Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O PRONUNCIAMENTO DO SENADOR EDUARDO SUPLICY. ANALISE DA EVOLUÇÃO DOS MOVIMENTOS DOS SEM-TERRA NO BRASIL. CONSTERNAÇÃO DIANTE DA MORTE BRUTAL DA JOVEM ANA CAROLINA EM ASSALTO NO RIO DE JANEIRO. PREOCUPAÇÃO COM A FALTA DE SEGURANÇA NO ESTADO. COMEMORAÇÃO DA SEMANA DO INDIO.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA. SEGURANÇA PUBLICA. HOMENAGEM. :
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O PRONUNCIAMENTO DO SENADOR EDUARDO SUPLICY. ANALISE DA EVOLUÇÃO DOS MOVIMENTOS DOS SEM-TERRA NO BRASIL. CONSTERNAÇÃO DIANTE DA MORTE BRUTAL DA JOVEM ANA CAROLINA EM ASSALTO NO RIO DE JANEIRO. PREOCUPAÇÃO COM A FALTA DE SEGURANÇA NO ESTADO. COMEMORAÇÃO DA SEMANA DO INDIO.
Publicação
Publicação no DSF de 17/04/1998 - Página 6756
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA. SEGURANÇA PUBLICA. HOMENAGEM.
Indexação
  • APOIO, PRONUNCIAMENTO, AUTORIA, EDUARDO SUPLICY, SENADOR, CRITICA, EXCESSO, CONCENTRAÇÃO, TERRAS, BRASIL, COMPROVAÇÃO, DADOS, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), PROVOCAÇÃO, INJUSTIÇA, ZONA RURAL, HOMICIDIO, SEM-TERRA, IMPUNIDADE, RESPONSAVEL, NECESSIDADE, ACELERAÇÃO, PROCESSO, REFORMA AGRARIA.
  • CRITICA, OMISSÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, INCOERENCIA, DESTINAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, CRIAÇÃO, PROGRAMA DE ESTIMULO A REESTRUTURAÇÃO E AO FORTALECIMENTO AO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL (PROER), SIMULTANEIDADE, IMPEDIMENTO, APLICAÇÃO, RECURSOS ECONOMICOS, REALIZAÇÃO, REFORMA AGRARIA, BRASIL.
  • DEFESA, MOVIMENTO TRABALHISTA, TRABALHADOR RURAL, SEM-TERRA, IMPLANTAÇÃO, REFORMA AGRARIA, BRASIL, CUMPRIMENTO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
  • CRITICA, PRECARIEDADE, ATENDIMENTO, ASSISTENCIA MEDICO-HOSPITALAR, FALTA, SEGURANÇA PUBLICA, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), RESULTADO, MORTE, HOMICIDIO, ANA CAROLINA, ESTUDANTE.
  • COMEMORAÇÃO, SEMANA, INDIO, BRASIL.
  • COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, LUTA, TRABALHADOR RURAL, SEM-TERRA, DEFESA, IMPLANTAÇÃO, REFORMA AGRARIA, BRASIL, OPORTUNIDADE, ANIVERSARIO, MORTE, TRABALHADOR, ZONA RURAL, CONFLITO, POLICIA MILITAR, MUNICIPIO, ELDORADO DOS CARAJAS (PA), ESTADO DO PARA (PA).

A SRª. BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, presto a minha homenagem a esses que tombaram em defesa de um pedaço de terra para plantar e colher. Associo-me também ao pronunciamento do nobre Senador Eduardo Suplicy, e o faço com a convicção de que o Brasil detém um recorde que nos envergonha - o maior nível de concentração de terra. São dados fornecidos pelo INCRA, que mostram que 2% dos proprietários rurais são donos de mais de 50% das terras. Essa concentração provoca grandes injustiças que, somadas a outros fatores, expulsam os trabalhadores do campo, formam favelas nos grandes centros urbanos, agravando o desemprego, impedindo uma maior produção agrícola.

A história da luta pela terra em nosso País, sobre a qual já tive oportunidade de falar, tem sido escrita com sangue. Não foram poucos os que até agora tombaram pelos seus ideais, enumerados aqui pelo Senador Eduardo Suplicy, que incluiu também os mortos de Eldorado dos Carajás e os de Corumbiara. Foram presidentes de sindicatos, foram mulheres, foram crianças que tombaram. Segundo denúncia da Pastoral da Terra, de 1985 a 1995 foram assassinadas 922 pessoas no campo, somando-se 820 registros de tentativas de assassinato e 2.412 ameaças de morte.

Em razão desses crimes, também já disse aqui o Senador Eduardo Suplicy, das 56 pessoas que foram processadas, tão-somente 7 foram condenadas. Portanto, a impunidade tem caminhado ao lado da violência e tem servido de estímulo às novas ações criminosas dos latifundiários, que contam ainda com um Poder Judiciário lento na apreciação dos litígios.

