Discurso no Senado Federal

PREVISÕES DIVULGADAS NO BOLETIM METEOROLOGICO DO INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPECIAIS, DE 17 DE DEZEMBRO DO ANO PASSADO, DANDO INFORMAÇÕES SOBRE AS CONSEQUENCIAS DO FENOMENO EL NIÑO NO TERRITORIO BRASILEIRO E AS PERSPECTIVAS PARA 1998. DESTAQUE PARA A PROPOSTA DE RENDA MINIMA, COMO FORMA DE MINIMIZAR O PROBLEMA DA SECA ENFRENTADO PELOS NORDESTINOS.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CALAMIDADE PUBLICA. POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • PREVISÕES DIVULGADAS NO BOLETIM METEOROLOGICO DO INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPECIAIS, DE 17 DE DEZEMBRO DO ANO PASSADO, DANDO INFORMAÇÕES SOBRE AS CONSEQUENCIAS DO FENOMENO EL NIÑO NO TERRITORIO BRASILEIRO E AS PERSPECTIVAS PARA 1998. DESTAQUE PARA A PROPOSTA DE RENDA MINIMA, COMO FORMA DE MINIMIZAR O PROBLEMA DA SECA ENFRENTADO PELOS NORDESTINOS.
Publicação
Publicação no DSF de 08/05/1998 - Página 7715
Assunto
Outros > CALAMIDADE PUBLICA. POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • LEITURA, ESTUDO, INSTITUTO DE PESQUISAS ESPACIAIS (INPE), PREVISÃO, SECA, REGIÃO NORDESTE, EFEITO, ALTERAÇÃO, CLIMA, CONCLUSÃO, ORADOR, OMISSÃO, GOVERNO FEDERAL, PREVENÇÃO, CALAMIDADE PUBLICA.
  • NECESSIDADE, URGENCIA, IMPLANTAÇÃO, PROGRAMA, RENDA MINIMA, PRIORIDADE, REGIÃO NORDESTE, CRITICA, GOVERNO, DEMORA, REGULAMENTAÇÃO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, gostaria de ler a previsão feita pelo Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Inpe, em 17/12/97, sobre as conseqüências do fenômeno El Niño sobre o território brasileiro e as perspectivas para 1998.

Vou ler apenas o sumário executivo daquilo que foi colocado como previsão em 17/12/97 e, em seguida, a previsão feita em 27/04/98 pelo mesmo instituto. O sumário executivo do dia 17 de dezembro de 1997 dizia:

“A evolução do episódio El Niño atual tem demonstrado a sua grande intensidade, sendo este considerado o mais forte aquecimento do Pacífico Equatorial Oriental dos últimos 150 anos. Seus efeitos já estão afetando o clima do País, haja vista as temperaturas amenas durante o último inverno no Sul e Sudeste, as chuvas excessivas no Sul, em outubro e novembro últimos, e a estiagem em parte da Amazônia nos últimos quatro meses.

As previsões climáticas do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Inpe indicam para o próximo verão, com maior confiabilidade, chuvas não se afastando muito da normal climatológica para os Estados do Sul e chuvas abaixo da média para o norte do Nordeste e sul da Amazônia.

Já as previsões para o outono de 1998 - ressalto aqui que é o período que estamos vivendo - mostram um acentuado déficit de chuvas para o norte do Nordeste, durante a estação chuvosa principal do semi-árido, de março a maio. Também há previsão de continuação de chuvas abaixo da média climatológica na Amazônia. E para a Região Sul, a previsão de março a maio indica chuvas abundantes.

O CPTEC do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais continuará a monitorar a evolução deste inverno, deste intenso El Niño, e a prever seus impactos climatológicos no País; e boletins de previsão climáticas serão emitidos mensalmente.”

Portanto, Sr. Presidente, em dezembro já havia a previsão de que teríamos uma seca séria. Caberia, então, ao Governo Federal tomar as medidas preventivas necessárias.

A última previsão de tempo, datada de dez dias atrás, de 27 de abril último, diz:

“As chuvas do corrente período chuvoso - de fevereiro a maio - na região semi-árida do Norte e do Nordeste, norte e leste do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, sertão de Pernambuco, Alagoas, Sergipe e nordeste da Bahia, encontram-se, até o presente, muito abaixo da média histórica, de 30% até 80% abaixo da média.

