Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DO DESARMAMENTO DA SOCIEDADE CIVIL PARA O COMBATE EFICAZ A VIOLENCIA.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • NECESSIDADE DO DESARMAMENTO DA SOCIEDADE CIVIL PARA O COMBATE EFICAZ A VIOLENCIA.
Publicação
Publicação no DSF de 29/04/1998 - Página 7176
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • IMPORTANCIA, ACORDO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), COMPROMISSO, AUMENTO, CONTROLE, COMERCIO, UTILIZAÇÃO, ARMAMENTO.
  • DEFESA, DESARMAMENTO, OBJETIVO, REDUÇÃO, VIOLENCIA, ANALISE, COMERCIO, TRAFICO, ARMA, AMBITO, POPULAÇÃO, ESTADO, REGISTRO, CONFERENCIA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), ASSUNTO.
  • REGISTRO, DADOS, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, VIOLENCIA, ARMAMENTO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o combate à crescente violência em todo o País e, em particular, no Rio de Janeiro deverá passar obrigatoriamente pelo desarmamento. Nesse sentido, o Brasil recebeu um importante aliado: antecipando-se às manifestações dos Estados Unidos de combater a venda ilegal e o controle da produção de armas, os integrantes do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai, Chile e Bolívia), em reunião no dia 18 de abril de 1998 em Santiago do Chile, assinaram declaração em que se comprometem a exercer controle mais efetivo sobre o comércio e o uso de armas de fogo. Essa ação multiplica-se, gerando um efeito globalizante em resposta ao aumento do número de crimes bárbaros à nossa volta.

Essa declaração poderá favorecer uma maior integração entre os Estados-membros e, conseqüentemente, propiciar a unificação de esforços para o mesmo objetivo, qual seja, o de desmantelar o crime organizado, maior responsável pelo contrabando de armas para o Brasil.

A Polícia Federal calcula que o crime organizado movimenta US$8,5 bilhões por ano entre o Brasil e o Paraguai, significando mais do que toda a exportação do Brasil, em 1996, para a Argentina, Uruguai e Paraguai juntos (US$7,8 bilhões). Hoje, é muito fácil a entrada de armas contrabandeadas. Concluo isso depois de ter lido matéria do Correio Braziliense em que o vendedor Marcelo Soares, da casa de armas Security Personal, localizada no Shopping Internacional, em Ciudad del Este, ao ser perguntado sobre a possibilidade de a loja entregar uma metralhadora no Brasil, primeiro disse ser difícil, mas depois abriu o jogo: “As armas estão escondidas, e temos as pessoas certas para entregá-las”, disse.

Quanto ao tom de ironia que se pode notar na manifestação do Presidente dos EUA contra o armamento, eu o rejeito. Prefiro acreditar em seu arrependimento, pois, em agosto de 1997, o próprio Presidente Bill Clinton suspendeu a proibição de venda de armas sofisticadas para a América Latina, em vigor há 20 anos, devido à pressão de sua poderosa indústria bélica, que não está disposta a perder o domínio desse rendoso negócio, já que, segundo sua própria estimativa, a liberação do mercado latino propiciará um aumento significativo de seu faturamento em até cinco bilhões de dólares/ano.

Agora, curioso foi o fato de que a Deputada nova-iorquina Nita Lowey, do Partido Democrata do Presidente Clinton, disse após a derrubada do embargo: “Haverá uma corrida armamentista no subcontinente, e isso retirará verbas dos orçamentos nacionais que poderiam ser empregadas na área social”. A Deputada, na verdade, profetizara, pois, mal foi anunciada a suspensão do embargo, o Chile manifestou a intenção de comprar até duas dúzias de caças F-16 dos Estados Unidos, e, um pouco mais tarde, a Força Aérea Brasileira andou sondando a possibilidade de comprar, em futuro próximo, algumas dezenas do mesmo avião.

Não será nada fácil para os Estados Unidos implantar uma política contra o setor de armas, haja vista que, dos dez líderes mundiais do setor, cinco são do “Tio Sam” e dominam 72% das vendas. Segundo estimativa da ONU, o comércio legal e ilegal de armas de fogo movimenta US$500 bilhões por ano. Desse montante, cabe aos Estados Unidos a “pequena” fatia de US$360 bilhões por ano.

