Discurso no Senado Federal

COMEMORAÇÃO DO DIA NACIONAL DA MULHER, TRANSCORRIDO NO DIA 30 DE ABRIL ULTIMO. DECIMO ANIVERSARIO DO INSTITUTO DA MULHER NEGRA - GELEDES. POSICIONAMENTO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO SOBRE O PROBLEMA RACIAL NO PAIS.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
FEMINISMO. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • COMEMORAÇÃO DO DIA NACIONAL DA MULHER, TRANSCORRIDO NO DIA 30 DE ABRIL ULTIMO. DECIMO ANIVERSARIO DO INSTITUTO DA MULHER NEGRA - GELEDES. POSICIONAMENTO DO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO SOBRE O PROBLEMA RACIAL NO PAIS.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 05/05/1998 - Página 7368
Assunto
Outros > FEMINISMO. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, MULHER, ANIVERSARIO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), FEMINISMO, NEGRO.
  • REGISTRO, ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), MULHER, NEGRO, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, VIOLENCIA, EXPLORAÇÃO SEXUAL, ABUSO DE AUTORIDADE, DESENVOLVIMENTO, PROGRAMA, AREA, SAUDE, EDUCAÇÃO, CIDADANIA.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).
  • PRONUNCIAMENTO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ASSUNTO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, BRASIL.

            A SRª. BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, comemoramos em 30 de abril o Dia Nacional da Mulher. Essa foi mais uma oportunidade para chamar a atenção das autoridades e da opinião pública sobre as condições das mulheres e sua situação na sociedade, da sua ausência no espaço político, da mulher fora do mercado de trabalho, com salários diferenciados, das mulheres sofridas com a seca do Nordeste, pois pagam mais que os outros porque têm aquela tarefa doméstica e deparam-se de imediato com a seca.

            Denunciamos a exclusão da mulher no acesso ao conhecimento, a exploração dessa menina-mulher, seja no mercado da prostituição infantil, seja no uso da sua mão-de-obra no trabalho praticamente escravo.

            Aproveitamos a oportunidade para registrar, nesta data, o transcurso do décimo aniversário do Instituto da Mulher Negra - Geledés. Nada mais oportuno que reverenciar a memória das mulheres brasileiras, celebrando a criação de uma organização não-governamental da mais alta importância para o movimento popular brasileiro. Geledés foi criado em 30 de abril de 1988. Essa denominação significa uma forma de sociedade secreta feminina de caráter religioso, existente nas sociedades tradicionais africanas, que expressam o poder feminino sobre a fertilidade da terra, a procriação e o bem-estar da comunidade. O culto Geledés visa apaziguar e reverenciar as mães ancestrais para assegurar o equilíbrio do mundo.

            Inspirado nessa tradição e na perspectiva de atualizá-la à luz das necessidades contemporâneas das mulheres negras, concebeu-se uma organização política de mulheres negras - o Geledés - que tem por missão institucional o combate ao racismo, ao sexismo e a valorização e promoção das mulheres negras em particular e da comunidade negra em geral. Enfrenta de frente o problema da marginalização dos jovens negros com programas eficazes de fortalecimento da auto-estima, de formação política e profissional e com projetos culturais de reconhecido sucesso, como é o caso do Projeto Rappers/Programa de Capacitação e Profissionalização. Combate o racismo e a discriminação racial, atendendo a pessoas vítimas dessas práticas sociais, acionando juridicamente empresas e veículos de comunicação flagrados em atos de preconceito e discriminação racial. Combate o abuso de poder, condenando policiais militares por homicídio, médicos por atos de negligência, atendendo às famílias de presos mortos no massacre do Carandiru, promovendo a indenização de vítimas de racismo e violência sexual.

            Na área da saúde, o Geledés luta pelos direitos das vítimas de doenças como a AIDS e promove a formulação de políticas públicas específicas para o atendimento de doenças genéticas ou de maior incidência na população negra.

            O seu núcleo de educação e formação política da entidade vem desenvolvendo grandes atividades. Cito algumas delas:

            - Sistematizar todo conhecimento e experiência produzidos pelo Geledés em seus dez anos de existência, colocando-os à disposição dos movimentos sociais, por meio de cursos e outras atividades de formação;

            - Subsidiar professoras e professores para discussão e o trabalho com relação às questões raciais e de gêneros na instituição escolar, tendo como eixo a discussão do racismo e a escola enquanto espaço sociocultural, onde os sujeitos envolvidos no processo educativo fazem dialogar as suas entidades;

            - Problematizar os rituais pedagógicos, conteúdos de livros didáticos e posturas pedagógicas que reproduzem o racismo e a discriminação racial, bem como contribuir para a reprodução de papéis socialmente construídos para mulheres e homens e as várias etnias;

            - Contribuir para a construção de novos sujeitos políticos na escola, por meio de fomento das discussões e das necessidades levantadas pelos estudantes, especialmente negros, politizando-as e tentando propor encaminhamentos e soluções para que a escola compreenda a diversidade étnico-cultural em seu interior;

            - Estabelecer parcerias com o movimento social no sentido de formar lideranças capazes de fazer os recortes raciais e de gêneros em todas as suas discussões e atividades;

            - Contribuir para a produção de conhecimento na área da educação a partir da inserção das categorias raça e gênero, quer através da sistematização e análise crítica da produção já existente, quer através da pesquisa inovadora;

            - Convergir toda a ação e acúmulo das diferentes atividades do Núcleo de Educação e Formação Política para subsidiar na assessoria e administração de todos os níveis de formulação de políticas públicas que tenham como eixo de intervenção as necessidades educacionais de alunas e alunos negros.

