Discurso no Senado Federal

DESEMPENHO DO PODER LEGISLATIVO, A PROPOSITO DA PROBLEMATICA DO SISTEMA PRESIDENCIALISTA. DEFESA DO PARLAMENTARISMO.

Autor
Bernardo Cabral (PFL - Partido da Frente Liberal/AM)
Nome completo: José Bernardo Cabral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SISTEMA DE GOVERNO.:
  • DESEMPENHO DO PODER LEGISLATIVO, A PROPOSITO DA PROBLEMATICA DO SISTEMA PRESIDENCIALISTA. DEFESA DO PARLAMENTARISMO.
Aparteantes
Jefferson Peres, Ramez Tebet.
Publicação
Publicação no DSF de 09/05/1998 - Página 7770
Assunto
Outros > SISTEMA DE GOVERNO.
Indexação
  • MANIFESTAÇÃO, ORADOR, CONVICÇÃO, SISTEMA DE GOVERNO, PRESIDENCIALISMO, PREJUIZO, ATUAÇÃO, LEGISLATIVO, OCORRENCIA, TROCA, FAVORECIMENTO, INTERESSE PARTICULAR, POLITICO.
  • DEFESA, IMPLANTAÇÃO, PARLAMENTARISMO, SISTEMA DE GOVERNO, PAIS.
  • ENUMERAÇÃO, VANTAGENS, SISTEMA DE GOVERNO, PARLAMENTARISMO.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srª. Senadora Júnia Marise, agradeço em público a V. Exª pela gentileza da permuta comigo, uma vez que na hora prevista para o meu pronunciamento eu não poderia estar presente em razão de compromisso que tenho fora deste plenário.

Mais uma vez, volto a abordar o desempenho do Poder Legislativo. Tenho ouvido, lido e tantas vezes sentido na pele a crítica que costuma ser feita a nós, políticos militantes. Hoje, a classe política, qualquer que seja a pesquisa feita, vem despencando na avaliação popular. O que é mais grave é que o político sério, competente, trabalhador é nivelado com o faltoso, o relapso, o que é dado a barganhas, como se essa fosse uma classe uniforme no seu destempero.

E por que é que volto a esse tema? Ontem, o noticiário dos jornais e das televisões davam conta do desabafo presidencial em relação à sua base política. E o que ouvi foi que determinados Parlamentares - é claro que a crítica foi feita à Câmara, mas, de qualquer maneira, atinge o Congresso - não tinham comparecido à votação, porque as achegas que haviam reclamado não haviam sido recebidas. Aparece então a frase pejorativa, transformando a oração de São Francisco - uma peça fantástica - num simples jogo de palavras: “é dando que se recebe”.

Seria fácil fazer análise sob o mesmo ponto de vista das análises aqui já feitas - com o brilhantismo de sempre - pelos senadores Ramez Tebet e Bello Parga, em apartes que complementaram o discurso do meu companheiro de Bancada, o Senador Jefferson Péres.

Mas não é sob esse ângulo que quero examinar o problema. Volto ao tempo da Assembléia Nacional Constituinte - lembro-me com muita alegria de que, àquela altura, o Senador Artur da Távola, o Senador Lúcio Alcântara e eu saímos da Comissão de Sistematização com o sistema parlamentarista de governo aprovado. De lá para cá não mudei minhas convicções. Ao contrário: ampliei-as, porque estou certo - mais do que isso, estou plenamente convencido - de que esses males todos resultam do sistema presidencialista de governo, no qual é obrigatório enfeixar, ao mesmo tempo, numa só pessoa, a chefia de Estado e a chefia do Governo. Quando uma vai bem, a outra chefia acaba sofrendo, sem dúvida nenhuma, reprovação na sua atuação. Num País como o nosso, é difícil termos partidos fortes. O presidencialismo jamais vai deixar isso acontecer. É ilusão pensar de outro jeito.

Àquela altura, dizia eu, justificando a instituição do sistema parlamentarista, que havia eloqüente causa para fazê-lo: impedir a eleição de Parlamentares que gastam milhões de reais - para não dizer dólares - na busca de um mandato cuja duração é certa - o deputado federal tem quatro anos de mandato, o senador, oito. Ao investir três, quatro, cinco, seis milhões de dólares, sabem esses Parlamentares que, ao longo desses quatro anos, terão onde buscar o ressarcimento dessa quantia ora junto a bancos oficiais, ora junto a empresários. Eles acabam sendo ressarcidos pelo que gastaram, locupletam-se à custa do Erário e engordam suas contas bancárias. No sistema parlamentarista de governo, esses Parlamentares pensariam antes de gastar tanto, porque ao cabo de oito ou dez meses o parlamento poderia ser dissolvido e eles teriam de novamente buscar o mandato.

