Pronunciamento de Artur da Tavola em 08/05/1998
Discurso no Senado Federal
COMENTARIOS A MATERIA PUBLICADA NO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE, EDIÇÃO DE 21 DE ABRIL ULTIMO, INTITULADA 'CODIGO DE ETICA'.
- Autor
- Artur da Tavola (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RJ)
- Nome completo: Paulo Alberto Artur da Tavola Moretzsonh Monteiro de Barros
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
IMPRENSA.:
- COMENTARIOS A MATERIA PUBLICADA NO JORNAL CORREIO BRAZILIENSE, EDIÇÃO DE 21 DE ABRIL ULTIMO, INTITULADA 'CODIGO DE ETICA'.
- Publicação
- Publicação no DSF de 09/05/1998 - Página 7798
- Assunto
- Outros > IMPRENSA.
- Indexação
-
- ANALISE, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), DEFESA, LIBERDADE DE IMPRENSA, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO.
- ANALISE, CARACTERISTICA, TRABALHO, JORNALISTA, PROBLEMA, ETICA, IMPRENSA, APRESENTAÇÃO, INFORMAÇÃO.
- OPOSIÇÃO, EXISTENCIA, LEI DE IMPRENSA, ELOGIO, DESENVOLVIMENTO, JORNALISMO.
O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, os vários fatos que tomaram a nossa atenção desde o dia 21 de abril, como o falecimento do Deputado Luís Eduardo Magalhães e do Ministro Sérgio Motta, além de outros fatos políticos ingentes, fizeram-me atrasar por alguns dias um comentário que gostaria de haver feito à época.
Trata-se de uma matéria publicada de página inteira no Correio Braziliense do dia 21 de abril de 1998, dando o Código de Ética desse periódico. Considero-o um ato de alta importância, não apenas como jornalista mas como político, como Parlamentar.
Estou entre os que defendem a inexistência da Lei de Imprensa. Acredito que, para os delitos de imprensa, a lei comum é suficiente. Estou entre os que colocaram na Constituição os vetos à censura na área cultural, na área de informação. Portanto, sou uma pessoa libertária, porque acredito em profundidade no que está aqui proposto pelo Correio Braziliense. Parece-me um ato que não deve ficar isolado e merece meditação por parte do público, da própria imprensa e dos Parlamentares.
Em primeiro lugar, o Código de Ética põe em primeiro plano o que é básico. Não há mudança profunda na concepção do que é matéria jornalística se ela não parte da própria categoria profissional que a realiza. Isso se dá em todas as profissões. A censura não é um organismo da Polícia. Não é qualquer forma alheia ao meio o que aprimora a qualidade do meio, mas sim algo intrínseco a ele. Um código de ética é algo sério, é um compromisso público e serve para balizar um comportamento de uma atividade diariamente submetida a problemas éticos, pela própria natureza da atividade, pela velocidade com que as matérias são colhidas, pela necessidade da velocidade, pela disputa entre os próprios órgãos de imprensa e pela luta natural de busca do mercado.
Por tudo isso, o órgão de imprensa padece de dificuldades no momento de colocar uma matéria em publicação. E há mais: existe a competência profissional, a capacidade ou não de apurar, redigir e editar com competência aquilo que tem contato com a verdade.
Ademais, existem inimigos outros sempre presentes no momento em que o jornalista - já não digo mais coloca o papel na máquina, porque não se faz assim mais - liga o seu computador. Alguns aspectos são de muito difícil delimitação. Teoricamente, o jornalismo trabalha com fatos; ao trabalhar com fatos, também teoricamente trabalha com “a verdade”. O que é a verdade? Em primeiro lugar, a verdade é sempre a possibilidade de algum testemunho, e o testemunho é sempre precário; em segundo lugar, a verdade depende do ângulo de quem vê os fatos e de como os vê.
A imparcialidade desde logo é colocada em questão. Eu, pessoalmente, não acredito em imparcialidade, mas em objetividade. Todos nós, diante de um fato, cada cameraman diante de um take, cada fotógrafo diante de uma foto, ao assumir o ângulo, ao buscar o pormenor, está sendo parcial - parcial no bom sentido, mas parcial. Já a objetividade é diferente, pois joga com a pluralidade dos elementos do real.
Vejam, portanto, Srªs. e Srs. Senadores, quantos inimigos embuçados estão ali no momento da coleta da informação. E refiro-me aos inimigos objetivos. Há os subjetivos: simpatias, antipatias, concordâncias, discordâncias, formas indiretas de opinar por meio da informação. Alguns desses inimigos são a verossimilhança, a meia verdade e a necessidade da massificação. Outros são a obrigação da síntese, a simplificação e a massificação dos textos. Vejamos como é complexa essa matéria.
