Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS A MATERIA PUBLICADA PELO JORNAL FOLHA DE S.PAULO INTITULADA 'SEXO, ABORTO E AIDS EXPLODEM ENTRE JOVENS', ASSINADA PELO JORNALISTA GILBERTO DIMENSTEIN E PELA REPORTER PRISCILA LAMBERT.

Autor
Artur da Tavola (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RJ)
Nome completo: Paulo Alberto Artur da Tavola Moretzsonh Monteiro de Barros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • COMENTARIOS A MATERIA PUBLICADA PELO JORNAL FOLHA DE S.PAULO INTITULADA 'SEXO, ABORTO E AIDS EXPLODEM ENTRE JOVENS', ASSINADA PELO JORNALISTA GILBERTO DIMENSTEIN E PELA REPORTER PRISCILA LAMBERT.
Aparteantes
Lúcio Alcântara, Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 08/05/1998 - Página 7705
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • IMPORTANCIA, ARTIGO DE IMPRENSA, ASSUNTO, SEXO, ABORTO, GRAVIDEZ, SINDROME DE IMUNODEFICIENCIA ADQUIRIDA (AIDS), JUVENTUDE, ADOLESCENTE, ANALISE, DADOS, ESTATISTICA, MINISTERIO DA SAUDE (MS).
  • CRITICA, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, FALTA, CONTROLE, INDUÇÃO, AUMENTO, SEXUALIDADE, CRIANÇA, ADOLESCENTE.
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, GILBERTO DIMENSTEIN, JORNALISTA, DENUNCIA, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, ADOLESCENCIA, BRASIL.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, domingo passado, a Folha de S. Paulo publicou uma reportagem que considero da mais alta relevância e motivo de atenção do Senado da República, das autoridades e da sociedade, chamada “Sexo, aborto e AIDS explodem entre jovens” e assinada pelo jornalista Gilberto Dimenstein e pela repórter Priscila Lambert.

Vou fazer uma síntese dessa matéria para a Casa, porque ela traz dados que são merecedores da reflexão que pretendo fazer.

Diz a matéria que a sexualidade precoce do brasileiro está provocando o aumento de gravidez, aborto e AIDS entre adolescentes de dez a dezenove anos. Segundo uma estimativa do Ministério da Saúde, cerca de um milhão de adolescentes ficaram grávidas no ano passado. Outro dado alarmante é que uma em cada três jovens de dezenove anos ,já é mãe ou está grávida do primeiro filho. E metade desses filhos é de seres indesejados pelas mães.

Prossegue a reportagem em questão: A gravidez cresce rapidamente na faixa mais jovem. Em 1993, foram registrados, apenas nos hospitais ligados aos SUS (Sistema Único de Saúde), 26.505 partos de adolescentes entre dez e catorze anos. Repito o número: 26.505 partos de adolescentes entre dez e catorze anos, apenas no SUS, fora os que são feitos, digamos, de modo clandestino. Três anos depois, esse número já era 31.911, ou seja, praticamente 32.000 adolescentes, entre dez e quatorze anos, tiveram partos em 1996, representando um crescimento de 17%.

Dos quinze aos dezenove anos, esse número pulou, no mesmo período, de 611.000 para 675.839, ou seja, quase um milhão de jovens mulheres com partos.

Portanto, são dados relativos às faixas etárias de dez a quatorze anos e de quinze a dezenove anos.

Os registros de AIDS em adolescentes por contágio sexual, no Brasil, cresceram, de 1990 a 1996, cerca de 200%, passando de 47 para 141. Esses números se referem apenas a adolescentes heterossexuais, reflexo da sexualidade precoce combinada à ausência de prevenção. Os homossexuais e os drogados lideravam, com folga, a lista das principais vítimas da AIDS na adolescência. A principal categoria entre pessoas de quinze a vinte anos é de heterossexuais, ou seja, o maior número da presença de AIDS em jovens já está entre os heterossexuais.

O aumento dos casos de AIDS entre adolescentes é, na verdade, um problema mundial, tanto que o foco da campanha anti-AIDS deste ano da Unaids, setor da Organização das Nações Unidas que trabalha com a AIDS, são os jovens.