Logramos êxito na Comissão de Sistematização; no plenário, o parlamentarismo foi derrubado.

O Senador José Fogaça é testemunha de que ambos mostramos aos que estavam querendo aprovar a emenda presidencialista o perigo de manter a medida provisória no bojo da Constituição ao lado do sistema presidencialista. A medida provisória, que só pode se casar com o sistema parlamentarista de governo se fosse mantida junto com o sistema presidencialista, daria ensejo a que vários presidentes abusassem desse instrumento legal - e aqui não cabe nominar nenhum, porque quem estiver no poder irá utilizar a medida provisória.

Esse é o lado censurável do presidencialismo. Vamos ao outro, dos que se elegem. Entre eles, há muitos que não têm convicção partidária. E há, é bom que se diga, os que votam contrariamente ao Governo em determinados instantes por puro idealismo, declaram o seu voto com antecedência, perseguem um caminho que lhes parece absolutamente correto; não há como censurá-los, Sr. Presidente. O que eu quero fixar - e aqui chamo a atenção dos eminentes Colegas - é que, enquanto não tivermos o sistema parlamentarista de governo, essas distorções não poderão ser corrigidas. No sistema parlamentarista, o chefe de governo conta com uma base sólida da qual emana o seu poder, representada pelo grupo parlamentar que o elegeu conhecendo o seu programa de governo, que antecipadamente é submetido a julgamento. Sem o parlamentarismo, Sr. Presidente, vamos continuar vendo, de vez em quando, notícias nos jornais atribuindo a todos nós essa troca, essa barganha censurável sob todos os ângulos: a barganha, a troca que se faz não em favor do município, do Estado, fazendo acontecer obras que precisam ser realizadas, mas a barganha em troca de favores pessoais. Essa barganha, queiram ou não queiram - respeito quem é presidencialista -, não tenho a mínima dúvida, deve-se atribuir ao sistema presidencialista de governo. Se vivêssemos sob o sistema parlamentarista, a base do Governo seria sólida e, quando não fosse sólida por uma maioria, seria porque três, quatro ou cinco partidos fariam entre si uma coalizão para apoiar o programa de governo.

O Sr. Jefferson Péres (PSDB-AM) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Cedo a V. Exª o aparte, Senador Jefferson Péres.

O Sr. Jefferson Péres (PSDB-AM) - Senador Bernardo Cabral, com o devido respeito pelos presidencialistas, creio que o povo brasileiro cometeu um grande equívoco, quando, no plebiscito, optou pelo atual regime de Governo. Ambos, à época, embora separadamente, participamos da campanha pelo parlamentarismo. O curioso, Senador Bernardo Cabral, é que o povo brasileiro, por sua maioria, rejeitou o parlamentarismo, paradoxalmente pensando que o Chefe de Governo ficaria refém de um Congresso que ele, povo, considerava fisiológico, quando se trata do contrário. Como V. Exª bem disse, no presidencialismo, o Chefe de Governo, que, no caso, também é o Chefe de Estado, é que se torna refém de um Congresso fisiológico, cujo mandato é intocável.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Trata-se de mandato com prazo certo.

O Sr. Jefferson Péres (PSDB-AM) - Enquanto que, como V. Exª bem acentuou, no regime parlamentar de governo, os fisiológicos podem derrubar o Governo, mas têm que pensar duas vezes na criação de um impasse que lhes possa custar o mandato.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - O Parlamento pode ser dissolvido.

