Discurso no Senado Federal

HOMENAGEM AO DIA DO TRABALHADOR.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • HOMENAGEM AO DIA DO TRABALHADOR.
Publicação
Publicação no DSF de 06/05/1998 - Página 7417
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, TRABALHADOR, OPORTUNIDADE, ANALISE, SITUAÇÃO, DESEMPREGO, PAIS.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Sr Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, é com a mais absoluta e legítima indignação que devo iniciar minha reflexão sobre o Dia do Trabalho. Perdoem-me os mais puristas, mas vamos refletir juntos: até quando o Dia do Trabalho será celebrado no Brasil como data de protesto e não como data de rejubilação? Até quando o Dia do Trabalho será ainda recuperado na memória nacional como momento de sacrifício e injustiça social e não como representação da produção solidária? Ainda mais cruel, até quando o Dia do Trabalho servirá apenas para escamotear o seu exato contrário: o dia-a-dia do desemprego no Brasil? Ou, ainda, o desemprego do jovem, que deposita no trabalho a confiança no amanhã melhor? 

           Asseguro que tais indagações mereceriam respostas instantâneas. Infelizmente, para complicar o panorama, a história do Brasil não nos ajuda a reconstituir um passado do qual pudéssemos nos orgulhar e dele extrair inspirações para o presente. Pelo menos, é essa a visão que nos sobra, se restringirmos nosso olhar à perspectiva do Estado e da elite sobre o tema.

           Aliás, se nos recordarmos de nossa velha concepção de trabalho como “negócio” de escravo, verificaremos que, até pouco tempo, o valor trabalho gozava de pouco reconhecimento moral em nossa sociedade. Não que isso fosse um vício tipicamente brasileiro. Não. Nosso bom e sábio Sérgio Buarque de Hollanda já nos advertia de que, por influência da cultura luso-católica de nossos colonizadores, o Brasil herdara uma certa cosmologia, ou visão de mundo, ao redor de cujo eixo girava uma nova noção de prática individual muito conectada com o valor da “aventura”, em detrimento da labuta sistemática.

           Em veemente contraste com a ética protestante, que pregava a supremacia do trabalho individual e da ordem social como forma de revelação divina sobre a predestinação humana, a ética católica do povo ibérico recairia sobre virtudes mais afeitas à “espiritualidade” do tempo presente, sujeita a toda sorte de improvisação, genialidade e capricho emocional a que se pudesse ater o indivíduo. Em resumo, mesmo desvencilhados formalmente do poder e da cultura portuguesa, o Brasil inelutavelmente manteria raízes muito fortes no paternalismo, no autoritarismo mais radical, ainda que envolto num drama emocional e afetivo de igual relevância.

           Em parte por isso, poderíamos explicar a vigência tão prolongada do regime escravocrata em nossa história social e política. Num trocadilho bem raso, para nossos fundadores, o trabalho não compensaria, apenas reconfortaria os menos afortunados d’alma. Não é acidental, portanto, que na conduta da gente brasileira vigore ainda um certo constrangimento quando se tenta vincular a imagem do trabalho com a imagem de cidadania. A impressão que se tem é que trabalho continua a ser associado a certas tarefas socialmente identificadas com o “perigo” e a “sujeira” da população menos privilegiada, como se trabalho fosse uma penalidade moral e física a cumprir no mundo. Ironicamente, enquanto o cidadão gozaria de um status social proveniente de sua condição de partícipe da organização do Estado, o trabalhador seria relegado a mero coadjuvante na produção econômica do País. Obviamente, em outros países e culturas, cidadania só pode ser pensada enquanto prerrogativa de quem trabalha, constrói, transforma e enriquece a sociedade nacional.

           Sr. Presidente, em meio ao nosso contraditório e labiríntico caldo cultural, trabalhador no Brasil é sinônimo de pobreza, mas também é sinal de luta, de resistência. Embora a contabilidade dos confrontos registre um expressivo desfavorecimento do lado dos trabalhadores, não há quem conteste que o pouco conquistado tenha sido resultado de muito persistência, suor e sangue. Graças, sobretudo, à população mais jovem de nossa sociedade, que, por motivos óbvios, se engaja com mais afinco em processos reivindicatórios, os direitos historicamente conquistados, em grande parte, se tornaram símbolos de união e de luta dos trabalhadores. Isso remete, necessariamente, nossa memória mais recente aos valorosos movimentos dos metalúrgicos do ABC paulista, os quais, ainda durante o regime militar, no início dos anos 80, não se curvaram à brutalidade da repressão política, tampouco se calaram diante da recessão econômica vigente.

           Antes que a ditadura militar encerrasse seu ciclo em 85, como dizem os analistas econômicos, a década de 80 já estava inteiramente perdida. Pelo menos, é assim que se entende o mais deprimente desempenho da economia brasileira do século. Em que pesem todos os avanços alcançados pela classe trabalhadora em termos de mudanças positivas na legislação e na representação política, as estatísticas indicam que o trabalhador saiu mais pobre e com menos poder aquisitivo dentro da concentrada estrutura distributiva no Brasil.

