Discurso no Senado Federal

PROPOSTA DA MARCHA GLOBAL CONTRA O TRABALHO INFANTIL.

Autor
Benedita da Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Benedita Souza da Silva Sampaio
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • PROPOSTA DA MARCHA GLOBAL CONTRA O TRABALHO INFANTIL.
Publicação
Publicação no DSF de 15/05/1998 - Página 8417
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, CHEGADA, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), MARCHA, REIVINDICAÇÃO, ERRADICAÇÃO, TRABALHO, CRIANÇA, ADOLESCENTE.
  • REGISTRO, ENTREGA, DOCUMENTO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MICHEL TEMER, ANTONIO CARLOS MAGALHÃES, PRESIDENTE, CAMARA DOS DEPUTADOS, SENADO, EXIGENCIA, BRASIL, CUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO, AMBITO INTERNACIONAL, DEFESA, DIREITOS, INFANCIA, ADOLESCENCIA, EXTINÇÃO, TRABALHO, CRIANÇA, PAIS.

A SRª BENEDITA DA SILVA (Bloco/PT-RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em todo o mundo, cerca de 250 milhões de crianças com idades entre 5 e 14 anos, trabalham.

A marcha global reivindica o fim da exploração do trabalho infantil.

O resultado de um levantamento realizado pelo IBGE e pelo Unicef revela que o uso da mão-de-obra infantil no Brasil continua preocupante. Cerca de 3,5 milhões de crianças e adolescentes entre 10 a 17 anos trabalham 40 horas ou mais por semana.

Nada menos do que 4,6 milhões de crianças e adolescentes brasileiros se dividem entre os bancos escolares e o batente, isto é, trabalham e estudam. Outros 2,7 milhões de crianças trabalham e não estudem. É também um país em que 3,2% dos brasileiros entre 5 e 9 anos estão no mercado de trabalho.

As principais causas do trabalho infantil são por demais conhecidas: concentração de renda, baixos salários, altos índices de desemprego, miséria e ausência de políticas públicas para o desenvolvimento da criança e do adolescente.

A Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente proíbem o trabalho de menores de 14 anos.

De norte a sul do País, na cidade ou no campo, existem crianças e adolescentes trabalhando em atividades perigosas, insalubres, com sérios riscos para sua saúde e seu desenvolvimento. Nas ocupações urbanas, é marcante a presença de crianças na economia formal e informal e até na chamada economia clandestina (tráfico de drogas, prostituição, mendicância). Já na zona rural, as crianças trabalham nos canaviais, laranjais, carvoarias, minas, garimpos e outros.

Mas o trabalho infantil não é uma questão nova que está sendo colocada para a sociedade brasileira. Sabemos que as desigualdades sociais existentes no País fazem com que tenhamos de conviver com a chamada mão-de-obra infantil. Mas o que acontece não é apenas a convivência com a mão-de-obra infantil: é a convivência com a mão-de-obra infantil explorada e escravizada. Em função de não disporem do mínimo para sobrevivência, as crianças se vêem obrigadas a realizar atividade remunerada, ao invés de estarem na escola, encontrando, mais tarde, dificuldades em conseguir uma melhor colocação no mercado de trabalho.

Para enfrentar o problema do trabalho infantil, vislumbram-se duas dimensões básicas de ação concreta:

1) sensibilização da sociedade e da classe empresarial sobre a questão, consolidando uma nova visão de criança e adolescente como sujeitos de direitos, que devem ser respeitados como pessoas em desenvolvimento, e assim protegidos;

2) o enfrentamento com vontade política, por parte do Poder Público. Mas uma política que incentive o ingresso, o regresso e a permanência na escola. O centro das atenções deve ser a unidade familiar, com a promoção de uma política de geração de emprego e renda, dando aos pais condições objetivas de criar seus filhos, em contraposição à histórica atuação do Poder Público e da sociedade, de incentivar o ingresso precoce no mercado de trabalho, atribuindo também às crianças e aos adolescentes a responsabilidade de prover o sustento da família.

Diante dessa realidade, chegou a Brasília ontem, dia 13 de maio, Dia da Abolição da escravatura, trazendo mais de três mil crianças de todos os Estados brasileiros, a Marcha Global contra o Trabalho Infantil. Essa Marcha é um esforço mundial de mobilização que visa proteger e promover os direitos de todas as crianças, especialmente o de receber educação gratuita e de qualidade e o de viver livre da exploração econômica, bem como da realização de qualquer trabalho que possa ser danoso ao seu desenvolvimento físico, espiritual, mental, moral ou social.

