Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM AO DIA DO TRABALHADOR.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. DESEMPREGO.:
  • HOMENAGEM AO DIA DO TRABALHADOR.
Publicação
Publicação no DSF de 06/05/1998 - Página 7407
Assunto
Outros > HOMENAGEM. DESEMPREGO.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, TRABALHADOR, OPORTUNIDADE, CONFIRMAÇÃO, DISPOSIÇÃO, CLASSE, LUTA, DEFESA, DIREITOS, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, CONDIÇÕES DE TRABALHO.
  • ANALISE, CRISE, AUMENTO, DESEMPREGO, CONTENÇÃO, SALARIO, DESRESPEITO, DIREITOS, TRABALHADOR.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, quero congratular-me com a Senadora Emilia por esta iniciativa. Gostaria de lembrar à Senadora que tive oportunidade de homenagear os trabalhadores por meio de um breve pronunciamento na última quinta-feira, na intenção de complementá-lo hoje, nesta sessão de homenagem requerida por S. Exª.

Cento e doze anos após o trágico e heróico episódio que viria a consagrar o 1º de maio como Dia Internacional dos Trabalhadores, celebramos, mais do que uma data festiva, uma ocasião de reafirmação dos ideais históricos e da disposição de luta da classe trabalhadora.

Com efeito, ao longo desses cento e doze anos, a classe operária sempre teve, a cada 1o de maio, mais motivos para reafirmar sua luta do que para comemorar as difíceis, escassas e sofridas conquistas. No entanto, ao aproximar-se o final do século, os trabalhadores - e a humanidade como um todo - vêem-se defrontados com uma situação que pode ser classificada como bizarra e assustadora, pois, em uma escala nunca antes vista na História, o trabalho humano é desvalorizado enquanto fator da produção. O avanço vertiginoso da informática, da robótica e da automação, de um modo geral, suprime postos de trabalho aos milhões, no mundo inteiro, e, ao se olhar para o futuro, já não parece absurda a possibilidade de uma economia funcionando quase que sem a participação da mão-de-obra em diversos dos seus setores.

Paralelamente ao avanço da tecnologia e às mudanças no sistema de produção - fenômenos que as próprias lideranças sindicais vêem como inevitáveis -, temos, contribuindo para destroçar mais e mais postos de trabalho, a lógica cruel e desumana do neoliberalismo, que entroniza no mais elevado altar, acima de qualquer valor de cunho humanístico, suas ímpias “deusas”, que atendem pelos nomes de competitividade, produtividade e lucratividade.

Indiscutivelmente, para os arautos das “maravilhas” do processo de globalização, o grande fantasma a lhes assombrar, a realidade que já não conseguem esconder é o brutal avanço do desemprego - com toda sua carga de desgraça social e infelicitação individual -, não apenas nos países do Terceiro Mundo, mas também na maioria dos industrializados. É inacreditável que alguns ainda se aferrem à defesa de uma “nova ordem econômica” cujo efeito colateral mais sensível é o aumento contínuo e ilimitado do número de excluídos.

A esse propósito, gostaria de lembrar o desafio uma vez colocado pelo nosso saudoso Betinho. Com o humanismo radical e a lógica que sempre marcavam suas declarações, o inesquecível articulador e mobilizador de nossa consciência social uma vez afirmou: “Uma economia só presta, só faz sentido, só vale se ela existir para alimentar, educar e empregar as pessoas. Todas as teorias só prestam se elas servirem para resolver esses problemas”.

Quem poderia contestar o raciocínio de Betinho? Qual pode ser, afinal de contas, o sentido do crescimento econômico que redunda em mais exclusão, mais fome, mais desemprego?

No Brasil, em particular, a classe trabalhadora viveu este 1º de maio sob o signo da preocupação, do inconformismo e da consciência de que muitas e árduas batalhas estão pela frente.

