Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROJETO DE LEI QUE DISPÕE SOBRE A LEGALIZAÇÃO DOS CASSINOS NO PAIS.

Autor
Artur da Tavola (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/RJ)
Nome completo: Paulo Alberto Artur da Tavola Moretzsonh Monteiro de Barros
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JOGO DE AZAR.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROJETO DE LEI QUE DISPÕE SOBRE A LEGALIZAÇÃO DOS CASSINOS NO PAIS.
Aparteantes
Djalma Bessa, Edison Lobão, Ernandes Amorim.
Publicação
Publicação no DSF de 12/05/1998 - Página 7921
Assunto
Outros > JOGO DE AZAR.
Indexação
  • REGISTRO, TRAMITAÇÃO, SENADO, PROJETO DE LEI, LIBERAÇÃO, CASSINO, JOGO DE AZAR, ANALISE, PROBLEMA, ETICA, CARACTERISTICA, PROPOSIÇÃO.
  • JUSTIFICAÇÃO, ANUNCIO, APRESENTAÇÃO, EMENDA, OBRIGATORIEDADE, REFERENDO, POPULAÇÃO, POSTERIORIDADE, APROVAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, PROJETO DE LEI, CASSINO, DEFINIÇÃO, COMPETENCIA, ESTADOS, DELIBERAÇÃO, MATERIA, JOGO DE AZAR, DESCENTRALIZAÇÃO, LEGISLAÇÃO ESTADUAL.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, está na Casa, ainda nas Comissão, depois de muitos anos de tramitação e muitos projetos, o chamado projeto que legaliza a atuação dos cassinos e, de certa forma, libera o jogo no Brasil, que está na Lei das Contravenções desde de 1946; portanto, há 52 anos.

O projeto, curiosamente, se originou num projeto de um Deputado do PT, em 1994, que criava uma espécie de loteria substitutiva do jogo do bicho nos Estados, com uma série de alterações. O projeto veio caminhando e, afinal, está agora em nível de Comissão, já havendo sido aprovado por uma Comissão desta Casa, havendo, em plenário, dois pedidos de anuência de outras Comissões, que deveremos votar algum dia desses. Portanto, possivelmente, ele não entrará em votação tão cedo, digamos assim.

Quero fazer uma consideração de natureza intermediária e propor à Casa emenda que deveria apresentar em plenário, caso o impasse seja frontal e caso exista a possibilidade de aprovação da matéria ou da sua derrubada por poucos votos.

Minha proposta se baseia no fato de que há matérias que, pela sua natureza, escapam ao estrito poder do Poder Legislativo de sobre elas legislar. Falo mais claro: matérias ligadas à questão de foro íntimo como, por exemplo, o aborto, a pena de morte, matérias que envolvam um problema de natureza ético-individual, a meu juízo, devem merecer do Parlamento um gesto de modéstia. Não podemos deixar que uma momentânea maioria possa decidir sobre essas matérias. Ou seja, seria ou é uma pretensão onipotente do legislador alçar-se na direção de temas que envolvem questões morais, pessoais. Por isso, sempre tive interiormente, desde o tempo em que legislamos na Constituinte, a orientação de que essas matérias devam ser deferidas à sociedade, com o Parlamente servindo apenas para regulamentar, posteriormente, o que a sociedade decida.

A matéria relativa ao jogo é extremamente controversa; está entre aquele tipo de problema em que os dois pólos em combate possuem argumentos poderosos. Tanto é verdade que a atividade gera uma certa movimentação econômica, tanto é verdade que ela gera emprego, que atrai capitais, que tem uma decorrência de cerca de 80 atividades a ela ligadas, que, por sua vez, são multiplicadoras de emprego, de riqueza; quanto é verdade que ela pode vir ter implicações as mais graves e as mais sérias.

