Discurso no Senado Federal

REFLEXÕES SOBRE A SECA NO NORDESTE.

Autor
Djalma Bessa (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Djalma Alves Bessa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CALAMIDADE PUBLICA.:
  • REFLEXÕES SOBRE A SECA NO NORDESTE.
Aparteantes
Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 07/05/1998 - Página 7638
Assunto
Outros > CALAMIDADE PUBLICA.
Indexação
  • GRAVIDADE, SECA, REGIÃO NORDESTE.
  • REGISTRO, PLANO, ATUAÇÃO, SUPERINTENDENCIA DO DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE (SUDENE), DISTRIBUIÇÃO, ALIMENTOS, CRIAÇÃO, OPORTUNIDADE, TRABALHO, PREVENÇÃO, IRREGULARIDADE, FAVORECIMENTO, ELEIÇÕES.
  • DEFESA, COMBATE, SECA, ANTERIORIDADE, SITUAÇÃO, EMERGENCIA, NECESSIDADE, PLANEJAMENTO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, ESPECIFICAÇÃO, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO, IRRIGAÇÃO, REGIÃO.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, SECA, MUNICIPIO, IRECE (BA), ESTADO DA BAHIA (BA).

O SR. DJALMA BESSA (PFL-BA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, o Nordeste brasileiro sempre conviveu com a seca; sempre enfrentou na medida das suas possibilidades o terrível e persistente desafio representado pela seca. Os sertanejos, inegavelmente dotados de grande capacidade de resistência, deparam-se não apenas com a natureza adversa, mas também com estruturas sociais e políticas que, ao longo de décadas e séculos, não se mostraram capazes de trazer soluções para seus males.

Hoje em dia, as imagens de uma terra castigada e de um povo faminto atingem a todos por meio da televisão e da imprensa. Mais do que nunca é difícil mantermo-nos insensíveis em relação à situação de extrema necessidade desses nossos irmãos. Não apenas as autoridades que detêm a maior parcela de responsabilidade; não apenas aqueles que conhecem de perto as agruras do semi-árido; não apenas nós, nordestinos, mas toda a população brasileira, no presente momento, está despertando para o absurdo que representa a permanência mais do que secular dessa situação. Afinal, nos últimos anos do século XX, contamos com um impressionante desenvolvimento industrial e tecnológico, particularmente patente no Centro-Sul do País, mas que, de uma forma ou de outra, permeia e se espalha por todo o território nacional. Seremos incapazes de dar solução ao problema da seca do Nordeste, quando vários outros países se têm saído vitoriosos no esforço de ocupar regiões áridas e de explorá-las economicamente?

No século XX, o combate estrutural aos efeitos da seca pode se dividido em dois grandes períodos. O primeiro, caracterizado sobretudo pelo esforço de construção de açudes e de perfuração de poços, foi marcado por uma visão unilateral do problema da seca, reduzindo a falta de água. O segundo inicia-se com a criação da Sudene, baseando-se em uma abordagem mais ampla da questão, a qual postula a necessidade de se promover o desenvolvimento econômico e social da região semi-árida. Passados 40 anos de existência da Sudene, verificamos que as meritórias ações desenvolvidas pelo órgão, assim como as de outros órgãos posteriormente criados, não foram suficientes para que a Nação brasileira superasse as nefastas conseqüências sociais e econômicas da seca do Nordeste.

A presente seca já se caracteriza como uma das piores dos últimos anos, podendo chegar a ser uma das cinco maiores do século, de acordo com as previsões do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE. O fenômeno El Niño não apenas contribuiu para a acentuada estiagem no interior do Nordeste justamente em seu período chuvoso, que vai de fevereiro a maio. Entre outras perturbações climáticas, deixou mais seco também “o mundo das águas” amazônico.

No semi-árido nordestino, no entanto, as conseqüências sociais de uma estiagem prolongada são inquestionavelmente mais graves. Segundo relatório da Sudene, a seca já atinge 1.209 dos 1.787 municípios do Nordeste. Dez milhões de pessoas estão sofrendo seus efeitos na zona rural nordestina, além de outras 400 mil no semi-árido de Minas Gerais.

