Discurso no Senado Federal

CONSTERNAÇÃO DIANTE DO DESESPERO DA POPULAÇÃO NORDESTINA COM A SECA QUE SE ABATE SOBRE A REGIÃO, E EM ESPECIAL NA PARAIBA.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CALAMIDADE PUBLICA.:
  • CONSTERNAÇÃO DIANTE DO DESESPERO DA POPULAÇÃO NORDESTINA COM A SECA QUE SE ABATE SOBRE A REGIÃO, E EM ESPECIAL NA PARAIBA.
Aparteantes
Lúcio Alcântara.
Publicação
Publicação no DSF de 29/04/1998 - Página 7135
Assunto
Outros > CALAMIDADE PUBLICA.
Indexação
  • GRAVIDADE, SITUAÇÃO, SECA, REGIÃO NORDESTE, FOME, MISERIA, PERDA, AGROPECUARIA, AMPLIAÇÃO, NUMERO, MUNICIPIO, CALAMIDADE PUBLICA, MIGRAÇÃO, POPULAÇÃO.
  • OMISSÃO, GOVERNO FEDERAL, FALTA, LIBERAÇÃO, VERBA, INFRAESTRUTURA, COMBATE, SECA, ESPECIFICAÇÃO, OBRA PUBLICA, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Agradecendo a cessão que o Sr. Presidente me fez, inicio o meu discurso.

Sr. Presidente, Srs. Senadores, desespero é a palavra que hoje se ouve por todos os cantos do Nordeste. Desespero, segundo o Dicionário da Língua Portuguesa, é uma aflição extrema, é cólera, raiva, impotência diante de um fato; sentimentos que fazem parte da realidade nordestina.

O que vemos lá é realmente desespero. É o pai de família que acorda, olha em volta de sua cabana, e não vê nada verde. A sua roça, que havia sido plantada, morreu. De verde, hoje, só os cactus, cujas folhas têm essa cor quando são tenras, mas, à medida que vão envelhecendo ficam cinzas. Mas as folhas também já não existem, porque as palmas - principal planta nas crises de falta de água - foram inteiramente consumidas pelas pessoas, não pelos animais. A palma é o único alimento existente em muitas regiões da Bahia, de Pernambuco, da Paraíba, do Rio Grande do Norte, do Ceará e de um pedaço do Piauí.

Desespero do pai que olha os filhos e não tem o que lhes dar de café, almoço ou jantar. Três refeições seria um luxo, mas não tem condições de lhes dar, sequer, uma refeição diária. Desespero ao olhar o pote d´água e saber que não tem mais água no pote, no poço, nem em nenhuma fonte em volta da sua casa. Desespero das cidades que estão mandando buscar água a 80 quilômetros de distância, água salobra, água contaminada, água que chega cara e que, na maioria das vezes, é vendida, como se houvesse alguma coisa que se pudesse ainda tomar desses miseráveis, que nem água para beber têm. Há desespero quando se olha em volta e os animais estão, literalmente, apenas com o couro e o osso; quando eles caem, com os ossos a furar-lhes o couro, descadeirados, como se diz no Nordeste, quando os abutres chegam para consumar a sua morte. Isto é desespero.

O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB-CE) - Permite-me V. Exª um aparte, Senador Ney Suassuna?

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB) - Pois não, Senador Lúcio Alcântara, com satisfação.