A lei proposta busca regulamentar devidamente essa parte. A meu juízo, ela não tem uma obrigação que me parece fundamental: a exigência de folha corrida de todos os dirigentes e participantes da atividade, a exigência da inexistência de antecedentes penais. No meu entendimento, tal aspecto está faltando na lei. Embora, de fato, apresente outras cautelas, até porque defere exclusivamente a empresas nacionais o comando da atividade, ela não tem esse cuidado. E é evidente que essa matéria - conhecido é no mundo - envolve ramificações as mais complexas e interesses os mais escusos, misturados com interesses os mais legítimos, o que torna muito difícil para as Casas políticas uma decisão sobre isso sem que permanentemente fique a suspeita. Ao mesmo tempo - e estou a pensar em voz alta - não é pelo fato de que exista a suspeita que algo importante ao País deva deixar de ser implantado.

Mas aqui entra uma questão de foro íntimo: o jogo tem implicações éticas. Mesmo quando ele não é feito do ponto de vista do aproveitamento por grandes forças, grandes interesses, o jogo possui implicações éticas complexas, em relações às quais cada um tem uma posição. E é muito difícil para o legislador afirmar com segurança se vale a pena optar pelas características positivas do ponto de vista econômico, porque também é correta a afirmação de que a autorização pelo País da existência dessa atividade tem um caráter de diluição, diluição até da família; um caráter de atração tão forte e em tantos casos que, muitas vezes, orçamentos familiares inteiros podem ser escorridos na mesa de jogo. Ela tem implicações com sua proximidade com o alcoolismo, por exemplo. O Brasil tem dez milhões de alcoólatras - é um dado pouco conhecido -; quase 10% da população é alcoólatra. Ela tem, portanto, características tão complexas que, a meu juízo, escapa ao poder do legislador - ordinário, no nosso caso, pois aqui estaremos legislando ordinariamente nessa matéria - em fim de legislatura, o que também tem as suas implicâncias do ponto de vista de que as maiorias serão sempre eventuais nas decisões aqui, já que até estamos em ano eleitoral, e a Casa não terá, daqui para a frente, a plenitude dos Srs. Parlamentares em todas as sessões, para julgar uma matéria dessa natureza.

Por essa razão, tenho duas linhas de pensamento - que apresentarei como uma emenda oportunamente, quando a matéria vier ao plenário. Estou a colocá-las à disposição da Casa, para reflexão, até, quem sabe, para solucionar qualquer impasse, se, num determinado momento das discussões políticas sobre a matéria, chegar-se à conclusão de que a Casa está extremamente dividida e de que será pouco oportuno decidirmos essa matéria com uma maioria estreita.

A primeira delas é de aderir ao projeto a obrigatoriedade de um referendo, ou seja, na hipótese de ser aprovado aqui, ele só entrará em vigor se a população o aprovar. Se o Parlamento realiza uma decisão aprovada ad referendum, após esse referendo, então, efetivamente estará o Poder Legislativo autorizado pela sociedade a se aprofundar na matéria.

Tenho a impressão de que isso elimina as nossas subjetividades. É possível que isso até não agrade os defensores de cada lado da questão - os que são contra e os que são a favor -, mas também não estou aqui para agradar; estou aqui para servir. Nesse sentido, creio que é um serviço à sociedade submeter uma matéria dessa extensão à decisão da própria sociedade, principalmente num ano em que ela já vai correr às urnas para votar e, portanto, não será tão difícil também decidir sobre outra matéria.

O referendo popular, nessa questão, parece-me fundamental para que possamos aprová-la. O Parlamento tem que ter, por maiores sejam seus poderes na legislação ordinária, o cuidado, o recato, o respeito de não penetrar em matéria de natureza moral, quando essa tem a ver, em profundidade, com cada individualidade na sociedade. Essas matérias, que estão ligadas profundamente a decisões que se imbricam com posições religiosas - por exemplo, é o caso do jogo, dos tóxicos, do aborto e da pena de morte -, envolvem a sociedade na sua complexidade. Se alguém, por motivo religioso, tem uma posição contrária, esse é um motivo profundo. O motivo religioso não é irrelevante; é um motivo profundo em todas as sociedades ao longo de todos os séculos.