O Sr. Jefferson Péres (PSDB-AM) - Duvido, Sr. Presidente, que quem seja fisiológico e tenha comprado mandatos pagasse o preço de abreviar o seu mandato e expor-se a uma eleição caríssima. Foi dito com freqüência, Senador Bernardo Cabral, que o parlamentarismo seria muito perigoso, porque ainda não tínhamos uma estrutura partidária amadurecida. Era aquela história do ovo e da galinha, Senador Bernardo Cabral. É claro que junto com o parlamentarismo teria que vir uma reforma política, uma lei de partidos muito mais rigorosa, e a própria mecânica do sistema parlamentar levaria ao fortalecimento dos partidos. Parabéns pelo seu pronunciamento, que complementa o meu. Parabéns também pela sua coerência.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Senador Jefferson Péres, já fico alegre só de saber que, estando aqui, posso complementar o seu discurso. Entretanto, não parece possível, pois V. Exª deve tê-lo feito au grand complet. De qualquer forma, aproveito sua última sugestão para lembrar - evidentemente vou dar um exemplo com nosso Estado - que nós, os dois, éramos os menos favorecidos, em termos de recursos financeiros, para uma campanha ao Senado. Curiosamente, disputando contra outros, com muito mais recursos, acabamos nós, os dois, sendo eleitos. Muito mais curioso, Sr. Presidente, é que quando lancei a minha candidatura ao Senado procurei o Senador Jefferson Péres para sermos nós, os dois, juntos, na mesma chapa, candidatos. Àquela altura, ele não queria ser candidato. Eu dizia a S. Exª que tinha a impressão de que acabaríamos juntos no Senado.

A profecia se realizou, ainda que cada um no seu partido, mas ambos não contamos nem com recursos financeiros, nem com as benesses governamentais. O que quero dizer com isso? É que aqueles outros que estavam financiando, e de forma altamente enriquecida, as suas campanhas imaginavam, dado o sistema presidencialista, que poderiam ressarcir-se amanhã. Foi um ledo engano, porque acabaram perdendo o que investiram.

Volto a discorrer com meus eminentes colegas Senadores sobre a problemática do sistema parlamentar de governo e do sistema presidencialista. Nenhum país que saiu da Segunda Guerra Mundial, que era presidencialista, deixou de adotar o sistema parlamentarista de governo.

O sistema presidencialista da América do Norte, que se diz que deveria ser um exemplo para o Brasil - por isso seguimos os seus passos - não pode ser tomado como referência, primeiro, porque o candidato do Partido Democrata nos Estados Unidos ou o candidato do Partido Republicano, qualquer um deles pode ganhar a eleição, mas quem controla a política econômico-financeira dos Estados Unidos é o Federal Reserve Bank. Ora, o Presidente desse Banco tem um mandato antes do mandato do Presidente da República e um depois, ou seja, um mandato longo. Qualquer dos dois candidatos, ou o democrata ou o republicano, que for vitorioso haverá de lidar com a mesma política econômico-financeira. No Brasil, isso é inimaginável. Vamos relembrar a campanha passada: Brizola de um lado, Lula de outro, Fernando Collor de outro - quero me referir ao lado anterior - e cada um quer conduzir a política econômico-financeira de maneira diversa.

Logo, o sistema presidencialista de governo que se adota nos Estados Unidos não tem dado certo conosco, porque cada Presidente - e a crítica é dirigida a todos - caminha na fantasia de que tem uma maioria no Congresso. E quem caminha na fantasia acaba tropeçando na realidade. E eis aí a realidade. É o fruto típico de quem buscou o mandato nem sempre pensando em servir ao seu líder político e em servir ao seu país. Infelizmente, esses políticos estão muito mais voltados para as suas ambições pessoais que para os interesses coletivos. E o resultado que se vê é que aqueles que fazem do seu mandato o exemplo para outras gerações, que querem apontar caminhos indicando soluções, olhando para trás, sem ter medo de seguir para frente, vêem que o exemplo não é frutífero. E quando os fatos acontecem não exatamente da forma como esse político gostaria - não que queira ser tomado como um modelo, mas pelo menos como um exemplo a ser seguido - é que o desencanto começa a tomar conta de cada um. Ora é um companheiro com quem conversamos que diz “começo a me sentir desencantado, vejo que não atinjo aquilo que gostaria de ser no desempenho do meu mandato”, pois nem sempre o que é o sério, o que é o decente é o que recebe não digo as benesses, mas os afagos, o reconhecimento de quem está no poder.

Sr. Presidente, volto ao tema inicial. Enquanto nós, no Brasil, tivermos o sistema presidencialista de governo, o Presidente da República será sempre, seja ele quem for, refém de um Congresso fisiológico. E não vamos imaginar que isso se refira apenas ao Senhor Fernando Henrique Cardoso, que saiu desta Casa, tem experiência político-partidária e também experiência parlamentar. Era parlamentarista, talvez hoje tenha mudado, mas o era. Portanto, conhece bem a mecânica da Casa e, ao conhecê-la por dentro, não pode impressionar-se com ela por fora.

