Discurso no Senado Federal

SUCATEAMENTO DOS RECURSOS MATERIAIS, E, SOBRETUDO, HUMANOS DAS UNIVERSIDADES PUBLICAS BRASILEIRAS. PREOCUPAÇÃO COM A DIMINUIÇÃO DO CORPO DOCENTE DAS UNIVERSIDADES EM DECORRENCIA DA APOSENTADORIA DE PROFESSORES POR OCASIÃO DA REFORMA DA PREVIDENCIA. NECESSIDADE DE UM DIALOGO AMPLO ENTRE CONGRESSO NACIONAL, GOVERNO FEDERAL E COMUNIDADE UNIVERSITARIA PARA ENCONTRAR UMA SOLUÇÃO PARA OS PROBLEMAS QUE ATINGEM AS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS.

Autor
Jefferson Peres (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENSINO SUPERIOR.:
  • SUCATEAMENTO DOS RECURSOS MATERIAIS, E, SOBRETUDO, HUMANOS DAS UNIVERSIDADES PUBLICAS BRASILEIRAS. PREOCUPAÇÃO COM A DIMINUIÇÃO DO CORPO DOCENTE DAS UNIVERSIDADES EM DECORRENCIA DA APOSENTADORIA DE PROFESSORES POR OCASIÃO DA REFORMA DA PREVIDENCIA. NECESSIDADE DE UM DIALOGO AMPLO ENTRE CONGRESSO NACIONAL, GOVERNO FEDERAL E COMUNIDADE UNIVERSITARIA PARA ENCONTRAR UMA SOLUÇÃO PARA OS PROBLEMAS QUE ATINGEM AS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS.
Publicação
Publicação no DSF de 17/04/1998 - Página 6762
Assunto
Outros > ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • ANALISE, PRECARIEDADE, FUNCIONAMENTO, INSTITUIÇÃO FEDERAL DE ENSINO, ENSINO SUPERIOR, RESULTADO, REDUÇÃO, RECURSOS ECONOMICOS, RECURSOS HUMANOS, PROVOCAÇÃO, PREJUIZO, PESQUISA CIENTIFICA E TECNOLOGICA, BRASIL.
  • ANALISE, DEMORA, REAJUSTAMENTO, SALARIO, PROFESSOR, UNIVERSIDADE, COMPROMETIMENTO, QUALIDADE, ENSINO SUPERIOR, BRASIL.
  • APREENSÃO, ABANDONO, PROFESSOR, UNIVERSIDADE, MOTIVO, APROVAÇÃO, REFORMA ADMINISTRATIVA, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, CORTE, BENEFICIO PREVIDENCIARIO, SIMULTANEIDADE, FALTA, PROVIDENCIA, VAGA, PROFESSOR ASSISTENTE, PROFESSOR CATEDRATICO, PROFESSOR ADJUNTO, RESULTADO, REDUÇÃO, RECURSOS HUMANOS, INSTITUIÇÃO FEDERAL DE ENSINO, ENSINO SUPERIOR.
  • ANALISE, ASSOCIAÇÃO NACIONAL, PROFESSOR, INSTITUIÇÃO FEDERAL DE ENSINO, ENSINO SUPERIOR, DISCORDANCIA, PROGRAMA, INCENTIVO, PESQUISA CIENTIFICA E TECNOLOGICA, INICIATIVA, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC).
  • CRITICA, ASSOCIAÇÃO NACIONAL, PROFESSOR, INSTITUIÇÃO FEDERAL DE ENSINO, ENSINO SUPERIOR, DISCORDANCIA, PROGRAMA, INCENTIVO, PESQUISA CIENTIFICA E TECNOLOGICA, INICIATIVA, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC).
  • DEFESA, AUMENTO, PARTICIPAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, DISCUSSÃO, SAUDAÇÃO, CRIAÇÃO, GRUPO, CONGRESSISTA, ENSINO SUPERIOR.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PSDB-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, em primeiro lugar, deve ter sido um lapso do eminente Senador Ademir Andrade referir-se sempre ao Presidente como Fernando Henrique Cardoso. Queira ou não o Senador Ademir Andrade, o Sr. Fernando Henrique Cardoso é Presidente da República e como tal deve ser tratado em um pronunciamento neste plenário. Creio que os Anais retificarão as palavras do Senador.

