Discurso no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DOS 50 ANOS DE FUNDAÇÃO DO ESTADO DE ISRAEL.

Autor
José Ignácio Ferreira (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: José Ignácio Ferreira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • COMEMORAÇÃO DOS 50 ANOS DE FUNDAÇÃO DO ESTADO DE ISRAEL.
Aparteantes
Hugo Napoleão.
Publicação
Publicação no DSF de 01/05/1998 - Página 7293
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CINQUENTENARIO, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, ESTADO, PAIS ESTRANGEIRO, ISRAEL.
  • REGISTRO, ANTIGUIDADE, POVO, PAIS ESTRANGEIRO, ISRAEL, CONTRIBUIÇÃO, ETICA, RELIGIÃO, RESISTENCIA, PERSEGUIÇÃO, EXILIO, LUTA, PAZ, CRIATIVIDADE, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO.

O SR. JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA (PSDB-ES. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, eminente Senador Eduardo Suplicy, que representa o Sr. Presidente Antonio Carlos Magalhães e o Vice-Presidente Geraldo Melo; Sr. Deputado Nelson Trad, que é representante do eminente Presidente da Câmara dos Deputados; Sr. Embaixador de Israel no Brasil, Yaacov Keinan; Sr. Rabino Henry Sobel; Dr. Jack Leon Terpins, Presidente da Confederação Israelita do Brasil; Sr. Embaixador da Turquia; Sr. Deputado Cunha Bueno; Sr. Jaime Pascanick, Vice-Presidente da Câmara Brasil-Israel de Comércio e Indústria e ex-Presidente da Federação Israelita de São Paulo; Srs. Deputados aqui presentes; Srs. Representantes de países aqui já citados, Alemanha, Bélgica, Egito, Equador, Gabão, Guiana, Nicarágua, Noruega, Palestina, Polônia, Portugal, Suíça, Trinidad e Tobago; Srªs. e Srs. Senadores; minhas senhores e meus senhores:

A comemoração dos 50 anos de fundação do Estado de Israel é uma ocasião excepcional, que nos leva a meditar sobre as profundas e múltiplas lições que se desdobram da história desse país e da história de seu povo. Lições e exemplos para cada um de nós e para todas as nações da Terra. História moderna e história antiga. Pois Israel, um país moderno, criado no caldo político e histórico dos últimos 100 anos, é também, por meio do povo judeu, que o construiu, um país com raízes milenares fincadas em séculos e mais séculos de espiritualidade e sofrimento.

              São sagas comoventes, ricas de elevados ensinamentos para toda a humanidade: a saga política do Estado de Israel, com suas décadas de pioneirismo e entusiasmo ideológico que precederam a data de independência, em 1948, e com as conquistas econômicas e sociais obtidas desde então, por força da dedicação e criatividade de toda uma sociedade; e também a saga espiritual do povo judeu, no seu milênio de habitação na Terra Santa, quando criou a Bíblia e o monoteísmo, e, depois, como povo disperso entre as nações, como minoria religiosa freqüentemente perseguida, mas fiel e resistente em relação às suas raízes.

              No vasto e variado tesouro ético e religioso, que é o Velho Testamento, vieram reunir-se à civilização cristã e à civilização islâmica. É evidente o impacto dessas escrituras sobre a história da humanidade. Nelas encontramos infindáveis lições, que tanto marcaram os povos modernos. Da Bíblia surgem os vultos pastorais e arcaicos dos patriarcas, com sua dignidade e sua fé fundadora. Da Bíblia erguem-se as figuras do rei Davi, líder guerreiro e poeta, e do rei Salomão, sábio e realizador. A Bíblia dos episódios exemplares, que calam fundo na alma, como a fuga do Egito, com o confronto dramático entre Moisés e o Faraó, o poder espiritual e o terreno. O mesmo Moisés dos Dez Mandamentos esculpidos em pedra e, desde então, esculpidos na consciência das civilizações.

              A Bíblia nos dá o exemplo impressionante de profetas divinamente inspirados, repreendendo reis poderosos, reprovando atos indignos que eles cometeram. Profetas armados apenas com suas palavras candentes, com sua liderança espiritual. Profetas que nos deixaram uma lição duradoura, quando condenaram a opressão dos pobres por ricos que insistiam em agregar ilegitimamente a seu patrimônio mais terras e mais riquezas. Profetas que clamaram em defesa dos órfãos e das viúvas desprotegidas, lançando a base das subseqüentes conquistas dos povos no âmbito da justiça social. Profetas que instaram os homens a dirigir-se diretamente a Deus, a orar, a praticar o bem e a seguir o caminho da retidão.