Segundo a ONU, das 30 milhões de pessoas vivas já infectadas pelo vírus da AIDS no mundo, pelo menos um terço está incluído entre as pessoas de 10 a 24 anos. Portanto é uma incidência alarmante nos jovens.

As meninas de classe média optam pelo aborto - agora é o caso brasileiro. Nove em cada dez adolescentes de classe média e alta querem o aborto para não atrapalhar a carreira, diz uma entrevistada na matéria, Rosa Maria Ruocco. Nove entre dez adolescentes preferem o aborto.

Conseqüência natural do aumento da gravidez é a elevação do aborto em 1997. Apenas nos hospitais do SUS, foram recebidas 241 mil adolescentes que fizeram abortos malfeitos e se submeteram a curetagem. Em 1993, essa taxa era expressivamente menor, 58.274

Vejam agora, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, alguns dados sobre a gravidez na adolescência no Brasil, retirados dessa importante matéria publicada na Folha de S. Paulo no domingo passado.

Dezoito por cento das adolescentes de quinze a dezenove anos ficaram grávidas pelo menos uma vez. Uma em cada três mulheres de 19 anos já é mãe ou está grávida do primeiro filho. Esse dado é alarmante: uma em cada três mulheres de dezenove anos já é mãe ou está grávida do primeiro filho; uma em dez mulheres de quinze a dezenove anos já tem dois filhos. Outro dado: 49,1% - quase a metade - desses filhos eram indesejados. Vinte por cento das adolescentes residentes na zona rural têm pelo menos um filho; 13% das adolescentes residentes na área urbana têm pelo menos um filho; 54% das adolescentes sem escolaridade já ficaram grávidas - repito: 54% das adolescentes sem escolaridade já ficaram grávidas -; 6,4% de meninas com mais de 9 anos de escolaridade já são mães ou estão grávidas do primeiro filho; 20% das adolescentes da Região Nordeste têm pelo menos um filho; 9% das adolescentes da Região Centro-Oeste têm pelo menos um filho.

Srªs. Senadoras e Srs. Senadores, vejam esses dados e busquemos compreendê-los, não num breve discurso, mas na complexidade do tema que está colocado na questão da sexualidade precoce no Brasil e no mundo.

A sexualidade precoce, em primeiro lugar, é filha de uma conquista do ser humano do século XX: a desrepressão do corpo, a eliminação de uma série de tabus que, ao longo dos anos, tanto massacraram principalmente as mulheres. E aquilo que foi uma tese de certa forma renovadora e importante obriga-nos, agora, a uma reflexão profunda sobre isso. A experiência da liberação sexual já está feita há pelo menos 25 anos no mundo. A assunção da mulher do seu corpo, igualmente. A pílula existe desde os anos 60. E foi a presença da pílula que permitiu o ato sexual fora da relação do casamento, sem o risco da maternidade ou da paternidade.

Tudo isso, como um macroprocesso social que envolve questões morais, questões religiosas, questões jurídicas e questões políticas, caminha na sociedade. E caminha na sociedade de um modo crescente, até na medida em que os meios de comunicação se utilizam desses elementos na elaboração de seus programas.

A matéria em questão analisa, com muita percuciência, a influência de algumas figuras importantes no multimídia show como provocadores precoces da sensualidade na infância. Mostra também a matéria - seria longo examiná-la aqui, mas eu a sintetizo - o quanto alguns professores, quase que desesperadamente, nas escolas, buscam levar às crianças uma influência paralela à das mídias no sentido de uma orientação sexual clara e definida, como deve ser.

Porém, é insofismável que existe um processo descontrolado na sociedade. Ele está descontrolado quanto à precocidade do ato sexual; ele está descontrolado quanto às contingências da atividade sexual fora da plenitude sexual da mulher, e ele está descontrolado quanto à presença da AIDS de modo crescente, principalmente entre jovens e adolescentes.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB-PB) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ) - Pois não, Senador.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB-PB) - Os dados que V. Exª traz a esta Casa são estarrecedores e nos levam à reflexão, pois nos mostram que, embora tenha havido o advento da pílula, ela ainda não está sendo usada como elemento libertador. Até porque não teríamos esse número tão elevado de gravidezes entre adolescentes de dez a doze anos se estivesse. Isso me leva a crer, Senador, que, se não tivermos uma educação sexual séria inserida nos currículos escolares - e por que também não em toda a comunidade, por intermédio de associações -, vamos continuar com essa taxa elevada e com os mesmos problemas, que são graves. Saúdo V. Exª por nos trazer um problema sério como esse, que terá reflexos no nosso País hoje e no futuro, e que precisa ser olhado com muita seriedade. Parabéns a V. Exª.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ) - Obrigado, Senador, pelo aparte de V. Exª que, como educador, sabe da importância da matéria.