Ainda aqui, semana passada, eu fazia um discurso baseado em uma matéria do jornalista Gilberto Dimenstein, a respeito dos problemas que a sexualidade precoce tem trazido a jovens entre 12 e 15 anos e entre 15 e 19 anos. Apontei, aqui, dados alarmantes - agora, não os tenho de memória - sobre a expansão da AIDS, sobre gravidez precoce, sobre distúrbios de toda natureza, oriundos de algo que foi, há 25 anos, posição progressista da sociedade, liberação, luta contra as repressões ancestrais, luta contra tabus. É verdade! Mas, passados os tempos, possivelmente os alertas, que nos pareceriam, à época, conservadores, hoje mostram-se talvez mais sábios, mais cautelosos, mais prudentes.

A sexualidade precoce é alimentada por um processo na comunicação, que é também ele um processo vendedor, promove desde cedo, nas meninas principalmente - uma vez mais a mulher é prejudicada - com danças com altíssimo caráter erótico exibidas em programas infantis, uma vivência de sexualidade antes da possibilidade de se ter essa vivência com a plenitude biológica e psicológica do ser.

A repressão sexual é condenável, sim, quando a plenitude biológica e psicológica do ser funcionam como elementos paralisadores, mas ela tem uma razão de ser. Foi o tempo que revelou, praticamente 30 anos depois da liberação sexual - estamos a completar 30 anos daquele ano de 1968, em que tanto aconteceu no mundo, especialmente na política, na liberação sexual, na colocação de tantas questões como a das drogas -, os efeitos dessa liberação na sociedade. Assim também essas matérias de natureza ética e profunda citadas, como as do jogo, do aborto e da pena de morte, precisam de muito recato por parte do legislador. É preciso que tenhamos sempre a consciência do significado da entrada de uma lei na sociedade. Quando isso ocorre, a autoria da lei é dispersa porque feita por muitas mãos, e as responsabilidades diluem-se ao longo dos anos. Até por isso há o Senado, na qualidade de Casa revisora. O Senado existe para equilibrar a Federação, como uma primeira finalidade, e, além disso, como câmara de reflexão. Somos os senectos, não no sentido pejorativo que a palavra assumiu a partir de senectude, como sinal de velhice e de decadência, mas na acepção etimológica profunda de vivência, experiência, prudência e sabedoria. Daí a palavra Senador, cujo étimo é exatamente o de senectus. Esse papel - tão esquecido, tão pouco lembrado - não pode ser olvidado quando se votam matérias dessa natureza.

O primeiro ponto na questão do jogo é a existência de um referendo para que, se a Casa o aprovar, seja submetido à sociedade. O segundo ponto é o seguinte: se a Casa o aprovar, creio que se deva deferir a deliberação dessa matéria mais aos Estados do que ao Poder Federal.

Cada Estado tem uma natureza. Há aqueles para os quais a atividade turística tem um determinado peso e, dentro dessa atividade turística, até há a possibilidade de incorporar o jogo, e há Estados que possivelmente não desejam ter essa matéria em seu território. É uma opção estadual. A lei prevê um organismo federal, enquanto eu defendo a idéia de que se defira por convênio pela União aos Estados a criação desse organismo, porque é muito mais fácil o controle por parte do Estado diretamente do que por parte da União, de uma matéria que está tão longe. Além disso, faz parte também de toda uma idéia de descentralização que medra no Brasil, que vem crescendo - embora a passos muito curtos, a meu ver -, desde a Constituição de 1988, quando já então se apontavam todos os problemas decorrentes do excesso de poderes na União, que, tendo em vista as dificuldades várias decorrentes da falência do Estado do Brasil - Estado que eu julgo é o Poder Público do Brasil -, já não tem tantas condições assim de cumprir esse papel. A União cumpre a duras penas o papel da Polícia Federal, na questão do controle de armamentos - e é com deficiência que o faz, já que eles estão aí a entrar; está sem recursos e tem enormes dificuldades de cumprir determinações na área da Justiça. Ora, sem Poder Judiciário organizado e funcionando, não há democracia; sem execução de sentença, de nada adianta o Poder Judiciário.

Temos impasses graves decorrentes da concentração de poderes da União, o que torna evidentemente muito mais fácil - para tudo o que dependa de fiscalização - a corrupção e a derrogação da lei mediante processos escusos. Sobretudo numa matéria dessa natureza, quanto mais se descentralizarem as formas de controle, a meu juízo, mais ela estará sob a impossibilidade de medrar naqueles seus aspectos negativos que inegavelmente existem nessa questão.

