Discurso no Senado Federal

LEITURA DE OFICIO ENCAMINHADO POR S.EXA. AO PRESIDENTE DA REPUBLICA, SOLICITANDO A REGULAMENTAÇÃO DA LEI 9.533/97, QUE CONCEDE SUBSIDIOS AOS MUNICIPIOS QUE INSTITUIREM O PROGRAMA DE RENDA MINIMA ASSOCIADOS A AÇÕES SOCIO-EDUCATIVAS. (COMO LIDER)

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • LEITURA DE OFICIO ENCAMINHADO POR S.EXA. AO PRESIDENTE DA REPUBLICA, SOLICITANDO A REGULAMENTAÇÃO DA LEI 9.533/97, QUE CONCEDE SUBSIDIOS AOS MUNICIPIOS QUE INSTITUIREM O PROGRAMA DE RENDA MINIMA ASSOCIADOS A AÇÕES SOCIO-EDUCATIVAS. (COMO LIDER)
Publicação
Publicação no DSF de 29/04/1998 - Página 7140
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • LEITURA, OFICIO, AUTORIA, ORADOR, ENDEREÇAMENTO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, SOLICITAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, LEGISLAÇÃO, AUXILIO FINANCEIRO, MUNICIPIOS, IMPLANTAÇÃO, PROGRAMA, GARANTIA, RENDA MINIMA, VINCULAÇÃO, EDUCAÇÃO.
  • CRITICA, OMISSÃO, EXECUTIVO, FALTA, ORGANIZAÇÃO, DADOS, OBJETIVO, APLICAÇÃO, LEGISLAÇÃO, RENDA MINIMA, AUSENCIA, ATUAÇÃO, GOVERNO, COMBATE, POBREZA, DESEMPREGO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Geraldo Melo, Srªs. e Srs. Senadores, ontem encaminhei ao Senhor Presidente Fernando Henrique Cardoso o seguinte ofício:

“Sr. Presidente,

Em 10 de dezembro de 1997, Vossa Excelência sancionou a Lei nº 9.533, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro aos Municípios que instituírem Programas de Renda Mínima associados a ações sócio-educativas. Logo após a cerimônia, Vossa Excelência declarou que se tratava de “uma lei revolucionária”.

Em seu art. 10, essa lei dispõe que ”O Poder Executivo editará os atos necessários à regulamentação e gestão do apoio financeiro de que trata esta lei no prazo de sessenta dias a partir de sua publicação”. Ocorre que, passados 130 dias desde sua sanção, nenhuma regulamentação foi editada.

Requeri ao Ministro do Planejamento que fosse enviada ao Senado Federal a relação dos Municípios, em cada Estado, com as respectivas receita tributária e renda familiar por habitante, especificando aqueles que possuem tanto receita quanto renda familiar per capita abaixo da média do Estado, conforme previsto na legislação. Tal informação possibilitaria a definição dos Municípios que poderiam ser contemplados nos cinco primeiros anos de implementação do programa e, sobretudo, aqueles que já poderiam tê-lo colocado em prática em 1998.

Na resposta do Ministro Antonio Kandir, datada de 30 de março de 1998, com documentos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), afirma-se que aqueles órgãos ainda não organizaram os dados definidos na Lei nº 9.533/97. O IBGE sugere, inclusive, que, quanto à arrecadação total e média por Estado e por Município, sejam os dados requeridos à Secretaria do Tesouro Nacional. Depreende-se desses fatos que, embora parte do Governo tenha se envolvido intensamente na elaboração da lei, a Casa Civil e os Ministérios do Planejamento e da Fazenda ainda não organizaram os dados técnicos necessários à sua elaboração e implementação.

Como se já não bastassem os graves defeitos da fórmula que define o benefício a ser concedido a cada família, criticados severamente por mim e pelos economistas do IPEA que tiveram oportunidade de analisá-la; as restrições que limitam tão significativamente a concessão da renda mínima; a recusa dos Ministros da Fazenda e do Planejamento em debaterem o aperfeiçoamento da mencionada lei; e o alheamento dos Ministros do Trabalho e da Educação sobre o tema, verifica-se agora que não há qualquer esforço por parte do Governo em colocá-la em prática.

