Discurso no Senado Federal

NECESSIDADE DE UMA REFORMA DEMOCRATICA PARA SUPERAR OS MOMENTOS DIFICEIS QUE PASSAM AS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS.

Autor
Odacir Soares (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RO)
Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENSINO SUPERIOR.:
  • NECESSIDADE DE UMA REFORMA DEMOCRATICA PARA SUPERAR OS MOMENTOS DIFICEIS QUE PASSAM AS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS.
Publicação
Publicação no DSF de 08/05/1998 - Página 7729
Assunto
Outros > ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, CRISE, UNIVERSIDADE, PAIS.
  • DEFESA, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, SISTEMA DE ENSINO, MELHORIA, SALARIO, AMPLIAÇÃO, VAGA, ENSINO SUPERIOR, REDUÇÃO, NUMERO, PROFESSOR, FUNCIONARIOS, ATENÇÃO, CURSO DE GRADUAÇÃO, QUALIFICAÇÃO, CORPO DOCENTE, AUTONOMIA, UNIVERSIDADE.

           O SR. ODACIR SOARES (PTB-RO. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, dizer que a universidade pública brasileira vive um momento difícil é afirmar o óbvio. No entanto, não são tão óbvias, nem tão facilmente identificáveis as razões da crise; uma crise que efetivamente existe.

           A universidade encontra-se enclausurada entre duas visões contrastantes, polarizadas, fortemente prevenidas, o que dificulta grandemente o estabelecimento de um diálogo construtivo. A questão, por um lado, não é encarada dentro de um prisma institucional, tendo por horizonte um projeto de universidade para a sociedade de hoje e de amanhã. Movimentam-se e defendem-se idéias, de acordo com interesses predominantemente restritos. Por outro, há enorme dificuldade de conceber, difundir e justificar programas e metas.

           É também constatação inegável que a universidade em si mesma tem enorme dificuldade de reformar-se. Gasta muito e mal os recursos e está prisioneira de tendências e interesses que a impedem de perceber e encaminhar mudanças capazes de solucionar os novos desafios. Em um contexto assim, muito dificilmente haverá condições para implementar as iniciativas necessárias ao enfrentamento da situação. Em grande medida também, tais iniciativas dependem do papel que for definido para o Estado moderno, no que diz respeito à educação.

           Existem também setores e grupos ligados à representação universitária, mas que não se limitam à representação profissional. Avançam para além dessas atribuições. Por esses setores e grupos, o governo é visto como força que optou pelo asfixia da universidade, mediante contenção de recursos, movido por uma ótica tecnocrática que lhe suprime a capacidade de se dar conta dos problemas pelos quais passa o ensino superior no Brasil.

           Essa atitude tem-se manifestado não apenas em segmentos ligados diretamente aos sindicatos, mas é assumida também por pessoas que possuem concepção mais ampla do papel da universidade.

           Num contexto assim caracterizado, a problemática perde ou simplesmente não adquire a necessária tensão transformadora, embota-se a criatividade e o percalço agiganta-se.

           Essas dicotomias anulam e inviabilizam o caminho das possíveis lideranças com potencial para projetar encaminhamentos renovadores e obrigam o Estado, por força dos instrumentos de que dispõe, entre os quais o controle dos recursos, a ser o único tomador de decisões. Esse fato, porém, impossibilita o desenvolvimento de uma mais nova e ampla concepção do ensino superior no País.

           Sr. Presidente, o Brasil, às vésperas do século XXI, convive com extraordinárias inovações, inovações que marcam os dias presentes com características de fascinante contemporaneidade. Vive-se uma época de desafios e paradoxos, de extrema velocidade, a época da instantaneidade.

           Apesar disso, a questão da universidade tem-se arrastado ronceiramente, prolongando a vida de um modelo há muito superado. Não se vêem, não se sentem avanços, instalando-se uma impressão de que ainda se encontram em plena vigência os princípios que assinalaram a gênese da universidade no longínquo século XI.

           A universidade brasileira é nova. Nasceu em 1934, quando foi criada a de São Paulo. Não é compreensível, portanto, que seja tão vagarosa quando está em jogo a sua atualização aos novos tempos.

           A greve em curso dos professores universitários tem como principal motivo os baixos salários. Efetivamente, considerando-se os requisitos necessários à formação, inclusive no que se refere à indispensável necessidade de atualização e à relevância da função, como bem afirmou o Ministro Paulo Renato, os salários são baixos, extremamente inadequados.

           É verdade, muitos professores têm acesso a bolsas de pesquisa ou a complementações salariais decorrentes de convênios e de contratos, mas a grande maioria não tem acesso a esses ganhos complementares e vive situações constrangedoras. Mas também não resta dúvida de que convênios e bolsas não podem constituir mecanismo rotineiro de aumento salarial. O salário deve ser decorrência de uma acertada política de remuneração do pessoal docente.

           A questão salarial, portanto, exige debate, requer acertos, clama por adequação. Mas não é o único problema a pedir reforma. 

           O Regime Jurídico Único é um dos instrumentos inibidores da ação da universidade pública, pois vincula o aumento salarial ao princípio da isonomia, independentemente da instituição, da área de conhecimento ou da região em que atuam os professores e centraliza na União toda iniciativa nesse campo.

