Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DE AMPLA MOBILIZAÇÃO NACIONAL PARA FAZER CUMPRIR A OBRIGATORIEDADE DO ENSINO FUNDAMENTAL.

Autor
Júlio Campos (PFL - Partido da Frente Liberal/MT)
Nome completo: Júlio José de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • NECESSIDADE DE AMPLA MOBILIZAÇÃO NACIONAL PARA FAZER CUMPRIR A OBRIGATORIEDADE DO ENSINO FUNDAMENTAL.
Publicação
Publicação no DSF de 30/04/1998 - Página 7260
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • NECESSIDADE, CUMPRIMENTO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, OBRIGATORIEDADE, ENSINO FUNDAMENTAL.
  • DEFESA, MOBILIZAÇÃO, GOVERNO, SOCIEDADE CIVIL, BENEFICIO, AMPLIAÇÃO, ENSINO FUNDAMENTAL.
  • REGISTRO, CAMPANHA, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), MATRICULA, DEFESA, ORADOR, PROGRAMA, RENDA MINIMA, VINCULAÇÃO, EDUCAÇÃO, NECESSIDADE, VALORIZAÇÃO, PROFESSOR.

           O SR. JÚLIO CAMPOS (PFL-MT. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, a nação que não prioriza a educação está condenada a assistir como espectadora às transformações do mundo contemporâneo e a conviver com os mais graves problemas econômicos e sociais. Entre os diversos níveis do sistema educacional, é o ensino fundamental, como diz o próprio nome, o mais importante, a base sobre a qual se ergue todo o desenvolvimento cultural e econômico de um país.

           Embora a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional reconheça e ressalte a importância da educação infantil, aquela que atende aos menores de 7 anos em creches e pré-escolas, devemos considerar que essa etapa do ensino é optativa, conforme a decisão dos pais, podendo ser suprida pelo convívio nos lares. Já o ensino fundamental, não: ele é universalmente obrigatório - e é obrigatório justamente para que seja universal, para que alcance, enfim, todos os brasileiros.

           O ensino fundamental precisa universalizar-se, pois é direito de cada um de nós o acesso ao conhecimento conquistado ao longo de milênios pela humanidade, a partir daquela fantástica revolução que foi a criação da linguagem escrita; deve estender-se à totalidade dos brasileiros, porque apenas assim se constrói uma nação democrática, onde haja igualdade de condições e onde todos participem conscientemente das questões de interesse coletivo. O Brasil necessita, por fim, de educar toda a sua população porque precisamos acompanhar o desenvolvimento tecnológico e a importância crescente do trabalho intelectual nos mais diversos setores da economia. Com a mudança de paradigma no mundo do trabalho pela qual passamos, as tarefas manuais estão sendo substituídas por tarefas que requerem capacidade de decisão e de permanente aprendizagem; a educação mostra-se mais do que nunca prioritária para o desenvolvimento econômico.

           A universalização do ensino fundamental não é uma utopia, embora pareça, dada a extrema precariedade de nosso sistema de ensino. É um mandamento constitucional, e, enquanto tal, um compromisso de toda a Nação Brasileira, assumido através dos constituintes eleitos. O dispositivo constitucional em questão, constante do artigo 208 e de seu inciso I, define o “ensino fundamental, obrigatório e gratuito” como um “dever do Estado”. Esse dever é partilhado pelos Municípios, que atuam “prioritariamente no ensino fundamental e pré-escolar”, pelos Estados e Distrito Federal, e pela União, que deve prestar assistência técnica às unidades da Federação “para o desenvolvimento de seus sistemas de ensino e o atendimento prioritário à escolaridade obrigatória”, nos termos do art. 211.

           O não cumprimento desse dever, o não atendimento ao “direito público subjetivo” de “acesso ao ensino obrigatório e gratuito” ou a sua oferta irregular, acarreta, de acordo com o artigo 208 da Carta Magna, a “responsabilidade da autoridade competente”. Apesar disso, como nos alerta interessante artigo de Valério Bronzeado, Promotor de Justiça da Paraíba, nenhuma autoridade, seja municipal, estadual ou federal, jamais foi responsabilizada pelo crime de não oferecer o ensino fundamental de acordo com os ditames constitucionais. Lembra-nos ainda o mesmo autor que cabe também ao Ministério Público “exigir do Poder Público o controle da obrigatoriedade do ensino fundamental, previsto no art. 208, § 3º, da Constituição Federal”. Os instrumentos para esse controle são o recenseamento escolar, que consiste no levantamento das pessoas de até 14 anos residentes em cada município, e a chamada escolar, que atesta o efetivo atendimento educacional a essas pessoas.