Infelizmente, Sr. Presidente, um homem sozinho, que detém uma soma de poderes enorme, um homem que é, ao mesmo tempo, Chefe de Estado e Chefe de Governo, se for bem como Chefe de Estado, imbatível lá fora, pode ter os seus fracassos como Chefe de Governo, mas se fracassar como Chefe de Governo, a repercussão é grande. Uma coisa atingirá a outra. Trago como exemplo, apenas para ilustração, o Sr. Mário Soares. Quando ele foi Chefe de Governo, em Portugal, não se saiu muito bem, as restrições lhe foram feitas a cada passo, mas, como Chefe de Estado, foi imbatível. É adorado até hoje pelo povo português, levou o seu país à Comunidade Comum Européia, é endeusado por onde passa, inclusive por nós. Eu o reconheço e o proclamo com justiça, porque o sistema parlamentarista de Governo funcionou. Ele era e é um bom Chefe de Estado, mas talvez não fosse um bom Chefe de Governo.

Portanto, quando as duas figuras se misturam, o bom Governo acaba anulando o outro, que pode ser o Chefe de Estado.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB-MS) - Permite V. Exª um aparte?

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Por isso, Sr. Presidente, quando faço esta análise, tenho imenso prazer em interrompê-la para ouvir o Senador Ramez Tebet.

O Sr. Ramez Tebet (PMDB-MS) - Sempre que V. Exª ocupa a tribuna, o faz em assunto de tanta importância que não consigo me conter, embora com receio de não contribuir, como é do meu desejo, com o excelente pronunciamento que V. Exª sempre faz. V. Exª fala sobre o parlamentarismo - não quero discutir esse assunto aqui -, mas quero lembrar a esta Casa, aproveitando o seu discurso, que, às vezes, é bom perder. Estamos discutindo esse assunto, porque o Governo perdeu uma votação da Previdência Social, que é a vida da população brasileira. E quando a Oposição perde, por que não trazemos à baila os mesmos assuntos, a mesma discussão, a mesma necessidade de se promover reformas? Por que não paramos para meditar? A meditação é muito importante, quando se discute com sensatez e com competência, como V. Exª o faz. V. Exª aponta como uma das vantagens do parlamentarismo o fato de que o Chefe do Governo pode, de uma hora para outra, depois de sete ou oito meses do mandato dos Parlamentares, dissolver o Parlamento. Fico, humildemente, perguntando-me: se ele terá tantos poderes assim, que garantia teremos? Se ele sofrer qualquer derrrota, dissolverá o Congresso e convocará novas eleições? Ao implantarmos o parlamentarismo no Brasil, teremos de adotar alguns mecanismos para que o Chefe do Governo não possa dispor de tanto poder assim. Isso, a meu ver, equivale ao poder que hoje tem o Presidente da República de editar medida provisória. O Chefe do Governo teria um martelo na mão sobre a cabeça do Congresso: ou fazem como quero ou eu dissolvo a instituição. Assim, o Congresso seria refém. Em todos os sistemas há vantagens e desvantagens. Ao Brasil cumpre adaptar-se a essas peculiaridades e buscar o seu próprio modelo e as reformas políticas pelas quais V. Exª, que tem sido um baluarte nesta Casa, tanto reclama. Cada discurso seu é um convite à reflexão. Parabenizo-me com V. Exª efetivamente. Esta manhã de sexta-feira está sendo muito boa para o Senado da República, principalmente porque V. Exª está ocupando a tribuna.

O SR. BERNARDO CABRAL (PFL-AM) - Senador Ramez Tebet, claro que as palavras finais de V. Exª são ditadas pelo coração, reconheço. Mas o que valoriza a sua intervenção é o fato de V. Exª, advogado brilhante, foi condutor da Ordem dos Advogados do Brasil e Governador de seu Estado, portanto, já esteve à frente do comando do Poder Executivo lidando com o Poder Legislativo e, ao que sei, saiu-se muito bem. Devo ressaltar apenas um reparo no começo do seu aparte: quando disse que talvez não tivesse os méritos para interferir. Tanto os tem que V. Exª me faz uma indagação que preciso responder para que fique bem delineada a minha defesa em torno do sistema Parlamentarista. A diferença é que a dissolução do Congresso ou do Parlamento não ocorre em função de uma quizília ou de uma circunstância de o Chefe de Estado querer vingar-se do Parlamento. A dissolução ocorre quando o Parlamento nega ao seu chefe o voto de confiança.