Sr. Presidente, com o movimento de paralisação das instituições federais de ensino superior prestes a entrar em sua terceira semana e registrando elevado nível de adesão em todo o País, desejo fazer algumas observações sobre a crise da universidade pública brasileira.

Antes de mais nada, cumpre-me registrar que a questão me fala muito de perto. Sou duplamente ligado à universidade pública: de um lado, como ex-aluno da Faculdade de Direito da Universidade do Amazonas; de outro, como professor de seu Departamento de Análise Econômica.

O sistema de ensino superior público (estadual e federal), responsável por 90% dos doutoramentos realizados no País, vale dizer, a quase totalidade de nossa pesquisa científica e tecnológica, vem enfrentando, já há vários anos, um lamentável processo de sucateamento dos seus recursos materiais e, sobretudo, humanos.

Sem reajuste salarial há mais de três anos, muitos docentes amargam o colapso de seus projetos pessoais e profissionais. Hoje, um professor doutor, adjunto, nível 4, no topo da carreira, com dedicação exclusiva, recebe por volta de R$2.300,00 mensais. Um assistente, com mestrado completo, no mesmo regime de trabalho, sobrevive com R$1.200,00. Convenhamos, assim é praticamente impossível sustentar a família, comprar livros, adquirir equipamentos de informática, participar de seminários, simpósios, congressos e outros eventos de qualificação ou atualização científico-pedagógica exigidos para o desempenho da docência e para a orientação a futuros pesquisadores.

Para agravar o quadro, a percepção generalizada de que as reformas administrativa e previdenciária cortariam benefícios e violariam direitos adquiridos desencadeou uma avalanche de pedidos de aposentadoria. Resultado: 6.500 vagas docentes em 39 unidades federais permanecem em aberto e sem perspectiva de preenchimento regular e definitivo. Isso porque o combate ao déficit público determinou o “congelamento” dos concursos públicos. Como medida paliativa, para não ter de fechar suas portas e deixar os alunos sem aula, departamentos e faculdades são autorizadas a tão-somente selecionar professores-substitutos. Esses conseguem a proeza de ganhar ainda menos do que os seus colegas concursados: R$737,00 para os doutores; R$494,00, no caso dos mestres.

Sr. Presidente, se o corpo docente vai mal, o discente não poderia ir bem. O corte de 12,5% das bolsas de iniciação científica afunila as oportunidades para muitos alunos com vocação para pesquisa. Neste ponto, convém submeter à prova dos fatos (e dos números) a noção amplamente veiculada de que o ensino superior público constitui um subsídio injusto aos rebentos das classes alta e média-alta. Assim, por exemplo, estudo recente da prestigiosa Unicamp mostrou que nada menos que 31% dos estudantes aprovados em seu vestibular nacional completaram o secundário em escolas públicas. Desses, uma significativa parcela logrou ingressar em cursos nos quais a relação candidato-vaga é altamente competitiva, tais como Ciências Biológicas, Engenharia Química e Engenharia Elétrica. Dentre os aprovados no último vestibular da Unicamp, 20% provêm de famílias cujo rendimento é inferior a 10 salários mínimos, e a esmagadora maioria situa-se nos estratos médios, que sofreram um inegável processo de empobrecimento na última década. No conjunto daquela instituição, 26% dos estudantes são filhos de trabalhadores e de ocupantes de outras funções de menor prestígio social, e mais de 30% trabalham eles próprios para se manter.

Parece-me correta a conclusão que o Reitor da Unicamp, Professor José Martins Filho, tira desse estudo: se existe elitismo no sistema educacional brasileiro, certamente ocorre nos níveis anteriores à chegada do aluno à universidade, mais precisamente no ensino médio. Afinal, dos 10 milhões de jovens brasileiros na faixa de 14 a 17 anos, apenas 24% se acham matriculados no 2º Grau.

Paralelamente, as complexidades sociais e tecnológicas de um mundo no limiar do terceiro milênio afetam de maneira decisiva os horizontes de trabalho e profissionalização da juventude universitária. Hoje, mais importante que assegurar um “bom emprego para a vida toda”, espécie em franca extinção, é garantir a “empregabilidade”, com a mobilização flexível de recursos intelectuais e pessoais submetidos a incessante reciclagem. E as chances atuais de a universidade contribuir para isso são, no mínimo, problemáticas, conforme procurei mostrar neste pronunciamento. De tudo o que foi dito, torna-se fácil perceber por que a reivindicação dos docentes por 48,65% de reajuste salarial encontra eco em uma parcela do estudantado que se une em manifestações de solidariedade aos seus professores em cidades como Brasília e Rio de Janeiro.

