Discurso no Senado Federal

APELO AO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO NO SENTIDO DE AMENIZAR O SOFRIMENTO DO POVO NORDESTINO DIANTE DA SECA QUE ATINGE A REGIÃO.

Autor
Edison Lobão (PFL - Partido da Frente Liberal/MA)
Nome completo: Edison Lobão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CALAMIDADE PUBLICA.:
  • APELO AO PRESIDENTE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO NO SENTIDO DE AMENIZAR O SOFRIMENTO DO POVO NORDESTINO DIANTE DA SECA QUE ATINGE A REGIÃO.
Aparteantes
Leomar Quintanilha, Sebastião Bala Rocha.
Publicação
Publicação no DSF de 05/05/1998 - Página 7380
Assunto
Outros > CALAMIDADE PUBLICA.
Indexação
  • GRAVIDADE, SECA, FOME, REGIÃO NORDESTE, REGISTRO, OMISSÃO, GOVERNO FEDERAL, PREVENÇÃO, CALAMIDADE PUBLICA, EPOCA, PREVISÃO, INSTITUIÇÃO DE PESQUISA, CLIMA.
  • PROTESTO, INEFICACIA, GOVERNO, ATENDIMENTO, NECESSIDADE, POPULAÇÃO, REGIÃO NORDESTE, VITIMA, SECA, DENUNCIA, DISCRIMINAÇÃO, REGIÃO, COMPARAÇÃO, AUXILIO, REGIÃO SUL.
  • SOLICITAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO, POVO, ALIMENTOS, ESTOQUE, GOVERNO, SUGESTÃO, RESPONSABILIDADE, DOAÇÃO, FORÇAS ARMADAS, PREFEITO, REGIÃO NORDESTE.

            O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, desafortunadamente, o tema a que me proponho a abordar é o mesmo: a seca que se abate sobre o Nordeste brasileiro, causando vítimas em grande escala, legiões de famintos.

            Fui Governador do Estado do Maranhão e durante aquele período houve uma dessas cíclicas secas que tanto infelicitam o povo nordestino. Agi como governador, prontamente, no sentido de socorrer as populações do interior do meu Estado. Bati às portas do Governo Federal àquela ocasião, onde recebi alguma ajuda escassa. Mas fiz com que os recursos do Estado fossem canalizados para minorar, se não resolver, o sofrimento daquela gente.

            O nordestino é como o judeu: errante no seu sofrimento e nas suas angústias. Parece-me que sobre ele se abate uma crise não apenas cíclica mas bíblica, pois é um sofrimento que nunca se acaba. No episódio atual, os jornais todos falam, aqui da tribuna os senadores e deputados, ainda há pouco o senador que me antecedeu, o Senador Leomar Quintanilha, chamava a atenção para o fato de que esta crise fora prevista com mais de um ano de antecedência.

            Ora, Sr. Presidente, um ano de antecedência! Perdoe-me o Governo Federal, que tem o meu apoio nas duas Casas do Congresso. Deveria o Governo Federal, desde o ano passado, estar tomando providências no sentido não de impedir a seca, porque isso seria impossível, mas de tomar as providências necessárias para socorrer os nossos irmãos desvalidos do interior deste País, e não o fez. Desgraçadamente, não o fez. Agora, temos dez milhões de brasileiros, mais que o dobro da população do meu Estado, por exemplo, sem ter o que comer, na mais triste e dolorosa carga de sofrimento.

            Sr. Presidente, a revista Veja desta semana enfoca na sua capa a fome no Nordeste. Esta é a afirmativa de um cearense de seis anos referindo-se ao seu sofrimento em relação à seca: “Ainda bem que não tenho de comer calango”.

            O Correio Braziliense diz:

            “Dez milhões sofrem com a seca que era esperada. Uma tragédia anunciada há quase um ano por pesquisadores e especialistas do Brasil e do Exterior está ameaçando a sobrevivência de dez milhões de pessoas. Parece até o holocausto.

            A vigésima sexta seca deste século, que atinge nove Estados e 70% das cidades do Nordeste, foi prevista publicamente em junho de 1997. Mesmo assim, os Governos Federal, Estaduais e Municipais não tomaram precauções ou providências para evitar a fome e o sofrimento dos nordestinos.”

            No Jornal de Brasília: “Interesses eleitorais atrasam socorro a esfomeados da seca.” Interesses eleitorais! Mas como, numa hora como esta de angústia, ainda se pode falar em defender interesses eleitorais? O que se tem que defender é a vida das pessoas, dos famintos nordestinos, nossos irmãos!

            No Jornal de Brasília de hoje: “O Presidente da República decide ver de perto a tragédia da seca.” Afinal, o Presidente da República decide conhecer pessoalmente o sofrimento desses irmãos nossos, os nordestinos.

            Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, até mesmo o meu Estado, o Maranhão, que não é um Estado afeito a secas, está mergulhado agora nessa estiagem.

