Discurso no Senado Federal

REFLEXÃO SOBRE A EDUCAÇÃO BRASILEIRA, POR OCASIÃO HOJE, DAS COMEMORAÇÕES DO DIA CONSAGRADO A EDUCAÇÃO.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • REFLEXÃO SOBRE A EDUCAÇÃO BRASILEIRA, POR OCASIÃO HOJE, DAS COMEMORAÇÕES DO DIA CONSAGRADO A EDUCAÇÃO.
Publicação
Publicação no DSF de 29/04/1998 - Página 7189
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, EDUCAÇÃO.
  • ANALISE, HISTORIA, FALTA, CONTINUAÇÃO, POLITICA, DESTINAÇÃO, MELHORAMENTO, QUALIDADE, EDUCAÇÃO, BRASIL.
  • ELOGIO, ATUAÇÃO, MURILIO HINGEL, EX MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), PROMOÇÃO, DESCENTRALIZAÇÃO, SISTEMA, EDUCAÇÃO, UTILIZAÇÃO, RECURSOS, FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO (FNDE), TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, ACELERAÇÃO, APLICAÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, ESTADOS, MUNICIPIOS, MELHORIA, ACESSO, ALUNO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, DISTRIBUIÇÃO, LIVRO DIDATICO, ESTUDANTE, ENSINO FUNDAMENTAL.

           O SR LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o 28 de abril é uma data por demais especial. Dia consagrado à Educação, ele nos convida à reflexão em torno deste que é o mais importante, complexo e decisivo tema de nossa época. Com efeito, vivemos um momento que não encontra paralelo em nenhuma outra fase da História. Hoje, muito mais do que em qualquer outra etapa da evolução das sociedades, é a educação o grande diferencial a distinguir regiões, povos e grupos sociais.

           Trazer o tema ao debate hoje, nesta Casa, significa reafirmar nosso compromisso com as questões reconhecidamente fundamentais para a vida brasileira; reflete nosso grau de preocupação com algo que atinge diretamente a vida dos cidadãos, especialmente das crianças, adolescentes e jovens; traduz a íntima vinculação do Parlamento ao esforço de construção e de consolidação da plena cidadania entre os brasileiros.

           Em relação ao nosso País, o que abordar neste Dia da Educação? Julgo conveniente fazer, de imediato, uma observação: se estamos ainda longe de uma situação confortável - e é bom que não nos esqueçamos disso - seguramente conseguimos superar o quadro de tragédia que, até bem pouco tempo, caracterizava o sistema educacional brasileiro. Assim, ao mesmo tempo em que essa realidade nos anima, ela nos alerta para a imperiosa necessidade de avançar mais, muito mais.

           Comecemos por uma constatação: um dos aspectos mais perversos e inaceitáveis da educação brasileira sempre foi a descontinuidade, quer sob o ponto de vista da formulação de políticas, quer sob o prisma de sua implantação e gestão. A esse respeito, vale lembrar que, até muito recentemente, a média de permanência no cargo dos Ministros de Educação era inferior a um ano! Pode-se dizer, com razoável probabilidade de acerto, que um fato dessa natureza configura, de maneira insofismável, o descaso com que a educação pública foi historicamente tratada em nosso País.

           Pois bem, estamos conseguindo superar esse desconforto, que tantos malefícios trouxe ao sistema educacional brasileiro. Os exemplos da atualidade são animadores: tal como ocorreu do primeiro ao último dia do Governo Itamar Franco, quando o Professor Murílio Hingel esteve à frente da Pasta da Educação, o Presidente Fernando Henrique Cardoso encontrou no Ministro Paulo Renato Souza a pessoa certa para conduzir o ambicioso - e rigorosamente necessário - projeto educacional de que o País tanto carece, espera e aplaude.

           No entanto, Sr. Presidente, por mais interessante que seja a continuidade político-administrativa no âmbito do MEC, isso não é o bastante. O melhor é quando a continuidade reflete a permanência de políticas públicas para a educação que transcendem a períodos governamentais, quer por sua consistência e densidade, quer pelo acerto de seus objetivos e pela racionalidade na implementação. É exatamente isso o que tem ocorrido na área educacional, no Brasil dos últimos seis anos.

           Coube ao Ministro Hingel resgatar, em novas e adequadas bases, a capacidade coordenadora, orientadora e supervisora que o Ministério da Educação havia perdido ao longo dos anos. Ao lado dessa conquista, conseguiu ir além, exatamente na direção daquilo que, hoje, temos consciência de ser o grande caminho para a redenção da educação pública em nosso País: promover a descentralização do sistema, a começar pelo nevrálgico setor financeiro.