Esta enorme anomalia climática é, em parte, conseqüência dos efeitos do intenso episódio El Niño sobre o Brasil. Apesar desse evento vir declinando de intensidade desde janeiro último, ainda continua afetando o clima de muitas partes do País, em particular o norte da Amazônia e o norte do Nordeste nesta época do ano.

O principal mecanismo atmosférico, causador das chuvas estacionais no semi-árido do Nordeste, é a zona de convergência intertropical, uma banda de nebulosidade e chuvas no oceano Atlântico e tropical, que se move na direção norte e sul ao longo do ano, atingindo suas posições mais ao sul, de fevereiro a maio.

No final de março deste ano, a zona de convergência intertropical, que se encontrava latitudinalmente à altura do litoral do Maranhão, deslocou-se para o norte na primeira semana de abril, praticamente deixando de influenciar a chuva sobre o Semi-árido do Nordeste.

O padrão de temperatura da superfície do oceano Atlântico Tropical não apresenta uma configuração claramente favorável à chuva sobre o Nordeste, águas mais quentes que a média ao sul do Equador e mais frias ao norte do Equador, o que reforça ainda mais o prognóstico de que a migração da zona de convergência intertropical para o norte é definitiva.

As chuvas de fevereiro, março e abril, até o presente, estão significativamente abaixo da média histórica e não há indícios de que essa situação possa ser revertida no atual período chuvoso.

Adicionalmente, as previsões do modelo numérico, matemático, físico e climático do CPTEC, para o trimestre abril, maio e junho, também indicam chuvas abaixo da média e término antecipado da quadra chuvosa do semi-árido do Nordeste.

Em conclusão: pode-se dizer que se prenuncia um quadro de chuvas signicativamente abaixo da média, resultando em déficit hídrico de grandes proporções para a maior parte do Norte e do Nordeste. Recomenda-se a implementação imediata de ações migratórias dos efeitos adversos da grande estiagem, que já teve início e que, progressivamente, tornar-se-á mais severa ao longo de 1998.”

Contrasto a previsão do Inpe, do Ministério de Ciência e Tecnologia, com aquilo que declarou ontem o Presidente Fernando Henrique Cardoso: “Não falei com Deus para saber se vai chover ou não, mas, se não chover, o pior está por vir”. Disse Sua Excelência no banquete em homenagem ao Presidente da Índia, Kocheril Raman Narayanan, na terça-feira à noite.

Sr. Presidente, cabe ao Presidente Fernando Henrique Cardoso, em tendo conhecimento das previsões que órgãos técnicos de meteorologia como o INPE, transmitir ao Governo as informações necessárias para que este tome as medidas administrativas.

Diante da solidariedade manifestada pela iniciativa de muitos brasileiros de recolher alimentos e enviá-los aos flagelados do Nordeste, o Presidente declarou, ontem, que o envio de alimentos, iniciativa de campanhas de solidariedade em todo o Brasil para as vítimas da seca, contribuem pouco para acabar com a fome do Nordeste e, por ser antieconômico, cria um problema adicional. Disse o Presidente: “Custa mais caro um avião da FAB (Força Aérea Brasileira) levantar vôo do que toda a comida que transportará”.

Bem, se essa forma não é adequada, haverá outras de se prestar solidariedade? Há formas previstas pelos economistas para que se consiga resolver o problema da falta de alimentos e da miséria? Há sim, Sr. Presidente, e o Presidente Fernando Henrique Cardoso sabe disso. Não apenas sabe, como já votou favoravelmente a essa matéria. Caso tivéssemos instituído no Brasil o programa de renda mínima que garantisse a cada cidadão brasileiro uma renda como direito à cidadania, não estaria o Governo Federal a se preocupar tanto com os saques de alimentos. Em vez de se preocupar com o custo do transporte de alimentos pelos aviões da FAB, o Governo Federal poderia, por intermédio de um mecanismo de transferência eletrônica de recursos, pelo sistema bancário ou pela própria Empresa de Correios e Telégrafos, administrar um programa segundo o qual todo brasileiro cuja renda não atingisse determinado patamar teria o direito de receber um complemento de renda.

Esse complemento de renda pode ser instituído por meio de um imposto de renda negativo, uma proporção da diferença entre o patamar estabelecido e a renda do cidadão. Há inúmeros mecanismos que podem ser aperfeiçoados.

A Folha de S. Paulo publicou a seguinte notícia:

“Famílias de 80 municípios do Ceará vão receber aulas de alfabetização e meio salário mínimo por mês durante um ano numa operação de emergência contra a seca.