            Desencadeando a estratégia de dar visibilidade ao problema racial em nosso País, sensibilizando governos e sociedade para a discussão da exclusão das populações pobres e discriminadas no mundo, o Geledés tornou-se referência para outras ONGs do Brasil e da América Latina. Nesses dez anos de existência, impulsionou o debate político sobre a necessidade de adoção de políticas públicas para a realização do princípio de igualdade de oportunidades para todos e levantou o debate sobre a problemática da mulher negra como um aspecto fundamental da temática de gênero em nossa sociedade.

            O Geledés comemorou seu aniversário de dez anos com uma semana de debates e eventos culturais que se encerraram no dia de ontem. Foi um momento de júbilo e de avaliação da trajetória percorrida nesta década. Um ciclo foi cumprido, e nele grandes tarefas foram e continuam a ser realizadas, contribuindo para o avanço da discussão racial e de gênero na sociedade brasileira.

            Por essas razões, comemoramos, no dia 30 de abril passado, os dez anos significativos de vitórias das grandes batalhas do Instituto da Mulher Negra - Geledés - e o Dia Nacional da Mulher.

            Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, eu não poderia concluir meu pronunciamento sem antes tecer alguns comentários sobre as idéias expressas na revista Veja desta semana, a respeito de como o Presidente da República pensa a questão racial. Discutindo a razão do livro A Realidade Racial Existente no Brasil, Sua Excelência faz algumas observações para as quais eu gostaria de chamar a atenção.

            Primeiramente, o Presidente não é contrário ao sistema de cotas no Brasil, embora reconheça a dificuldade de sua aplicação, pois a nossa sociedade ainda não conseguiu absorver esse mecanismo como um instrumento não privilegiado ou discriminatório, mas, sim, um meio pelo qual poderíamos diminuir a disparidade existente na questão das oportunidades oferecidas ao povo negro, que é base de sustentação da economia deste País e de formação da sociedade brasileira.

            Além disso, Sua Excelência reconhece a existência de discriminação com relação ao negro no acesso a alguns tipos de trabalho. Sabemos que há desemprego em massa no Brasil, atingindo consideravelmente a população negra, mas o Presidente da República acredita que, pela via educacional, poderíamos ampliar as oportunidades para o negro brasileiro, diminuindo suas dificuldades.

            Temos, na Casa, vários projetos tratando dessa questão, mas que encontram dificuldades no Ministério da Educação. Por isso, o debate da questão é extremamente necessário, e o Presidente dá sua contribuição quando trata do tema em seus pronunciamentos. Sua Excelência tomou a iniciativa de constituir um grupo interministerial, hoje coordenado pelo Professor Hélio Santos. Trata-se de um membro da comunidade negra, um intelectual da maior relevância, filiado ao PSDB, que ainda não tinha sido lembrado para ocupar um cargo de destaque. Não houve conchavo da comunidade negra ou outro tipo de pleito, mas foram reconhecidas sua capacidade intelectual e a contribuição que tem dado ao PSDB. Quando se defronta com questionamentos políticos de pessoas que, embora não sejam daquele Partido, estão juntas na comunidade negra, nesses momentos, o Professor Hélio Santos defende o Presidente da República. Gostaríamos muito que ele continuasse a ser reconhecido pela sua capacidade e sobretudo por ser um grande defensor da comunidade negra, entendendo essa pluralidade étnica existente no País.

            O Presidente Fernando Henrique diz ainda que os negros começam a ocupar postos diplomáticos. Ainda não tive a oportunidade de sabatinar nenhum negro na Comissão de Relações Exteriores, mas aguardo este momento, porque tenho a certeza de que o Senhor Presidente encontrará, no seu quadro diplomático, homens e mulheres negros capazes, competentes, estudiosos e que poderão representar o Brasil em qualquer país do mundo.

