Discurso no Senado Federal

VOTO DE PESAR PELO FALECIMENTO DO CANTOR NELSON GONÇALVES.

Autor
Emília Fernandes (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RS)
Nome completo: Emília Therezinha Xavier Fernandes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • VOTO DE PESAR PELO FALECIMENTO DO CANTOR NELSON GONÇALVES.
Publicação
Publicação no DSF de 07/05/1998 - Página 7599
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, NELSON GONÇALVES, CANTOR, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS).

A SRª EMILIA FERNANDES (Bloco/PDT-RS. Para encaminhar a votação. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, em primeiro lugar, o motivo que me levou a solicitar o reconhecimento do Senado a essa figura ilustre do campo artístico e musical do nosso País é o fato de ele ter nascido na minha cidade natal, Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul.

Nelson Gonçalves nasceu em 25 de junho de 1919, filho de pais portugueses, cantores de feiras livres e praças. Seu nome verdadeiro era Antonio Gonçalves, seu nome de ex-lutador de boxe era Antônio Sobral e o seu nome artístico, Nelson Gonçalves.

Nelson teve sete filhos, dos quais cinco adotivos, e treze netos. O artista gaúcho que cantava “só pretendo morrer depois de 2001”, com a saúde debilitada nos últimos anos, morreu no dia 19 de abril de 1998, aos 78 anos, de insuficiência cardíaca, na casa da sua filha mais nova, Margareth Gonçalves, no Rio de Janeiro. Foi decretado, pelo Prefeito do Rio de Janeiro, luto na cidade, por três dias, e seu corpo foi velado na Câmara de Vereadores.

Nelson Gonçalves, oriundo de uma família pobre, experimentou de perto a fome, a tristeza, a solidão, o perigo das ruas, o frio das noites, a infância sem muita cor, e com muita perseverança e fé conseguiu dar a volta por cima nos momentos de maior desafio. Ele atingiu o auge da sua carreira artística nas décadas de 40 e 50. Cantava bem qualquer gênero. Fez do amor o tema principal de suas canções e pode ser considerado, sem dúvida, o maior seresteiro do Brasil, símbolo da poesia, do romantismo, da paixão e da ternura.

Começou, como todos sabem, nas rádios de São Paulo, mas realmente só fez sucesso no Rio de Janeiro, onde, em 1939, começou a cantar em programas de calouros. Gravou o seu primeiro compacto em 1941 e, em 1955, o seu primeiro LP. Contou que, naquela época, chegou a dormir na Praia do Flamengo por não ter onde ficar.

Vendeu cerca de 80 milhões de CDs, LPs, cassetes, discos de 78 rotações e compactos duplos e simples, pelos quais recebeu 15 discos de platina e 41 discos de ouro. Tudo isso demonstra o seu esforço, a sua contribuição para o meio artístico e para a música brasileira.

Afirmava ter gravado mais de 2 mil canções, registradas em 183 discos de 78 rotações, cerca de 200 compactos, 200 fitas cassetes, fora os álbuns.

Em sua última obra, uma coletânea intitulada “Antes é Cedo”, gravada em 1997, ele canta músicas de rock, adaptadas ao seu estilo romântico e à personalidade de sua voz. Gravou músicas de Cazuza, Renato Russo, Lulu Santos, Marina Lima.

Estamos falando do gaúcho Nelson Gonçalves, criado no Brás, ex-garçom, ex-lutador de boxe, calouro reprovado no Programa Ari Barroso, em 1939. Gravou o seu primeiro disco em 1941 e, daí em diante, seguiu a sua carreira. Ele sempre recordava um episódio em que recebeu um elogio do próprio Frank Sinatra, quando cantava numa rádio em Nova Iorque. Frank Sinatra lhe disse: “É impossível para mim cantar como você, Nelson, de modo tão simples”. Nelson sempre recordava esse episódio com muita satisfação. Nelson, que dizia: “Não sou melhor do que ninguém, mas não sou par, sou ímpar”; que foi “ao inferno e voltou”, como afirmou sua filha mais velha; cujo “coração nos traiu”, como afirmou sua filha mais jovem, Margareth, ou como dizia em sua música Auto-Retrato, demonstrando a sua força quando cantava: “De tudo o que fiz, nada me arrependo. Mas juro que faria tudo de novo”.

O jornalista Bob Jungmann entrevistou Nelson Gonçalves e registrou: “Nelson Gonçalves não é nem meio, nem médio; é excessivo na arte, em tudo o que faz, alternando golpes de violência e ternura, como se encarnasse o drama de suas canções”. Ele é mesmo aquilo tudo que canta; é muito, muito mais do que se possa supor.

Como se sabe, Nelson já cheirou a morte em carreirinhas, foi preso, bateu bastante e apanhou outro tanto. Foi subestimado como artista, humilhado em gravadoras, ameaçado por bandidos e policiais, cometeu pequenos e grandes deslizes, mas nunca jogou a toalha. Já o passado... bem, está ganhando os novos contornos do presente, construídos, como sempre, sob forte conteúdo emocional.