O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB-CE) - Tenho acompanhado atentamente os pronunciamentos de V. Exª sobre a seca no Nordeste. Há algo que me surpreende: a intensa cobertura que está sendo feita pela mídia. Eu nunca tinha visto isso. A seca era um assunto de que, muitas vezes, a grande mídia nacional - televisão e grandes jornais - tratava marginalmente, referindo-se à existência de uma indústria da seca, a dinheiro desviado ou jogado fora, dizendo que não havia jeito, e V. Exª, agora, mostra que o assunto é da maior importância. A imprensa nacional tem falado em dez milhões de nordestinos vitimados pela seca, o que significa perda total da colheita e, portanto, falta de empregos, de alimentos e de água para beber, em certos casos. Não há nada mais vergonhoso do que as calçadas das cidades do Nordeste, com filas à espera do carro-pipa, que traz água ruim e em pequena quantidade. Espero que essa comoção nacional não gere apenas medidas paliativas, embora estas sejam indispensáveis, necessárias e urgentes. O Governo Federal já está tomando providências, bem como os Governos estaduais. É necessário que uma parte considerável desse dinheiro seja usada em obras permanentes, que resistam à ação do tempo. É preciso que se invista mais no Nordeste. Muitos zombam do nosso discurso repetitivo, que soa quase como uma cantilena, mas, infelizmente, às vésperas do terceiro milênio, a seca ainda é um problema grave no Nordeste brasileiro. V. Exª descreveu um quadro que lembra José Américo de Almeida, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Rachel de Queirós e tantos outros que descreveram a seca como um flagelo da natureza com o qual o homem tem que conviver, criando condições para uma vida decente, digna e compatível com a sua condição humana. Senador Ney Suassuna, quero somar minha voz à de V. Exª, e pedir providências, ações rápidas, imediatas e enérgicas, porque o que está acontecendo no Nordeste é uma calamidade. 

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB-PB) - Muito obrigado, Senador Lúcio Alcântara. Incorporo as palavras de V. Exª ao meu discurso.

Eu falava do desespero diante da falta de água, de comida e ao se ver o gado morrendo; do desespero ao se constatar que não há futuro para o trabalho que se executa, e muito menos para os próprios filhos, que não têm sequer alimentos para vencer o dia que nasce. Não sei se sobreviveríamos caso nos colocássemos nessa situação, porque não estamos acostumados a esse quadro diário.

Quando fiz aquele protesto na frente do Congresso, coloquei ali sessenta latas vazias, cada qual com o nome de um Município em estado de calamidade. Hoje, dos duzentos e vinte e três Municípios da Paraíba, duzentos estão sob estado de calamidade pública, sem água.

Muitos me criticaram e alguns Senadores disseram que não ficava bem um Senador juntar latas. Mas a lata, hoje, é o instrumento que o povo que represento usa, no dia-a-dia, para transportar um pouco de água para sua casa. E eu não sou melhor do que o meu povo. A lata é o símbolo da vergonha de se esperar durante horas, quando não o dia inteiro, por um caminhão-pipa que trará um pouco de água suja e transmissora de doenças. Assim é o Nordeste hoje. Dá vergonha ser brasileiro, e quem quiser que vá lá para ver o povo, no couro e no osso, com a roupa maltrapilha, pé no chão e sem água para beber. E isso não acontece somente na área rural, pois duzentas cidades, como disse, estão sem água. Até o brejo paraibano está seco, sem água para se beber.

Talvez por isso, Senador Lúcio Alcântara, a mídia esteja falando, embora tarde e pouco. O assunto não diz respeito a dez, mas a doze milhões de nordestinos - do sul da Bahia, de Pernambuco, de uma pequena parte de Alagoas, e da Paraíba, Estado este em pior situação, porque não há água para o consumo humano ou animal. O nosso rebanho está reduzido a 10% do que era, porque 90% dele foi perdido ou vendido a preço vil. O problema social aumenta, pois os homens saem em busca de emprego e ficam as mulheres, crianças e velhos, mais vulneráveis, empregados em uma frente de emergência que está sendo feita apenas na Paraíba, onde cem mil pessoas ganham R$50,00 mensais para o sustento da família. Cidades e mais cidades, Sr. Presidente, tiveram suas escolas invadidas e a merenda escolar, que atraía o estudante, foi tomada pelos esfomeados de toda a área rural. Este é o quadro que vejo no meu Estado.

Hoje, recebi um telegrama informando-me que na cidade de Campina Grande foi decretado estado de calamidade pública. Não me lembro de fato semelhante. O Açude de Boqueirão, represa do nosso maior rio, o Paraíba, tinha cento e vinte metros de profundidade e, agora, tem trinta metros. Mais alguns meses e Campina Grande ficará sem água. O estado de calamidade pública foi decretado para que possa haver racionamento de água. O Governo estadual está usando carros-pipas e criando frentes de emergência. Trezentas mil pessoas pediram a criação de frentes de emergência, mas o Governo conseguiu atender cem mil apenas.