A verossimilhança é um dos grandes adversários da verdade e, no entanto, ela é filha da verdade. Toda dramaturgia opera com a verossimilhança, ou seja, veri similis, o que é símile, semelhante à verdade. O que é semelhante à verdade engana a todos nós. Trabalhar com a verossimilhança tem o mesmo tom de quem trabalha com a verdade. A verossimilhança, portanto, está permanentemente infiltrada na própria expressão da verdade.
A meia verdade é um dos maiores inimigos, a meia verdade significa um dos maiores tormentos éticos de quem realiza essa profissão. Quando se tem uma informação fragmentária que pode vir a ser notícia, esse fragmento tem contato com a realidade, ao mesmo tempo em que pode ter contato com um pedaço da realidade que não tem a ver com a realidade total. É possível, exclusivamente com meias verdades, estabelecer-se um todo coerente que impressionará completamente a leitura. Isso está presente nas conversas, na nossa vida e também no jornalismo.
Citei ainda outros inimigos ou fantasmas embuçados na verdade. A simplificação é um deles. O texto jornalístico precisa da simplificação, porque precisa ser entendido pela média das pessoas. Qual é o caráter reducionista da simplificação? Que problemas merecem ou não simplificação? Há problemas que, na sua natureza, não são simples? Há. Há os complexos. Os problemas complexos são jornalísticos? Não, porque são cansativos. Portanto, até na escolha do que é matéria, o elemento simplificador entra como fator que interfere na atividade e que move diretamente a questão ética.
Citei, ademais, a síntese. A síntese é filha da concisão, que é uma virtude da literatura e da retórica - concisão, aliás, que nós, Parlamentares, quase nunca conseguimos. A síntese, expressão da concisão, não existe hoje apenas pelo mérito literário ou estilístico, mas como imposição da própria tecnologia. Falo mais claro. Diante da necessidade de colocar um fato, em 20 segundos, num telejornal, o que faz um jornalista? O telejornal tem o tempo limitado, que obriga à síntese, e a síntese às vezes é feita em 20 segundos, para o tratamento de algo de extrema complexidade.
Ademais, a tecnologia descobriu os processos da edição, que são também extremamente perigosos, porque a tecnologia se torna mais forte do que o homem nesse momento. Ao dotar o profissional do instrumento para editar, na televisão, no rádio e mesmo nos jornais modernos, a tecnologia evidentemente condiciona, obrigando o encapsulamento do que muitas vezes é complexo na forma sintética, o que nem sempre traduz a verdade.
Vejam que tudo isso são dificuldades com as quais os jornalistas lidam diariamente, dificuldades de ordem objetiva e subjetiva. Não se lhes pode, portanto, atribuir culpabilidade plena em muitos erros e, ao mesmo tempo, não se lhes deve permitir que abram mão da constante preocupação ética, porque a preocupação ética está no centro daquela atividade, principalmente quando, a partir do desenvolvimento dos órgãos de imprensa, a imprensa passa a ter um papel fiscalizador da sociedade.
Nesse instante, ela mesma tem dificuldade de se defrontar com esse problema. Ela é fiscalizadora ou juíza? Até quando a fiscalização pode ser juízo? Até quando a fiscalização é meramente investigatória? E há mais - isso acontece predominantemente na televisão -, a competição infrene entre os canais, muitas vezes regulando por baixo, obriga a um aviltamento da função jornalística, que tem que enveredar necessariamente pelo dramático, pelo híper-real, pelo denuncismo, para ter aquele grau de tensão suficiente à manutenção da audiência.
São dificuldades que estão postas e que não podem ser deixadas de lado. Mas quem é o juiz de tudo isso? Daí a importância da presença de um código de ética da qualidade do Código de Ética publicado, como compromisso público, de página inteira, pelo jornal Correio Braziliense. Essa ética, portanto, deve estar na preocupação individual, na qualidade moral e intelectual e também na competência de quem faz, porque qualidade moral sem competência gera textos distorcidos, palavras equivocadas, interpretações equívocas. É, portanto, uma matéria de grande dificuldade, que tem que ser tratada com elevação e com grandeza. E os jornalistas mais vividos, tendo em vista o enorme poder obtido pelos meios de comunicação a partir dos anos 50, têm mostrado ultimamente preocupação acentuada com tudo isso. Temos visto uma porção de exemplos que se processam - e agora sou eu que vou fazer a síntese de algo complexo - mais ou menos da seguinte maneira: há indícios que são tomados como sintomas; sintomas que são tomados como fatos; fatos que são tomados como julgamento; julgamentos que são tomados como condenação e condenação que é tomada como linchamento. É possível - e tem acontecido - ir-se do indício ao linchamento em 24 horas.