Iniciada em agosto de 1997, com mobilizações em países dos cinco continentes, a Marcha chegará a Genebra, na Suíça, em junho deste ano, quando representantes de governos, trabalhadores e empresários estarão reunidos na Assembléia Geral da OIT e elaborarão uma nova convenção internacional do trabalho infantil.

Um documento contendo milhares de assinaturas foi entregue pelas crianças, ontem, ao Presidente Fernando Henrique Cardoso e aos Presidentes da Câmara, Deputado Michel Temer, e do Senado, Senador Antonio Carlos Magalhães. O manifesto exige que o Brasil cumpra as legislações internacionais de defesa dos direitos da infância e da adolescência e extinga o trabalho infantil no País.

O direito à educação, uma das principais reivindicações da Marcha, propõe que as crianças troquem o trabalho mal remunerado, que muitas vezes supera suas forças, pela sala de aula. Trocando o direito à educação por salários que variam de R$1,00 a R$5,00 por dia, muitas se arriscam no corte de cana-de-açúcar ou nas fábricas de sapatos no sul do Brasil.

A Marcha Global propõe a ratificação e o cumprimento da Convenção 138 da OIT, que estabelece a idade mínima para o ingresso de adolescentes no mercado de trabalho, e a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição nº 413/96, do Governo Federal, enviada ao Congresso Nacional em outubro de 1996, que proíbe o trabalho para menores de 14 anos.

A Marcha não é uma campanha contra o trabalho. Reconhecemos a importância e o valor do trabalho, mas questionamos a forma como esse trabalho se realiza e é explorado. A escravidão a que milhares de crianças são submetidas, às vezes até pelos próprios pais, pois são mão-de-obra fundamental no orçamento familiar, preocupa cada vez mais o País. A necessidade de obter uma renda obriga as crianças, que deveriam estar na escola, a enfrentar dura jornada de trabalho sem qualquer garantia de futuro. A mão-de-obra infantil não acrescenta orgulho para o Brasil.

Já tive oportunidade de aqui falar a respeito dessa Marcha e dessa situação. Serei incansável. Participo da CPI que investiga o trabalho infantil e que está concluindo os seus trabalhos. Espero que as indicações que essa CPI fará sejam uma contribuição eficaz para o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente e para todos os acordos.

Faz-se necessária também a vontade política dos nossos governantes, não apenas do Governo Federal como também dos Governos Estaduais e Municipais, para a instalação dos conselhos tutelares, e nas políticas cuja aplicação hoje sabemos ser importante para que as crianças saiam da rua e deixem esse trabalho quase que forçado. É uma realidade dura e difícil. Nós, que viajamos, como membros da CPI, pelo Brasil, vimos crianças com cinco anos de idade, sem exagero algum, acordarem junto com seus pais, às 4 horas da manhã, para ir debulhar milho e outras coisas mais, sem hora para voltar para suas casas. Aquelas crianças ficam sem perspectiva e oportunidade de serem educadas.

Por isso, essa Marcha, que é um movimento global, tem o objetivo de sensibilizar a sociedade para a erradicação do trabalho infantil. É preciso também desmistificar a cultura do trabalho infantil, explicada pela necessidade de a criança ajudar sua família a sobreviver e por afirmações como: “A criança que trabalha fica mais esperta, aprende a lutar pela vida e tem condições de vencer profissionalmente quando adulta”; “o trabalho enobrece a criança”; “antes trabalhar que roubar”.

Esses argumentos não contam para os organizadores da Marcha e nem para nós, que sabemos que criança é criança em qualquer classe social, e lugar de criança é em casa e na escola, brincando, e não trabalhando.

Se defendermos a necessidade de trabalho para as crianças pobres, estaremos coniventes com a conseqüente falta de perspectiva de vida e de futuro, que as transforma em potenciais marginais a encher as cadeias de nosso País.

A CNBB, por intermédio da Pastoral do Menor, da Associação de Educação Católica do Brasil - AEC - e da Pastoral da Criança, está na coordenação e organização desse evento, oferecendo toda a estrutura possível para que nós possamos respaldar essa iniciativa. Solicitou-nos ela que fizéssemos pronunciamentos das tribunas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, que levássemos às Câmaras de Vereadores e às Assembléias Legislativas informações sobre o conteúdo dessa marcha, e o compromisso de sermos fiscais do implemento de políticas que possam erradicar o trabalho infantil.

Muito obrigada, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/05/1998 - Página 8417