Vejam o que acontece no presidencialismo. O eleitor, portanto o povo, só conhece qual é o plano de governo de quem vai chefiá-lo depois que ele se instala no Governo, depois que ele é eleito. É uma espécie de cheque em branco, ninguém sabe o que o Governo pretende reformar. O que podemos é conhecer um plano de ação, um projeto de governo. No parlamentarismo, não. O Chefe de Governo é escolhido quando submete previamente ao Parlamento o que vai fazer. O Parlamento, por antecipação, sabe que o Chefe do Governo quer reforma administrativa, agrária, política, previdenciária. E, por antecipação, se ele tem a maioria, conhecendo o plano de governo, esse plano será aprovado sem a barganha que existe quando o presidente não tem a maioria e se submete não ao jugo do Governo, mas ao poder da barganha. Ele sai do jugo da sua bancada para o pátrio poder da barganha. No entanto - repito -, se ele tem efetivamente aquele apoio considerado ao seu plano de governo, conhecido por antecipação, tranqüilamente isso acontece. Tanto assim que a medida provisória é absolutamente casada com o sistema parlamentarista. No sistema parlamentarista ela precisa existir, a fim de que o Chefe de Governo a edite, tenha força de lei logo após a sua publicação e seja convertida no prazo que nós, Constituintes, havíamos dado e que, infelizmente, começou a ser prorrogado ad aeterno pelo Chefe do Poder, o Presidente da República , que é, ao mesmo tempo, Chefe de Estado e do Governo. Portanto, dá-se essa confusão. Ora, Senador Ramez Tebet, se ao Chefe de Governo, que apresentou esse plano previamente conhecido, é negado, adiante, o voto de confiança, cabe ao Presidente da República dissolver o Parlamento, convocar novas eleições, para que aí, sim, se tome o pulso que se quer. Isso não existe no presidencialismo.

Veja que no presidencialismo, por mais cordato, cordial, ameno e educado que seja um Presidente da República, em determinadas horas, acaba perdendo o prumo e o aprumo, e faz declarações que atingem os que devem e os que não deve ser atingidos. Quando eu chegava a esta Casa - vejam como isso tem sabor até certo ponto oportuno - entrava na portaria este brilhante Senador Lúcio Alcântara, que se virou para mim e disse: “Como é, Bernardo, você se considera da banda podre?” Respondi: “Não, não sou do PSDB”. Foi uma brincadeira, mas que no fundo acaba atingindo companheiros que jamais figuraram na banda podre. Uma declaração dessas, por mais que sejamos controlados, sai pela chamada ira santa, que o homem que tem o poder nas mãos não consegue controlar em determinados instantes, como o pai que, em um momento de raiva, acaba dando um tapa no seu filho, achando que ele não precisava resmungar.

Sr. Presidente, sei que V. Exª está sendo gentil demais comigo e que o meu tempo já esse esgotou, mas peço-lhe mais alguns minutos para que eu possa concluir, apenas para consolação e para a alegria de quem me ouve com essa atenção, sobretudo meu velho e querido amigo, Senador Artur da Távola.

Senador Ramez Tebet, voltando ao que eu dizia, quem caminha na fantasia acaba tropeçando na realidade. E aquele que caminha na fantasia de quem não tem uma base maciça no Parlamento tropeça na realidade lá adiante. E aconteceu. E tropeçou com um desabafo, que, no fundo, Sr. Presidente, acaba atingindo o Poder Legislativo como um todo, porque hoje o comentário não é por parte daqueles que reconhecem que é preciso se pôr um freio no que existe na Previdência. O que se comenta é: “Está vendo, não foi aprovado, porque esses Deputados, no fundo os Parlamentares, estão todos querendo recompensa não muito correta”. Se o Poder Legislativo - e me refiro a todo o Congresso, Senado e Câmara - não se der conta de que, quando o povo não ama o seu Legislativo, o apedreja, o insulta, cada vez mais esse povo se distancia da democracia. Parlamento manietado, fechado, é ditadura, e contra ela todos nós que sofremos - os que fomos cassados, os que perdemos os direitos políticos e os que não foram cassados mas perseguidos porque lutavam pela volta à democracia, nós que saímos de uma excepcionalidade institucional para um reordenamento constitucional - precisamos ter um pouco mais de amor ao Parlamento. E para ter esse amor, cabe a frase: Parlamento é a continuação de parlamentarista. Precisamos, Sr. Presidente, implantar o sistema parlamentarista de governo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/05/1998 - Página 7770