           Tinha início, naquele momento, a descentralização - por etapas - da merenda escolar e a utilização dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, o FNDE, de maneira transparente e sustentada por critérios técnicos. Ademais, iniciou-se a salutar prática de dar publicidade à distribuição do dinheiro público, procurando informar e mobilizar a sociedade - especialmente a comunidade local - para a tarefa de acompanhar sua aplicação.

           Iniciado o novo Governo, viu-se algo bastante incomum na administração pública brasileira: o processo de descentralização, há pouco iniciado, além de não sofrer interrupção, foi sumamente ampliado. Sob a liderança lúcida do Ministro Paulo Renato, o MEC anunciou ao País ter priorizado o ensino fundamental, em sintonia com os anseios mais legítimos da sociedade e em resposta aos desafios impostos pelas exigências deste final de século.

           Com satisfação, Sr. Presidente, podemos contabilizar algumas vitórias marcantes. Os recursos federais não apenas chegam com mais celeridade e regularidade aos Estados e Municípios, mas são também enviados diretamente às escolas. Eis uma forma simples, mas de extraordinário efeito, de materializar algo que sempre foi defendido no discurso mas que não se concretizava, ou seja, fazer da escola o núcleo dinâmico do processo educativo, conferindo-lhe autonomia e responsabilidade para gerir os recursos de que necessita para manter-se e se desenvolver.

           Outro êxito incontestável que o Brasil conseguiu lograr diz respeito à matrícula das crianças de sete anos, na primeira série do ensino fundamental. Se é verdade que os índices de evasão e, sobretudo, de repetência são ainda alarmantes, denunciando a fragilidade de um trabalho pedagógico eivado de falhas, pelo menos cumprimos a primeira parte: garantir o acesso à escola de cerca de 95% de nossas crianças. A recente campanha liderada pelo MEC - “Toda Criança na Escola” - mobilizou o País e obteve bons resultados. Agora, temos que encetar a longa e difícil caminhada que nos possibilite alcançar níveis satisfatórios de qualidade, construindo uma escola competente, identificada com o seu tempo e que dê prazer aos que nela estudam e trabalham.

           Essa luta já começou, Sr. Presidente. Em primeiro lugar, lembro a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que o Congresso Nacional discutiu por oito longos anos, finalmente aprovada e sancionada em dezembro de 1996. Essa LDB concisa, objetiva e plenamente aplicável, tem o grande mérito de desatar históricos nós que sempre amarraram a educação brasileira; de apontar novos caminhos que facilitem a organização curricular, os mecanismos de avaliação, a gestão democrática e partilhada da escola pública, a valorização da escola e dos que nela atuam profissionalmente.

           Ressalto, ainda, a criação do Conselho Nacional de Educação - órgão normativo central do sistema - com sensíveis diferenças em relação ao extinto Conselho Federal de Educação. Em primeiro lugar, por sua composição: seus membros representam, efetivamente, os mais diversos e significativos setores educacionais. Além disso, o novo Conselho está dividido em duas Câmaras - a de Educação Básica e a de Educação Superior - solução inteligente para superar a disfunção existente no antigo CFE, quando os temas ligados ao ensino superior praticamente monopolizavam as atenções.

           O esforço que o Brasil empreende no sentido de universalizar, com qualidade, a educação básica, com especial ênfase no ensino fundamental, também se manifesta em determinadas decisões governamentais de profundo significado. Refiro-me, por exemplo, à elaboração e distribuição para todo o País dos “Parâmetros Curriculares Nacionais”, formidável instrumento de orientação pedagógica aos docentes que atuam no ensino fundamental. Não se trata, em absoluto, de “grade curricular”, nem mesmo de um elenco de conteúdos a serem trabalhados em cada disciplina. Com os “Parâmetros”, o que se pretende é oferecer aos professores o indispensável aporte teórico-metodológico que lhes possibilitem trabalhar com variados eixos temáticos, transversais a todas as disciplinas e que aproximem a vida real do trabalho executado pela escola.

