Discurso no Senado Federal

COMENTARIOS AO ARTIGO DO JORNALISTA LUIZ NASSIF, PUBLICADO NO JORNAL FOLHA DE S.PAULO, INTITULADO 'MIRAGEM DE SÃO FRANCISCO'.

Autor
Lúcio Alcântara (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CALAMIDADE PUBLICA.:
  • COMENTARIOS AO ARTIGO DO JORNALISTA LUIZ NASSIF, PUBLICADO NO JORNAL FOLHA DE S.PAULO, INTITULADO 'MIRAGEM DE SÃO FRANCISCO'.
Aparteantes
Djalma Bessa, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 15/05/1998 - Página 8365
Assunto
Outros > CALAMIDADE PUBLICA.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, LUIZ NASSIF, JORNALISTA, LEITURA, TRECHO, ASSUNTO, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO SÃO FRANCISCO.
  • ANALISE, OBRA PUBLICA, TRANSPOSIÇÃO, AGUA, RIO, SOLICITAÇÃO, SOLIDARIEDADE, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), ESTADO DA BAHIA (BA), NECESSIDADE, ESTUDO, IMPACTO AMBIENTAL, LIMITAÇÃO, CUSTO.
  • REGISTRO, PARTE, PROJETO, RECUPERAÇÃO, NASCENTE, RIO SÃO FRANCISCO, LIGAÇÃO, BACIA HIDROGRAFICA, RIO TOCANTINS.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, serei breve, porém vou reincidir no tema: também tratarei de seca.

A esse respeito, lerei trecho de um artigo do jornalista Luís Nassif, publicado na Folha de S. Paulo de ontem, cuja transcrição integral para os Anais do Senado peço que seja feita. O nome do artigo é “A Miragem do São Francisco”.

Aproveito a oportunidade ainda para pedir a solidariedade dos mineiros e dos baianos para com esse projeto de transposição de águas do Rio São Francisco, que é fundamental para pelo menos quatro Estados do Nordeste: Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco.

Passo a ler o artigo:

O desvio das águas do rio São Francisco para combater a seca nordestina ainda é uma miragem no deserto. Há três níveis de dificuldade nessa obra.

A primeira, de cunho federativo. Desviar o rio significará tirar água de alguns Estados e distribuir para outros. Como reagirão os Estados prejudicados?

Ora, o princípio da federação é o princípio da coesão e da solidariedade entre os Estados-membros. É evidente que não há ninguém em melhores condições do que a União Federal para tratar de uma questão como essa. E o local adequado para esse debate é o Senado, porque aqui estão Senadores de todos os Estados, em busca de soluções harmônicas que aumentem mais o grau de solidariedade entre os Estados-membros.

“A segunda é de cunho ambiental. Há poucos estudos avaliando as conseqüências ambientais desse desvio”, prossegue o jornalista.

Recentemente, o Governo encomendou estudos acerca do impacto ambiental provocado pelo desenvolvimento de projetos executivos de engenharia. Seria irresponsabilidade aventurar-se a iniciar uma obra desse porte sem estudos sobre as suas repercussões no meio ambiente.

“A terceira é de cunho econômico. O primeiro projeto apresentado era megalômano, implicando custos extraordinários”, observa Luís Nassif.

Os dados estão variando, mas o número mais alto que vi até agora foi um bilhão de dólares, quantia que não é elevada se se considera o gênero da obra, que visa a trazer muitos benefícios às regiões que vierem a ser assistidas.

Essa é uma toada antiga. O Deputado Marcos Macedo, que foi um deputado cearense, já há muitos anos, no tempo do Império, já falava sobre a transposição dessas águas, sobre a derivação de águas do São Francisco para atender outros Estados.

O Sr. Romeu Tuma (PFL-SP) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Concedo o aparte a V. Exª.