O Governo Fernando Henrique Cardoso chegou a admitir a gravidade da questão fundiária sem, entretanto, encaminhar soluções, alegando falta de recursos. Mas esse argumento cai por terra quando, utilizando-se de discurso em defesa da confiança no sistema financeiro, o Presidente destina mais de R$20 bilhões para salvar banqueiros, perdoa dívidas de fazendeiros inadimplentes e utiliza R$14 bilhões para o pagamento de juros e serviços da dívida externa. Não é dinheiro que falta, mas vontade política, sensibilidade para atender o povo. A política governamental cada vez mais está comprometida com os ricaços do País e do exterior.

O MST conta com o apoio da opinião pública, ainda que se queira dizer que não. Hoje, o MST não é uma organização que esteja ligada a partido político algum. Ele levanta a bandeira da reforma agrária que todos queremos neste País. E ele não está sozinho, porque sabemos que participarão da manifestação do dia de amanhã várias instituições, a começar por igrejas - e a manifestação não será apenas nacional, mas mundial, já que outros países estarão envolvidos. Haverá inclusive manifestações nas portas das embaixadas. O MST impôs resistência à entrega do valioso patrimônio nacional e manifestou-se em vários momentos da vida política brasileira.

O art. 184 da Constituição Federal diz:

Art. 184. Compete à União desapropiar por interesse social, para fins da reforma agrária, o imóvel que não esteja cumprindo sua função social...

E é desse ponto que parte a ação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra. Há também a premissa política de que o Governo não deve representar apenas os interesses da elite. O MST tem difundido o seu slogan, e temos acompanhado as suas lutas.

A data escolhida pelo Movimento para a chegada da marcha a Brasília, o dia 17 de abril, é simbólica. Nesse dia completa um ano o massacre de 19 trabalhadores rurais em Eldorado dos Carajás. O ato público promovido na Praça dos Três Poderes é, portanto, contra a violência e a impunidade, luta que merece o apoio de todos os brasileiros.

Se há algumas distorções nessa mobilização, nesse movimento, temos que corrigi-las, de forma democrática, porque não podemos, de maneira alguma, aceitar uma radicalização que pune os trabalhadores rurais do Movimento dos Sem-Terra, mas deixa à solta aqueles que têm assassinado os trabalhadores.

Temos que resolver a questão fundiária. Acredito que não será calando a boca ou aniquilando ou destruindo esse movimento que atacaremos a raiz do problema.

Vivemos num País injusto, com uma alta concentração de renda, um País onde há exclusão social, em que as oportunidades não são iguais. Não compactuamos com violência, seja de um lado, seja de outro, mas sabemos, perfeitamente, que violência gera violência.

Queremos paz na terra, e não apenas nesse pequeno pedaço de terra que o Movimento busca, mas na terra chamada Brasil, nessa terra que, desde Gênesis, foi ordenado que ocupássemos. A ocupação da terra é uma coisa divina. Fico preocupada quando queremos destruir a possibilidade de que o ser humano ocupe a terra. Temos é que acabar com a violência em nosso País, para que cada cidadão brasileiro tenha o direito de poder morar em um pedaço de terra; temos que acabar com os grandes latifúndios, para que possamos dividir com igualdade. Isto é humano, isto é cristão. Enchei a face da terra, diz o Gênesis! Mas é exatamente nesta vida que temos que encher a face da terra. Digo isto porque, segundo a minha filosofia, a vida não termina aqui, ela tem continuidade depois da morte, e, certamente, não com essa injustiça que hoje detectamos na nossa sociedade, nas políticas que a cada dia são implementadas, muito injustas.

Damos o nosso apoio a esse povo sofrido, que tem passado, não com os pés enxutos, por esse mar vermelho - eles estão caminhando sobre um mar vermelho. E os membros dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário temos que dar um basta nessa situação.

Primeiro, temos que cumprir a Constituição brasileira; segundo, o Governo tem que ter vontade política para fazer a reforma agrária e os assentamentos necessários neste País; terceiro, temos que fazer justiça, não podemos conviver com a impunidade.

Ontem a Câmara dos Deputados, ainda que por uma diferença - poderíamos dizer - muito pequena entre “sim” e “não”, deu um passo para que não perdêssemos a credibilidade e também para que se fizesse justiça. Mais do que seu patrimônio material, pessoas perderam vidas! Seria importante que esta Casa pudesse fazer um gesto como aquele que partiu da Câmara dos Deputados. Esperamos que o comportamento de todos os Deputados e Senadores possa ser sempre este: quando houver injustiça, que possamos corrigi-la naquilo que nos compete, conciliar as posições e criar condições para que haja paz na Terra!

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, não poderia concluir o meu pronunciamento sem antes fazer uma consideração a respeito do que houve no Rio de Janeiro, que culminou com a morte de Ana Carolina, uma jovem de 18 anos. O que ocorreu a essa jovem, que acompanhava sua prima Ana Paula e foi barbaramente assassinada no Rio de Janeiro, merece aqui uma avaliação. 