Há sessenta e cinto dias, falamos ao Presidente da República sobre a necessidade de se agilizar a liberação de verbas para a estruturação do combate às secas, com a construção de adutoras e barragens, obras permanentes em que, numa hora como esta, a mão-de-obra excedente poderia ser empregada. No entanto, não foi sequer dada emergência para os carros-pipas. Nada recebemos, absolutamente nada, até este momento. Ontem, em audiência com o Presidente da República, eu e o Senador Wellington Roberto dissemos a Sua Excelência que a Paraíba não tem como agüentar essa situação.

Há água em reservatórios como Coremas/Mãe d’Água, mas não há como retirá-la, pois não há eletricidade nas margens, não há estradas, não há canais - essas obras não foram feitas até hoje.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, falta vontade política. Na última seca, em 1993, foram gastos R$800 milhões no atendimento às populações atingidas. Com dois bilhões faz-se a transposição das águas do São Francisco. Tira-se um centésimo da água do São Francisco e resolvem-se os problemas da Paraíba, do Rio Grande do Norte, de Pernambuco e do Ceará - 16 milhões de pessoas serão assistidas. Por não ter feito nada, novamente nos encontramos na mesma situação de emergência. Mais de R$800 milhões vão ser gastos para se propiciar o atendimento mínimo aos atingidos pela seca. E, de novo, não se fará o que é permanente e necessário.

Concordo com o Senador Lúcio Alcântara, que diz que precisamos de obras estruturantes, obras que busquem, de uma vez por todas, minorar esse estado de aflição.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, não posso ver todos os mananciais se exaurirem e o povo mudando-se de seus Estados, devido à miséria. São levas de famintos que buscam o Rio de Janeiro, São Paulo e agora Minas Gerais e até mesmo o Centro-Oeste e o Norte, causando problemas sociais enormes nas cidades. E isto tudo ocorre às vésperas do século XXI, depois que o País gastou R$25 bilhões com o Proer. Agora não temos R$2 bilhões para fazer a transposição das águas do São Francisco? Eu não entendo o que se passa na cabeça do homem público ao ver uma situação como essa!

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, eu os convido, como ontem convidei o Presidente da República, a verem o quadro de miséria que resulta da seca. Não precisamos ir à África para ver o povo, no couro e no osso, morrendo de fome. Aqui bem próximo, a 60 quilômetros do Oceano Atlântico - bonito e maravilhoso - nos deparamos com um Cariri, onde a água, de qualidade ruim, que existia no subsolo, já não existe mais. Dos cinco mil poços existentes, três mil secaram. E a água do poço só serve quando se tem um dessalinizador para retirar o sal. Retira-se o sal mas não se retira o magnésio, e quem não está acostumado, ao tomá-la, tem problemas intestinais imediatos. Sr. Presidente, cada dessalinizador custa em torno de R$16 a R$18 mil, e nós não temos dinheiro para dessalinizar cada poço; aliás, os poços que tinham dessalinizadores não têm mais vazão. A situação é desesperadora!

Sr. Presidente, o que une uma nação é a solidariedade, e essa solidariedade está nos faltando. A imprensa que por lá andou, viu a situação em que nos encontramos, inclusive já veiculou algumas matérias, mas isso não representa muito. Comparo essa situação com a de um cidadão que tira uma foto. O cidadão que está fotografando vê todo o cenário, mas a foto representa apenas uma parte do cenário. Por mais que a imprensa faça, é apenas parte de um cenário bem mais monstruoso que é mostrada. Esse cenário nos causa vergonha por não cumprirmos com a nossa cidadania, por não estarmos respeitando o nosso semelhante e por faltarmos com a nossa solidariedade para com essas pessoas que fazem parte da Nação e que não têm culpa de ter nascido naquela região que, aliás, poderia ser um grande celeiro, pois há sol, terra e até água. O que ocorre é que até hoje não tivemos homens públicos com vontade política de resolver esse problema de uma vez por todas.

Encerro, Sr. Presidente, lembrando que a maior cidade da Paraíba, Campina Grande, está nos estertores. O Açude de Boqueirão - inaugurado pelo único Presidente que realmente fez inúmeras obras no Nordeste, Juscelino Kubitschek -, que até hoje não havia apresentado problemas, está secando, o que vai matar uma cidade próspera e todo o Departamento da Borborema, o mais desenvolvimentista da Paraíba.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/04/1998 - Página 7135