           Segundo informações publicadas pelo Ministério da Educação, em 1997, as universidades públicas gastaram 3 bilhões e 200 milhões de reais com a folha de pagamento do pessoal ativo e 1 bilhão e 500 milhões com os inativos, totalizando 4 bilhões e 700 milhões de reais.

           Compreende-se que qualquer reajuste a ser dado, com o alcance determinado pelo Regime Jurídico Único, aumentaria de modo significativo esses valores, gravando ainda mais as já restritas disponibilidades da União.

           Outras questões de ordem estrutural estão a exigir impostergável e corajoso exame. É de todos sabido, por exemplo, que no sistema ocorrem notórios desperdícios; há excesso de professores e funcionários em relação ao número de alunos; pouca atenção é dada aos alunos de graduação, caracterizada de modo especial na falta de professores mais qualificados, na inexistência de laboratórios adequados e no baixo nível de exigência acadêmica para os matriculados.

           Há exceções, é certo, mas o conjunto do sistema é perdulário, provocando custos incompatíveis com a realidade do País e em contraste com os rigores exigíveis na administração pública.

           O País precisa, por outro lado, ampliar as vagas no ensino superior. Não pode continuar com percentuais de inscritos nesse grau inferiores em relação a nações que se encontram no mesmo patamar de desenvolvimento.

           Entre os países da América Latina, o Brasil tem um dos mais baixos índices de acesso à universidade, inclusive levando em conta o setor particular. De acordo com dados contidos no Plano Nacional de Educação de 1998, proposta encaminhada ao Congresso Nacional, “a percentagem de matriculados no ensino superior brasileiro em relação à população de 18 a 24 anos é de menos de 12 %, comparando-se muito desfavoravelmente com os índices da Argentina (40 %), do Chile (20,6 %), da Venezuela (26 %) e mesmo da Bolívia (20,6 %).

           Esses dados desvendam a extensão do caminho a ser feito para anular a desvantagem, sobretudo, em face das necessidades do País, de modo especial no campo do desenvolvimento industrial e tecnológico alcançado.

           Atualmente, o número de vagas oferecido ainda se encontra em patamares razoáveis, considerando que para cada vaga há uma média de 1,3 estudantes saídos do ensino médio. Na medida, porém, em que o estrangulamento representado pela repetência e pela evasão do ensino fundamental for solucionado, a tendência será de forte aumento da demanda, realidade, aliás, que já começa a se materializar.

           Hoje, as universidades federais ministram 1 mil e 636 cursos de graduação, atendendo a cerca de 390 mil alunos. Nelas trabalham 53 mil professores, com uma média de 7,3 alunos por professor. No País, existem em andamento 1 mil e 277 cursos de mestrado e 677 de doutorado. Nestes, há 24 mil alunos inscritos. Nos cursos de mestrado, 47 mil. Deve-se observar que o setor público é responsável por 90 % dos cursos de doutorado e de mestrado no Brasil.

           A expansão das vagas no ensino superior de graduação não pode dar-se somente pelo aumento do segmento privado, na atualidade responsável por 60% delas. É preciso também abrir mais vagas nas universidades públicas, especialmente as direcionadas para a pesquisa. Essas ainda constituem predominantemente responsabilidade do Estado, por serem o suporte necessário ao desenvolvimento científico, tecnológico e cultural do País.

           A questão do custo per capita do estudante brasileiro na universidade pública é outro gargalo que requer equacionamento. O custo do universitário brasileiro é exageradamente alto, de duas a quatro vezes mais se comparado com os gastos nos demais países latino-americanos e superior ao custo praticado em muitos países desenvolvidos. A diminuição desse custo, aliada a uma competente racionalização dos financiamentos, permitirá aumentar o número de vagas disponíveis sem aporte adicional de recursos.

           Uma efetiva autonomia das universidades constitui também uma meta a perseguir. Por sua vez, a autonomia administrativa viabilizará a autonomia didática e científica e é pré-requisito para a introdução de novos modelos de gestão financeira e patrimonial. Os recursos financeiros e patrimoniais passarão a ser bens institucionais, provocando uma utilização mais criteriosa, com destinação certa e maior responsabilidade diante da finalidade pública que orienta a existência da instituição. Com autonomia, as universidades terão maior produtividade, reduzindo custos, ganhando em eficiência, em produção científica, em número de títulos e em atividades de extensão universitária.

           Sr. Presidente, em síntese, a universidade brasileira vive momentos difíceis, momentos críticos. É preciso não deixá-la perder a força da criatividade, é preciso recuperar-lhe as forças porventura já amortecidas, no horizonte de uma visão clara do papel que lhe está reservado no processo de desenvolvimento sustentado do Brasil.

           A crise existe, mas existe para ser vencida. E é preciso superá-la não por meio de uma revolução passiva que instaura o novo ao lado da manutenção do arcaico. A reforma precisa ser uma reforma democrática, fruto de tensão inovadora, de radicalidade criadora. Nesse campo, o Estado tem papel insubstituível, de modo particular em um país como o Brasil em que ainda subsistem enormes desigualdades e inaceitável pobreza para grande parte dos brasileiros.

           Era o que eu tinha a dizer.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/05/1998 - Página 7729