Imaginemos que o problema ético não esteja presente. Se cabe o linchamento porque a pessoa é realmente merecedora dele - refiro-me a linchamento moral -, mesmo assim, ele é apressado. Poderíamos parar na condenação.
Cito o exemplo daquele casal japonês, em São Paulo, acusado de perversão sexual com crianças, que foi quase ao suicídio ao ver o seu colégio, a sua atividade perdida por um engano na informação - foi-se do indício ao linchamento em menos de uma semana.
Ora, os jornalistas estão preocupados com isso, porque disso depende também a sua credibilidade. Os jornais dependem tanto da credibilidade quanto nós, políticos, embora eles possam nos julgar e nós não a eles. Se eles não desenvolverem, aliás - neste momento falo como jornalista -, se não desenvolvermos mecanismos internos de autocontrole, de julgamento constante da nossa atividade, não elevaremos a qualidade de uma profissão que é notável pela coragem, por ser parceira da opinião pública no que ela tem de melhor, por ser a expressão do instinto de conservação de uma sociedade.
De todas as definições de imprensa, prefiro esta que me ocorreu um dia: ela representa o instinto de conservação de uma sociedade tornado vivo. Esse instinto de conservação, está certo que ele faça de um alerta um sintoma, mas não está certo que faça do sintoma um fato. Se ele não se categoriza como qualificado, evidentemente, perde prestígio - já existem até pesquisas para mostrar essa perda de prestígio.
É muito interessante o Código de Ética do Correio Braziliense, que abre com a seguinte declaração: “O Correio Braziliense acredita que a liberdade de imprensa pertence ao povo”. Esse é o primeiro conceito importante.
Habitualmente, tem-se a idéia de que a liberdade de imprensa é a liberdade de quem informa. A liberdade de imprensa é a liberdade de ser informado que tem o povo, com amplitude. Quem informa? É o mediador adequado para o exercício dessa liberdade. Para isso, precisa ele também ter a sua liberdade. Portanto, é lapidar essa primeira frase, porque ela já define filosoficamente uma postura:
O Correio Braziliense acredita que a liberdade de imprensa pertence ao povo. Acredita que a confiança do público é princípio e fundamento da informação jornalística. Acredita que a mais ampla liberdade de informar tem contrapartida nas responsabilidades decorrentes do exercício da liberdade. Com base nesses pilares, elaborou o Código de Ética - indicando o conjunto de direitos e deveres básicos a que estão sujeitos seus jornalistas no cumprimento da missão de servir à comunidade.
Em seguida vêm sete itens dos direitos que esse Código atribui aos jornalistas. E aqui vem um outro ponto muito importante: enquanto esse Código dá sete itens de direito aos jornalistas, ele, nos deveres, apresenta exatamente 23 itens, ou seja, ele tem uma carga três a quatro vezes maior de deveres do que de direitos.
Eu gostaria de ter tempo de entrar na leitura e analisá-la ponto a ponto, mas não posso em razão da nossa limitação de tempo e também para não cansar os Srs. Senadores e as Srªs. Senadoras. Isso já seria uma matéria técnica a ser, talvez, examinada nas Comissões da Casa.
Mas há alguns dos direitos e deveres que merecem a atenção de nós todos - e, desde logo, já deixo o Código de Ética para que seja publicado na íntegra. Peço a transcrição do mesmo, na íntegra, ao final desse meu discurso.
Direitos:
I. Manifestar livremente o pensamento, exercendo a profissão sem censura política, ideológica ou social.
II. Exercer a profissão sem ser discriminado em razão de raça, religião, sexo, preferência sexual, doenças físicas ou mentais, convicções políticas ou condição social.
III. Ter acesso amplo às fontes de informação jornalística, especialmente aos fatos que influenciam a vida pública.
IV. Preservar o sigilo da fonte.
V. Assinar matérias de sua autoria.
VI. Recusar-se a redigir notícias quando impedido de usar informações que considere relevantes e a elaborar trabalho de caráter publicitário se não for contratado para tal fim.