Está posta, portanto, esta questão: até que ponto o processo educativo, na relativa limitação da sala de aula, é suficiente para se apor a um processo macro, que vem pelos meios de comunicação, descontrolado?

E ela coloca também, para todos nós, uma reflexão que está por cima de Partidos políticos, de questões diretas ou indiretas de governo ou não governo. Isso envolve a sociedade como um todo; não é um problema exclusivamente de Governo - é também. Isso envolve uma reflexão muito profunda dos responsáveis pelos meios de comunicação social. Isso tem a ver, enfim, com toda uma visão da sociedade que estamos a criar na era da globalização.

Quais são os valores em torno dos quais buscamos uma civilização? Quais são os valores em torno dos quais se consegue um avanço no campo existencial, sem dúvida importante? E, paralelamente a esse avanço, ocorrem fenômenos como esse, que, de repente, até parecem dar razão às vozes conservadoras, que, à época, se colocavam contra todo esse avanço, tal a quantidade de dor que acompanha crianças infectadas precocemente de AIDS, jovens envolvidas diretamente na precocidade sexual. Não que haja algo de errado biologicamente na precocidade sexual, mas sim em jovens envolvidas na precocidade sexual sem a condição cultural, sem a condição social, sem a condição educativa para este ato, que é um ato livre do ser humano, generoso e lindo na sua natureza, porém, organizado dessa forma, transformado, muitas vezes, em mercadoria, transformado em atração de programa de televisão, apropriado pelo sistema, digamos assim, que tem na sensualidade um de seus ícones vendedores dominantes, acaba por se tornar um ato perigosamente lesivo contra a vida. Qual é o destino desses 50% de crianças nascidas de adolescentes de gravidez indesejada? Quais são os reflexos, do ponto de vista psicológico, para crianças rejeitadas desde o útero? Hoje a Medicina estuda essas conseqüências, que enveredam por aspectos extremamente graves ligados a um crescimento com formas esquizofrênicas, a um crescimento com formas patológicas sociais. Por que - podemos também pensar e argüir - há tanta criminalidade entre adolescentes? Possivelmente porque lá atrás, na infância, está a ausência de uma criação com o amor, com o desejo do verdadeiro sentido da maternidade e da família, que é o da formação do indivíduo para que ele possa estar apto a um exercício livre, belo, e, se possível, feliz na sua vida privada e na sua vida coletiva. Esses são valores!

Portanto, Srªs. e Srs. Senadores, não está sonhando, não é nefelibata aquele que prega a necessidade de incorporação de valores de vida a um processo civilizatório. Isso não é uma linguagem esotérica, de poetas, como quando se coloca a palavra entre parênteses para significar que se trata de citação de pessoas alheias à realidade - injustiça aliás muito grave aos poetas, porque os poetas são os profetas da verdade, e a etimologia da palavra vate há muito tempo já quer dizer aquele que vaticina, aquele que vê adiante. Vate é o que vaticina. Não é. Isso é um assunto concreto da política, do dia-a-dia, da organização da vitalidade e da saúde física e mental de toda uma coletividade.

Por essa razão, alerto o Senado, na qualidade de Presidente da Comissão de Educação, para a importância dessa matéria. Ela tem uma importância muito grande, não podendo passar na velocidade de vinte e quatro horas de duração de um jornal ou na quantidade de matérias com que os jornais nos entopem aos domingos - parcos de notícias, começam a circular aos sábados. Essa é uma matéria muito importante pelo alerta e pelos dados aparentemente esparsos, mas que, juntos, estarrecem diante do tamanho do problema. Ela precisa, portanto, ser meditada por nós - quando digo nós, refiro-me ao Senado, às autoridades governamentais e à sociedade.