           Sendo dever das três esferas de governo, sujeito à fiscalização e responsabilização pelo Ministério Público, é também dever de toda a sociedade civil, a começar pelos pais e responsáveis, que não podem privar suas crianças do direito fundamental à educação. Os pais e responsáveis que assim agem, contudo, são certamente outras vítimas da ignorância, devendo, portanto, receber orientação de pessoas mais esclarecidas que com elas tenham contato. Sabemos, por outro lado, que são as demandas e as pressões da sociedade que verdadeiramente impulsionam as ações do Poder Público, fazendo com que um mandamento constitucional ou legal torne-se uma intenção política manifesta e, em seguida, uma realidade de fato.

           Por tudo isso, é necessária uma ampla mobilização nacional para fazer cumprir a obrigatoriedade do ensino fundamental. Tal mobilização deve abranger todos os segmentos envolvidos, direta ou indiretamente, com a questão do ensino, o que inclui os governos da União, Estados e Municípios e os órgãos que os controlam, professores e trabalhadores da educação, pais e responsáveis, entidades da sociedade civil e, enfim, todos os brasileiros que se preocupam com o próximo e com o futuro de nossa Nação.

           Tivemos, no início do presente ano, um passo sem dúvida importante para a universalização de acesso ao ensino fundamental. A campanha que, com o lema de “toda criança na escola”, promoveu a Semana Nacional de Matrícula obteve grande respaldo na sociedade. Seu resultado está expresso nas 367 mil matrículas de crianças de 7 a 14 anos que estavam fora do sistema de ensino, efetuadas em 39 mil postos de matrícula distribuídos por 4.700 municípios. O fato de mais de 80% dos municípios brasileiros aderirem à campanha certamente foi estimulado pelos critérios de distribuição de recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, que privilegiam os Estados e Municípios com maior número de matrículas efetivas.

           Embora o economista Ib Teixeira, da Fundação Getúlio Vargas, calcule que o ano letivo tenha começado com 3,1 milhões de crianças de 7 a 14 anos fora da escola, o Ministério da Educação e Desporto - MEC assegura que esse número, após a campanha, não passa de um milhão e meio de crianças, o que corresponde a 5% da população nessa faixa etária.

           Seja qual for a verdadeira realidade estatística, não há dúvida de que uma iniciativa como a da campanha em questão deve ser louvada e deve ter continuidade. Entretanto, a mera efetuação da matrícula não garante a solução do problema. Com a chegada dos novos alunos, inúmeras escolas no País viram-se sem condições de recebê-los adequadamente, tendo que improvisar salas de aula ou instituir a triste realidade dos 3 turnos diurnos. Deve haver um empenho dos 3 níveis de Governo para aparelhar devidamente as escolas ou construir novas instalações que permitam o atendimento digno de todos os estudantes.

           Outros desafios sucedem-se ao esforço da ampliação das matrículas. É preciso garantir a continuidade da freqüência escolar, sustando o fenômeno da evasão de alunos, o que se relaciona muitas vezes à necessidade dos menores trabalharem para aumentar a renda da família. A bolsa-escola, que assegura uma renda mínima para as famílias carentes que mantêm os filhos estudando, é um dos instrumentos mais eficazes de que dispomos para combater o problema.

           O alto índice de repetência - de cerca de 30% entre os alunos do ensino fundamental, em 1995 - é outro dos fatores responsáveis pelo abandono da escola. A Lei de Diretrizes e Bases procurou atacar o fenômeno de forma inovadora, criando o regime de progressão automática e as classes de aceleração. A repetência, de qualquer modo, relaciona-se diretamente com a incapacidade do sistema educacional de fazer com que os alunos realmente aprendam. A questão da qualidade de ensino continua sendo crucial, pois de nada adianta fazer com que os alunos progridam dentro de cada ciclo, conforme a nova terminologia, se não há uma verdadeira aprendizagem.

           É ampla e complexa a questão da qualidade de ensino, envolvendo uma gama de aspectos político-econômicos e pedagógicos. Cabe à sociedade civil organizar-se, sugerir e cobrar iniciativas dos responsáveis para que realmente melhore a qualidade do ensino público. Quero ressaltar a importância de apenas um dos aspectos: uma remuneração digna para os profissionais de ensino é um fator que influencia nitidamente a qualidade da educação. Não podemos deixar de elogiar a medida constante da Emenda Constitucional nº 14, que estabeleceu a aplicação de pelo menos 60% dos recursos educacionais na forma de remuneração dos professores.

           Este é, em suma, o grande desafio com que se depara a Nação brasileira: oferecer um ensino público e gratuito de qualidade, universalizando o acesso ao ensino fundamental. Quero somar a minha voz a tantas outras que conclamam a uma ampla mobilização nacional para realizar essa tarefa. Já não podemos adiá-la, pois significará um passo gigantesco rumo ao futuro, rumo a uma Nação mais próspera e verdadeiramente democrática.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/04/1998 - Página 7260