Preocupo-me com a falta de percepção do Executivo com respeito aos efeitos que a instituição de uma Renda Mínima Nacional poderia ter sobre o nível de emprego, sobretudo se bem formulada, com o objetivo de se evitarem as armadilhas de desemprego e de pobreza que foram objeto do diálogo que o Professor Philippe Van Parijs teve com Vossa Excelência em outubro de 1996. Na medida em que as famílias beneficiadas passarem a ter suas crianças na escola ao invés de estarem precocemente trabalhando, maior será o número de oportunidades para os adultos no mercado de trabalho. O desenho do benefício, entretanto, deve sempre levar em conta a permanência do estímulo ao trabalho. Isso pode ser conseguido por meio da renda básica universal, incondicional, ou, num primeiro estágio, por meio de um mecanismo de Imposto de Renda negativo, relacionando-o à educação. Importante é lembrar que os EUA vêm apresentando uma taxa de desemprego relativamente baixa nos últimos anos, em função de ali, dentre outras ações, ter-se instituído, desde 1975, e expandido significativamente durante o Governo Bill Clinton, o Crédito Fiscal por Remuneração Recebida, uma forma de Imposto de Renda negativo para todos os que trabalham e cuja renda não atinge determinado patamar. A impressão que tenho é a de que o Governo está resignado e sem criatividade para implementar medidas que garantam a estabilidade com o crescimento da economia e do emprego e com a erradicação da pobreza.

Quero recordar que, em março de 1998, o PFL, que, ao lado do PSDB, forma a principal base de sustentação de seu Governo, lançou o documento “Uma política Social para o Brasil. A Proposta Liberal”, na qual afirma peremptoriamente que “o incentivo à criação de Programas de Renda Mínima deverá ser uma prioridade de governo” e que “o primeiro passo para que este programa tenha sucesso no País seria a implantação de um Programa de Renda Mínima Nacional” (grifos no original). O próprio Líder do Governo na Câmara dos Deputados, Luís Eduardo Magalhães, que granjeou o respeito de seus Pares, inclusive da Oposição, e a quem tive a oportunidade de explicar a proposição, foi uma das pessoas que influenciaram o PFL para que incorporasse a Renda Mínima em seu programa.

Positivamente surpreso fiquei ao tomar conhecimento de que um grupo de economistas do Ipea, coordenado pelo professor Ricardo Paes de Barros, apresentou recentemente a V. Exª estudo no qual expõe a possibilidade concreta de se erradicar a pobreza no Brasil. Destacam, dentre os instrumentos que mais eficientemente contribuiriam para essa finalidade, os programas de renda mínima relacionados à educação ou Bolsa-Escola. Esses programas estão sendo implementados, sem o apoio do Governo Federal, em cerca de 25 localidades, dentre elas o Distrito Federal, Campinas, Ribeirão Preto, Belém, Belo Horizonte, Presidente Prudente, Catanduva, Jundiaí, Franca, Limeira, Piracicaba, São José dos Campos, alcançando resultados comprovadamente satisfatórios, tanto do ponto de vista distributivo quanto educacional.

Acredito que foi justamente aquele diagnóstico que contribuiu para que V. Exª declarasse na II Cúpula das Américas, em Santiago, que “combater a pobreza é hoje um imperativo ético. Só há pobreza porque não estamos moralmente comprometidos com seu combate. Se estivermos juntos, .já dispomos de recursos suficientes para lutarmos contra a pobreza e a História não nos perdoará se, das nossas palavras, não resultar um progresso efetivo das condições de vida de nosso povo”. É preciso dar, então, a demonstração cabal no sentido de colocar em prática os instrumentos que possibilitarão essa transformação.

Aliás, documento da própria Presidência da República, de 31 de março último - “Brasil Real”, n° 15 -, traz avaliação extremamente positiva desses programas. Segundo esse documento, “os Programas de Renda Mínima são exemplos vitoriosos da municipalização de uma idéia para benefício da população mais carente. Eles estão em execução por todo o País, privilegiando famílias pobres que possuem crianças e adolescentes com menos de 14 anos. Aliviando suas privações e garantindo o direito das crianças e adolescentes, os programas de renda mínima já impedem que milhares de famílias empurrem seus filhos para o trabalho precoce ou para a mendicância, a fim de completar um parco orçamento doméstico”. De acordo com o documento da Presidência, os resultados dos programas de Campinas, Ribeirão Preto e Distrito Federal “foram tão positivos” que subseqüentemente o mesmo tipo de programa foi adotado em grande número de outras prefeituras. Conteúdo semelhante consta da publicação “Prefeito Solidário - Programas de Renda Mínima: Resultados e Perspectivas”, elaborada pelo Conselho da Comunidade Solidária, datado de dezembro de 1997.