Há muita matéria na vida de um país que não se prende exclusivamente à ação do Estado. Nós, no Brasil, por nossa tradição de formação colonialista, temos sempre a idéia de que tudo decorre, depende e dependerá do Estado. Essa é a idéia do Estado onipotente, presente até naqueles que não querem o Estado onipresente e onipotente. Temos da formação brasileira a idéia de que é da centralização para a descentralização que acontecem os fenômenos e que se dão as transformações. Acredito que isso se dá, sim, na área da economia, dos investimentos de infra-estrutura, nas linhas gerais do desenvolvimento do País; não, porém, em matérias que têm a ver com o Estado, com a sociedade, com o processo educacional, com a estruturação da organização familiar do País, com o conjunto de valores de vida que deve impregnar a presença do homem e da mulher na sociedade. O Brasil apresenta dados estarrecedores nessa matéria. Ao final da mesma, o jornalista Gilberto Dimenstein faz uma espécie de artigo síntese - não editorial - do qual retiro para meditação dos Srs. Senadores alguns trechos que se referem à matéria já citada por mim, mas que no artigo do referido jornalista está de modo muito claro, sob um título muito bonito: “A Gravidez dos Indefesos”.

“Aos 12 anos ficou grávida. Não queria ter um filho, abandonar os estudos. Mas aceitou, resignada, a maternidade. Preferiu não abortar.

Antes que acabasse a adolescência, soube que estava com Aids. Queria morrer, recusou os remédios, preferiu deixar crescer os abcessos que já tomavam seu corpo. Mas acabou aceitando o tratamento, convencida pelo marido também contaminado pelo vírus da Aids quando ainda era adolescente.

Na semana passada, ela estava internada no Hospital das Clínicas, em São Paulo. A vida fez dela mãe de uma criança de 5 anos de idade e uma sigla L.A. F.

Essa sigla revela um abcesso que está crescendo em silêncio no Brasil, um dos mais graves reflexos da selvageria social”.

“Dados oficiais mostram que, enquanto despenca o crescimento populacional, aumenta explosivamente o número de partos entre crianças e adolescentes.

Em 1993, eram 26.505 partos na faixa dos 10 aos 14 anos; em 1996, 31.911, numa evolução de 20%. Note: em apenas em três anos.

Essa tendência, embora em menor intensidade, ocorre na faixa dos 15 aos 19 anos. Em 1996, eram 675 mil contra 611 mil em 93.

São números subestimados, registram só os dados do SUS (Sistema Único de Saúde). Nas favelas e bairros periféricos, ainda atuam parteiras em larga escala, sem qualquer condição de higiene”.

O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB-CE) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. ARTUR DA TAVOLA (PSDB-RJ) - Ouço o nobre Senador Lúcio Alcântara, com muito prazer.

O Sr. Lúcio Alcântara (PSDB-CE) - Ressalto a importância do tema de que V. Exª está tratando. Li também essa matéria do jornalista Gilberto Dimenstein, na Folha de S. Paulo. O problema é tão mais grave na medida em que a gravidez e o parto na adolescente, na criança - porque aos doze anos ainda se é criança - é geralmente de risco, até pela formação da bacia, pelo desconhecimento que a criança e o adolescente têm da própria concepção e da gravidez. Portanto, é risco para mãe e risco para o feto. Isso para não falar em conseqüências outras, como a falta de assistência à criança. V. Exª, em seu pronunciamento, na leitura que está fazendo, mostra que há acúmulo de problemas não só sobre L.A .F, mas, na verdade, sobre grande número de adolescentes, de crianças brasileiras. Elas iniciam a atividade sexual precocemente, mas ignoram as conseqüências, os cuidados, as cautelas. No caso citado por V. Exª, a jovem contraiu Aids. Da mesma forma, o pai da criança, o marido, contraiu também a doença. Há, portanto, uma confluência de fatores que realmente demonstram a existência de uma tragédia personificada nessa criança, nessa adolescente. Na realidade, um grande número de meninas estão padecendo desses problemas. O Senado até já contribuiu, quando aprovou o projeto que dispõe sobre planejamento familiar. Nesse projeto, há um componente de esclarecimento, um componente educativo, um componente de prevenção desses problemas. Por essa e outras razões, o Brasil tem péssimos dados em matéria de mortalidade materna. V. Exª deve ter visto, há pouco tempo, na proposta do Dia Mundial da Saúde, a divulgação de dados segundo os quais o Brasil está numa situação extremamente desvantajosa em relação à mortalidade materna, quer dizer, mortalidade durante a gestação, parto ou no puerpério imediato. Gostaria apenas de congratular-me com V. Exª, nesta oportunidade em que trata de um tema de grande alcance social. V. Exª, com a sua sensibilidade e com essa forma muito humana de abordar os problemas, traz para o Senado um assunto de grande relevância. Acrescento esses elementos para permitir que V. Exª possa continuar a desenvolver, com o brilho de sempre, o assunto de que se ocupa hoje pela manhã.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ) - Muito obrigado, Senador Lúcio Alcântara. V. Exª, com o seu conhecimento não só de médico, como também de político experimentado, enriquece a minha fala. V. Exª conhece o problema na sua verdadeira latitude e dramaticidade.

