão em contato próximo com economias - e sociedades - que se modernizaram há mais tempo. Em outros campos, a pedra do preconceito continua no caminho. De maneira geral, o salário da mulher brasileira é mais baixo que o do homem. Mas, nos escalões mais altos, a remuneração se equilibra. Entre 1985 e 1995, dobrou o número das mulheres que ganham entre dois e três salários mínimos. Nessa faixa, o número de trabalhadores homens cresceu apenas 50%. No mesmo período, também aumentou em 100% o grupo feminino com ganhos entre cinco e dez salários mínimos. O contingente masculino cresceu bem menos, cerca de 40%. Em 1985, havia menos de 100.000 mulheres ganhando mais do que vinte salários mínimos. Em 1995, segundo levantamento de IBGE, já eram 422.000.

           Há, portanto, uma transformação indiscutível em andamento. Ela não foi provocada por lutas políticas ou porque a sociedade tenha tomado a defesa das oprimidas. As razões são mais amplas. Houve uma intensa urbanização do País nos últimos 25 anos, o que mudou comportamentos, gerou necessidades e oportunidades. A cidade requer mais dinheiro para a sobrevivência, fator que tirou a mulher de suas atividades da casa e a levou para a fábrica ou o escritório. A classe média ficou com orçamento mais curto. As moças tiveram de aproveitar o que aprenderam na escola para reforçar as contas da casa. Num país que amadureceu, as mulheres aboliram os freios que as mantinham para dentro da cerca do jardim. Além disso, a economia se tornou mais exigente e o fator sexo passou a perder o seu peso relativo. Hoje, a tendência é premiar a qualificação, não importa se se é homem ou mulher.

           Dessa forma, se incluirmos o Mercosul nesse contexto de modernização, e o considerarmos um fator de inserção do Brasil nas tendências econômicas mundiais e um instrumento de retomada do desenvolvimento em bases renovadas, é preciso ter consciência de que não é possível omitir a participação feminina ou delegar às mulheres um papel coadjuvante, pois tais procedimentos são incompatíveis com os mandamentos do mercado globalizado. A subordinação das mulheres converte-as num subgrupo extremamente vulnerável aos impactos econômicos, indesejável, portanto, numa sociedade que se esforça por superar as mazelas da pobreza e da desinformação.

           Aliados aos aspectos legais e econômicos, muitos outros fatores de ordem educacional, cultural e política estão relacionados ao desenvolvimento social da mulher da América do Sul e poderão receber notável impulso com o Mercosul. Tendo em vista os propósitos deste pronunciamento, limito-me a levantar algumas questões que, a meu ver, deverão estar presentes entre as preocupações dos planejadores responsáveis pelo avanço da integração dos países do Cone Sul:

           - Qual a amplitude do acesso e da distribuição educacional da mulher para melhorar o nível da saúde, na estrutura familiar, no trabalho, quanto à alimentação, higiene, prevenção de doenças e outros?

           - Haverá uma observação sistemática nas empresas vinculadas ao Mercosul no que diz respeito à criação de creches para filhos de empregadas e assistência médica às mulheres, já que essas empresas serão responsáveis pelo desenvolvimento do processo social?

           - Haverá redução do perfil etário na participação econômica feminina, no mercado de trabalho? Qual a faixa ideal nos países industrializados?

           - Que políticas serão adotadas para melhorar a capacidade produtiva da mulher para atender à demanda no mercado de trabalho?

           Muitas outras indagações se fazem pertinentes, Srªs. e Srs. Senadores. Entretanto, como se tratam de perguntas enfáticas, neste contexto, desejo que as poucas questões apontadas tenham sido capazes de demonstrar que o projeto das mulheres no Mercosul deverá ter uma configuração própria. Ou seja, deverá ser orientado para contribuir para a análise e formulação de propostas das organizações sociais, a partir da inclusão de uma perspectiva de gênero, que contemple as especificidades da problemática feminina no marco da integração regional.

           Se adotamos, tacitamente, a hipótese de que o Mercosul nos oferece o ensejo de modernizarmos nossas relações econômicas e trabalhistas, em conformidade com os novos paradigmas do mercado internacional, é razoável que tentemos estender essa renovação a outros aspectos da vida social, sem os quais não é possível falar em verdadeira transformação.

           Uma legítima modernização de procedimentos econômicos e mercantis sustenta-se numa modernização análoga de hábitos e atitudes e de compreensão de uma nova configuração da ordem internacional. Essa nova atitude, obrigatoriamente, compreende uma aceitação realista do papel da mulher na sociedade, não só como cidadã e trabalhadora, mas, principalmente, como responsável pelas lentas transformações educacionais e culturais, sem as quais quaisquer modificações estão fadadas à efemeridade e ao insucesso.

           Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/04/1998 - Página 6905