O Sr. Romeu Tuma (PFL-SP) - Desculpe-me a interrupção, mas esse é um assunto que me apaixona. Ontem após a Ordem do Dia, tive a oportunidade de me referir, durante um curto pronunciamento, à tese que V. Exª levanta, com muito mais propriedade que eu, em razão de conviver no seu Estado com as grandes dificuldades que a seca apresenta periodicamente, e hoje, por antecipação, as autoridades já conhecem. V. Exª usou o vocábulo solidariedade por mais de uma vez no seu discurso. Ontem, eu dizia, se me permitir esse aspecto técnico-econômico que V. Exª levanta no seu pronunciamento, que a solidariedade despertada no povo brasileiro é sinônimo de amor. Se V. Exª acompanhar pelas noticiários das televisões, verá que algumas igrejas, alguns cultos religiosos, as próprias TVs Globo, Record e outras, estão realizando campanhas de arrecadação de alimentos para mandar para essas regiões mais sofridas, com sucesso absoluto. As camadas que possuem um pouquinho dividem o que têm para mandar para seus conterrâneos em outros locais do País. Essa campanha de solidariedade se contrapõe à violência dos saques, que são pregados nessas regiões. Enquanto o povo, sofrido, sabe que precisa ajudar com alimentos, outros pregam a prática do crime. Não sei se foi Euclides da Cunha que se referiu, em Os Sertões, ao problema da transposição do Rio São Francisco, a respeito da qual há um artigo profundo, bastante elaborado, na Folha de S.Paulo de sábado ou domingo, se não me engano. Um bilhão, Senador, é praticamente um pouco mais do que se gastou com os golpes que deram, recentemente, algumas instituições bancárias. Até hoje a Polícia continua a investigar para ver se descobre onde, no exterior, foram colocados quase US$500 milhões. Ao cumprimentar V. Exª, acredito expressar a solidariedade de São Paulo a V. Exª e a todos os nordestinos.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Muito obrigado, Senador Romeu Tuma. Realmente, a mobilização da população brasileira para atender às vítimas da calamidade da seca no Nordeste demonstra a generosidade do nosso povo. Mas é evidente que não podemos viver de paliativos.

O jornalista diz mais adiante: “Ante tantas ressalvas, a única medida concreta do Executivo foi liberar uma verba para o levantamento de estudos sobre o tema”. O Governo contratou o INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais; mas uma associação de construtores entrou com uma ação no Tribunal de Contas da União, argumentando que esse contrato não poderia ter sido feito, pois era caso de licitação pública, apesar de o INPE ser um órgão do Governo. O Tribunal de Contas da União determinou que fosse feita essa licitação, o que foi feito. Espera-se agora que um estudo objetivo, profundo, isento determine os impactos do projeto, a repercussão sobre o meio ambiente.

Ninguém quer sangrar o rio São Francisco para ajudar a matá-lo; seria impatriótico. Trata-se de um projeto também de recuperação do rio São Francisco, desde as suas nascentes, na Serra da Canastra, às matas ciliares, que foram destruídas às margens do rio. Esse projeto tem de ser mais abrangente, podendo ter uma segunda etapa, que seria a interligação com o Tocantins, previsto no projeto de interligação de bacias fluviais.

Diz ainda o jornalista que “a soma de dificuldades ainda é muito grande”. Segundo ele, “é mais fácil contar com o arroz e o feijão das medidas imediatas”.

O arroz e o feijão das medidas imediatas é indispensável, necessário, urgente, mas não basta. Precisamos de medidas definitivas que contribuam para soluções permanentes. Ninguém combate a seca, mas se adapta a ela, cria condições de convivência com ela. É o que queremos para o homem que está no semi-árido e que tem dificuldades de obter água até para beber. Existem cidades, como Assaré, no interior do Ceará, onde permanentemente se encontram camburões nas portas das casas para o carro-pipa abastecê-las. Recentemente, o Governador Tasso Jereissati concluiu um reservatório, o Açude de Canoas, com uma adutora que abastecerá a cidade. Mas isso é comum no semi-árido da caatinga nordestina.

O Sr. Djalma Bessa (PFL-BA) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Ouço, com grande prazer, o meu querido amigo e meu mestre, quando em meus primeiros passos como Deputado.