              E a Bíblia é a Bíblia dos Salmos, dos poemas, que até hoje são o socorro das almas que se apóiam na fé. É a Bíblia que nos narra o primeiro exílio dos judeus, fato histórico advindo com a conquista de Jerusalém pela Babilônia, no ano 586 a.C. Às margens dos rios da Babilônia, como reza o Salmo 136, os judeus assumiram o compromisso de lembrar para sempre a sua pátria. O exílio da Babilônia, que se seguiu à destruição do Primeiro Templo, marcou o início da Diáspora Judaica. Lá, o judaísmo começou a desenvolver um sistema de vida religioso fora de sua terra, para assegurar a sobrevivência da identidade espiritual do povo.

              A história dos judeus em sua terra ancestral nos transmite ainda o episódio da rebelião dos Macabeus contra a helenização forçada, contra as restrições às práticas da religião, contra a profanação do Templo. Foi uma luta de guerrilhas camponesas confrontando-se com um exército de ocupação, um exemplo de resistência contra culturas estranhas impostas à força. Uma luta vitoriosa. Isso, no ano 166 a.C. Também aí reside uma lição para todos nós, dos tempos de hoje.

              Já a rebelião contra o Império Romano, no ano 66 d.C., terminou em tragédia para o povo judeu: a destruição do Templo, no ano 70, e a expulsão dos judeus de seu território. É conhecido, nessa guerra, o episódio do cerco romano à fortaleza de Massada, na orla do Mar Morto, último ponto de resistência dos judeus, no qual a guarnição que a defendia preferiu suicidar-se a render-se. Hoje, Massada, sítio arqueológico recuperado e muito visitado por turistas, é ponto de peregrinação regular para a juventude israelense.

Data do período do início da dispersão dos judeus a consolidação da ascendência espiritual da sinagoga como lugar de preces e de estudo das escrituras.

              Os últimos séculos que precedem a dispersão e os primeiros séculos subseqüentes foram de grande efervescência espiritual entre os judeus. É a época da elaboração do Talmud, a vasta coleção de comentários às escrituras sagradas, obra monumental relativamente pouco conhecida, a não ser pelos estudiosos. Seu conteúdo é tão fascinante quanto a própria história de sua elaboração. O Talmud é o registro escrito da tradição oral de discussão e interpretação das escrituras. É a transcrição das sinopses das sessões dos seminários rabínicos, de perguntas, respostas e polêmicas, cobrindo matéria jurídica e filosófica, sempre voltada para a orientação do ser humano na sua passagem por esta vida. O Talmud é um repositório de sabedoria acumulada ao longo de quase mil anos; é um texto em que se cultiva, também, muitas vezes, o estudar pelo próprio prazer de estudar, o estudo tendo como finalidade e prêmio a aquisição de conhecimento.

              Nesse período, firmou-se o prestígio dos doutos, dos estudiosos, dos mestres rabínicos. Foi uma evolução importante, pois o respeito ao estudo e à erudição incorporou-se como um valor permanente das comunidades judaicas na Diáspora.

Em torno de suas sinagogas, aderindo às suas tradições e à liderança dos eruditos, conseguiram as comunidades dispersas dos judeus manter sua identidade, não obstante as freqüentes pressões e perseguições. O ideal de volta à terra ancestral nunca pereceu: as preces diárias do culto judaico sempre incluíram a esperança de uma redenção messiânica que levaria o povo de volta a Sion.

Residem aí importantes lições para todos os povos: a valorização da erudição, a resistência cultural, a manutenção de uma identidade coletiva, a consciência das raízes comuns, mesmo na ausência de um território politicamente unificador. Resistência diante de discriminações odiosas, de perseguições e, muitas vezes, de massacres, que tornaram o povo judeu o maior exemplo de minoria perseguida do universo.

A perseguição de minorias, que muitas vezes são alvo de chacinas, é fenômeno de que os séculos, infelizmente, são pródigos e que chegou até os nossos tempos ditos esclarecidos. Basta ver, nos anos recentes, os ódios étnicos na ex-Iugoslávia, na África, na Índia, na ex-União Soviética, na Irlanda. As minorias inferiorizadas sofrem e sofrem muito. Isso, num século que parecia ter jurado livrar-se para sempre de suas terríveis guerras, de seus terríveis massacres, um século no qual a consciência dos direitos humanos parece, ao seu final, ter-se fortalecido.

