Discurso no Senado Federal

ANALISE DA PARALISAÇÃO DAS ATIVIDADES DAS UNIVERSIDADES PUBLICAS BRASILEIRAS.

Autor
Junia Marise (PDT - Partido Democrático Trabalhista/MG)
Nome completo: Júnia Marise Azeredo Coutinho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENSINO SUPERIOR.:
  • ANALISE DA PARALISAÇÃO DAS ATIVIDADES DAS UNIVERSIDADES PUBLICAS BRASILEIRAS.
Publicação
Publicação no DSF de 17/04/1998 - Página 6781
Assunto
Outros > ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • ANALISE, GREVE, PROFESSOR, AMBITO NACIONAL, UNIVERSIDADE FEDERAL, BRASIL, RESULTADO, POLITICA, GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PRIORIDADE, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), ENSINO FUNDAMENTAL, PREJUIZO, INSTITUIÇÃO FEDERAL DE ENSINO, ENSINO SUPERIOR.
  • CRITICA, POLITICA, GOVERNO, EDUCAÇÃO, REDUÇÃO, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, CUSTEIO, UNIVERSIDADE, CORTE, VERBA, DESTINAÇÃO, PESQUISA CIENTIFICA E TECNOLOGICA, BOLSA DE ESTUDO, ESTUDANTE.
  • APOIO, ASSOCIAÇÃO NACIONAL, PROFESSOR, ENSINO SUPERIOR, PROGRAMA, INCENTIVO, MAGISTERIO SUPERIOR, GOVERNO, MOTIVO, DISCRIMINAÇÃO, EXCLUSÃO, APOSENTADO, TECNICO DE ADMINISTRAÇÃO, UNIVERSIDADE FEDERAL.
  • CRITICA, GOVERNO, ATRASO, DEMORA, REAJUSTAMENTO, SALARIO, PROFESSOR, UNIVERSIDADE, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, UNIVERSIDADE FEDERAL, MUNICIPIO, LAVRAS (MG), ESTADO DE MINAS GERAIS (MG).
  • SOLICITAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, URGENCIA, ADOÇÃO, PROVIDENCIA, SOLUÇÃO, CRISE, UNIVERSIDADE FEDERAL, BRASIL.

A SRª JÚNIA MARISE (Bloco/PDT-MG. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, retorno a esta tribuna para tratar novamente de um tema que, por sua importância e pela gravidade da situação, exige a máxima atenção por parte desta Casa. Refiro-me ao movimento de âmbito nacional que está levando à paralisação das atividades de um número crescente de universidades públicas em nosso País.

É claro que a greve causa transtornos, prejudica o andamento do semestre letivo, altera os planos pessoais e de estudos. No entanto, chega-se a uma situação em que esse legítimo instrumento de pressão precisa ser utilizado, especialmente quando, do outro lado - no caso, o Governo Federal e o Ministério da Educação -, cristaliza-se uma situação de descaso, intolerância e prepotência.

Por que as universidades federais brasileiras estão tomando a decisão extrema de paralisar seu trabalho acadêmico?

Antes de julgá-las, o bom senso indica a necessidade de conhecer a realidade em que se encontram os professores e as nossas Universidades.

Tendo a educação como uma de suas prioridades máximas, de acordo com o compromisso de campanha, quando cinco dedos da mão apontavam para os setores mais críticos da vida nacional a serem priorizados pela ação governamental, o Governo Fernando Henrique Cardoso parece ter cometido um erro fundamental. Ao jogar todas as fichas no ensino fundamental - reparem que nem mesmo falo de “educação básica”, que pressupõe, além do ensino fundamental obrigatório, a educação infantil e o ensino médio -, o Ministério da Educação começou a agir de modo a identificar prioridade com exclusividade.

Promovendo uma maciça campanha publicitária, o MEC deu a entender, ao País, que a universalização do acesso ao ensino fundamental, melhorando os seus indicadores de desempenho, seria o bastante para mudar a face do sistema educacional brasileiro.

Nada mais falso, Sr. Presidente, nada mais perigosamente falacioso.

Talvez tenha faltado ao Ministro da Educação algo essencial para quem assume as funções que lhe foram conferidas: a compreensão de que a educação é um processo e, como tal, não pode ser seccionada. Da educação infantil ao ensino superior, etapas se somam, jamais se excluem. Estranho, pois, que quem já foi Secretário de Educação do Estado de São Paulo e Reitor de uma das mais respeitadas universidades brasileiras - a Unicamp - não tenha compreendido que não se faz uma educação básica de qualidade sem professores qualificados para a tarefa e que, graças à pesquisa e aos seus cursos de licenciatura, quem torna isso possível é exatamente o ensino superior, especialmente as nossas universidades.

Eu gostaria de abrir um parêntese nessa questão. Certamente não estamos aqui nos posicionando contrariamente à prioridade conferida ao ensino fundamental. Como cidadã e principalmente como Senadora da República, sempre apoiei e sempre apoiarei as medidas propostas ou encampadas pelo Poder Executivo que visem à melhoria do nível do ensino de nosso País. Por exemplo, como não apoiar a descentralização da merenda escolar, deplorando a redução dos recursos a ela destinados? Como não aplaudir, por exemplo, a análise meticulosa dos livros didáticos e sua distribuição em tempo hábil? Há alguns anos, eles chegavam no final do ano. Essa decisão do Ministério merece nossos aplausos.