A preocupação com esse tema já se reveste de caráter global, haja vista que a ONU vem realizando conferências a respeito do comércio e do uso de armas de fogo, tanto que, em 1998, houve a 4ª Conferência Mundial sobre esse tema, à qual estiveram presentes representantes de 45 países, entre os quais os Estados Unidos, Canadá, Espanha, Brasil e demais países latino-americanos.

Dessa conferência resultaram algumas conclusões que faço questão de registrar: serão elaboradas estatísticas confiáveis que determinem a amplitude do arsenal de pequenas armas de fogo em circulação no mundo; haverá intensificação ao combate do uso indevido e do tráfico de armas de fogo; manter-se-á intercâmbio de informações a respeito de armas de fogo entre os países, e será controlada a produção e a circulação de armas de fogo; recomendar-se-á aos países que adotem leis mais severas sobre comércio e uso de armas; incentivar-se-ão os acordos de cooperação regionais entre os países, e será estimulada a conscientização dos povos sobre os problemas provocados pelas armas de fogo.

O Brasil já atende a alguns desses pressupostos, tais como a legislação severa e o intercâmbio de informações com outros países; em contrapartida, está aquém na aplicação efetiva dessa legislação, na elaboração de estatísticas confiáveis sobre o arsenal em circulação, no combate efetivo do tráfico de armas e na realização de uma campanha nacional de conscientização popular.

Entre as causas do crescimento da violência, o tráfico de armas apresenta-se como um dos principais vilões. O seu alcance é tão amplo, que precisa ser combatido implacavelmente. No Rio de Janeiro, meu Estado, por exemplo, só no ano de 1995, a violência com armas de fogo causou perdas da ordem de R$1 bilhão, segundo o Promotor de Justiça do Rio, Willian Terra de Oliveira. Por dia, são assassinadas, em média, 25 pessoas por disparo de arma de fogo. Segundo a Federação Nacional dos Policiais Federais, cerca de 15 mil revólveres, metralhadoras, fuzis e granadas são contrabandeados mensalmente. O Presidente da Federação, Jorge Venerando Lima, explicou que a fiscalização na fronteira é feita apenas por 10 homens, incluindo-se aqueles que fazem um trabalho mais burocrático. Segundo ele, enquanto os Policiais Federais ainda se valem das antigas submetralhadoras HKM-95, compradas na Alemanha, nos anos 70, os traficantes e contrabandistas da fronteira usam armas de fogo rápidas, como os fuzis Usi e AR-15. Relatório da Polícia Militar do Rio de Janeiro, em julho de 1996, confirma a apreensão de 12.873 armas contrabandeadas, entre elas o fuzil “Sig Sauer”, de fabricação suíça, com poder de fogo de 700 tiros por minuto; a submetralhadora israelense 9mm 121; o fuzil 762 AK 47; lança-granadas e bazuca de fabricação americana.

Atualmente, as novas armas detêm um alto grau de sofisticação, ora com automatismo, silenciador, mira a laser ou ultravioleta, ora com projéteis blindados ou explosivos, etc. Tais armas freqüentemente são apreendidas pela polícia em poder de traficantes, assaltantes de bancos, seqüestradores, enfim, nas mãos do crime organizado, devido ao seu grande poder de fogo. E não é preciso ir muito longe para se conseguir um arsenal como esse; basta ter dinheiro e alguns contatos para se tornar um “exterminador do futuro”.

Como posso esperar a redução da violência no Brasil e, em particular, na minha “Cidade Maravilhosa”, se, somente no Rio, entram 15 mil novas armas por mês? Se continuarmos nessa escalada, poderemos ser protagonistas, em breve, de um desses filmes de terror com o título “Você Será o Próximo” ou “A Morte Bate a Sua Porta”. Na verdade, o nome do filme pouco importa; o que interessa mesmo é termos consciência de que a violência armada está, a cada dia, mais próxima de nós.

Portanto, como brasileira e carioca apaixonada por este País, não posso deixar de manifestar minha solidariedade a essa declaração e a outras tantas que se fizerem necessárias ao implemento de medidas concretas contra o recrudescimento da violência armada.

Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/04/1998 - Página 7176