Discurso no Senado Federal

ARREFECIMENTO DA ATIVIDADE ECONOMICA NACIONAL, ATRIBUIDO A EQUIVOCADA POLITICA DE SOBREVALORIZAÇÃO CAMBIAL, RESTRIÇÃO DO CREDITO E ABERTURA IRRESTRITA AO MERCADO EXTERIOR.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • ARREFECIMENTO DA ATIVIDADE ECONOMICA NACIONAL, ATRIBUIDO A EQUIVOCADA POLITICA DE SOBREVALORIZAÇÃO CAMBIAL, RESTRIÇÃO DO CREDITO E ABERTURA IRRESTRITA AO MERCADO EXTERIOR.
Publicação
Publicação no DSF de 28/04/1998 - Página 7063
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • ANALISE, CRISE, ECONOMIA, BRASIL, EXCESSO, FALENCIA, CONCORDATA, INADIMPLENCIA, MOTIVO, SUPERIORIDADE, JUROS, RESTRIÇÃO, CREDITOS, ABERTURA, IMPORTAÇÃO, PREJUIZO, INDUSTRIA NACIONAL.
  • ANALISE, POLITICA CAMBIAL, PLANO, ESTABILIZAÇÃO, ECONOMIA, DEFICIT, BALANÇA COMERCIAL, EFEITO, NECESSIDADE, ATRAÇÃO, CAPITAL ESTRANGEIRO, SUPERIORIDADE, TAXAS, JUROS, AUMENTO, DIVIDA PUBLICA.
  • DEFESA, DISCIPLINAMENTO, NATUREZA FISCAL, SETOR PUBLICO.

O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a atual conjuntura por que passa a economia brasileira tem-se caracterizado pelo alto número de requerimentos de falência e de concordata, apresentados por empresas que atuam nos mais variados ramos de atividade.

Essa crise sistêmica começou com a inadimplência dos consumidores, que, em grande quantidade, deixaram de honrar em dia seus débitos. Logo depois veio a quebradeira das empresas, processo que continua em marcha. Finalmente, tudo isso tem afetado a saúde de algumas instituições financeiras, às voltas com a necessidade de reservar maiores recursos para fazer frente a créditos de liquidação duvidosa. Não resta dúvida de que as dificuldades desses agentes têm nos juros altos sua origem.

Os pedidos de falência têm aumentado progressivamente, marcando uma tendência que está longe de se esgotar. Enquanto as concordatas atingem as médias e as grandes empresas, pois esse instituto jurídico exige uma organização contábil mais complexa por parte da empresa solicitante, as falências têm sido requeridas principalmente por micro e pequenas empresas, que são os empreendimentos mais vulneráveis ao encarecimento do crédito.

Ao lado do crédito escasso, a abertura comercial ao exterior, lastreada na progressiva queda das alíquotas de importação observada nos últimos anos, pode ser também apontada como causa dos embaraços experimentados por muitas empresas brasileiras.

Em realidade, era previsto que a abertura ao exterior, etapa inafastável do processo de inserção do Brasil à economia globalizada, traria problemas a muitas de nossas empresas. Embora a abertura comercial seja bem-vinda e traga benefícios ao País, não se pode deixar setores de atividades inteiros sucumbirem ao peso da concorrência externa. O objetivo da exposição externa é melhorar a qualidade de nossa produção e baixar preços. Não pode ser a desindustrialização do País e a perda, em grande magnitude, de postos de trabalho. Alguns setores correm o risco de desaparecer, entre eles o de bens de capital, importantíssimo para o desenvolvimento do País, o setor têxtil, o de calçados e o de brinquedos, apenas para citar alguns.

A ajuda aos setores em dificuldades deve ser prestada na forma de linhas especiais de financiamento à modernização, de um cronograma progressivo, previamente anunciado, de redução de alíquotas setoriais de importação, bem como de criação de burocracia especializada para o julgamento de ações contra a concorrência desleal. Tais medidas já têm sido implementadas pelo Governo. O que se cobra, todavia, é mais presteza em seu encaminhamento.

Uma coisa, porém, é certa: a abertura comercial veio para ficar. É uma opção irretroativa de Governo e, cada vez mais, está cristalizada em acordos celebrados no âmbito da Organização Mundial de Comércio e do Mercosul.

A outra causa de dor de cabeça para nossas empresas -- muitas das quais têm sido empurradas para a falência, em especial as micro e pequenas -- é a política de crédito restrito e de juros altos.

Com toda razão, todos reclamam muito dos juros altos. Pede-se insistentemente que o Governo promova uma imediata redução em seus níveis. Mas será que isso é tão simples? Será que a queda dos juros, a exemplo de outros temas da agenda nacional, consiste apenas numa questão de vontade política? Será que, se o Governo pudesse, num passe de mágica, reduzir os juros, ele já não o teria feito?

Penso que devemos avançar nessa questão. Devemos colocá-la em um patamar mais elevado de discussão. Não adianta ficarmos aqui nos estendendo em lamúrias contra os juros altos. É necessário entender por que os juros são altos e o que se deve fazer para baixá-los.