Considero que a outra grande bandeira do movimento, a extinção do recém-criado Programa de Incentivo à Docência (PID), deve ser analisada com cuidado, sem açodamento ou preconceito. O PID se destina a distribuir bolsas para professores que articulem projetos de pesquisa com a colaboração de seus alunos. A liderança da Andes (Sindicato Nacional de Docentes das Instituições de Ensino Superior) é contra a iniciativa do MEC por estimular uma concepção individualista de pesquisa. Propõe a Andes uma alternativa pretensamente democrática de trabalho científico, calcada em longas e minuciosas discussões sobre linhas de investigação, prioridades na seleção dos objetos de estudo e na alocação de fundos para os diferentes projetos, envolvendo o conjunto da comunidade universitária.

Com toda a sinceridade, isso me cheira a assembleísmo, e duvido muito que pesquisadores, prioritariamente interessados em conduzir seus estudos e experimentos, disponham de tempo e paciência para essas intermináveis discussões. Claro que a pesquisa científica, hoje em dia, principalmente nos pólos mundiais de produção de conhecimento, é um empreendimento que engole montanhas de dólares e mobiliza um exército de investigadores e técnicos. Nada, entretanto, substitui o talento, a dedicação e a pertinácia de estudiosos vocacionados a esse verdadeiro sacerdócio de “inspiração e transpiração”, na frase imortal de Thomas Edison. As descobertas que abrem novas fronteiras, salvam vidas humanas e contribuem para o aumento do bem-estar social têm sua origem, quase sempre, em pequenos grupos de pesquisadores, unidos em permanente diálogo para troca de idéias com seus congêneres de centros de excelência no mundo inteiro. Cabe à sociedade e, em países insuficientemente desenvolvidos como o nosso, sobretudo ao Estado, propiciar condições para o florescimento, a canalização e a difusão dessas investigações e a aplicação de seus resultados em grande escala.

Por isso mesmo, assisto com preocupação à debandada atual de professores, muitos deles de notório saber e renome, da universidade pública para instituições privadas de ensino superior. Aposentam-se no auge de sua maturidade intelectual e produtividade científica e saem em busca de melhores salários e condições de trabalho. Quem pode condená-los por isso? O grande problema é que, sem tradição de pesquisa e assoberbada pelo imperativo do lucro rápido, dificilmente a universidade particular brasileira estará disposta a arcar com os riscos e investimentos de longo prazo requeridos pela atividade científica séria e de qualidade.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, gostaria de encerrar sugerindo um diálogo amplo e sério entre este Congresso, o Governo e a comunidade acadêmica e científica para a construção de uma alternativa sólida e promissora ao atual estado de coisas na universidade brasileira. Compreendo a opção preferencial do MEC pela reengenharia do ensino básico e de 2º Grau, que são etapas nas quais o mecanismo de exclusão social funcionam de forma mais intensa e cruel. Isso, entretanto, não justifica o abandono do ensino superior à mingua de recursos de toda ordem. É bem possível que uma saída seja a proposta do Executivo de conceder plena autonomia às universidades federais, desde que não se perca de vista a realidade brasileira, que não permite às universidades das regiões mais pobres ter uma importante fonte de receita na venda de serviços; e desde que não sirva de pretexto para desobrigar o Estado do indeclinável dever de proporcionar ensino público gratuito de boa qualidade. Mas, também, a situação atual não pode perdurar, com o salário dos servidores universitários transformado em refém do princípio da isonomia, o que implica o seu aviltamento e a conseqüente falência do ensino superior.

Já é tempo de o Congresso atribuir a esse assunto a prioridade que merece, ao invés de, comodamente, deixar o problema nas mãos do Executivo, que, sozinho, nas condições vigentes, não tem como resolvê-lo.

Saúdo a criação da Frente Parlamentar de Defesa do Ensino Universitário, à qual, desde já, me filio, porque dela me considero membro nato, na condição de professor universitário.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/04/1998 - Página 6762