Se voltarmos os olhos para a Idade Média, o panorama, certamente, é sombrio, se bem que, então, os meios de destruição do ser humano não eram tão sofisticados e poderosos. Pois é na Idade Média que se firma, no Ocidente, um antijudaísmo odioso, de fundo religioso, que deu origem a intermitentes e cruéis perseguições, expulsões e chacinas. Com o advento da Revolução Francesa e as conquistas de Napoleão, difundiram-se as noções de direitos de cidadania e de minorias, e foi aliviada a opressão contra os judeus, ao menos a que tinha como fundamento a intolerância religiosa.

O antijudaísmo medieval, recentemente condenado em documento do Vaticano, deu lugar, na Era Contemporânea, no século XIX, ao anti-semitismo, intolerância moderna, ideológica. E esse gerou, há cem anos, no seio das massas judaicas da Europa Oriental, como reação, o movimento político do sionismo, de volta ao Sion: os judeus começaram a migrar para a Terra de Israel com um ânimo diferente das comunidades que lá se estabeleceram ao longo dos séculos por motivação religiosa. Começou a tomar força o objetivo de construir para si um país.

O movimento sionista tinha como objetivo solucionar o chamado “problema judeu”, de minoria perseguida, agora pelo anti-semitismo. Era o problema de um povo sujeito a repetidos progroms, como os da Europa do Leste, no final do século passado; eram comunidades discriminadas onde quer que se assentassem. Como não se percebia nenhuma perspectiva de transformar a intolerância em convivência harmoniosa, o sionismo aspirava a resolver essa situação por meio do retorno à pátria histórica dos judeus - a Terra de Israel.

O ideal de promover o renascimento de um país dos judeus realizou-se, inicialmente, por meio de pequenos contingentes populacionais de idealistas que se dedicavam à agricultura, com grande sacrifício pessoal, em meio à pobreza e a condições físicas adversas. Mas a pressão anti-semita alimentou a nova idéia e o novo entusiasmo, e as fileiras dos pioneiros foram engrossando. Esse movimento, iniciado nas duas últimas décadas do século passado, tem seus marcos notáveis:

- 1897, primeiro Congresso Sionista, em Basiléia, Suíça, sob o impacto do caso Dreyfus e dos progroms na Europa Oriental;

- 1909, fundação do primeiro kibutz; essas fazendas coletivas se multiplicaram e chegam, hoje, a algumas centenas;

- 1920, fundação da Histadrut, a Central Sindical, e da Haganá, a milícia de autodefesa;

- 1921, fundação do primeiro moshav; esses assentamentos agrícolas cooperativos tornaram-se numerosos e também contribuíram para a absorção de imigrantes e para a criação de uma agricultura moderna;

- 1924, fundação do Instituto de Tecnologia;

- 1925, inauguração da Universidade Hebraica, em Jerusalém.

São marcos que encerram lições vitais: de dedicação, de persistência, de dinamismo, de determinação, de orientação para a modernidade. E são marcos que balizariam o futuro desenvolvimento de Israel.

O grosso da imigração judaica, que viabilizou uma próspera sociedade pioneira, nas décadas que precederam a fundação do Estado de Israel, originou-se, efetivamente, de pressões anti-semitas. As primeiras ondas de imigrantes pioneiros vieram dos territórios do Império Tzarista, onde, no final do século passado e início deste, ocorreram vários progroms: Rússia, Ucrânia, Bessarábia. Nos anos 20, foram para Israel muitos judeus poloneses, pressionados por legislação intolerante que cerceava sua atividade econômica. Nos anos 30, vieram judeus da Áustria e da Alemanha, impelidos pelas perseguições nazistas, que apenas começavam.

Além dos fatores discriminação e opressão e do ideal de uma pátria própria a ser construída a partir do zero, o entusiasmo dos pioneiros sionistas bebia na fonte da tradição de coesão comunitária da diáspora e sorvia a energia típica do movimento religioso carismático do Hassidismo. Mas era bem distinto de um movimento religioso: tratava-se de um movimento político, subdividido em partidos políticos. Entretanto, desenvolveu uma prática política que soube conservar a unidade entre as várias correntes nos momentos críticos e que se apoiou para a condução dos órgãos de cúpula de direção, numa aliança entre socialistas de centro-esquerda e liberais de centro, aliança, de resto, que continuou a ser a base dos Governos de Israel nas três décadas decisivas que se seguiram à proclamação da independência, em 1948. Nesses arranjos e iniciativas políticas, encerra-se também uma lição para todos: a da criatividade política em alta dose, a do descarte dos extremismos, a da consolidação de um bloco dirigente apto a fazer avançar a causa comum.