Faço, portanto, Srªs. e Srs. Senadores, essa menção prévia ao andamento do projeto jogando para a Casa, sem nenhuma pretensão de, desde logo, resolver o assunto, a reflexão de que estamos diante de uma matéria de grande complexidade e que possivelmente escape senão juridicamente, eticamente aos nossos poderes como legisladores, razão pela qual proponho que, se existir a hipótese de o projeto passar, ele o seja com a presença de um referendo popular para que a lei possa ou não entrar em vigor.

Essa me parece a postura mais...

O Sr. Edison Lobão (PFL-MA) - V. Exª me concede um aparte?

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ) - Pois não, Senador. Com muito prazer.

O Sr. Edison Lobão (PFL-MA) - Senador Arthur da Távola, não gosto de interromper V. Exª no seu discurso, porque, sempre que se faz isso, estamos quebrando uma beleza lógica no pronunciamento linear com o qual V. Exª sempre nos brinda nesta Casa. Em todo o caso, peço-lhe perdão para uma ligeira interrupção.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ) - V. Exª não interrompe; V. Exª acrescenta.

O Sr. Edison Lobão (PFL-MA) - Não quero contestar o discurso de V. Exª em nenhum dos pontos, mas apenas acrescentar um subsídio. Quando se refere ao referendo, diria que talvez possa ser uma solução engenhosa. Mas, na prática, esse referendo já existe. Os jornais têm publicado com freqüência pesquisas de opinião, segundo as quais o povo, por sua grande maioria, aprova a reabertura dos cassinos. Ainda hoje, O Estado de S. Paulo publicou uma matéria, informando que 82% dos brasileiros jogam. A Caixa Econômica Federal é o maior cassino que existe no mundo hoje. E aí estão os 0900, além de outras formas de jogo. Então, o referendo, na prática, já teria sido feito. É claro que V. Exª propõe uma coisa oficial, direta, calçada pelos ornamentos da Constituição, e assim por diante. Há um segundo ponto, sobre o atestado de bons antecedentes, que não está na lei, embora haja alguns cuidados a que V. Exª já se referiu. Neste ponto, pode-se corrigir com a regulamentação da lei. Esta propõe que o Poder Executivo execute uma regulamentação ampla, e tudo quanto não está no projeto de lei atual pode ser incluído na regulamentação por um decreto presidencial. E aí V. Exª poderia contribuir fortemente na elaboração desta regulamentação. Um terceiro ponto era no sentido de deferir ao Estado a responsabilidade de decidir sobre a presença ou não dos cassinos. Já é assim no projeto. A Comissão de Jogos vai operar numa espécie de ajuda suplementar aos Estados, mas o Governador que disser que não deseja um cassino no seu Estado, ali não haverá cassino. Ele tem o poder absoluto do veto. Poder absoluto! Pertence ao Governo do Estado essa faculdade. Portanto, essa preocupação legítima de V. Exª, a meu ver, já está atendida também com esse dispositivo da lei. No mais acho que V. Exª, de fato, nos traz uma bela contribuição na discussão dessa matéria, que é de fundamental importância para o povo brasileiro. As questões éticas devem realmente ser levadas em consideração. Muito obrigado.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ) - Obrigado, Sr. Senador. Vou responder a V. Exª do terceiro item para o primeiro. Em relação ao terceiro item, vi a entrega efetiva da matéria aos Estados no que se refere à questão chamada específica; inclusive, ela usa a expressão “jogo do bicho”. Ali, realmente, diz assim:

       “A forma como se darão as autorizações para a exploração do “jogo do bicho” será disciplinada pelos Estados e pelo Distrito Federal, por meio de lei própria que observará, no que couber, os dispositivos desta lei.”

Agora, no tocante à exploração dos jogos de azar em hotéis-cassinos, em hotéis e em cassinos, vislumbro uma visão federal da questão, porque há obrigações para a empresa. Se o jogo do bicho pode - como, aliás, estaria correto - ser organizado nos Estados, também os outros aspectos devem ser assim. Por exemplo, o Estado de Minas Gerais, que tem ali as instâncias hidrominerais paralisadas, etc., tem uma característica que seguramente o Paraná não possui em matéria turística. Estados com vocação turística, como o Rio de Janeiro, como a Bahia e, possivelmente, hoje em dia, o Amazonas -, evidentemente possuem características específicas que, em se tratando de matéria intimamente ligada à questão turística, merecem um tratamento individual - e não geral -, caso venha a ser aprovada a lei que trata dos cassinos.