            Devo lembrar aqui, de tal modo, a prática dos anos que se passaram era no sentido de que levas de retirantes cearenses, pernambucanos, rio-grandenses-do-norte e outros demandando ao Maranhão, fugindo da seca, que no Maranhão resolvemos criar uma área de um milhão de hectares. Um milhão de hectares! Essa área cedemos à Sudene e ao Banco do Nordeste para formar ali um grande assentamento de retirantes e fazer com que esses irmãos nossos, nordestinos, pudessem ter um lugar onde plantar sua lavoura e fugir a esse sacrifício bíblico a que me referi ainda há pouco.

            O Sr. Leomar Quintanilha (PPB-TO) - Nobre Senador Edison Lobão, V. Exª me permite um aparte?

            O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA) - Ouvirei V. Exª com todo prazer, Senador Leomar Quintanilha.

            O Sr. Leomar Quintanilha (PPB-TO) - Nobre Senador Edison Lobão, estamos abordando, num mesmo instante, um mesmo tema, tratando de um mesmo problema, quando V. Exª lembra que o seu privilegiado Estado - graças a Deus - também está sofrendo os efeitos da seca. Gostaria de comentar com V. Exª, rapidamente, sem interromper o brilho de sua alocução, que o Estado do Tocantins tem muito a ver com o Nordeste, pois foi desmembrado do território goiano. Eram duas regiões distintas: o sul do Tocantins foi praticamente ocupado por paulistas e mineiros e o norte foi ocupado principalmente por nordestinos, muitos deles seus conterrâneos maranhenses, além de nordestinos de outros Estados tangidos pelas dificuldades e agruras da seca ao longo de anos a fio, que se transferiram para o território tocantinense porque encontraram ali uma forma de se resguardar desse sofrimento árduo e perverso que é a fome e a seca. Portanto, comungo com um sentimento muito forte de quem, como um nordestino, está sentindo na própria pele a intensidade dessa dor e desse problema, a gravidade do momento. Tenho certeza, nobre Senador, de que esse apelo haverá de ser ouvido pelo Brasil inteiro, porque tenho convicção de que este não pode ser um problema meramente institucional. O Nordeste já foi solidário com a Região Sul quando esta foi afetada pelas enchentes. É hora de os irmãos ricos, de os Estados que não estão sofrendo esse problema, manifestarem sua solidariedade e procurarem ajudar, atender as famílias que estão vendo esvair-se de seu meio vidas de crianças e entes queridos. Gostaria de registrar que o Tocantins é solidário com as dificuldades que o Nordeste está enfrentando.

            O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA) - Recolho com prazer e alegria a solidariedade que uma vez mais V. Exª traz ao Nordeste, referindo-se ao seu Estado que hoje recebe grandes levas, grandes contingentes de nordestinos tangidos pelas dificuldades que sobre eles se abatem.

            V. Exª lembra de raspão uma questão a respeito da qual precisamos também refletir neste momento de dor e angústia. Quando acontece uma infelicidade na Região Sul do País - e não queremos que qualquer infelicidade acometa o Sul do País -, como, por exemplo, as enchentes que de tempos em tempos sacodem as estruturas econômicas de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul e do Paraná, há sempre um socorro presente do Governo Federal, e até do exterior, buscando debelar as dificuldades que ali surgem. Isso tem acontecido sempre. O Governo Federal encontra meios e modos para socorrer, com rapidez, o Sul do País, no que procede muito bem, mas não consegue meios e modos de socorrer os nordestinos quando a infelicidade bate à nossa porta. É contra isso que me levanto, é contra isso que trago aqui meu protesto! Não posso aceitar que o Governo se mostre incapaz de socorrer com rapidez os nordestinos famintos, dez milhões largados pelos socavões do imenso território brasileiro.

            Sr. Presidente, Srs. Senadores, que fizeram a Sudene e o Banco do Nordeste com um milhão de hectares que o Maranhão lhes entregou para constituir a colônia e socorrer esses nordestinos? Nada fizeram. Ficaram com essas tantas terras do Maranhão, que acabaram sendo devolvidas ou entregues precipitadamente a algumas pessoas sem qualquer organização.

            A impressão que fica é que tudo que diz respeito ao Nordeste é tratado com menoscabo, com interesses sub-reptícios para que não se resolvam mesmo tais questões. Aí estão os armazéns do Governo ainda cheios de mercadorias, porque o Governo muitas vezes as recebe em pagamento a empréstimos tomados junto ao Banco do Brasil. Por que não entregar essas mercadorias, se não há outras, ao Exército, à Força Aérea e à Marinha, incumbindo-os de distribuí-los com seriedade e retidão aos nordestinos brasileiros? Não há tarefa mais fácil que esta, mas as coisas não acontecem.

            A seca prevista com um ano de antecedência aí está sem que nada tivesse sido feito para resolver o problema.

            Sr. Presidente, recebi uma carta dramática do Deputado Estadual Carlos Alberto Milhomem, dando conta de que, no Estado do Maranhão - que como eu disse não é um Estado afeito às secas -, entre 227 Municípios, 136 deles, ou seja, 60% dos Municípios estão mergulhados na seca. Isso não é uma contradição?