Assim, às vésperas da 2ª Guerra Mundial, já se esboçavam os traços políticos, culturais, sociológicos, enfim, a própria dinâmica do que viria a ser a sociedade israelense. Mas a 2ª Guerra trouxe consigo o inimaginável. O regime nazista executou, deliberada e sistematicamente, seu plano assassino de liquidação física das comunidades judaicas na Europa ocupada. Durante a guerra, foram assassinados milhões de judeus, entre os quais um milhão e meio de crianças. À proporção que as tropas nazistas varriam a Europa, os judeus eram perseguidos selvagemente, submetidos a torturas e humilhações inconcebíveis e fechados em guetos, onde algumas tentativas de resistência armada foram atos heróicos que não conseguiram impedir o massacre. Dos guetos, judeus eram transportados aos campos de concentração, onde alguns afortunados eram submetidos a trabalhos forçados e a grande maioria era assassinada em fuzilamentos em massa ou nas câmaras de gás.

Fui a Auschwitz, a alguns quilômetros de Varsóvia. A neve caía, e se comemorava mais um ano de reabertura do campo para visitação. Tive interesse de sair do alojamento onde ficavam os judeus e de seguir o mesmo percurso até a câmara de gás. Quando cheguei à câmara de gás, pensei: meu Deus! Essas pessoas eram tangidas como gado, eram levadas até a câmara de gás para morrer e, certamente, intuíam que iam morrer! Pergunto-me até hoje: por que era tão difícil aquelas pessoas se levantarem contra o opressor naquele episódio? Hoje, tenho a resposta na ponta da língua, embora continue fazendo essa pergunta para poder respondê-la nas palestras que faço: ninguém enfrenta a máquina depois que ela já está pronta e montada; ninguém consegue resistir à opressão quando as estruturas da opressão já estão prontas. Temos que lutar contra a máquina quando esta começa a ser montada. Temos que dizer que estamos indignados na primeira bofetada do policial contra o laranjeiro da esquina e que não aceitamos isso, para que não se permita que a máquina seja montada. É muito difícil lutar contra a máquina que já está totalmente instalada.

Às vezes, arrepio-me - sei que isso pode ser um contra-senso - quando tenho que colocar a minha mala no detector de metais do aeroporto. Pode parecer - e a minha mulher pensa assim - que esse procedimento é para o nosso bem, mas isso não impede que eu me arrepie ao passar por ali, porque me vem a sensação de que começa a montagem de algo semelhante ao que já houve. Pode ser até paranóia, mas me assusta realmente o fato de que possa se montar de novo algo como aquilo.

Dos nove milhões de judeus europeus, sobreviveram apenas cerca de três milhões.

A Segunda Guerra e o Holocausto foram o auge trágico da ideologia do anti-semitismo. Foram também um impulso decisivo na consolidação do empreendimento sionista. Os sobreviventes dos campos de concentração, os guerrilheiros judeus que se ocultavam nas florestas nevadas da Europa do Leste, iriam dirigir-se em massa à terra ancestral.

A administração britânica da Palestina impediu os judeus de entrarem em Israel, mas a comunidade judaica lá já estabelecida reagiu, organizando uma complexa rede de imigração ilegal, que conseguiu, entre 1945 e 1948, fazer ingressarem no país cerca de 85.000 refugiados. Mas um número bem maior foi detido pelos britânicos e aprisionado em campos na ilha de Chipre.

Já antes da Segunda Guerra, havia despertado o nacionalismo árabe, em oposição ao sonho da refundação de Israel. Esse fator, não previsto pela primeira geração de sionistas, transformou a realização daquele sonho num conflito de extrema complexidade. Em vista dos choques armados entre as duas comunidades, o problema foi levado às Nações Unidas, que, em 29 de novembro de 1947, votou pela adoção de um plano que estabelecia a partilha do pequeno território em dois Estados, um judeu e outro árabe. Os árabes rejeitaram o plano.