Não podemos, de forma alguma, aceitar a morte dessa jovem que teve sua vida ceifada. Não queremos procurar culpados apenas no Governo, mas queremos que ambos assumam a responsabilidade pela falta de segurança que hoje impera no Estado do Rio de Janeiro. Essa moça que perdeu a sua vida, e de quem estamos falando, faz parte de uma lista do tamanho, quero crer, da que foi lida pelo Senador Eduardo Suplicy de mortes no campo. Creio que há um número quase que igual de mortes no Estado do Rio de Janeiro, em conseqüência da falta de segurança.

É uma irresponsabilidade que fiquem brigando devido ao momento eleitoral, quando precisamos que haja segurança social e econômica, e segurança ostensiva. As ruas estão praticamente vazias enquanto se discute qual é a competência das polícias. Estamos sem proteção num Estado onde existem Governos municipal e estadual. A preocupação está voltada pura e simplesmente para o ano de 1998, para quem tem a melhor propaganda na televisão, para quem diz que realizou determinadas obras, que não oferecem segurança alguma, porque não se pode ter carro e não se pode trafegar pelos túneis. Não há segurança no Estado do Rio de Janeiro!

            Além disso, é preciso que haja outros tipos de segurança naquele Estado. Aquela moça, antes de falecer, precisou de socorro e foi atendida por uma equipe altamente preparada, que, com esforço, fez o que deveria fazer. Porém, o hospital não dispunha da infra-estrutura necessária. O pai daquela moça que teve a infelicidade de ser assassinada é um empresário de alto poder aquisitivo, que pôde gastar R$5,6 mil para que sua filha pudesse ser atendida. Ele é um rico empresário, e o hospital em que sua filha foi atendida é público e atende a maioria da população desempregada e assalariada.

            Vamos observar o que realmente está acontecendo com a saúde preventiva, com o tratamento que a área da saúde está oferecendo no Estado do Rio de Janeiro! Como os pobres poderão sobreviver nessa situação de insegurança do Estado do Rio de Janeiro e com a falta de atendimento?

Parece-me que, nesta sessão, teremos que tratar apenas da questão da violência. Hoje, estão sendo julgados aqueles que fizeram um grande massacre em Vigário Geral. Até agora, todos são inocentes. Tive oportunidade de atender, não politicamente, mas como cidadã, uma moradora dessa favela do Estado do Rio de Janeiro. Prestei serviços àquelas famílias que foram dizimadas, massacradas e assassinadas. Esse foi um dos crimes mais bárbaros e frios já cometidos ali!

Vou falar novamente aqui do testemunho de uma menina dessa favela. Creio que, naquela ocasião, fiz menção a esse fato. V. Exªs me ouvirão pela segunda vez. Uma pequena menina, com um bebê no colo, viu sua família inteira ser assassinada; morreram seus pais, seus avós e todos os que estavam em sua casa naquele momento. Havia três crianças na casa: uma menina de sete anos de idade, um menino de dez anos e um bebê. Os assassinos se olharam e se perguntaram se matariam ou não aquelas crianças; um dos assassinos resolveu que não as matariam, porque ouviram-se tiros e eles chegaram à conclusão de que a comunidade estava reagindo. Eles saíram apressadamente, e a menina pôde ver o rosto de um deles. A menina pegou o bebê e começou a andar pelos telhados a bater de porta em porta, mas nenhum morador da favela se atrevia a atendê-la naquele momento. Aquela menina foi caminhando, até que, muito distante dali, conseguiu se jogar do telhado de um dos barracos com o bebê e seu primo. Depois, a menina foi interrogada. Perguntaram-lhe se tinha visto a cara dos policiais. A menina respondeu - não me esqueço disso, porque acompanhei aquele depoimento - que eles não eram homens, mas sim bichos. Verdadeiramente, eram bichos aqueles que fizeram aquele massacre! Agora, eles estão sendo julgados. Esperamos que se faça justiça!

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, para concluir, não posso deixar de registrar o transcurso da Semana do Índio. Ontem, tive oportunidade de participar da abertura de uma exposição, ocasião em que os índios apresentaram seus cantos e suas danças, o que muito nos alegrou. Mais do que isso, os índios estavam festejando a demarcação de algumas de suas terras. Estavam também dando uma demonstração de que eles não são apenas aqueles que estão se matando, conforme publicam os jornais. Eles também são aqueles que, desde os primeiros dias do descobrimento, estão construindo o Brasil. Eles querem que o Governo cumpra a meta que se comprometeu a atingir na demarcação de suas terras.

O Conselho de Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil - CAPOIB - e o Conselho Indigenista Missionário - Cimi - estarão também fazendo uma manifestação de protesto no primeiro ano do assassinato do índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, porque entendem que não se fez justiça em relação ao que aconteceu com o índio. Não esperamos que a concepção dessa menina de sete anos, que disse que aqueles policiais não eram homens, eram bichos, seja acatada pela nossa Justiça; que ela não tenha essa mesma concepção, de que índio não é gente.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, peço o registro, na íntegra, do meu pronunciamento, já que o fiz de improviso.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/04/1998 - Página 6756