Como não estar, por exemplo, de acordo com a elaboração de parâmetros curriculares, orientadores do trabalho pedagógico em todo o nosso País?

Como não reconhecer também o potencial da TV Escola, atingindo o professorado em todos os cantos de nossa Pátria, dando-lhe condições de aprimoramento profissional?

E como não enxergar no Fundo de Valorização do Ensino Fundamental uma tentativa válida de, sobretudo, dignificar a carreira do docente?

Faço essas observações, Sr. Presidente, para que ninguém pense estar diante de uma Senadora que não abre os olhos à realidade ou que seja incapaz de reconhecer eventuais acertos da política educacional implementada pelo Ministro Paulo Renato.

Sem nenhum tipo de sectarismo, sem estar movida pela paixão, que pode muitas vezes cegar, o que me move neste instante é o temor de que, por razões desconhecidas, esteja hoje o Ministério da Educação cometendo um equívoco de tal natureza que ao País poderá custar muito caro, principalmente em tempo e em recursos. É precisamente isso o que está ocorrendo com nossas instituições públicas de ensino superior, motivo pelo qual elas se encontram hoje em greve.

Mesmo que jamais tenha tido a coragem de afirmá-lo com todas as letras, o Governo Fernando Henrique, desde o primeiro momento, tem demonstrado, no mínimo, má vontade com as universidades mantidas pela União. Ora questionando, por exemplo, as suas administrações, ora dando a entender que seus professores não gostam de dar aulas, ora sugerindo que são muito caras pelo que produzem, o certo é que objetivamente nada, nada mesmo tem sido feito até hoje nesses últimos três anos e meio, para garantir a essas instituições o mínimo indispensável para o seu regular funcionamento.

Em verdade, o procedimento do Governo Federal em relação às universidades públicas tem pecado, antes de qualquer outra consideração, por uma imperdoável miopia histórica.

Esquecem-se do caráter estratégico dessas instituições, especialmente em um país como o nosso, com tantas mazelas historicamente construídas. Parecem desconhecer o esforço empreendido pela Nação no sentido de criá-las, sobretudo ao longo das décadas de 1950 a 1960, na certeza de que essas universidades haveriam de contribuir - como de fato ocorreu - para a superação do subdesenvolvimento e a construção de uma sociedade mais próspera e menos desigual.

Não por acaso, cerca de 90% do conhecimento científico em nosso País provém de nossas instituições públicas de pesquisa, à frente das quais estão as nossas universidades.

Por mais paradoxal que possa parecer, nem mesmo o período da ditadura, esses vinte e tantos anos do regime militar, conseguiu atingir tão duramente as universidades públicas quanto o atual Governo nesses três anos e meio.

Hoje, em pleno Estado de Direito, com as garantias individuais e sociais respeitadas, com o Parlamento exercendo a plenitude de suas atribuições, com a imprensa livre, enfim, com a democracia política sendo praticada, joga-se sobre a universidade pública todo o peso de um Estado considerado quase inimigo.

Parece haver um deliberado intento de golpear a universidade pública naquilo que ela tem de mais essencial: a sua dignidade institucional. As medidas vão se sucedendo, numa seqüência que os professores consideram macabra - e eles têm razão: cortam-se drasticamente os recursos de custeio - os recursos do Orçamento da União para as universidades foram cortados drasticamente; reduzem-se os montantes destinados à área de ciência e tecnologia; diminuem-se as bolsas de capacitação discente e docente (como ocorreu com o corte de 50% dos recursos para as bolsas de capacitação docente e de iniciação científica), atingindo, portanto, em cheio, o vitorioso PICDT, ou seja, a Iniciação Científica, o PET, e o acesso aos cursos de Aperfeiçoamento, Mestrado e Doutorado.

Mas era necessário ir além na tentativa de vencer por asfixia o que restava de brio, compromisso social e dignidade profissional nas universidades federais. Assim foi feito. Começando pela alteração nas regras da aposentadoria - que empurrou milhares e milhares de professores de nosso País, na justa tentativa de preservar os seus direitos, para fora da universidade - e passando pelo absurdo descumprimento de decisões judiciais transitadas em julgado, como é o caso dos docentes da Universidade de Brasília, que, em dezembro de 1995, ganharam os 26,05% da URP e, até hoje, não receberam. Chegamos a quase 1.200 dias sem um mísero reajuste salarial, o que eqüivale à perda de 48,65% do poder aquisitivo dos salários dos professores!

Há ainda outra questão, que já trouxe à tribuna do Senado: os professores da Universidade de Lavras, no meu Estado, Minas Gerais, também ganharam na Justiça o reajuste salarial devido desde 1993, em sentença proferida pelo Juiz Federal da 8ª Vara de Belo Horizonte. O Governo chegou a emitir os contracheques para o pagamento, atendendo à decisão da Justiça, mas até hoje não depositou a quantia devida, conforme denúncia dos próprios professores da Universidade de Lavras.

