Discurso no Senado Federal

CONSIDERAÇÕES SOBRE A MUDANÇA NO FINANCIAMENTO DA PREVIDENCIA SOCIAL NO PAIS.

Autor
Odacir Soares (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RO)
Nome completo: Odacir Soares Rodrigues
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • CONSIDERAÇÕES SOBRE A MUDANÇA NO FINANCIAMENTO DA PREVIDENCIA SOCIAL NO PAIS.
Publicação
Publicação no DSF de 14/05/1998 - Página 8210
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, FINANCIAMENTO, SEGURIDADE SOCIAL, BRASIL, POLEMICA, PRIVATIZAÇÃO, REFORMULAÇÃO, SISTEMA, NECESSIDADE, DEBATE, CUSTO, SUBSTITUIÇÃO, CAPITALIZAÇÃO, AÇÃO INDIVIDUAL, RISCOS, RESTRIÇÃO, DIREITOS SOCIAIS.
  • OPINIÃO, ORADOR, INEFICACIA, APLICAÇÃO, BRASIL, MODELO, PAIS ESTRANGEIRO, CHILE, PREVIDENCIA SOCIAL.
  • DEFESA, AMPLIAÇÃO, SOCIEDADE, DEBATE, REFORMA CONSTITUCIONAL, PREVIDENCIA SOCIAL.

           O SR. ODACIR SOARES (PTB-RO. Pronuncia o seguinte discurso) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, desde o início dos anos 90, instalou-se no Brasil, por conta da nova Constituição e das reformas que lhe imputavam necessárias, uma acirrada discussão sobre o financiamento da Previdência Social no País.

           Trata-se de discussão mais do que pertinente, e que deve ser conduzida dentro da ótica de que Previdência Social é um benefício universal, necessariamente acessível a todos os brasileiros. Essa é, na realidade, uma discussão que vem sendo colocada em grande número de países, desenvolvidos ou em desenvolvimento. O envelhecimento relativo das populações, pelo aumento da vida média e diminuição da natalidade, tem colocado sérios problemas de financiamento da securidade social, como um todo, e da previdência, em particular.

           A questão fundamental que se coloca por trás da polêmica existente é a da privatização das contribuições dos segurados e a modificação da lógica de seu financiamento. É, pois, preciso que se tenha bem claro, nessa discussão, que a passagem da repartição para a capitalização individual significa a ruptura do pacto intergeracional, segundo o qual os trabalhadores em atividade são responsáveis pelo sustento dos atuais inativos. Isto é, as gerações mais novas garantem pelo seu trabalho que as gerações mais velhas possam desfrutar da aposentadoria.

           Ou seja, deve o Brasil deixar o sistema distributivo, onde a cotização dos ativos beneficia os inativos, passando para o sistema de capitalização individual, onde cada trabalhador aprovisiona para si, mediante fundos privados de previdência?

           A lógica atual do modelo brasileiro de previdência é a solidariedade social entre os cidadãos. Desse modo, os que trabalham cotizam-se para financiar os benefícios previdenciários dos que já não mais podem fazê-lo, ou para aqueles que a sociedade considera que já deram sua contribuição para o desenvolvimento do País durante número suficiente de anos de trabalho.

           Passar do sistema de repartição atual para o de capitalização, exigiria, caso fosse implantado no Brasil, uma fase de transição, cujos custos não são, de modo algum, desprezíveis. Assim, Senhor Presidente, é necessário que, na discussão ora em curso, antes da tomada de qualquer decisão, sejam incluídos e sopesados, cuidadosamente, quais são esses custos, e se a sociedade está disposta a arcar com eles.

           O sistema previdenciário é uma das espinhas dorsais dos direitos sociais no mundo. Os países desenvolvidos da América do Norte e da Europa, atualmente em patamares de bem-estar social bem mais elevados que o nosso, discutem, também, revisões em sua estrutura previdenciária. Todavia, há se levar em conta que, à grande maioria de seus cidadãos, é dado acesso aos benefícios do desenvolvimento socioeconômico que alcançaram. Tal não é a situação de nós brasileiros. Para citar apenas um exemplo, o que a nova lei previdenciária brasileira, ainda em votação, prevê como teto de aposentadoria, 1.200 reais, equivale ao salário mínimo francês. A um italiano é assegurada uma aposentadoria de cerca de 6 mil dólares mensais.

           Sr. Presidente, nós somos um País onde a maioria da população não tem acesso aos mais elementares direitos sociais, mesmo os inscritos na Constituição Federal. Devemos, pois, ter muito cuidado quando falarmos de reformas no sistema previdenciário, sejam elas de caráter limitativo ou não. Ainda não asseguramos aos brasileiros a garantia do usufruto dos benefícios que a lei lhes outorgou e já discutimos sua alteração.