Passam de mil os municípios nordestinos que decretaram estado de emergência. A perda das lavouras, em parte considerável desses municípios, é superior a 70%, enquanto grande número de rebanhos vai aos poucos definhando. Famílias de agricultores abandonam suas terras, pressionadas pela falta de comida, dirigindo-se às cidades da região, onde esperam contar com alguma ajuda. Saques em armazéns, invasões de prédios públicos e bloqueio de ruas ou estradas têm ocorrido em algumas das cidades que receberam os retirantes.

Não há dúvida de que o quadro é gravíssimo, exigindo a pronta ação do Poder Público. O Governo Federal iniciou a distribuição de 975 mil cestas básicas, que vão atender a quase 50 milhões de pessoas, em ação emergencial que envolve a Secretaria de Políticas Regionais, a Companhia Nacional de Abastecimento - Conab - e o Programa Comunidade Solidária. As Forças Armadas, especialmente o Exército, foram também convocados pelo Presidente da República para se engajarem nas ações de socorro aos flagelados.

A coordenação do combate à seca ficará a cargo da Sudene, a partir de agora sob a Presidência do engenheiro Sérgio Moreira, cuja competência e seriedade administrativa já foram devidamente testadas. Esse órgão elaborou um plano de ação, a partir do qual o Governo definiu uma série de medidas a serem implementadas em curto prazo, valendo-se da liberação antecipada de verbas do Orçamento da União. Entre outras providências, vale a pena citar a abertura de frentes de trabalho e a implantação de um programa de formação profissional e alfabetização, com concessão de bolsas de estudo àqueles que acompanharem os cursos. As ações de ajuda emergencial devem atender, de alguma forma, a todas as vítimas da seca que não dispõem de outra fonte de renda.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB-PB) - V. Exª me permite um aparte?

           O SR. DJALMA BESSA (PFL-BA) - Ouço com prazer V. Exª.

           O Sr. Ney Suassuna (PMDB-PB) - Senador Djalma Bessa, logo depois que V. Exª terminar seu discurso, também farei um discurso sobre a seca, mas quero solidarizar-me com o discurso de V. Exª, porque a Bahia está sofrendo muito; e não é só a Bahia: parte de Minas Gerais e vários outros Estados, como o Ceará, a Paraíba e o Rio Grande do Norte também sofrem. Já está ultrapassada até essa cifra que V. Exª cita, porque muitos já falam em 12 ou 13 milhões que estão sofrendo esses efeitos. Mas nós, nordestinos, falamos, falamos e as pessoas de Brasília pensam que a pressa não é grande. Para quem está morrendo de fome e de sede, o amanhã já é distante. Estamos pedindo providências há mais de 70 dias, e há mais de 70 dias a resposta é: “Vai ser feito, vai ser feito”. Temo que, até que essa ajuda chegue lá, já tenhamos uma desagregação social enorme, um sofrimento muito grande e muitas mortes. Solidarizo-me com V. Exª e estarei também falando sobre o mesmo tema logo após, porque é um assunto crucial para nós, nordestinos. Parabéns, Excelência.

           O SR. DJALMA BESSA (PFL-BA) - Senador Ney Suassuna, cabe a nós, nordestinos, falar, cobrar, lembrar e exigir as providências que devem ser adotadas. Não podemos é silenciar, porque o silêncio pode ser interpretado como conivência, aceitação, desinteresse e indiferença. Muito obrigado a V. Exª.

           O estudo da Sudene recomenda especial cautela quanto à possibilidade de exploração política das ações de emergência para obtenção de benefícios pessoais, tanto mais quando se trata de um ano eleitoral. Por essa razão, sugere que haja uma coordenação central responsável pelo andamento do programa, “principalmente quanto aos aspectos de liberação de recursos e acompanhamento da execução”.