Daí a importância do plebiscito, porque possibilitará a discussão nacional sobre o assunto. O País discute a matéria, e o povo vota diretamente. Dessa forma, virão à tona as questões positivas e as idiossincrasias de cada Estado, em função de sua natureza, tradição ou habitat. Possivelmente, Minas Gerais defenderá mais a presença do jogo que outros Estados. No País, teremos um resultado comum, direto.

A pesquisa, nobre Senador, não é um indicador plenamente confiável nessa matéria, porque, realizada sem discussão, existe como um impulso primeiro de uma sociedade que ainda não pôde debater em profundidade a questão.

Por essa razão, creio seja dever do Senado legislar sobre a matéria com toda prudência, maturidade e equilíbrio, observando não apenas um momento específico em que o desemprego grassa no Brasil e em que uma série de razões alheias ao tema acabam por influenciá-lo. Esta Casa deve ter uma idéia de legislação para frente e para sempre.

O Sr. Djalma Bessa (PFL-BA) - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ) - Ouço V. Exª com prazer, Senador.

           O Sr. Djalma Bessa (PFL-BA) - Emérito Senador Artur da Távola, V. Exª sempre faz pronunciamentos brilhantes, antológicos, do maior realce. Congratulo-o pelo seu zelo, cuidado e atenção. V. Exª sabe perfeitamente que recebeu a outorga do povo do Rio de Janeiro para representá-lo nesta Casa e que seu voto representa aquele Estado até o último dia do seu mandato. Deve-se assinalar, também, que Constituição estabelece que matérias que requerem um certo cuidado sejam votadas por um quorum especial. Normalmente, trata-se de lei complementar - apreciada por maioria absoluta - ou de reforma da Constituição, que necessita de três quintos dos votos dos membros do Senado e da Câmara. Sabe também V. Exª que plebiscito é um instituto de cautela, normalmente não utilizado nessa nossa democracia indireta. Optando por essa fórmula zelosa, V. Exª revela, portanto, o seu interesse, a sua dedicação e a sua profunda ética no exame do jogo, cujo mérito não quero examinar nesta altura, mas que, na verdade, merece um estudo muito atencioso. Seu pronunciamento vai alertar os Srs. Senadores para um exame mais cuidadoso. Obrigado.

           O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ) - Obrigado, Senador Djalma Bessa, pela gentileza do aparte e pela forma pela qual o fez. V. Exª tem também minha concordância no tema inicial do seu aparte, mas não na segunda parte. Creio que a Casa já examinou bastante este projeto, que tramita desde 1994. Além disso, nos últimos anos houve cerca de 80 projetos relativos a jogo, paralisados no Parlamento, mas nenhum desses projetos chegou ao ponto deste. A maioria deles ficava num determinado estágio, sem ir a Plenário. Encerrando-se a Legislatura, e não estando prontos para ir pelo menos a Plenário, eles imediatamente iam ao Arquivo, voltando na Legislatura seguinte. Assim, sempre acontecia.

           Em seu aparte, o Senador Djalma Bessa fere outro ponto que me parece muito interessante: o instituto da democracia representativa, da democracia participativa e da democracia direta.

           A Constituição de 1988 tem traços de democracia participativa, agregados a alguns instrumentos da democracia representativa.

Creio que a democracia representativa concebida hoje em dia - esta que vivemos aqui - está superada. No entanto, penso também, paradoxalmente, que ela é insuperável. Ela está superada porque, na sociedade contemporânea, são tantos os mecanismos de participação da sociedade - a imprensa, as organizações não-governamentais, as comunidades organizadas, a opinião pública -, que não podemos mais ter, sobre as participações das sociedades, a democracia representativa, no seu estado puro, como o grande juiz.