Em 14 de maio de 1948, data do término do mandato britânico na Palestina, outorgado pela antiga Liga das Nações, após a Primeira Guerra Mundial, o órgão dirigente da comunidade judaica na Terra Santa proclamou a fundação do Estado de Israel, objeto do justo júbilo da comemoração de hoje. Seguiram-se os anos de construção e consolidação de Israel, em que múltiplos desafios tiveram que ser enfrentados. Os mais urgentes seriam a absorção de massas de imigrantes e o desafio militar.

Após a proclamação da fundação do Estado de Israel, ocorrem várias ondas de imigração em massa, cada uma delas exigindo políticas sociais e econômicas dirigidas à sua absorção. As primeiras ondas foram a dos sobreviventes do Holocausto da Europa e a dos refugiados dos países árabes, onde os judeus passaram a ser perseguidos com o estabelecimento de Israel e o acirramento do conflito árabe-israelense. Seguiram-se os remanescentes dos judeus poloneses, sob pressão do anti-semitismo, reativado pelo regime comunista nos anos 50. Mais recentemente, vieram centenas de milhares de judeus da ex-União Soviética, cujo colapso gerou temores de novos espasmos de anti-semitismo.

Israel teve de enfrentar sucessivas guerras. Hoje, os pensamentos se dirigem, e devem dirigir-se, às questões da paz. Em nosso século cansado de guerras não cabe mais cultivar qualquer espírito marcial. No entanto, tratando, como estamos, das lições de Israel para o mundo, não se pode deixar de fazer notar a medida de sucesso de um projeto nacional e social que encerram as campanhas militares travadas por Israel. O conflito armado deflagrado em 1948 foi enfrentado por Israel com meios militares muito modestos. Contou muito a motivação dos combatentes na defesa do chão que era deles e alguma experiência militar que havia sido acumulada pelas milícias informais e pela Brigada Judaica, que lutou ao lado dos britânicos na Segunda Guerra Mundial.

Em 1948, Israel conseguiu defender-se. Desde então, tratou de estruturar forças armadas que se revestem de características muito especiais. Elas compreendem um pequeno exército permanente, de pronto alerta, constituído de soldados na ativa e militares de carreira, além de forças aéreas e navais regulares. A maior parte das forças é constituída de reservistas, convocados regularmente para exercícios e prestação de serviços. São esses reservistas que, em tempo de guerra ou de crise, são mobilizados rapidamente em suas unidades e em todos os pontos do país.

Israel foi pioneiro na assimilação de mulheres em numerosas funções de forças armadas. Além disso, insiste em manter sempre um esforço de excelência tecnológica e de qualificação do pessoal militar, indispensáveis em sua situação de país pequeno em conflito com vizinhos.

O esforço em tecnologia militar levou ao desenvolvimento de sistemas avançados, o que acabou gerando uma indústria militar própria. Mas, acima dos exemplos de promoção social de sua população e de mobilização eficaz para a sua autodefesa, fica uma grande lição para os povos - talvez este seja um título para um discurso: “Cinqüenta anos de Israel, uma lição para os povos”. Fica uma grande lição para os povos: a lição de uma democracia mantida em funcionamento impecável, apesar das tensões sociais e dos conflitos militares, com seus partidos políticos, com suas eleições regulares, e um regime parlamentarista, inovação legal recente que promove a eleição direta do Primeiro Ministro, princípio que está sendo cogitado inclusive na Itália.

O Sr. Hugo Napoleão (PFL-PI) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. JOSÉ IGNÁCIO FERREIRA (PSDB-ES) - Concedo a V. Exª o aparte com muita honra.

O Sr. Hugo Napoleão (PFL-PI) - Eu não deveria estar interrompendo o brilhante e emocionante discurso de V. Exª, já que o havia feito anteriormente, quando foi proferido o excelente pronunciamento do estimado amigo Senador Bernardo Cabral. No entanto, não posso deixar de significar-lhe, no momento em que V. Exª fala da democracia em Israel, a minha experiência no Knesset, onde se vive realmente a democracia - Knesset que tive a oportunidade de visitar, juntamente com a delegação a que fiz referência. Eis uma das grandes instituições de Israel. Há também o Instituto Weissmann, a que o Senador Bernardo Cabral também se referiu. V. Exª, ao citar a questão dos armamentos e do aparelhamento indispensável à defesa de Israel, trouxe-me à mente a magnífica indústria aeronáutica, na qual se sobressaem os westwinds. Digno de nota ainda, para dar um toque de brasilidade, é o Kibutz Bror Chail, onde encontramos as últimas manchetes da época, editadas pela Bloch Editores, do saudoso amigo Adolpho Bloch, amigo do meu amigo Juscelino Kubitschek. Enfim, são várias as instituições de Israel dignas de nota. Enfatizo ainda o momento de emoção de uma oração no Mar de Tiberíades, onde Jesus Cristo proferiu o Sermão da Montanha. Lá pode-se entender o porquê da necessidade da manutenção das Colinas de Golan, para que não paire uma ameaça permanente. É uma questão de defesa que entendemos perfeitamente. Termino, para não cansar mais ninguém, dizendo que tive a honra de ser colega de escritório - no escritório do saudoso ex-Ministro Victor Nunes Leal - do Dr. Euclides Aranha Neto, filho de Oswaldo Aranha, que realmente tem uma vida dedicada ao nosso País, extremamente vinculada ao Estado de Israel. Parabéns a V. Exª pelo magnífico e emocionante discurso que faz na tarde de hoje e obrigado, Senador José Ignacio Ferreira.