Não há dúvida de que a exploração selvagem, o desrespeito aos direitos legalmente assegurados, os ataques à liberdade de associação são realidades bastante conhecidas pelos trabalhadores brasileiros desde os primórdios da História deste País. O momento presente, no entanto, está marcado pela subida dos índices de desemprego a níveis recordes, pelos ataques generalizados, impiedosos e constantes a todas as conquistas da classe e pelo achatamento salarial.

Ainda semana passada foram divulgados os dados da Pesquisa Mensal da Fundação Seade - Sistema Estadual de Análise de Dados - e do DIEESE - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos - dando conta de novo crescimento do desemprego na região metropolitana de São Paulo, em março. Agora, o índice já atinge 18,1% da população economicamente ativa, significando um contingente de desempregados na Grande São Paulo superior a um milhão e quinhentas e cinqüenta mil pessoas. No mês de referência da pesquisa, enquanto 54 mil pessoas ingressavam no mercado de trabalho em busca de uma colocação, 32 mil vagas eram eliminadas. Esse fechamento de 32 mil postos de trabalho representou uma redução de 0,5% no nível de emprego da região metropolitana de São Paulo em apenas um mês! Em relação a março do ano passado, a taxa de desemprego cresceu quase 21% e a expectativa é de que continue subindo pelo menos até maio ou junho!

Todos estão lembrados de que até há pouco tempo a atitude do Governo com relação ao problema do desemprego era negar sua gravidade. Argumentavam os porta-vozes governamentais que o problema estava circunscrito a certas regiões, como São Paulo, e a certos setores econômicos, como a indústria. Os dados vindos à tona nos últimos meses, no entanto, põem por terra essas justificativas. Segundo os próprios órgãos técnicos do Governo, a desocupação da mão-de-obra avança não só em São Paulo, mas em todas as regiões metropolitanas; não só na indústria, mas também na construção civil, no comércio e nos demais serviços.

Não há mais como ocultar a natureza macroeconômica do problema e sua origem na política definida pelo Governo Federal. Afinal, foi o próprio IBGE que aferiu o salto na taxa média de desemprego aberto, nas seis maiores regiões metropolitanas do País.

Neste ponto, dispenso a leitura, porque a Senadora Emilia Fernandes também fez pesquisa e obteve o mesmo resultado que eu. Aliás, já tive a oportunidade de apresentá-lo desta tribuna.

A taxa de desemprego aberto cresceu em todas as seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo Instituto, aumentando também - e de modo significativo - em todos os setores de atividade. Na indústria de transformação, passou de 5,8 %, em dezembro, para 8,8%, em janeiro; na construção civil, de 5,6% para 7,9%; no comércio, de 5,2% para 7,5%; nos serviços, de 3,7% para 5,6%; e, em outras atividades, de 1,9% para 2,6%!

Enquanto essa verdadeira tragédia se abate sobre os assalariados do Brasil, qual é a reação do Governo Federal? Afirmação enfática de “guerra ao desemprego”, reunião ministerial, declarações para os meios de comunicação. De concreto, absolutamente nada!

No entanto, as agruras do trabalhador brasileiro não se resumem à desocupação refletida nas taxas de desemprego aberto. É preciso lembrar que essas taxas referem-se somente àquelas pessoas que, em alguma pesquisa, normalmente feita por amostragem domiciliar, declararam estar desempregadas ou à procura de emprego. Em vista da inóspita situação do mercado de trabalho, caracterizada pela extrema dificuldade de conseguir uma colocação, muitas pessoas que perdem seus empregos desanimam de sair à procura de outro, optando por ingressar na informalidade, seja como assalariados sem vínculo formal, seja trabalhando por conta própria. Essas pessoas, evidentemente, não aparecem nas estatísticas referentes ao desemprego aberto.