As elevadas taxas de juro cobradas hoje no Brasil, além de serem uma conseqüência necessária do descontrole das contas públicas, cumprem duas funções básicas dentro da equação de política econômica montada pelo plano de estabilização. No front externo, atraem o ingresso de capitais estrangeiros, imprescindíveis para financiar nosso déficit em transações correntes. No front interno, representam uma barreira para o aumento da demanda agregada, constantemente expandida pelo déficit das contas públicas.

Vamos por partes. Primeiro, o setor externo.

Todos sabemos que o plano de estabilização se apóia, em grande parte, na chamada âncora cambial, que nada mais é do que a manutenção de uma taxa de câmbio semifixa para dar credibilidade à moeda nacional. Ora, como a inflação brasileira é superior à inflação norte-americana, acontece que, ao longo do tempo, com a manutenção do câmbio quase inalterado, nossa moeda se vai valorizando artificialmente em relação ao dólar. Digo artificialmente porque a valorização do real não corresponde a um aumento do poder de compra de nossa moeda, em termos de bens e serviços, em relação à divisa estrangeira. A valorização decorre simplesmente de uma opção de política cambial, decidida pelo Governo brasileiro.

Ora, o real sobrevalorizado implica estímulo às importações de bens e serviços, que se tornam mais baratas, e em desestímulo às exportações, que se tornam mais caras. Daí aparecem os déficits que temos tido na balança comercial, anteriormente ao plano altamente superavitária. Assim, o déficit que historicamente temos em razão do pagamento de juros, fretes e demais itens da balança de serviços não mais pode, como era no passado, ser financiado pelo resultado positivo da balança comercial, pois esse resultado passou de positivo para negativo. Resta, portanto, o recurso à conta de capitais para financiar esse rombo em transações correntes. Mais precisamente, é o ingresso de capitais estrangeiros, atraídos pelos juros absurdos que lhe pagamos no Brasil, que fornece as divisas de que precisamos para equilibrar nosso Balanço de Pagamentos.

Em outras palavras, caso os juros caíssem muito, os capitais especulativos deixariam de vir para cá, e o que possivelmente se seguiria seria uma crise cambial, ou seja, não teríamos divisas suficientes para pagar nossos compromissos em dólar, o câmbio teria de ser bruscamente desvalorizado, e aí adeus âncora cambial e adeus plano de estabilização.

Essa, a primeira função dos juros altos. Agora, no âmbito interno.

Em síntese muito apertada, pode-se dizer que, a cada indício de aumento significativo do consumo, acendem-se os sinais vermelhos que indicam a possibilidade de que a inflação volte a sair do controle. Então o Governo, que quer continuar a dominar os preços, toma medidas de contenção da demanda. Intervém no mercado financeiro e baixa normas de restrição à concessão de crédito, aumenta a tributação sobre operações financeiras, aumenta o nível do recolhimento compulsório dos bancos comerciais junto ao Banco Central etc., o que acaba por aumentar os juros. Com os juros mais altos, reduz-se a demanda agregada, como era o objetivo do Governo.

Ocorre, no entanto, que o Governo, pelo lado fiscal, tem sido o maior agente responsável pela expansão da demanda agregada. Assim, como não consegue restringir sua demanda, o Governo restringe a demanda dos outros, isto é, do setor privado da economia, que são as empresas e os consumidores. Dizendo isso de uma outra maneira: o Governo, ao produzir déficits fiscais, retira poupança do setor privado para fazer frente aos seus gastos. O efeito disso são juros altos e maior endividamento do Governo.

Para fazer agora a ligação com o setor externo, vale lembrar que, se o Governo exercesse menor pressão sobre a demanda agregada, haveria também maior espaço para uma desvalorização não traumática da taxa de câmbio. Ademais, -- nunca é demais insistir, -- o aumento da poupança interna é a única garantia para um processo de crescimento sustentado a longo prazo.

Resumindo, o que se pode fazer para combater os juros altos é combater o déficit público. Como o Governo, nos últimos anos, conseguiu obter aumentos expressivos na arrecadação de impostos, aumentos que não se devem repetir nos próximos anos, o ajuste terá de ser realizado necessariamente pelo lado das despesas. A aprovação de reformas constitucionais, -- tais quais a da previdência, a administrativa e a fiscal, -- são imprescindíveis a esse ajuste. Maior racionalidade nos gastos públicos e cadeia para quem mete a mão no dinheiro do contribuinte também ajudariam muito nesse esforço fiscal que o Governo tem de enfrentar.

Lamentavelmente, Sr. Presidente, mágicos só existem no circo. Não há mágica a fazer para se reduzirem os juros. Sua diminuição virá somente como conseqüência de uma maior disciplina fiscal por parte do Governo. E, quando digo Governo, refiro-me ao Setor Público como um todo: Governo Federal, Governos Estaduais, Governos Municipais e Empresas Estatais.

Enquanto isso não ocorre, nossas empresas vão sendo sufocadas por juros estratosféricos e pela falta de crédito, num crescendo de falências e de concordatas. É realmente um quadro muito triste que preocupa a todos.

Era o que eu tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/04/1998 - Página 7063