VII. Ser informado sobre a organização da empresa onde trabalha e participar da orientação das atividades da redação.
Aqui temos algo que já ocorre, é um aspecto positivo da imprensa brasileira nos últimos anos, mas está corporificado: o grau de independência da redação em relação à propriedade do órgão de imprensa. De alguns anos a esta data, os órgãos de imprensa se deram conta de que era necessário dar à redação bem mais amplitude e liberdade do que eram dadas até então, sobretudo em relação ao que era dado ao tempo de minha geração, quando era clássico dizer-se que a liberdade de imprensa é a liberdade do dono de jornal. A liberdade de imprensa pode ser também essa liberdade de informação, que o Correio Braziliense assume como direito dos jornalistas, sem qualquer forma de discriminação de qualquer natureza.
Deveres:
I. Respeitar a verdade: comprovar a correção da informação antes de a notícia ser publicada; recorrer a diversas fontes; garantir a audiência das partes interessadas.
Só neste item I, eu poderia basear um discurso inteiro. Aqui está o cerne da questão. Repito: respeitar a verdade. O que é respeitar a verdade, já discutimos antes: é operar na verossimilhança? É ficar com a meia verdade? É usar o indício como sintoma, o sintoma como fato, o fato como julgamento, o julgamento como condenação, a condenação como linchamento? Respeitar a verdade é, portanto, altamente complexo. Respeitar a verdade. Respeitar é a palavra que está colocada ali. Prudente a colocação, porque a verdade tem de ser respeitada e ninguém é dono dela, nem quem a publica.
O segundo ponto tem a ver com uma velha prática que os dromedários de imprensa, como eu, aprenderam na dureza das redações: comprovar a informação recebida. Temos aqui um dos maiores problemas da luta cotidiana do repórter por informação. O jornal precisa, em geral o jornal quer a informação quente e nem sempre tem como comprovar a informação recebida.
Diz aqui: “comprovar a correção da informação antes de a notícia ser publicada; recorrer a diversas fontes; garantir a audiência das partes interessadas”. Um jornal que realize na íntegra esse desiderato jamais precisará de lei de imprensa. Qualquer jornal que assuma compromissos públicos com esse cuidado jamais necessitará de lei de imprensa, jamais necessitará de um poder superior ou de censura, porque está intrinsecamente preparado para o exercício da profundidade dessa profissão.
No item VI diz-se: “distinguir com clareza o fato e a opinião sobre o fato”. Aqui temos um ponto decisivo. Hoje em dia é possível opinar pelo título, é possível opinar pela foto, é possível opinar pelo simples enunciado da matéria.
Não se pode desconhecer que dentro dos jornais, como em qualquer lugar do mundo, existe uma grande ideologia e a grande luta ideológica é pelo modo de apresentar a matéria, pela edição, já que no modo de apresentar a matéria, com aparência de informação, pode-se opinar mais do que tudo. É a utilização da conotação como elemento que vai despertar o resultado pretendido por quem informa, podendo, no entanto, ter ou não a ver com a realidade: distinguir com clareza o fato e a opinião sobre o fato.
Citei dois dos 23 deveres que o Correio Braziliense se auto-impõe e o proclama de página inteira na edição de um dia importante como o que se comemora um dos grandes momentos da luta de liberdade no Brasil, que é o 21 de abril.
Creio que o tempo já não me permite mais a continuação do discurso, mas temos que refletir profundamente sobre essa matéria - nós e os jornalistas em geral. Por isto, mesmo diante da possibilidade de pequena repercussão da tribuna do Senado, coloco a minha palavra na direção de reconhecer a importância dessa matéria, sobretudo porque, ao final, ele cria uma comissão de ética dentro do jornal, com um mandato fixo que não pode ser interrompido, o que dá a essa comissão um poder significativo do ponto de vista de exercer, de modo superior, a missão de ser o juiz de um comportamento ético.
Creio que este é um grande momento do jornalismo. Espero que esse código de ética possa ser vivido diariamente com o mesmo elã com o qual foi concebido e com o mesmo impulso de renovação, através do qual o jornal publicamente assume esse compromisso, a meu juízo, abrindo caminho para o uso tão poderoso dos meios de comunicação dentro de princípios compatíveis com a importância dessa sagrada missão de informar, sabendo separar a informação da opinião, sabendo apurar as fontes da informação, dando espaço real, e não fictício, para as respostas, realizando, enfim, os ideais éticos que enobrecem uma profissão como ajudarão a enobrecer a própria vida do País.
Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, muito obrigado pela atenção.