O SR. JOSÉ IGNACIO FERREIRA (PSDB-ES) - Muito obrigado a V. Exª, Senador Hugo Napoleão. Quero dizer que já estava ficando enciumado, pensando que o meu discurso não abrigaria um aparte de V. Exª, como aconteceu com o brilhante discurso do eminente Senador Bernardo Cabral. Todos sabemos que o aparte do Senador Hugo Napoleão enriquece um discurso e eu contava com ele.

A esfera do governo municipal em Israel goza de acentuada autonomia, obedecendo à legislação nacional, e oferecendo serviços nas áreas de educação, saúde, assistência social, água e saneamento. As prefeituras e conselhos locais se associam a uma entidade que lhes fornece assessoria em matérias como procedimentos trabalhistas e assuntos jurídicos generalizados. Esse balanceamento entre poder central e local, e programas de desenvolvimento social e econômico, com pano de fundo de uma democracia de forte vitalidade, é, parece-me, exemplar.

              Desafio notável foi erguer uma economia moderna com base nos modestos recursos naturais de um país de reduzido território. Nas primeiras décadas após a independência, a economia cresceu sob forte estímulo do Poder Público, com alto grau de estatização. Israel, entretanto, soube fazer a tempo, em meados da década de 80, a transição para uma economia mais competitiva, menos subsidiada, mais integrada aos mercados globais e menos estatizada. Tornou-se conhecido internacionalmente o exemplar programa econômico de estabilização, que deu combate ao surto inflacionário dos anos 80.

              Além de políticas econômicas imaginativas e responsáveis, apoiou-se Israel, desde os primórdios de sua construção, no avanço e atualização tecnológica, aplicados à agricultura e à indústria, como caminho seguro para o progresso. Como país pequeno, Israel teve que decidir com precisão, dentro do vasto mundo da tecnologia e da ciência, as suas políticas em relação a esse universo, para poder atender às suas necessidades mais prementes, como praticar agricultura em áreas semi-áridas, e para reforçar sua capacidade competitiva. Ao mesmo tempo em que tenta manter um padrão mínimo de qualidade internacional em todos os campos científicos, Israel, no campo tecnológico, busca um alto desempenho, concentrando o esforço em um número limitado de áreas.

              A percentagem da força de trabalho que se dedica à pesquisa científica e tecnológica, assim como os recursos dispendidos em pesquisa e desenvolvimento, em relação ao Produto Interno Bruto, estão entre os mais altos do mundo. Proporcionalmente à sua população, Israel, entre todos os países, apresenta o maior número de autores publicados nos campos das ciências naturais, engenharia, agriculturas e medicina. É forte a integração entre universidades e indústrias. Isso pode ser aferido pelo grande número de patentes industriais registradas pelas suas universidades.

              Portanto, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, Srs. Deputados, Srs. Embaixadores, Senhoras e Senhores, desde sua proclamação como Estado, Israel tem exibido exemplos notáveis no campo da promoção social e econômica de sua população, atualmente de seis milhões de habitantes. Trata-se de um país, de uma sociedade, que evoluiu galgando sucessivos patamares de uma auto-afirmação positiva. A par das lições emanadas da multimilenar epopéia histórica do povo judeu, vemos que sua principal criação deste século - a construção de um novo país - também encerra preciosas lições para todos nós e para os povos de todos os quadrantes da Terra. É com empatia por esse painel histórico de experiências e feitos marcantes que nos devemos juntar à comemoração de Israel nos seus 50 anos de existência.

              Muito obrigado. (Palmas)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/05/1998 - Página 7293