Discurso no Senado Federal

REFLEXÃO SOBRE O TRANSCURSO DO SEGUNDO ANO DE IMPUNIDADE DA CHACINA DE ELDORADO DOS CARAJAS, NO PARA. COMEMORAÇÃO, AMANHÃ, DO DIA DAS LUTAS CAMPONESAS CONTRA A IMPUNIDADE. JUSTIFICATIVAS AO REQUERIMENTO DIRIGIDO AO MINISTRO DA POLITICA FUNDIARIA, SOLICITANDO INFORMAÇÕES SOBRE A ATUAL ESTRUTURA FUNDIARIA NO PAIS.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • REFLEXÃO SOBRE O TRANSCURSO DO SEGUNDO ANO DE IMPUNIDADE DA CHACINA DE ELDORADO DOS CARAJAS, NO PARA. COMEMORAÇÃO, AMANHÃ, DO DIA DAS LUTAS CAMPONESAS CONTRA A IMPUNIDADE. JUSTIFICATIVAS AO REQUERIMENTO DIRIGIDO AO MINISTRO DA POLITICA FUNDIARIA, SOLICITANDO INFORMAÇÕES SOBRE A ATUAL ESTRUTURA FUNDIARIA NO PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 17/04/1998 - Página 6723
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • REGISTRO, ANIVERSARIO, MORTE, SEM-TERRA, RESPONSABILIDADE, POLICIAL MILITAR, MUNICIPIO, ELDORADO DOS CARAJAS (PA), CRITICA, IMPUNIDADE, JUSTIÇA, ESTADO DO PARA (PA), ATRASO, TRAMITAÇÃO, PROCESSO JUDICIAL, JULGAMENTO, POLICIA MILITAR, REGIÃO.
  • COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, LUTA, TRABALHADOR RURAL, OPOSIÇÃO, IMPUNIDADE.
  • APRESENTAÇÃO, ORADOR, REQUERIMENTO DE INFORMAÇÕES, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO EXTRAORDINARIO DE POLITICA FUNDIARIA (MEPF), SOLICITAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, DADOS, ATUALIDADE, ORGANIZAÇÃO FUNDIARIA, BRASIL.
  • REGISTRO, RELAÇÃO, NOME, TRABALHADOR RURAL, SEM-TERRA, OCORRENCIA, MORTE, PERIODO, LUTA, REFORMA AGRARIA, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, CHICO MENDES, SERINGUEIRO.
  • CRITICA, APROVAÇÃO, EMENDA, AMBITO, ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, ESTADO DO PARA (PA), EQUIPARAÇÃO, COMANDANTE, POLICIA MILITAR, SECRETARIO DE ESTADO, FACILITAÇÃO, IMPUNIDADE, REGIÃO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Carlos Patrocínio; Srªs. Senadoras, Srs. Senadores, é com grande pesar que vejo a chacina de Eldorado dos Carajás completar dois anos. Amanhã. Faz dois anos que 19 pessoas foram brutalmente assassinadas, durante um cerco policial na rodovia PA-150; dois anos que as viúvas de Carajás procuram qualquer vestígio de justiça; dois anos que os órfãos de Carajás não ouvem as vozes dos pais; dois anos que pais, mães, irmãos e amigos perderam seus companheiros.

Setecentos e trinta dias se passaram depois daquele nefasto 17 de abril de 1996 e, até agora, ninguém foi punido. O processo que tramitava na Justiça Militar está parado no Tribunal de Justiça do Pará. O que tramita na Justiça comum só deverá ser julgado em 2010. Os 155 policiais militares que atiraram sem pena nem dó na multidão - a cena foi transmitida pelo mundo afora - continuam impunes. O Coronel da Polícia Militar Mário Pantoja, que comandou a operação, aguarda o julgamento em liberdade. As 69 pessoas feridas durante o massacre ainda não foram indenizadas, nem as famílias dos mortos. É por isso que o dia 17 de abril foi internacionalmente escolhido para ser o Dia das Lutas Camponesas Contra a Impunidade.

De 1985 até hoje, ocorreram no Brasil 7.843 conflitos sociais no campo. Desse número, 4.866 conflitos fizeram parte da luta pela conquista da terra. Nesse período, a Comissão Pastoral da Terra registrou 1.003 assassinatos de trabalhadores rurais, índios que defendiam suas terras, advogados em defesa dos direitos dos trabalhadores, técnicos, líderes sindicais e religiosos ligados à luta pela terra. Ampliando esse período para 1964/1998, contabilizamos 1.844 mortes violentas em conflitos de terra. Apenas de 1985 a 1996, foram contabilizadas 33 chacinas, com 195 mortes. Em relação a todas essas mortes, ocorreram apenas 56 julgamentos, nos quais apenas 14 mandantes sentaram no banco dos réus, tendo havido apenas sete condenações. Uma verdadeira guerra, senhores, onde a luta é desigual. São latifundiários, pistoleiros e policiais armados contra homens, mulheres e crianças famintas lutando por um pedaço de terra para plantar arroz, feijão, dignidade. Enquanto isso, o Governo assiste a tudo e se omite debaixo de uma reforma agrária que caminha a passos lentos, diante da necessidade premente de modificar a estrutura de concentração fundiária no Brasil.