Não há dúvida, Srªs. e Srs. Senadores, de que este é um momento difícil para o Nordeste brasileiro, impondo-se uma convergência de esforços das três esferas de Governo, a fim de que sejam minimizados os sofrimentos da sua população. É preciso, antes de mais nada, garantir a alimentação de pessoas que se encontram em estado perigoso de desnutrição. É preciso ir além, oferecendo meios e oportunidades de trabalho, considerando-se a falta de perspectivas de quaisquer atividades econômicas, enquanto perdurar a estiagem, caso não haja investimentos vindos de fora da região.

É mister, todavia, que o esforço de combate à seca, passado o período emergencial, torne-se contínuo e persistente na busca de soluções definitivas; que não seja mais necessário presenciarmos os males causados pela seca, que são, inclusive, previsíveis, para que se comece a agir em benefício da população do agreste e do sertão nordestinos.

As soluções existem; não imaginemos, entretanto, que sua implementação possa ocorrer da noite para o dia. O periódico problema da seca exige o concurso continuado de uma diversidade de ações, nos mais variados níveis, envolvendo o setor público e o setor privado. Não podemos prescindir das ações governamentais, tampouco do esforço dos produtores e da população, a qual não deve ser considerada como uma coletividade passiva e inerte, mas como um conjunto de pessoas com muita capacidade de luta e disposição para o trabalho.

Sr. Presidente, temos certeza de que a agricultura no sertão e no agreste já não pode mais permanecer na dependência do regime de chuvas. A agricultura tradicional deve ser paulatinamente substituída pelas plantações irrigadas, como ocorre em grande parte do mundo. Se a atividade agrícola normalmente comporta riscos, esses riscos no semi-árido nordestino têm sido demasiado grandes e suas conseqüências sociais por demais devastadoras para que possamos deixá-los persistir.

A conjugação de ações do Governo Federal, que detém maior capacidade de investimento, com a dos Estados e Municípios, que estão mais próximos da realidade onde se vai intervir, assim como dos beneficiários diretos dos programas, é o caminho mais adequado para se ampliar a irrigação no Nordeste.

A implantação de sistemas de irrigação associa-se freqüentemente à construção de barragens e à perfuração de poços, sendo necessário incrementar esse meio tão tradicional de combate à seca. Uma outra possibilidade refere-se à construção de adutoras, a fim de levar a água de rios, barragens e açudes para áreas mais carentes de recursos hídricos.

Discute-se, já há algum tempo, a proposta de transposição das águas do Rio São Francisco, para alcançar amplas regiões desprovidas de cursos d’água permanentes. Exercitemos a generosidade franciscana do “Velho Chico”, desde que a derivação de suas águas seja compatibilizada com as demais utilizações do rio, como as de geração de energia e de navegação, ao mesmo tempo em que se assegura o patamar mínimo de segurança ecológica.

O Vale do São Francisco deve ser uma das regiões priorizadas para a prática da agricultura irrigada. Quarenta e cinco por cento das terras do Vale, o que corresponde a mais de 30 milhões de hectares, mostram-se aptas para tal finalidade, situando-se mais da metade delas no Estado da Bahia.

Não esquecendo do fato de que a presente seca atinge quase 70% dos Municípios nordestinos, gostaria de chamar a atenção para o que ocorre na microrregião de Irecê, na Bahia. Apesar de cercada por afluentes do São Francisco e da grande fertilidade do seu solo, a microrregião tem sofrido duramente os efeitos da seca. Suas plantações de feijão, que já foram responsáveis por 10% de toda a produção dessa leguminosa no País, perderam-se em torno de 98%. Perdas semelhantes, quase totais, ocorreram com as lavouras de milho e de sorgo, e mesmo as culturas do algodão e do girassol, mais adaptáveis ao clima seco, não resistiram.

A situação de desespero da população não difere notadamente da de outras áreas atingidas pela seca. Colonos e agricultores abandonam suas roças e moradias, indo tentar a vida em outras regiões ou permanecendo nas cidades mais próximas. As Prefeituras dessas cidades também se vêem em dificuldades para lidar com o problema da imigração.