            Diz o Deputado, ao final do seu ofício: “A fome ronda as famílias maranhenses, e essas só têm a apelar para a classe política e para Deus.” Com isso ele quer dizer que o Poder Público, o Executivo Central não está tomando as devidas providências.

            São atingidos, no Maranhão, 146 Municípios constantes da relação que tenho em mãos, e que peço a V. Exª façam parte do meu pronunciamento, na íntegra.

            Vejam V. Exªs quantos Municípios do Maranhão são afetados agora também por essa dramática situação, que tanto infelicita nossos irmãos nordestinos.

            Sr. Presidente, venho a esta tribuna basicamente para fazer um apelo ao Senhor Presidente da República e às autoridades do Poder Executivo: entreguem os alimentos aos Prefeitos, porque eles saberão o que fazer com eles, atendendo às suas populações, ou então entreguem-nos às Forças Armadas, ou então encontrem outro mecanismo. O que não é possível é o imobilismo que hoje está como que a manietar todo o Governo Federal no que diz respeito ao socorro a essas faixas da população brasileira.

            O Sr. Sebastião Rocha (Bloco/PDT-AP) - Permite V. Exª um aparte?

            O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA) - Concedo o aparte a V. Exª, Senador Sebastião Rocha.

            O Sr. Sebastião Rocha (Bloco/PDT-AP) - Senador Edison Lobão, quero associar-me às preocupações e aos apelos de V. Exª, bem como aos do eminente Senador Leomar Quintanilha. Sou solidário ao povo nordestino neste momento difícil. Não conheço a tragédia da seca no Nordeste, mas sou oriundo de uma família que migrou do Nordeste exatamente em função das agruras da seca. Nasci na Amazônia, filho de uma família de migrantes, e vejo que V. Exª está se utilizando de muita coragem, de muita determinação e de muita responsabilidade - tanto V. Exª como o Senador Leomar Quintanilha e os Senadores que apóiam o Governo nesta Casa, mas que jamais poderiam negar seu apoio e até oferecer ao Governo essas palavras que, se não são de apoio, são de apelo pelo fato de o Governo estar pelo menos atrasado na tomada de medidas que resolvam o problema da seca e a previnam para os próximos anos, já que esse fenômeno repete-se anualmente. Neste ano parece-me ser mais dramático, em função do El Niño, que foi totalmente previsto. Houve inclusive uma Comissão aqui, e parece-me que o Relator, o então Senador e atual Ministro Waldeck Ornelas, pôde prever que a repercussão desse fenômeno com relação ao Nordeste produziria uma seca terrível em 1998. Portanto, de fato o Governo está atrasado, está em débito, e é lamentável que haja matérias do tipo da que V. Exª mostrou na capa da Veja, que também tive a oportunidade de ler, que nos deixam extremamente entristecidos. Entretanto, essa tristeza e o imobilismo têm que ser superados em favor de soluções que venham a mitigar, se não vierem a resolver esse grave problema. Li recentemente em um jornal que uma obra importante no rio São Francisco tem o valor de R$4 milhões. Ora, R$4 milhões para o Governo brasileiro resolver uma parcela do problema da seca não poderão ser um obstáculo para uma obra como essa, com a dimensão social que tem e com esse pequeno custo, considerado o Orçamento da União. Então, julgo que falta mesmo é determinação e vontade política para ajudar a minorar esse problema. Muito obrigado, Senador Edison Lobão, e parabéns pela sua coragem e pela sua determinação.

            O SR. EDISON LOBÃO (PFL-MA) - Amazônida, V. Exª também traz aqui a sua solidariedade aos seus irmãos do Nordeste, já que confessa ser descendente de um nordestino.

            Eminente Senador, essas angústias sacodem profundamente a alma de quem é nordestino. Convivo com a minha gente e sei o quanto ela sofre nesses momentos de crise. Por isso, não posso aceitar esse imobilismo gritante, que não nos deixa dormir à noite. O Governo Federal não pode continuar nessa situação. Ainda que não houvesse o abastecimento nos armazéns do Governo - mas existe -, trataríamos de importar alimentos.

            Recentemente, ouvi aqui um discurso do Senador Ronaldo Cunha Lima a respeito da transposição das águas do rio São Francisco, obra que custaria aproximadamente R$1bilhão. É pouco? Não, não é pouco, mas também não é uma quantia exagerada a ponto de não ser realizada para servir ao povo nordestino brasileiro. O Senador dizia quantos e quantos benefícios haveria, quantas e quantas tragédias seriam evitadas se pudéssemos transpor as águas do rio São Francisco para outras regiões do Nordeste brasileiro. No entanto, o Governo Federal mostra-se surdo a tudo isso, embora extremamente atento a outras questões do Sul do País, como a crise dos banqueiros.

            Não podemos silenciar-nos diante da fome, da miséria e do caos que se abatem sobre o Nordeste brasileiro neste momento. Deixamos aqui, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o nosso mais profundo apelo, pessoalmente ao Presidente da República e aos seus Ministros, para que prontamente tomem uma providência. O tempo perdido foi precioso, mas, pelo menos a partir de agora, que alguma coisa seja feita para resolver definitivamente essa crise.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/05/1998 - Página 7380