A concentração de terras em nosso País continua extraordinária, uma das maiores do mundo: 2,8% dos imóveis de grandes proprietários ocupam 56,7% das terras. Esses dados foram divulgados pelo INCRA, em 1996, e referem-se à realidade de 1992. Desde então, em que pesem os modestos esforços de reforma agrária e de assentamento - é preciso reconhecer que houve progresso nesse sentido num ritmo mais acelerado, pois anteriormente quase nada se fazia - houve um recrudescimento do processo de expulsão dos trabalhadores no campo: cerca de 400 mil, apenas nos últimos três anos, conforme assinalou o Secretário do Ministro da Agricultura, Guilherme da Silva Dias, ao deixar o cargo.

Aproveito a ocasião para apresentar um requerimento de informações ao Ministro Extraordinário de Política Fundiária sobre dados atualizados da estrutura fundiária do País. Esses dados, mesmo que parciais, servirão também para avaliar os quatro anos de reforma agrária do atual Governo e de sua política agrícola. Se tivemos mais de cem mil assentamentos até agora e um grande número de pequenos proprietários, de trabalhadores rurais que abandonaram o campo, é preciso saber o que aconteceu com a estrutura fundiária. É necessário um levantamento atualizado.

Só no Pará, onde aconteceu a chacina de Carajás, existem mais de 7 milhões de hectares ociosos em terras cadastradas. Desse número, 88% em imóveis considerados latifúndios. Então, quando teremos uma política de reforma agrária séria e justa? Quando teremos punições para crimes como os massacres de Corumbiara, Eldorado dos Carajás, Ticunas, Galdino e tantos outros que já passaram pelas páginas dos jornais do mundo inteiro?

Pensando em tudo isso que hoje, véspera do dia em que o massacre de Eldorado dos Carajás completa dois anos de impunidade, nós, do PT, do Bloco de Oposição, lembramos os nomes daqueles que morreram lutando pela terra, de 1964 a 1998. Homens, mulheres e crianças, que só conhecíamos através dos números, das estatísticas, agora merecem a nossa homenagem.

Sr. Presidente, trago aqui, numa listagem, os nomes daqueles que, nesse período, faleceram no campo, lutando para que houvesse justiça e dignidade na estrutura fundiária brasileira. Portanto, a nossa homenagem a eles. Mas, como são 1.435 nomes, incluindo os de Chico Mendes, Padre Josino, de Fusquinha e de Doutor, peço a V. Exª, Sr. Presidente, que sejam todos transcritos nos Anais. É a homenagem que fazemos.

Queremos deixar claro que essa lista de nomes é bem maior. Durante a pesquisa, encontramos 409 registros de mortos não identificados. Entre eles, vários índios e bebês, filhos de lavradores que nem sequer tinham documentos. Sabemos das mortes que nunca se tornaram públicas, dos desaparecidos, daqueles dos quais não se têm notícias. Sabemos também que muitos nomes se perderam no caminho entre o campo e as entidades ligadas à questão agrária, principalmente durante o período da ditadura militar.

Sr. Presidente, ressalto, em relação à impunidade, que em abril de 1997 a Assembléia do Estado do Pará aprovou emenda à Constituição estadual segundo a qual o Comandante da PM se iguala a Secretários de Estado, só podendo ser julgado pelo Tribunal de Justiça. Esse é mais um passo para se dificultar a realização de justiça.

Nossa homenagem àqueles que faleceram tombando no campo inclui os que ficaram no anonimato, mas que também ajudaram a construir a história dos Raimundos, Josés, Marias, que morreram pela terra e que, agora, fazem parte dela.

Como diz João Cabral de Mello Neto em O Funeral de um Lavrador:

“Esta cova em que estás/ Em palmos medida

É a conta maior que tiraste em vida.

            Não é cova grande/É cova medida

            É a terra que querias ver dividida.

            É a parte que te cabe neste latifúndio”.

A esses tristes versos de um erudito somamos os versos cheios de esperança numa reforma agrária que traga paz ao nosso País, de um grande artista popular, Patativa do Assaré, que no poema Eu quero, declama:

“A bem do nosso progresso

Quero o apoio do Congresso

Sobre uma reforma agrária

Que venha, por sua vez,

Libertar o camponês

da situação precária.

Finalmente, meus senhores,

quero ouvir entre os primores

Debaixo do céu de anil

As mais sonoras notas

Dos cantos dos patriotas

Cantando a paz do Brasil.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/04/1998 - Página 6723