Por esse motivo, é interessante também observar os números relativos à supressão de vagas no setor formal da economia. Dados do próprio Ministério do Trabalho indicam uma perda superior a 2 milhões de postos de trabalho no setor formal da economia brasileira entre 1989 e julho de 1996. Somente no setor industrial, a perda foi de cerca de 1 milhão e 300 mil postos, no mesmo período.

Isso significa que, além de um número cada vez maior de brasileiros estarem ficando sem qualquer ocupação e, portanto, sem qualquer renda, temos outro enorme contigente de trabalhadores sendo expulsos do mercado formal para o informal. Em outras palavras, as poucas oportunidades de emprego que ainda restam neste País são de má qualidade. Afinal, as estatísticas comprovam que, sob todos os aspectos, os empregos no setor formal são de melhor qualidade. Eles pagam melhor, normalmente garantem aos empregados os direitos trabalhistas e previdenciários na sua totalidade, são empregos de maior perspectiva em termos de duração, muitas vezes oferecem oportunidades de carreira, etc. E é exatamente esse tipo de emprego que a economia brasileira está perdendo aos milhões. Veja-se que a taxa de informalidade no mercado de trabalho saltou de 36%, em 1989, para 52% hoje.

As agressões aos trabalhadores vêm sob todas as formas. Os postos de trabalho são eliminados; as relações de trabalho são degradadas pela informalidade ou por “brilhantes” inovações legislativas, como a regulamentação do contrato de trabalho por tempo determinado com redução de encargos; os direitos constitucionalmente assegurados sofrem constante ameaça de supressão; os salários do funcionalismo ficam mais de três anos sem qualquer reajuste.

Como observou Luiz Chaves, Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, em artigo publicado em O Globo, “o mercado de trabalho no Brasil é um dos mais flexíveis e apresenta um dos mais baixos custos do mundo”. Dados do IBGE mostram que a participação do rendimento do trabalhador na formação do PIB brasileiro despencou de 45%, em 1990, para 38%, em 1997. A taxa de rotatividade da mão-de-obra no Brasil, situada em 37,1%, supera a de países como Argentina, onde de7,42% e a de Paraguai, onde fica em 29%. Ironicamente, nos Estados Unidos, apontados pelos empresários brasileiros como o modelo de relações laborais flexíveis, a rotatividade não passa de 14%. O custo médio da hora trabalhada na indústria de transformação no Brasil é de US$2,79 contra US$4,16 na Coréia e US$16,29 na Itália ou US$21,30 na Alemanha. A oportunidade é propícia para avaliarmos a realidade das relações de trabalho neste País, às vésperas do século XXI. Essa análise, infelizmente, mostra um quadro desolador.

A exploração da mão-de-obra infantil é amplamente disseminada, tanto no campo quanto na cidade, tanto na agricultura quanto na indústria e no setor de serviços até como conseqüência do desemprego ou da má remuneração no País. A mão-de-obra feminina e a negra são flagrantemente discriminadas, recebendo salários menores, tendo menos oportunidade de ascensão profissional, sendo mais atingidas pelo desemprego. As relações de trabalho são ainda hoje normatizadas de cima para baixo por um ramo especializado do Poder Judiciário que arbitra compulsoriamente o conflito entre empregados e empregadores, determinando condições de trabalho e parâmetros de remuneração, independentemente da concordância das partes diretamente interessadas.

Como se pode ver, Senadora Emilia Fernandes, o Dia Internacional dos Trabalhadores é dia de luta , porque a luta por condições de vida e de trabalho dignas representa o cotidiano da classe trabalhadora. Para essa boa luta nunca nos faltou, e nunca haverá de nos faltar, a energia necessária. V. Exª, como representante dos interesses da classe trabalhadora, teve a feliz iniciativa de propor-nos esta homenagem à classe trabalhadora, que merece de V. Exª o respeito. Podemos dizer, numa só voz, possamos dizer:

Viva o 1º de maio!

Viva a classe trabalhadora!

Muito obrigada!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/05/1998 - Página 7407