O Sr. Djalma Bessa (PFL-BA) - Senador Lúcio Alcântara, V. Exª foi Deputado Federal e meu professor na Câmara dos Deputados. Quero cumprimentá-lo pela propriedade com que trata o assunto, valendo-se do artigo do jornalista Luís Nassif. É certo que não subscrevo o título do artigo, porque miragem dá a entender que é um fenômeno que não existe e, ainda que existisse, estaria muito longe, muito distante. Não chego a tanto. Por quê? Esse projeto foi preparado há algum tempo mas com aquele desejo de realização imediata.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - O açodamento.

O Sr. Djalma Bessa (PFL-BA) - O açodamento, a pressa para fazer agora. Realmente, faltavam estudos técnicos que agora estão sendo complementados. Analisemos primeiro o valor: R$1 bilhão não significa praticamente nada em relação a uma aplicação financeira qualquer - não é investimento médio, nem grande investimento -, diante dessa função social de salvar vidas, o que não tem preço. Ademais, como V. Exª tão bem se referiu, não há sentido em se fazer essa transposição prejudicando o São Francisco. Já não digo prejudicando esse ou aquele Estado à margem do São Francisco, mas o próprio São Francisco. Assim não resolve. O Rio São Francisco precisa ter um canal navegável, gerar energia e abastecer a irrigação às suas margens. Esse estudo precisa ser feito cuidadosamente, levando-se em conta a agressão que pode causar ao meio ambiente. Não se pode partir para a obra assim, sem mais nem menos. Peço a V. Exª que me releve ser um pouco extenso, mas o seu pronunciamento é muito oportuno e conveniente. Associo-me a ele e entendo que temos uma parcela de muita responsabilidade em tudo isso, porque compete-nos fazer o que V. Exª está fazendo: ocupar a tribuna aqui - já não digo nem normalmente, mas demasiadamente - a fim de buscar uma solução urgente. Já houve várias secas e todos sabemos que elas não serão erradicadas, destruídas ou acabadas, como V. Exª tão bem afirmou, mas podemos combater os seus efeitos nefastos, destrutivos, cruéis e desumanos. Isso já foi feito com tecnologia por demais conhecida. V. Exª tem a minha solidariedade e o meu aplauso, porque está analisando esse fenômeno com muita propriedade, objetividade e muito acerto.

O SR. LÚCIO ALCÂNTARA (PSDB-CE) - Muito obrigado, Senador Djalma Bessa. O aparte de V. Exª traz uma contribuição importante, na medida em que destaca o princípio da responsabilidade. Ninguém pode querer transformar isso numa bandeira política, num slogan. Temos que examinar esse assunto com objetividade e com senso patriótico. Quantas vezes ouvi falar no rio São Francisco como o rio da integração nacional. Que essa integração chegue até esses Estados onde a dificuldade é ter água para beber, para a sobrevivência, e não água como insumo para atividade econômica. Alguém há de dizer que essas populações têm que abandonar essas regiões. É muito fácil dizer isso, mas estamos tratando com pessoas que têm ali vínculos afetivos, sentimentais, históricos, e que povoaram aquelas regiões por anos a fio.

Quero concluir dizendo que no Jornal do Brasil de hoje há uma entrevista do Ministro Gustavo Krause, em que S. Exª, falando também sobre essa obra, diz justamente da necessidade de se fazer até uma engenharia política - como chama - que só pode ser realizada em cima de dados técnicos.

Não podemos rejeitar liminarmente o empreendimento por uma questão egoística ou simplesmente nos recusar a examinar essa proposta, nem podemos também embarcar numa aventura, num açodamento que não é construtivo. O que o Governo deveria ter feito - e ainda não fez - era justamente realizar esses estudos, para que o Presidente Fernando Henrique não precise voltar, às vésperas de uma campanha, a insistir nesse tema como se nada tivesse passado ao longo desses anos.

Creio que o Presidente Fernando Henrique está firmando um compromisso definitivo para a realização de um empreendimento, que não é nenhuma novidade, pois já foi feito na Rússia, nos Estados Unidos e em vários países, como uma obra de engenharia simples, corriqueira.

Precisamos ter segurança sobre as repercussões da obra para que ela não venha a se transformar em um desastre político, ecológico e econômico.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/05/1998 - Página 8365