O programa será lançado, hoje, pela Primeira-Dama Ruth Cardoso, Presidente do Conselho do Comunidade Solidária, em Caridade, a 90 quilômetros de Fortaleza.”

Trata-se de um mecanismo que guarda relação com os programas de renda mínima associados à educação.

“Com exceção do pagamento às famílias que mantiverem freqüência às aulas, a alfabetização seguirá o modelo já adotado em 148 municípios do Norte e Nordeste.

O pagamento de meio salário mínimo equivale à remuneração das tradicionais frentes de trabalho abertas durante a seca. O financiamento do programa será rateado entre o Governo Federal e o Governo do Ceará. O custo mensal de R$34,00 - causa-me estranheza esse valor, pois meio salário mínimo equivale a R$65,00 - por aluno inclui material didático e merenda escolar. A parceria quer atender 20 mil famílias atingidas pela seca.”

Entendo que o Governo Federal entraria com 50% e o Governo do Ceará, com os outros 50%.

Não compreendo, Sr. Presidente, pois já foi aprovado no Senado Federal e na Câmara dos Deputados um projeto de renda mínima associado à educação, ainda muito restrito e limitado, porque não é aquele aprovado em 16 de dezembro de 1991, ao qual inclusive V. Exª, Senador Carlos Patrocínio, que preside esta sessão, votou favoravelmente, conforme fizeram todos os Partidos.

O Governo tem desenvolvido um conjunto de programas parciais, limitados e restritos, como o vale-cidadania, no Mato Grosso do Sul; a Bolsa Criança Cidadã e a Bolsa Criança-Escola, na Bahia e em Pernambuco, que beneficiaram, no ano passado, 33 mil crianças. Agora é a vez do Ceará, em 80 municípios. Em cada um desses Estados, o desenho é um pouco diferente. E não se faz isso como um direito legítimo de cidadania; não se aplica uma lei que devesse universalizar o direito de todos os brasileiros que porventura não alcançarem determinado patamar de renda de partilharem do usufruto da riqueza nacional e receberem um complemento de renda.

Toda pessoa pobre, miserável, não importa se viva no Nordeste, no Norte, no Sul ou no Sudeste, deve ter esse direito. Obviamente que, nos casos de flagelo da seca, que leva 10 milhões de brasileiros a uma situação de miséria e de fome, haveria necessidade de carrear recursos para a região mais pobre, a fim de contribuir para o equilíbrio das disparidades de renda e de riqueza tão acentuadas.

Alguma coisa, entretanto, impede que o Governo Fernando Henrique veja isso e tome providências com maior energia. Sua Excelência fará amanhã uma visita à Bahia, ocasião em que o Presidente Antonio Carlos Magalhães, conforme declarou hoje, irá lembrar-lhe que o Governo não está cumprindo o que foi aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado por Sua Excelência em dezembro passado.

Ainda que limitado, esse projeto de renda mínima associado à educação aqui aprovado, se colocado em prática, já estaria propiciando aos 20% dos municípios de menor renda per capita no Nordeste brasileiro projetos de renda mínima. Talvez estivessem tais Municípios com tão poucos recursos que 50% de financiamento por parte do Governo Federal fosse pouco. Aí o Governo teria inclusive que examinar se não seria o caso de colocar mais recursos além dos 50% para os Municípios mais pobres.

Se o Governo não implementar esse Projeto rapidamente, vamos continuar assistindo os bispos, o MST, o Ministro Sepúlveda Pertence e as pessoas de bom senso, aquelas que conhecem a Bíblia Sagrada, o Antigo e o Novo Testamento, o Alcorão e a legislação dizerem que, diante da necessidade e da fome, não resta outra alternativa às pessoas carentes senão tomarem providências para conseguir alimento, ainda que os saques sejam a última alternativa. Obviamente, este não é o caminho mais recomendável e, para que não se tenha a necessidade do saque, há que se instituir o mecanismo segundo o qual a todas as pessoas se garanta um mínimo de renda como um direito à cidadania.

Enquanto isso não se tornar uma realidade, Sr. Presidente, continuarei, da tribuna desta Casa, insistindo na importância da imediata implementação de um programa dessa natureza no Brasil, até para cumprir um objetivo fundamental expresso em nossa Constituição, que é erradicar a pobreza e melhorar a distribuição de renda.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/05/1998 - Página 7715