            Também o Presidente reconhece a ausência de negros no Congresso Nacional, explicando que, embora haja essa pluralidade étnica brasileira, se alguns sequer sabem que não são brancos, mais difícil ainda é assumirem a sua negritude. Sua Excelência destaca a figura de Zumbi dos Palmares, considerando-o herói da Pátria. E nós observamos que, ainda que o Presidente tenha sancionado o projeto que consagra Zumbi como herói da Pátria, ele ainda não encontrou na comunidade brasileira um espaço destacado para uma reflexão aprofundada da contribuição dada por esse grande herói ao nosso País. Fala apenas dos instrumentos hoje institucionalizados, como é o caso da Fundação Cultural Palmares, para cuja presidência o Presidente da República designou a Srª. Dulce Pereira, intelectual reconhecida no mundo e na comunidade negra, suplente do Senador Eduardo Suplicy. Estimo que ela possa continuar a desenvolver seu trabalho ali, independentemente da sigla partidária, aproveitando aquele conhecimento que imputamos importante, não apenas para a comunidade negra, mas para dar ao Presidente da República, na sua iniciativa no trato dessa questão, um conteúdo que reconhecemos muito balizado por ela, que é uma militante do movimento negro.

            Também foi citado Pelé, nosso Ministro. O Presidente ressalta que Pelé é um rei, e até reconhece que, por suas condições, ele se fez conhecido. Reconhece também que Pelé, na medida em que está à frente de um Ministério, beneficia não só o Poder Executivo, mas também todos nós.

            Por outro lado, ainda detectamos os elevadores de serviço, e - aí, sim, - não apenas para os negros, mas também para os pobres que ainda persistem no nosso País.

            E quero acrescentar que o Senhor Presidente indaga: “isso é verdadeiro?” Sua Excelência afirma que não é da tradição dos partidos de esquerda introduzir nas suas teorias esse tema, porque sempre trabalhamos com uma teoria baseada na questão do capital e do trabalho. Tem razão o nosso sociólogo Presidente Fernando Henrique Cardoso, mas não é muito correto dizer que a questão não é considerada pelo Partido dos Trabalhadores, porque isso deve provocar divisões internas. Quero avisar ao Senhor Presidente que são outros os temas que criam divisões internas no Partido. Este, pelo contrário, tem sido um tema muito discutido pelo Partido, e a presença de negros no Congresso Nacional deve-se ao fato de que, no interior do Partido dos Trabalhadores, esse tema foi trabalhado com prioridade e é apresentado como peça chave para disputarmos as eleições em nossos Estados.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - V. Exª me permite um aparte, nobre Senadora Benedita da Silva?

            A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ) - Ouço V. Exª, Senador Eduardo Suplicy.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT-SP) - Senadora Benedita da Silva, eu a cumprimento por seu pronunciamento e solidarizo-me com V. Exª no elogio ao Instituto Geledés. Gostaria de informá-la de que, na última segunda-feira, estive no Axé Ilê Obá, a convite de Mãe Sílvia de Oxalá, para uma festa pelos dez anos do grupo Geledés. Fiquei muito impressionado com a maneira pela qual os jovens desenvolveram a capacidade de apresentar uma dança simplesmente fantástica, com ritmos afro-brasileiros, que impressionou a todos os presentes. Também sou solidário nos cumprimentos a Dulce Pereira, que, na Presidência da Fundação Palmares, tem desenvolvido um trabalho importante para a afirmação do negro - e da mulher negra - na sociedade brasileira.

            A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ) - Agradeço o aparte de V. Exª.

            Sr. Presidente, Srs. Senadores, quero exortar o Presidente Fernando Henrique Cardoso a seguir. É correto o que Sua Excelência tem feito. Eu já disse ao Presidente - e não temo em repetir, porque tenho certeza de que minhas palavras irão além das paredes do Senado Federal - que Sua Excelência não encontraria oposição em nós, da comunidade negra, de diferentes partidos; seria, talvez, o único momento em que conseguiria unanimidade, para fazer valer esse direito do povo brasileiro.

            A exclusão racial leva à exclusão social. Existem mecanismos para garantir igualdade, mas a questão racial é difícil de ser tratada. Ainda que reconheçamos a necessidade de combater o mito da democracia racial, como não é oficializada a discriminação, conforme afirmou o Presidente, não temos instrumentos para combatê-lo. No entanto, Sua Excelência não nega a realidade da sociedade brasileira e a considera um desafio. Esperamos que seu Governo ainda possa promover algumas medidas que consideramos importantes, para dar ao Congresso Nacional e à sociedade brasileira condição de trabalhar essa questão sem preconceito. Que os negros possam aparecer na televisão, na propaganda do governo e em qualquer outro lugar, por sua beleza, capacidade, competência, e não por privilégio.

            Quero saudar o Presidente da República por seu pronunciamento e dizer que o Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da População Negra Brasileira, coordenado pelo Professor Hélio Santos, já constituiu algumas medidas que - acredito - podem ser homologadas pelo Presidente da República no dia 13 de maio, quando estaremos falando da liberdade que ainda não veio para milhares de pessoas neste País, incluindo os negros.

            Ao finalizar, Sr. Presidente, lembro a entrevista do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que se tornou um grande livro, com centenas de páginas. Chamo a atenção de Sua Excelência para outro aspecto - além da ausência do povo negro no Executivo - que é a ausência da mulher em sua administração.

            Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/05/1998 - Página 7368