O Governador César Borges, por meio da Secretaria de Agricultura, está viabilizando um plano de emergência, utilizando recursos do Banco do Nordeste do Brasil - BNB. A proposta, conforme noticia o Jornal A Tarde em 16 de abril último, é “criar um programa integrado de irrigação com poços, voltado principalmente para produção de frutas, criação de ovinos e caprinos, desenvolvimento da pecuária intensiva, apicultura, piscicultura, além da avicultura extensiva.

O Secretário Pedro Barbosa, definindo a ação do Governo, expõe uma lúcida filosofia de trabalho: “Queremos desenvolver ações para serem aplicadas de imediato, garantindo emprego e renda à população, mas que também sejam estruturantes.”

O Correio da Bahia de 30 de abril, por sua vez, noticiou a assinatura de convênio pelo Ministro do Meio Ambiente, Gustavo Krause, e pelo Governador César Borges, que viabiliza a construção dos sistemas de abastecimento de água dos Municípios de Barro Alto, América Dourada e Uibaí, também na microrregião de Irecê. Esses sistemas vão atender, principalmente, aos moradores de pequenas localidades do meio rural, ajudando-os a amenizar os efeitos da seca. O Governador frisou que isso só será possível “por causa da construção da Adutora do Feijão pelo ex-Governador Antonio Carlos Magalhães”. A situação na região de Irecê estaria, de fato, muito pior, se não fosse a existência da adutora, que representa o terceiro maior sistema de abastecimento de água do Estado. Antes dela, a população dependia de carros-pipa ou de poços de água salobra para garantir o seu consumo.

A solução definitiva para o problema da seca na microrregião de Irecê, que faça jus a sua grande tradição agrícola, só virá, no entanto, com a implantação do Projeto Baixio de Irecê. Esse projeto de irrigação, desenvolvido pela Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco - Codevasf, vem-se arrastando durante décadas, sem sair do papel.

De acordo com as informações obtidas junto à Codevasf, a primeira fase de implantação do projeto deverá constar da proposta de lei orçamentária relativa ao próximo ano de 1999. O custo total de R$700 milhões será distribuído entre o Governo Federal, Estadual e dos Municípios atendidos, assim como entre os usuários do sistema de irrigação. A participação orçamentária refere-se aos gastos para infra-estrutura de uso comum. Prevê-se que o projeto, em sua primeira etapa, gerará 50 mil empregos diretos, beneficiando uma população de 340 mil habitantes. A implantação de um sistema de irrigação será gradativa, completando-se ao cabo de 16 anos, período compatível com o de outros projetos de irrigação bem-sucedidos.

Eis um exemplo, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, de como suplantar a cruel realidade da seca em nosso País. É preciso decisão, vontade política e engajamento das três esferas de Governo.

O SR. PRESIDENTE (Carlos Patrocínio. Fazendo soar a campainha.) - Nobre Senador Djalma Bessa, permita-me interromper V. Exª.

Consulto o Plenário sobre a prorrogação da sessão por dois minutos, para que o orador conclua seu brilhante pronunciamento. (Pausa)

Não havendo objeção do Plenário, está prorrogada a sessão por dois minutos.

O SR. DJALMA BESSA (PFL-BA) - Sou grato a V. Exª, Sr. Presidente.

É preciso que projetos, como esse, que se mostrem fatores decisivos para estimular o desenvolvimento espalhem-se por toda a região semi-árida. É preciso fazer cumprir o art. 165 da Constituição, que, em seu § 7º, determina que os orçamentos fiscal e de investimento da União e de suas estatais “terão entre suas funções a de reduzir desigualdades inter-regionais, segundo critério populacional”.

Sabemos que o fértil solo nordestino brota e se metamorfoseia quando recebe a água tão almejada. Sabemos que o Nordeste pode transformar-se, passando a enfrentar digna e sobranceiramente as adversidades climáticas. Ao menos no limiar do Terceiro Milênio, não há dúvida de que isso pode ser alcançado. Sabemos todos, Sr. Presidente, que é possível fazer nascer um novo Nordeste, produtivo e próspero, e que esse novo Nordete fará com que surja, por sua vez, um novo Brasil.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/05/1998 - Página 7638