Ora, Sr. Presidente, quando consideram que essa postura do Ministério da Educação, de chegar até mesmo a emitir os contracheques mas de não depositar os valores, parece uma atitude fraudulenta, quase que um estelionato em relação àquilo que determina a sentença judicial, certamente esses professores têm razão!

Sr. Presidente, os docentes das instituições de ensino superior têm um sindicato - a ANDES -, de longa e valorosa trajetória. Nascida como associação em pleno regime militar no País, ela soube cumprir seu papel, legitimando-se por sua ação e representatividade ao longo de todos estes anos.

Pois bem, desde dezembro de 1995 - quero repetir a data, dezembro de 1995 -, esse sindicato, que representa os docentes das universidades públicas, tem tentado ser recebido pelo Ministro da Educação, para debater a realidade universitária e apresentar as suas propostas. Somente agora, no mês de março, após três anos e meio, quando o quadro da greve já se mostrava irreversível, o Ministério da Educação marcou uma audiência para receber os representantes dos docentes. E o fez, em suma, para dizer que nada poderia fazer.

Em termos salariais, o único gesto do Governo, por sinal deplorável, foi propor, através de medida provisória, o Programa de Incentivo à Docência nas instituições, classificado por muitos professores como “ignóbil, indecente, imoral e maquiavélico”. Para os docentes, o Programa, tal como foi apresentado, faz “chegar à comunidade universitária e à sociedade a falsa idéia de estar concedendo reajuste salarial”. No entanto, argumentam os professores, “a medida é discriminatória, pois contempla aproximadamente 25% dos docentes, excluindo os aposentados e os servidores técnico-administrativos”.

Concluo, portanto, Sr. Presidente, hipotecando mais uma vez a minha integral solidariedade aos que, na universidade pública ou fora dela, reconhecem o valor e o significado dessa instituição como produtora e disseminadora do saber, instrumento exponencial para a construção de uma sociedade assentada na prosperidade, na justiça, na cidadania e nos mais elevados valores da democracia.

Que o impasse ora criado entre as universidades públicas e o Governo possa ser superado pela via do diálogo inteligente e sincero, de modo que sejam superadas as medidas provocativas e principalmente “desrespeitantes” às nossas instituições públicas.

O Brasil não pode prescindir de uma universidade operosa, dignificada em seu ofício, respeitada pelo seu trabalho. Não haveremos de ser a Nação com a qual sonhamos sem o concurso de uma universidade livre - principalmente de uma universidade livre -, presa apenas ao compromisso sagrado de contribuir para o avanço das conquistas da humanidade e de edificar um Brasil melhor.

Voltamos, como disse no início, mais uma vez a esta tribuna, Sr. Presidente, para trazer elementos novos que sustentam neste momento a justificativa dos professores universitários para sua paralisação, que vem crescendo, atingindo hoje praticamente a unanimidade das universidades públicas do nosso País. Certamente, eles não estão fazendo essa paralisação porque desejam ou porque querem.

Tenho recebido correspondência na minha caixa de correio no Senado, assim como telegramas e cartas de estudantes e professores de universidades de todo o País e do meu Estado, Minas Gerais, em que me encaminham, inclusive, o seu contracheque. E é realmente assustador depararmos com esses contracheques. São professores que têm pós-graduação em universidades da Europa - França, Inglaterra, Suíça - e nas principais universidades dos Estados Unidos - Nova Iorque, Massachusetts. São professores com 15 anos de experiência e que estão ganhando um salário líquido miserável de R$1.700,00 a R$2.000,00.

Ora, Sr. Presidente, se fizermos uma reflexão, baseada no bom senso e principalmente na sensibilidade, haveremos de concordar que eles têm razão quando, neste momento, utilizam-se desse instrumento de pressão que é a paralisação, a greve, para que sejam ouvidos pelo Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Após terem recorrido ao Poder Judiciário, viram várias causas serem julgadas, inclusive com sentenças transitadas em julgado, dando aos professores ganho de causa. Mas nem assim o Ministério da Educação acedeu e concordou em cumprir decisões judiciais.

Ora, mais do que a recomposição salarial, é preciso resgatar nossas universidades. Hoje, elas não têm recursos sequer para sua própria manutenção. Existem cinco mil vagas de docentes em todo o País que foram desocupadas pelos milhares de professores que se aposentaram e por outros tantos que optaram pela universidade particular, onde os salários são melhores.

Esta situação, a redução de vagas, de recursos e de bolsas de estudos, está provocando um verdadeiro sucateamento das universidades públicas e levando ao caminho da mercantilização do ensino superior no País e à privatização de nossas universidades.

Faço um apelo veemente ao Presidente Fernando Henrique Cardoso para que Sua Excelência, como professor, como cidadão, como Chefe da Nação não incorpore em seu currículo a responsabilidade de ter sucateado, fechado, privatizado a universidade pública de nosso País. Está na hora de ser tomada uma decisão e a decisão está nas mãos do Presidente Fernando Henrique Cardoso.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/04/1998 - Página 6781