O próprio Governo Federal, por meio da Secretaria de Assistência Social, em 1997, implementou o Programa-Bolsa-Escola-Cidadã de natureza semelhante, porém muito limitado regionalmente. Tal programa beneficiou 33 mil crianças nos Estados do Mato Grosso do Sul, Bahia e Pernambuco, totalizando um gasto da ordem de R$15 milhões. Em contrapartida, apenas nos meses de setembro e outubro, segundo informações prestadas pelo Ministro do Trabalho e pela Fundacentro, foram gastos R$5,2 milhões com publicidade, dando a impressão de que o programa tivesse abrangência nacional. Louvo o esforço da Secretária Lúcia Vânia, do Ministério da Previdência e de membros do Conselho da Comunidade Solidária que se empenham na expansão do programa, agora também no interior fluminense. Todavia, ele ainda está muito longe de se tornar uma realidade nacional. Para se ter uma noção de quão restrita foi sua ação, basta observar que apenas no Distrito Federal, em 1997, o Programa Bolsa-Escola beneficiou 42.798 crianças, em 22 mil famílias, totalizando um gasto de R$30,08 milhões - o dobro do que o Governo Federal fez no ano todo.

O Nordeste brasileiro novamente se depara com uma de suas mais graves secas, espalhando-se pelo sertão a miséria e a falta de alimentos. O Governo começa a mobilizar o Exército para conter os saques e a Conab para distribuir cestas básicas. A própria Drª Ruth Cardoso, quando de minha exposição sobre a Renda Mínima perante o Conselho da Comunidade Solidária, afirmou que considerava esse instrumento superior, em termos de cidadania e eficiência, à distribuição de cestas básicas. Forças há, entretanto, que contribuem para que tudo ande tão devagar.

A equipe econômica tende a posicionar-se contrariamente ao aumento dos recursos direcionados à área social. Visando sanar tal óbice, apresentei projeto criando o Fundo Brasil de Cidadania, cujas receitas adviriam de parcela das ações de estatais, créditos, direitos e renda de imóveis da União, parte das receitas oriundas das privatizações, das concessões e permissões de prestação de serviços públicos e das concessões de direitos de exploração do subsolo, além de dotação orçamentária específica. Esse fundo objetiva criar uma fonte permanente e crescente de financiamento de uma renda mínima garantida para todos os brasileiros.

Diante da proclamação do Presidente Fernando Henrique Cardoso de que a lei da Renda Mínima seria revolucionária; das recomendações do Ipea e de dezenas de economistas; de editoriais dos mais importantes órgãos de imprensa; do novo programa social do PFL; da Campanha da Fraternidade da CNBB; da Marcha Global contra o Trabalho Infantil; do pioneirismo de prefeitos como José Roberto Magalhães Teixeira, do PSDB; do pronunciamento de V. Exª de que está ao nosso alcance erradicar a miséria; da velocidade com que o Governo tem sido capaz de implementar medidas complexas como o Proer, quando o objetivo é salvar instituições financeiras; do agravamento das condições de desemprego e pobreza que estão contribuindo para alastrar a violência no Brasil, fica extremamente difícil compreender essa demora.

(....)

Reitero que, para o cumprimento da Lei nº 9.533, faz-se necessária a publicação de sua regulamentação. Estou encaminhando cópia deste ofício ao Exmº Sr. Presidente Antonio Carlos Magalhães, do Congresso Nacional, para que tome as providências cabíveis, uma vez que o Executivo não está cumprindo o que foi determinado por lei aprovada por esta Casa.

Respeitosamente,

Senador Eduardo Matarazzo Suplicy.”

Estou encaminhando cópia desse ofício ao Sr. Presidente do Senado para que sejam tomadas as providências, pois o Presidente Fernando Henrique Cardoso não está cumprindo a lei que foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada por ele mesmo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/04/1998 - Página 7140