           De igual modo, há que se destacar a decisão governamental de proceder à acurada análise dos livros didáticos que, adquiridos pelo MEC, são distribuídos às escolas públicas de ensino fundamental, em todo o País. Convocando renomados especialistas para a tarefa, centenas de livros existentes no mercado - envolvendo as áreas básicas de estudos sociais, matemática, ciências e língua portuguesa - foram meticulosamente examinados. Ao final do processo, procedida a classificação das obras pelo critério da qualidade, ofereceu-se ao professorado brasileiro a orientação segura para a escolha do livro didático a ser adquirido. Paralelamente, nossos editores puderam sentir que a qualidade passou a ser condição essencial para que seus livros possam ser utilizados em nossas escolas públicas.

           Nessa mesma perspectiva, insere-se o trabalho de uma nova Secretaria, criada na estrutura do MEC no início de 1995, que fatalmente trará bons resultados em breve tempo. Reporto-me à Secretaria de Educação a Distância, explorando um setor de enormes potencialidades e que, num País das dimensões territoriais e da complexa diversidade como o Brasil, tem muito a fazer. Sua face mais visível, até o momento, é a TV Escola, veiculando diversificada programação, voltada fundamentalmente para o apoio ao trabalho docente.

           Equipadas convenientemente, as escolas públicas captam a programação, gravam o material e, a qualquer momento, dele fazem uso. É mais um instrumento útil ao aprimoramento dos professores, seja em termos de conteúdo, seja sob o ponto de vista didático. Esse papel desempenhado pela TV Escola assume importância ainda maior se levarmos em conta o fato de que muitos dos nossos professores são leigos e sem acesso a cursos regulares de formação.

           Sr. Presidente, nada disso resultaria em real benefício para a educação pública brasileira se, ao lado das medidas aqui mencionadas, não se procurasse resolver aquele que talvez seja, no momento, o mais angustiante problema de nosso sistema educacional: o desprestígio daqueles que, profissionalmente, optam por atuar na educação. Impossível, verdadeiramente impossível imaginar que pessoas bem preparadas, tecnicamente qualificadas, possam querer trabalhar em um sistema educacional que não lhes oferece condições mínimas para uma sobrevivência material digna. Salários inimagináveis, de tão irrisórios, acabam por inviabilizar qualquer trabalho educacional mais consistente.

           O caminho encontrado para vencer esse desafio foi a criação de um fundo voltado para o desenvolvimento do ensino fundamental, via emenda constitucional, pelo qual se garante um piso salarial para os docentes que nele atuam. Medida sensata, fadada a trazer bons resultados no curto prazo, que incentiva os Municípios a assumirem essa etapa da educação básica, mesmo porque quanto maior o número de alunos que tiverem, maior a fatia de recursos federais que estarão recebendo. Ao mesmo tempo, estimula os Estados a concentrarem seus esforços no ensino médio, cuja demanda tende a crescer cada vez mais, promovendo a clara definição de responsabilidades de cada esfera do poder público, no que tange à oferta de serviços educacionais.

           As observações e os comentários que ora faço, Sr. Presidente, não pretendem esconder as inúmeras falhas e gritantes deficiências do sistema educacional brasileiro. Antes, buscam tão somente lembrar o muito que o País está conseguindo fazer no setor. Não obstante essas vitórias, temos consciência do muito que há para ser feito.

           A atual greve das universidades federais, por exemplo, traduz, entre outros aspectos, a fragilidade - para muitos, a inexistência mesmo - de nossa política de ensino superior. Se é verdade que o modelo de universidade que temos parece ter se esgotado, com evidentes disfunções gerenciais, não menos verdadeiro é que o País não pode correr o risco de ver suas universidades públicas sucateadas. O Brasil não pode, em absoluto, deixar de contar com essas instituições que respondem, em grande parte, pela pesquisa produzida entre nós, pela formação dos docentes que atuarão na educação básica, por importantíssimos programas de extensão, pela quase totalidade da rede de hospitais públicos com que contamos hoje.

           Ao finalizar, expresso minha certeza de que, apesar de tantas falhas, dos ainda sofríveis níveis de desempenho, a educação brasileira se move. Para que esse processo não reflua, é fundamental que todos, sem exceção, dêem sua cota de participação. Nossa escola terá a qualidade que almejamos quando for integralmente assumida pela comunidade. Sugerindo, cobrando, fiscalizando, a sociedade haverá de fazer com que a escola cumpra seu papel nuclear na vida social, formando cidadãos aptos a entender e a transformar a realidade.

           Essa, a utopia que nos levará à construção da sociedade justa, fraterna, próspera e solidária que merecemos!

           Esse, o caminho para a edificação do Brasil com que sonhamos!

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/04/1998 - Página 7189