O novo disco que gravou seria uma forma de retribuição a esse pessoal mais novo. Não deixa também de ser a oportunidade de chamar a atenção da geração jovem para o lado saudável da vida, uma preocupação que Nelson passou a ter desde que, um dia, após amargar sua ruína física, moral e financeira, entre os anos 1958 e 1966, compreendeu com clareza o longo rastro de destruição que estava deixando para trás. O dinheiro, as propriedades, os amigos e o sucesso, tudo tinha se perdido. As mucosas nasais também foram corroídas. Por um milagre, salvou-se a voz. “Acho que Deus queria mesmo que eu continuasse a cantar”, avaliava.

O jornalista reconhece: “Nelson não é de meias palavras... A entrevista rende... A sinceridade chega a ser incômoda, áspera. O jeito simples de ser e a maneira de comentar as coisas que o incomodam, sem nenhuma preocupação com tratos ou refinamentos, são tão próprios como a sua voz”.

Na sua busca de ocupar um espaço, tentou até ser lutador, um pugilista-cantor, como diziam. Lutou com Eder Jofre, no Ibirapuera, e empatou. Afirmava: “Um empate com Eder é a glória para qualquer um”. O dinheiro, porém, era pouco. Resolveu tentar a sorte como cantor e abandonou a luta.

Há também outras passagens que é importante registrar. Foi viciado em cocaína, crise que marcou profundamente a sua vida. “Um dia, ao acordar cedo, fui até a varanda e vi um padeiro entregando pão, o leiteiro entregando o leite, uma mulher varrendo a calçada, uma criança indo para a escola... Foi a visão mais linda que já tive. Comecei a chorar. Pensei: a vida está aqui”. 

Deixou definitivamente as drogas e afirmou ter ganho uma nova alma. Passou a investir na música como terapia. “Por desamor, entrei nas drogas. Por amor, saí das drogas”.

Esse é o Nelson, o menino cantor das praças, das brigas na escola e nas ruas, jogador de futebol; o homem da vida de boemia, dos amores, das tristezas e alegrias, dos encantos e desencantos; do valente, do lutador, do sucesso na batalha do vício e da prisão; dos tempos dramáticos em que enfrentou e venceu a droga; da volta do boêmio, de sua força e amor, que nos deixa saudade e ensinamentos.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o passamento desse ilustre conterrâneo não representa o fim, mas o início de uma nova etapa. Há pessoas que não se afastam, jamais se ausentam, jamais deixam de fazer parte de outras vidas, pois estarão sempre presentes nas lições que nos deixaram, no amor que dividiram, no exemplo que deram. 

Isso não é uma despedida, mas um pedido de desculpas e um agradecimento. Esclareço por quê. A convivência do Rio Grande do Sul com o seu ilustre filho cantor, que alcançou projeção nacional e internacional, apesar dos milhares de fãs, poderia ter sido muito mais reconhecida e valorizada. Nelson, em algumas oportunidades, chegou a sentir-se “injustiçado pelo povo gaúcho”. Há inclusive uma passagem muito interessante: um historiador de Sant’Ana do Livramento, reconhecido e respeitado, Ivo Caggiani, lembra que, na década de 50, houve um mal entendido que magoou muito Nelson Gonçalves. Ele foi convidado para fazer uma apresentação na cidade natal. Tinha inúmeros compromissos, mas achou que valeria a pena voltar à terra onde nascera para ver o pessoal que não conhecia, mas que, na realidade, era a sua gente. Desmarcou tudo e acertou a viagem. Poucos dias antes da data, recebeu a comunicação de que o show havia sido suspenso, porque a cidade estava envolvida com graves problemas políticos. Em princípio, aceitou as justificativas, mas ao saber que Ivon Cury havia sido convidado para substituí-lo, ficou profundamente indignado e prometeu nunca mais voltar lá. Mesmo assim, nunca deixou de proclamar que nasceu em Sant’Ana do Livramento, no Rio Grande do Sul, fato do qual tinha orgulho.

Finalmente, muitos anos depois, em 1973, tudo ficou esclarecido e Nelson Gonçalves voltou à nossa cidade. Em agosto de 1978, realizou um show de portas abertas e recebeu homenagem da Câmara de Vereadores. Naquela oportunidade, no prédio em que nasceu foi colocada uma placa de bronze, que registrou o orgulho daquela terra em relação ao filho ilustre.

Nelson Gonçalves foi alvo de outra homenagem pela Escola de Samba da sua cidade, por ocasião do Carnaval de 1988, com o enredo “50 anos de Nelson Gonçalves” - mas não conseguiu comparecer.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, é importante que as pessoas valorizem aqueles que dão a sua contribuição nos diferentes setores da vida.

Tenho certeza de que Nelson Gonçalves não desaparecerá, continuará nas noites de boêmia e será um exemplo de luta contra as drogas.

Faço um apelo às autoridades Estaduais e Federais, ao Governador do Rio Grande do Sul e ao Ministério da Cultura, a fim de prestarem uma homenagem ao cantor, dono de uma das vozes mais famosas e inesquecíveis do Brasil, transformando a casa onde ele nasceu, em Sant’Ana do Livramento, em espaço cultural.

Nelson Gonçalves partiu. Porém, deixou-nos a sua voz, patrimônio cultural. Deixa esta vida para se projetar na história imortal da música, da sensibilidade e da sabedoria cultural do Brasil como alguém que muito mais do que cantou encantou, acima de tudo, encantou.

Passamos a reverenciar a sua memória a partir de hoje, porque a sua voz, a sua imagem e a sua pessoa já eram reconhecidas há muito tempo.

Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/05/1998 - Página 7599