           Estou convencido de que não se cogita de retirar do nosso povo o direito ao bem-estar social, que se torna realidade através da justa repartição, entre todos, da riqueza nacional. Vislumbro, por trás das discussões que hoje se travam, uma visão do Brasil dirigida apenas para sua face mais desenvolvida. Receio, portanto, que se esteja esquecendo de sua face mais desprovida, a outra face que forma o Brasil integral. Não podemos incorrer na síndrome de Primeiro Mundo, num País de tão fortes deficiências no campo social.

           Na verdade, mudar o sistema de previdência social implica três importantes tipos de custos de transição, cujo pagamento incumbirá a toda sociedade. Estes três custos são:

           * a continuidade do pagamento dos atuais inativos por um período estimado de cerca de 50 anos, até a cessação dos seus benefícios;

           * o reconhecimento das contribuições passadas feitas pelos trabalhadores que desejam formar as suas contas individuais, segundo o novo sistema;

           * o subsídio ou pagamento de benefício assistencial a pessoas que não têm capacidade de acumular fundos para a aposentadoria.

           Sr. Presidente, a reforma efetuada no Chile é freqüentemente evocada como paradigma da viabilidade da implantação do sistema de capitalização individual. Há que se ter, todavia, muito cuidado quando se faz tal assertiva. Em primeiro lugar, a reforma foi feita sob um regime autoritário, não tendo havido, pois, qualquer discussão com a sociedade. Em segundo lugar, O Chile todo é pouco maior que a Região Sul do Brasil; sua população não chega a 10% da nossa e sua força de trabalho regula com a população do estado de Santa Catarina. Há aí, pois, um fator de escala que torna o tratamento da questão previdenciária no Brasil consideravelmente distinto do caso chileno.

           Há, também, que se considerar a extensão territorial do Brasil e as notórias deficiências do Estado brasileiro de se fazer presente junto à população, até mesmo na grandes cidades, quanto mais nas regiões de baixa densidade populacional.

           Em um País de fortes desequilíbrios sociais, onde mais da metade da população tem renda mensal baixíssima, como assegurar capacidade de poupança para que essa gente possa gerar uma capitalização para aposentadoria?

           Estudos recentes indicam que os custos implicados na transição entre sistemas, segundo o modelo chileno, seria da ordem de 255% do PIB brasileiro, se considerado o regime geral da previdência somado ao dos servidores públicos. Passaria a algo ao redor de 200%, se englobasse apenas o regime geral. No Chile, os custos giram em torno de 80% do PIB.

           Na Itália, mudar o sistema custaria 343% de seu PIB. Na França, 256%. No Brasil, como disse, mais de 200%. É algo viável para nossa economia? É algo que nossa população pode pagar? Ou devemos continuar nossa discussão interna, em busca de novas alternativas, mais criadoras e mais adequadas à nossa realidade. Em face das cifras que mencionei, estou convencido de que adotar o sistema chileno aqui é absolutamente inviável.

           Sr. Presidente, é certo que, por trás da tentativa de privatizar - pelo menos parcialmente - a previdência social, está a idéia de induzir, ou melhor, forçar a poupança interna, visando melhorar o financiamento do desenvolvimento nacional. Contudo, há que se atentar para o fato de que a grande maioria da população brasileira não consegue se aposentar de modo digno, sendo obrigada a continuar a trabalhar para sobreviver.

           Estou plenamente consciente da complexidade da questão da seguridade social e, em particular, da previdência social em nosso País. Sei, também, que o foro mais adequado para a discussão aprofundada das questões ligadas à matéria é a Comissão de Assuntos Sociais, no âmbito do Senado Federal.

           Estou, todavia, convicto, de que a grande discussão que deve ser travada é no seio da sociedade, para que ela se faça consciente das implicações de sua escolha e dos custos com que deverá arcar. Não cabem mais atitudes tutelares sobre a sociedade, no molde de experiências que tivemos em passado não muito remoto. A sociedade deve ser chamada a discutir soberanamente à luz das conseqüências que advirão das escolhas que fizer.

           É verdade que somos representantes do povo. Não somos, porém, detentores da verdade. Devemos prestar contas de nossas decisões à população que representamos, sobretudo se lhe estamos transferindo ônus que ela deverá suportar, como os três pontos que levantei ao longo deste pronunciamento.

           Este é o meu alerta: mudar a Previdência Social trará sérias conseqüências sociais e econômicas, para as quais todos nós devemos estar preparados, caso o façamos.

           Era o que eu tinha a dizer.

           Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/05/1998 - Página 8210