V. Exª disse muito bem: não se trata do caso citado, que é importante como um exemplo, mas sim da quantidade de mães adolescentes. Sabe-se que 18% das adolescentes com idade entre 15 e 19 anos já ficaram grávidas pelo menos uma vez. No Brasil, uma em cada três mulheres de 19 anos já é mãe ou está grávida do primeiro filho, e uma em cada dez mulheres de 15 a 19 anos já tem dois filhos. Sabe-se também que 20% das adolescentes residentes na zona rural têm, pelo menos, um filho. Isso ocorre na zona rural, onde há menos condições de proteção, de auxílio, de ensinamento.

Sigo fazendo a leitura do iluminado artigo do jornalista Gilberto Dimenstein. Não sou uma pessoa de elogios fáceis e nem de elogios de tribuna, mas, realmente, esse jornalista toca numa matéria de alta importância.

“Seguindo o rastro dessas estatísticas, descobrimos uma teia de massacres, sintetizados no anonimato da sigla L.A.F.”

A origem está na vida sexual cada vez mais precoce, estimulada, em boa parte, pelo bombardeio erótico dos meios de comunicação, transformando tipos como Carla Perez em ídolos infantis.

“Estou em pânico, especialmente porque não vejo quase ninguém em pânico”, diz o infectologista David Uip, diretor da Casa da AIDS, em São Paulo.

O vírus da AIDS ataca cada vez mais crianças e adolescentes.”

Adiante, o artigo, que será publicado na íntegra no Diário do Congresso, diz o seguinte:

“Temos armada uma bomba. Não apenas o sexo começa mais cedo como só uma minoria toma cuidados, num país com 2 milhões de contaminados pelo vírus”, acrescenta David Uip.

Cresce o registro das doenças sexualmente transmissíveis, nessa faixa etária. Entre elas, o HPV, conhecido como “crista-de-galo”, com risco de câncer.

Doença sexualmente transmissível não respeita classe social”, afirma chefe do ambulatório de obstetrícia de pré-natal do Hospital das Clínicas, Rosa Maria Ruocco. Ela também tem consultório particular, onde atende classe média e alta.

É, em suma, um massacre provocado essencialmente pelo descaso público.”

Ao final do artigo, diz Gilberto Dimenstein:

“É impossível construir uma nação socialmente menos estúpida com 1 milhão de crianças e adolescentes grávidas todos os anos.”

Fiquem essas observações e esses alertas. Isso não se resolve com repressão e de forma alguma, senão com consciência, a qual deve permear os órgãos públicos, a mídia eletrônica, os modelos de desenvolvimento e de busca de notoriedade a qualquer preço.

Em suma, há uma escala de valores. Quais são os valores civilizatórios em tornos dos quais queremos construir uma sociedade moderna? Aqueles que nos impõem a selvageria do consumo? Aqueles que nos impõem a selvageria de uma competição cada vez mais deplorável na mídia em horários adolescentes? Aqueles que nos impõem a erotização precoce como forma de venda de produtos? Aqueles que decorrem das falências múltiplas do processo educacional brasileiro? Todos eles, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores. Devemos ter consciência de que esse inimigo silencioso é muito mais potente do que parece.

Muito obrigado, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, pela atenção.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/05/1998 - Página 7705