Ao mesmo tempo, não apareceu, na democracia clássica, outra forma melhor que a democracia representativa para representar a sociedade. Por isso, quanto mais institutos de democracia participativa tenhamos ao lado da representativa, melhor funcionaremos e menos defasados ficaremos da sociedade.

A idéia do referendo é justamente esta: ter um instrumento de democracia participativa, jungido a uma decisão da democracia representativa, para que esta não se expresse apenas pela pluralidade partidária, mas pela pluralidade partidária incrementada pela opinião pública, amplamente trabalhada em matéria tão séria e complexa como essa.

O Sr. Ernandes Amorim (PPB-RO) - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ) - Ouço V. Exª com muito prazer.

O Sr. Ernandes Amorim (PPB-RO) - Senador Artur da Távola, ouvindo humildemente o seu discurso e sabendo da sua inteligência, do seu nível cultural e do Estado que representa, pergunto a mim mesmo: quantas pessoas, no seu Estado, que jogam no jogo do bicho, votaram em V. Exª? Às vezes, não posso acreditar que seja demagogia de alguns políticos ser contra a aprovação de jogos ou a abertura de cassinos. Há 50 anos, desde o Presidente Eurico Gaspar Dutra, fecharam-se os cassinos no País, mas joga-se em toda esquina. Há cassinos funcionando por todos os lados. Há pouco, assisti pela televisão que a Caixa Econômica Federal criou um concurso por intermédio do qual quatro pessoas que acertarem o país vencedor da Copa ganharão prêmios em dinheiro e carros. Trata-se de uma jogatina que existe no País atualmente, fora as centenas de modalidades de jogos oficiais que entram nas casas das pessoas a todo o momento. Mesmo assim, ainda ouvimos discursos contra a legalização do que já é praticamente legal. Será que somos apenas eu e quem joga que estamos errados ao pensar que se devem liberar os jogos e cassinos no Brasil, visto tratar-se de algo que acontece às vistas de toda a polícia? Vários ex-Governadores que tomam hoje assento nesta Casa autorizaram o funcionamento do jogo em seus Estados. Então, por que não aprová-lo de imediato? Além disso, não há quem diga que os cassinos não geram empregos, não aumentam o turismo, etc. Sei que V. Exª, com seu alto grau de inteligência, tem como justificar suas posturas; mas e a grande maioria do povo? E aqueles que jogam? Os grandes donos do jogo do bicho não querem que os cassinos funcionem ou que os jogos abertos venham a funcionar. A quem interessa a proibição dessas casas de jogos? Peço que V. Exª me perdoe a interferência.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ) - Agradeço, pois V. Exª fere muito bem a questão.

Principalmente no começo da minha fala - V. Exª ainda não havia chegado -, tratei exatamente das grandes contradições existentes. Quer dizer, não é um caso fácil, visto que há argumentos poderosíssimos a favor da legalização e contrários a ela.

Infelizmente, meu tempo acaba. V. Exª toca no problema com clareza: o jogo existe no Brasil; ele ocorre abertamente na televisão. O que se oferece pelo telefone 0900 é jogo; o que se exibe no Jóquei Clube é jogo. Existem também os cassinos clandestinos. Há mil formas de jogo; a diferença é que algumas têm finalidade social, e outras, puramente lucrativa e individual, como o 0900 e os concursos promovidos pela televisão a todo instante.

Televisão não existe para fazer concurso, Senador. Ela é uma concessão que o poder público dá a uma empresa, para cumprir certas obrigações e exercer um serviço de natureza pública. Não é um cartório de privilégios, mas se transformou nisso. E não temos força para modificar essa situação.

O SR. PRESIDENTE (José Bianco) - Senador Artur da Távola, solicito que V. Exª conclua o seu pronunciamento.

O SR. ARTUR DA TÁVOLA (PSDB-RJ) - Por isso , do meu ponto de vista, deveria haver uma decisão da sociedade. O povo vota, diz se quer ou não a legalização. Se a maioria quiser, temos o dever de acatar, ao invés de ficarmos aqui com nossas opiniões, de lado a lado, ambas com argumentos defensáveis e sérios.

Agradeço, Sr. Presidente, a tolerância com a minha ultrapassagem do tempo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/05/1998 - Página 7921