           Para bem da verdade, de acordo com as mesmas estatísticas, a situação de hoje não se distinguiria muito daquela verificada ao final dos anos 80. Nesse sentido, vale a pena examinarmos os dados presentes, que nos assombram a todos. 40% da população brasileira se localiza abaixo do nível de pobreza absoluta; os 40% mais pobres se apropriam de apenas 7% da renda nacional, ao passo que os 10% mais ricos detêm 50,6% do produto nacional.

           Em outras palavras, o Brasil precisaria de um choque de distribuição de renda para combater tal pérfido perfil concentrador. Entre outras propostas, o economista Aloizio Mercadante apresenta novo modelo de desenvolvimento econômico, socialmente solidário e integrador, que terá de eleger como objetivos estratégicos o direito ao trabalho e a constituição de um amplo mercado de consumo de massas e serviços públicos essenciais. Segundo o economista, a mudança no perfil da distribuição de renda exigiria um crescimento econômico acelerado, com novos mecanismos de distribuição da riqueza e uma nova estrutura produtiva.

           Enquanto isso não ocorre, temos que nos deparar com problemas que, no fundo, só fazem agravar nossa perversa concentração de renda. Trata-se da triste condição do desemprego, que se acentua não apenas no Brasil, mas no mundo inteiro. Embora a economia brasileira tenha atingido patamar de estabilidade incontestavelmente seguro com o êxito do Plano Real, não há como negar seus limites como modelo de restruturação do sistema econômico vigente no País. Seus limites tocam justamente as faixas mais sensíveis da pirâmide socioeconômica, ou seja, os miseráveis e os trabalhadores. E de nada adianta escamotear a esdrúxula situação, pois os índices mensais de desemprego não param de crescer.

           Segundo os últimos cálculos divulgados pelo IBGE, a taxa de desemprego no mês de março, no País, atingiu o recorde de 8,18%, muito acima daquela verificada em fevereiro, que registrou 7,42%. Aliás, se formos considerar as taxas estimadas pelo DIEESE, seguindo método estatístico que contempla um definição de desemprego com escopo bem mais amplo, teríamos que nos deparar com percentagens na faixa dos 18%! Independentemente dos méritos do método, não podemos ignorar a abrangência numérica em que se transforma tal taxa: nada menos do que 13 milhões de trabalhadores “ociosos”.

           Mais crítica ainda é a situação dos jovens brasileiros no quadro abominável do desemprego. Segundo cálculos do DIEESE, 24,8% dos trabalhadores entre 18 e 24 anos estavam desempregados, em fevereiro, na região metropolitana de São Paulo, quando a taxa global havia sido de 17,2%. Isso desencadeia uma série de reflexões pouco otimistas sobre o impacto do desemprego no público jovem do País. Longe da ideologia yuppie que reinava nos modos e nas mentes da juventude dos anos 80, os jovens, hoje, têm que disputar espaço profissional a cotoveladas, num mercado cada vez mais reduzido e exigente. Pelo que se nota, nem diploma na mão, nem idioma estrangeiro “na ponta da língua”, muito menos domínio de informática nada parece garantir entrada no mercado de trabalho. Disso resultam casos recorrentes de desânimo, derrotismo e depressão nos meios universitários e entre os jovens em geral. Não é preciso ser muito inteligente para daí deduzir as conseqüências irreversíveis do desemprego no processo de formação moral de um País. 

           De fato, embora seja doloroso para nós do PSDB reconhecer tal evidência, a taxa do desemprego dobrou desde o ingresso do Presidente Fernando Henrique no Palácio do Planalto em 95. É bem verdade, no entanto, que o agravamento do desemprego era algo já previsível, dadas as novas condições de globalização em que se encontra o capitalismo moderno. Ao alinhar-se aos padrões de economia e de Estado político recomendadas pelos parâmetros neoliberais da nova ordem internacional, o Brasil não imaginava as nefastas conseqüências que o aguardavam seguidamente. Nossos economistas tratam logo de explicar a explosão do desemprego com base em conceitos frios, como é o tal do “desemprego estrutural”. Por mais que se respeitem as formulações tecnicamente precisas de nossos teóricos, não há como evitar o surgimento de um sentimento de repulsa ante a passividade de nossos economistas frente ao descalabro de nossa estrutura produtiva e trabalhista.

           Sr. Presidente, considerando as taxas explosivas de desemprego e o crescimento da população economicamente ativa, que se mantém no patamar de 1,9 milhão de jovens/ano, percebe-se que o País precisa de uma política articulada para enfrentar a tragédia social.

           Nesse campo, é preciso ousar, construir novos instrumentos e categorias, mas não abdicar de definir o direito ao trabalho como dimensão fundamental de cidadania. O BNDES abriu duas novas linhas de financiamento nessa perspectiva, o “BNDES Trabalho” e o “BNDES Solidário”, que podem abrir novas possibilidades nesse campo, mas é necessário desburocratizar o processo, sem o que será mais um programa virtual do atual Governo. Tenho convicção de que somente com a condução de uma política mais arrojada e verdadeiramente comprometida com o bem social poderá o Brasil sair do fosso indesejável do desemprego e, assim, com entusiasmo, comemorar, enfim, o Dia do Trabalho.

           Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/05/1998 - Página 7417